sábado, 30 de maio de 2015

Mészáros: A disputa pelo Estado




Entrevista com István Mészáros, por Leonardo Cazes
30.Mai.15 :: Outros autores

István Mészáros é um dos mais destacados pensadores marxistas da actualidade.
Nesta entrevista, a reflexão de fundo é muito mais importante do que esta ou
aquela apreciação conjuntural. Publicada em Fevereiro, é possível que a
valorização que fazia então de Syriza e Podemos não fosse hoje a mesma. Mas o
essencial é o que afirma, com lapidar ironia: à frase de Rosa Luxemburg
“socialismo ou barbárie” pode hoje acrescentar-se: “barbárie…se tivermos sorte”.




No contexto do lançamento de seu novo livro, A montanha que devemos conquistar:
reflexões acerca do Estado, o filósofo marxista húngaro István Mészáros concedeu
uma longa entrevista a Leonardo Cazes para o jornal O Globo, em que discutia
alguns aspectos centrais da obra, como sua concepção de Estado, de democracia e
da crise estrutural do capital, à luz de alguns dos protestos e mobilizações
políticas que se vêm alastrando mundo afora. O resultado foi publicado
parcialmente em fevereiro deste ano. A entrevista, contudo, supera em mais de
três vezes o espaço disponibilizado pelo jornal. A pedido do autor, o Blog da
Boitempo publica agora a versão integral da entrevista, enviada a nós
diretamente pelo jornalista e revisada pelo tradutor Nélio Schneider. Também a
pedido de Mészáros, a entrevista deve se somar ao apêndice das próximas edições
ampliadas de A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado.
***
Por que o senhor, no título de seu novo livro, comparou o Estado que se deve
conquistar a uma montanha?

No sentido mais simples e direto, porque a estrada que devemos seguir para
garantir nossa sobrevivência e nosso avanço está bloqueada por um obstáculo
gigante – muitos Himalaias, um em cima do outro –, representado pelo poder de
decisão global do Estado. E não podemos dar a volta nessa montanha, nem passar
por cima dela. O perigo de fato consiste em que alguns poucos Estados nacionais
têm o poder de destruir a humanidade inteira, um poder zelosamente defendido por
eles como sua “segurança” e “autodefesa” nos seus confrontos, reais e
potenciais, uns com os outros.
E, enquanto os Estados e a sua necessária rivalidade sobreviverem, a esmagadora
maioria da humanidade não pode fazer absolutamente nada contra isso. Nada pode
ser mais absurdo do que isso.
A ideia de que, na tentativa de superar as desigualdades estruturalmente
arraigadas e saná-las de uma forma duradoura, as pessoas poderiam usar a
“sociedade civil” contra o poder do Estado é extremamente ingênua, para dizer o
mínimo. Tal como a presunção de chamar de “ONGs”, isto é, “Organizações Não
Governamentais” essas organizações pateticamente limitadas que dependem, para o
seu financiamento e funcionamento, dos recursos concedidos pelo Estado.
Essas mitologias autocontraditórias não podem oferecer soluções para os nossos
piores problemas. O Estado é a estrutura política global de comando do sistema
do capital em qualquer uma das suas formas conhecidas ou concebíveis. Sob as
condições atuais não pode ser de outra maneira. É por isso que a ordem social
reprodutiva do capital é antagônica ao seu núcleo e precisa da problemática
função corretiva do Estado para transformar, num todo coeso, as partes
constitutivas em conflito do sistema, na sua incurável centrifugalidade.
Houve um tempo em que esse tipo de correção não era só defensável, mas trazia
consigo um avanço histórico que a tudo conquistava. Hoje, entretanto, a outrora
bem-sucedida função corretiva do Estado falha em funcionar de forma duradoura,
na medida em que a profunda crise estrutural do sistema do capital fica cada vez
mais clara. O resultado é uma destruição ainda maior, não apenas em incontáveis
guerras, mas também da natureza.
É por isso que argumento que a famosa frase de Rosa Luxemburgo, “socialismo ou
barbárie”, precisa ser completada, para o nosso tempo para: “… ou barbárie, se
tivermos sorte”. A aniquilação da humanidade é a nossa sina se falharmos na
conquista dessa montanha que é o poder destrutivo e autodestrutivo das formações
estatais do sistema do capital.
No mundo atual, os Estados nacionais parecem ter cada vez menos poder diante de
organismos financeiros internacionais e mesmo de organizações políticas
interestatais, como a União Europeia. Assim, qual é esse Estado que se deve
conquistar?
A alegada redução do poder dos Estados-nações é um grande exagero alardeado por
governos com o objetivo de justificar seus fracassos em promover até mesmo as
limitadíssimas reformas sociais solenemente prometidas por eles. Os fatos
mostram o contrário. Cito apenas alguns exemplos: o Syriza, respaldado por larga
margem de votos, está tentando hoje afirmar os interesses gregos contra o FMI e
a União Europeia. No Reino Unido, nas eleições gerais de maio próximo, o partido
que deve ter o maior crescimento percentual em número de votos é o Partido
Independente do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês). Além disso, sob o
impacto do crescente sucesso do UKIP, o Partido Conservador (do
primeiro-ministro David Cameron) está ameaçando deixar a União Europeia caso não
ocorram mudanças no bloco que atendam aos interesses do país.
A propósito, não se pode excluir a possibilidade de que a própria União
Europeia acabe. Ainda mais representativo foi o plebiscito, realizado meses
atrás, sobre a independência da Escócia. O percentual de eleitores que apoiaram
a independência atingiu a impressionante marca de 45%, o que provavelmente
levará à sua realização quando eles puderem votar sobre esse assunto novamente.
Ao mesmo tempo, a Catalunha, na Espanha, está tentando afirmar os seus
interesses no mesmo sentido, como mostram as votações recentes. Na Bélgica,
temos contradições parecidas, em alguns casos com manifestações violentas, e
também na Itália, na região do Alto Adige, há um forte movimento pressionando
por independência. E não devemos esquecer que, na Europa Central, não faz muito
tempo que a Eslováquia se separou da atual República Tcheca.
Assim, a realidade não é a eliminação das aspirações dos Estados nacionais, mas
o superaquecimento de um caldeirão de perigosos antagonismos e contradições em
vários níveis, todos situados entre os atuais Estados nacionais e aqueles que
aspiram a tornar-se Estados nacionais e até mesmo as estruturas criadas para
solucionar os antagonismos interestatais como União Europeia – que está muito
longe de ser unificada.
A crônica falta de solução para esses problemas oferece grandes perigos para a
sobrevivência da humanidade. Por acaso deveríamos ignorar o fato de que os
Estados Unidos estão ameaçando armar a Ucrânia contra a Rússia, com
consequências potencialmente sérias e incalculáveis? Onde foram parar os dias de
glória em que líderes políticos mundiais alardearam em alto e bom som “o fim da
guerra fria”? E, para além do confronto entre EUA e Rússia, o que pensar do
antagonismo, num horizonte não muito distante, entre EUA e China – os mais
poderosos dos Estados nacionais – na disputa acirrada pelos recursos naturais do
planeta?
Trata-se de um antagonismo ainda limitado, mas com uma inegável tendência a
intensificar-se. Estados nacionais rivais são totalmente incapazes de oferecer
uma solução para esses antagonismos. Nenhuma organização financeira
internacional, nem as bem-intencionadas organizações políticas interestatais
conseguem sequer arranhar a superfície de problemas tão graves.
A gigantesca falha histórica do capital foi – e continua sendo – sua
incapacidade de constituir o sistema do capital como um todo, enquanto
irresistivelmente proclama os imperativos do seu sistema como as determinações
materiais diretas da ordem reprodutiva do capital em escala global. Essa é uma
enorme contradição. Antagonismos interestatais numa escala potencialmente
autodestrutiva – um presságio foram as duas guerras mundiais do século passado
quando ainda não tinham sido completamente desenvolvidas as atuais armas de
autodestruição total – são a consequência necessária dessa contradição.
Portanto, o Estado que devemos conquistar para a sobrevivência da humanidade é
o Estado tal como nós o conhecemos, chamado de Estado em geral na sua realidade
existente, como foi articulado ao longo do curso da história, e capaz de se
afirmar apenas na sua modalidade antagônica tanto internamente quando nas suas
relações internacionais.

O senhor aponta que o Estado tal como nós o conhecemos está fundado numa
determinada ordem sociometabólica capitalista. É preciso conquistar o Estado
para transformar essa ordem? Ou só a transformação da sociedade criará as
condições para a transformação do Estado?

O Estado em si não pode refazer a ordem social reprodutiva do capital porque é
uma parte integrante dela. O grande desafio da nossa época é a necessária
erradicação do capital da nossa ordem sociometabólica. E isso é inconcebível sem
erradicar, ao mesmo tempo, as formações estatais do capital historicamente
constituídas em conjunção com a dimensão de reprodução material do sistema e
inseparável dela.
O fato de o Estado, como a correção necessária para a centrifugalidade
incurável do capital, poder se impor às partes constitutivas, sempre em nocivo
conflito, de determinada ordem social não significa que o Estado possa impor
arbitrariamente qualquer coisa imaginada pelas personificações políticas do
capital. Pelo contrário, a imposição corretiva do Estado é objetivamente
orientada pelo imperativo autoexpansionista da ordem reprodutiva material do
capital. Uma ordem completamente incapaz de reconhecer algum limite a sua
autoexpansão, gerando então uma contradição fatal. A insustentabilidade final
dessa contradição é revelada pelo fato de que o que é internamente – no âmbito
nacional – um requisito e uma conquista autoexpansionista de tendência
internacional se tornam problemáticos e potencialmente autodestrutivos. A
realidade repressiva do imperialismo monopolista e de suas guerras não é
inteligível sem essa perversa dinâmica autoexpansionista instituída pelos
Estados mais poderosos.
Assim, para que a tomada de decisão global no processo sociometabólico seja
radicalmente alterada, é necessária a eliminação da já mencionada contradição
fatal entre a dinâmica interna de reprodução produtiva do sistema e a tendência
repressiva internacional inseparável dela, como vivido na ordem social do
capital salvaguardada e defendida pelo Estado.

Alguns intelectuais veem a crise financeira iniciada em 2008 como uma crise do
capitalismo. Para salvar os bancos, houve um endividamento gigantesco dos
Estados. Esta crise do capitalismo é também uma crise do Estado?

Sem dúvida, a crise de que estamos falando é também a crise profunda do Estado.
Os defensores do sistema passaram a promover a ilusão e o autoengano de que o
Estado resolveu com sucesso a crise, despejando fundos astronômicos de trilhões
de dólares no buraco sem fundo do capital quebrado. Mas de onde vieram esses
trilhões astronômicos? O Estado como inventor desses fundos não é produtor de
nenhum deles, mesmo que finja ser o distribuidor soberano com seus dispositivos,
mais ou menos abertamente cínicos, de “quantitative easing [flexibilização
quantitativa]” etc. No entanto, a amarga verdade é que a maioria esmagadora dos
Estados está quebrada – a quantia chega a 57 trilhões de dólares de acordo com
os números mais recentes –, não importando o quanto consigam dissimular sua
falência “ex officio”.
Há muitos anos, em um artigo escrito em 1987 e publicado pela primeira vez no
Brasil em 1989, na revista “Ensaio”, citei uma fala do então presidente do
Federal Reserve (o Banco Central norte-americano) no “Financial Times”, Robert
Heller, defendendo que o déficit anual de US$ 188 bilhões na balança comercial
norte-americana representava “a saudável continuação da expansão econômica
atual”. E eu comentei isso com estas palavras: “Se US$ 188 bilhões de déficit na
balança comercial, junto com déficits orçamentários astronômicos, podem ser
considerados a continuação saudável da expansão econômica, é estarrecedor pensar
o que serão as condições não saudáveis da economia quando nos defrontarmos com
elas”. Agora estamos muito próximos disso.
ófico e a falência velada das mais poderosas economias capitalistas, sendo os
Estados Unidos responsáveis por 20 trilhões de dólares dessa conta, que continua
crescendo inexoravelmente. Isso prosseguirá, não importando quantas vezes os
presidentes dos Bancos Centrais ainda venham com a cantilena do que chamam
“condições saudáveis de expansão”.

No livro, o senhor parece acreditar que o chamado “fenecimento do Estado” é
inevitável. O que o leva a acreditar nisso?

Neste caso não se coloca a questão da inevitabilidade. Dizer que o “fenecimento
do Estado” é necessário significa apenas que se trata de uma condição vital
exigida para a solução dos problemas em jogo. Mas isso não significa que essa
exigência vá realizar-se inevitavelmente. Pelo contrário, aumenta o perigo de
que o Estado, com seu gigantesco poder de destruição, dê um fim catastrófico a
todo o esforço de transformação e emancipação, o que contraria toda a ilusão da
chamada “inevitabilidade histórica”.
Não pode haver algo como “inevitabilidade histórica” em direção ao futuro.
História é um destino aberto para o bem ou para o mal. Ressaltar a necessidade
do “fenecimento” do Estado foi, em primeiro lugar, um meio de contestar a ilusão
anarquista de que a “derrubada do Estado” pode resolver os problemas em disputa.
O Estado em si não pode ser “derrubado”, tendo em vista o seu profundo
entranhamento no metabolismo social. As relações capitalistas de propriedade
privada de determinado Estado podem ser derrubadas, mas isso por si só não é uma
solução. Tudo que pode ser derrubado pode também ser restaurado, e tem sido
assim, como o destino da “Perestroika” de Gorbachev demonstrou amplamente.
Capital, trabalho e o Estado estão profundamente interligados no todo orgânico
do metabolismo social historicamente constituído. Nenhum deles pode ser
derrubado sozinho, nem ser “reconstituído” separadamente.
A mudança exigida requer a transformação radical do metabolismo reprodutivo
social na sua totalidade e em todas as partes profundamente interconectadas que
o constituem. E isso só pode ser feito com sucesso em sintonia com as
circunstâncias históricas em mudança, dentro dos limites do nosso planeta. Esse
é o significado da alternativa socialista à ordem sociometabólica do capital,
agora perigosamente sobrecarregada e perdulária. Essa alternativa não é uma
questão de “inevitabilidade”. A inevitabilidade deve ser deixada para a lei da
gravidade, segundo a qual as pedras lançadas por Galileu da torre inclinada de
Pisa atingiriam o solo com toda certeza. É por isso que, na conclusão do meu
livro, escrevi que “aquilo pelo que essa alternativa socialista clama é a
exigência tangível de sustentabilidade histórica. E isso também é oferecido como
o critérioe a medida de seu sucesso viável. Em outras palavras, o teste de
validade em si é definido em termos da viabilidade histórica e sustentabilidade
prática, ou não, como pode ser o caso” [p. 111-2].

Uma das principais críticas à concepção marxista da história é que ela seria
muito teleológica. Esta concepção de que o colapso do Estado é inevitável não
seria também um tanto teleológica?

Apenas marxistas dogmáticos mecanicistas argumentariam nesses termos. Marx nunca
fez isso. Além do mais, sete décadas antes de “socialismo ou barbárie” de Rosa
Luxemburgo, ele escreveu que a alternativa por ele defendida era necessária aos
seres humanos “para salvar a sua própria existência”. Em outras palavras, se um
pensador claramente afirma que a ação humana autodestrutiva em curso – que advém
dos antagonismos internos e das contradições perigosas de certo sistema de
reprodução social, estabelecido pelos próprios seres humanos – pode colocar um
fim no desenvolvimento histórico, isso é o oposto da crença em uma misteriosa
teleologia da inevitabilidade histórica, e não sua defesa.
De qualquer forma, indicar a crescente probabilidade do colapso ou da implosão
é sempre muito mais fácil do que projetar em termos concretos algo como um mero
o esboço de um resultado positivo viável. Porque este último depende de uma
grande multiplicidade de fatores que interagem entre si, colocados em movimento
por esforços humanos mais ou menos conscientes, confrontando-se uns aos outros
em circunstâncias históricas confusamente complicadas e mudanças na relação de
forças. É por isso que é tão importante o desenvolvimento de uma consciência
social no âmbito de sistemas de valoresrivais, junto com seus requisitos
educacionais. Não passaria de uma ilusão autodestrutiva esperar um resultado
positivo aparecer através de uma agência supra-humana fictícia de alguma
teleologia histórica quase messiânica preexistente.

O senhor é bastante crítico à “democracia representativa”, mas também não
demonstra entusiasmo pela assim chamada “democracia direta”. Em vez disso,
propõe uma “democracia substantiva”. Quais são as bases dessa democracia
substantiva e como ela funcionaria?

A defesa feita por Rousseau de algo parecido com a democracia direta, abraçada
na fase inicial da Revolução Francesa, tem uma precedência histórica sobre a
democracia representativa. Esta última foi concebida mais como uma reação do que
como uma forma original sustentável de controle político. Além do mais, não
devemos esquecer que o grande filósofo liberal/utilitarista Jeremy Bentham
começou sua carreira intelectual como opositor da Revolução Americana, no calor
dos acontecimentos. A democracia representativa foi convenientemente adotada por
muitos parlamentos, mas produz resultados muito limitados. Trata-se de uma forma
de controle muito problemática até mesmo nos seus próprios termos de referência
e nas conquistas que reivindica para si. A crítica feita por Hegel foi certeira
quando ele escreveu em sua “Filosofia da história” que, nessa forma de
administração política, “os Poucos supõem ser os deputados, mas eles são quase
sempre apenas os exploradores dos Muitos”. Ele poderia ter apontado também que
os Muitos não são simplesmente os “Muitos”, mas simultaneamente também os
“Todos”. Mesmo que os Muitos possam ser verdadeiramente representados pelo
Partido temporariamente dominante, isso ainda assim excluiria boa quantidade dos
“Todos”, o que fez Hegel cogitar a tirania da maioria sobre a minoria. Mas é
claro que ele não pôde ir além disso, dado o seu próprio horizonte de classe e
sua concepção econômica, adaptada da economia política de Adam Smith com sua
combinação de benção e maldição orientada para o capital.
Apesar dos seus méritos relativos em comparação com a democracia
representativa, a ideia da democracia direta é também muito problemática. Ao se
colocar como alternativa à democracia representativa no domínio político, ela
ainda está muito longe de começar a perceber a grande tarefa histórica da
transformação radical do metabolismo social em sua totalidade.

Por isso não surpreende nem um pouco que até seu contraexemplo institucional
extremamente limitado dos “delegados revogáveis” em vez dos “deputados
representativos” agora eleitos para o sistema político tenha se comprovado como
totalmente incompatível, nos dois últimos séculos, com a ordem de reprodução
social estabelecida.
Além disso, a sugestão bem-intencionada de pagar a esses delegados o mesmo que
se paga aos trabalhadores de fábrica não deu em nada, embora tenha sido
defendida apaixonadamente por Lenin no seu livro “Estado e revolução” e também
depois da vitoriosa Revolução de Outubro. Nas sociedades capitalistas
ocidentais, temos ouvido falar da virtude da proposta de ter trabalhadores ou
até conselhos de trabalhadores participando diretamente do processo de decisão
das empresas, como um elemento de democracia direta, esperando assim uma grande
transformação da sociedade como um todo com o tempo.
Isso é como a raposa da fábula, ao pé da árvore, dizendo ao corvo, que segura
no bico um enorme pedaço de queijo, como seu canto é lindo e pedindo que ele
cante, na esperança de que ele deixe o queijo cair. Mas o corvo não é tão
estúpido a ponto de alimentar a raposa e ficar com fome. A questão da democracia
substantiva é um caso de processos decisórios vitais em todos os domínios e em
todos os níveis do processo de reprodução social, com base numa igualdade
substantiva. E isso exige a alteração radical no metabolismo social como um
todo, substituindo o seu caráter alienado e a superimposição alienante de todo o
processo de decisão política do Estado sobre a sociedade. Esse é o único modo em
que a democracia substantiva pode adquirir e manter o seu significado.

Na Europa, na Ásia e na América Latina, as ruas foram ocupadas por protestos
contra o poder estabelecido, sejam ditaduras ou democracias. Como o senhor
avalia esses movimentos? Eles podem ser o motor de uma mudança fundamental da
sociedade capitalista?

Sem dúvida nenhuma, estamos assistindo às mais notáveis demonstrações de
protesto em todo o mundo nos últimos anos. Ao mesmo tempo, já que as demandas
das pessoas nesses protestos de massa não foram atendidas, dificilmente se
poderá duvidar que eles reaparecerão em todo o mundo e até mais intensamente se
continuarem a ser frustrados. Contudo, seria imprudente pular para uma conclusão
otimista tendo em vista a imensa dimensão desses movimentos de protesto
mundiais. Não obstante, seria muito prematuro ver neles já o motor de uma
mudança fundamental da sociedade capitalista. Esses movimentos de protesto são
certamente prenúncios de uma necessária mudança fundamental. A magnitude dessa
mudança fundamental exigida é indicada não apenas pelas demonstrações de massa
que inequivocamente dizem “não” à perpetuação de múltiplas injustiças, mas
também pela subsequente expressão de simpatia e solidariedade das massas que
ainda não estão nas ruas.
Uma palavra de cautela é necessária, entretanto, porque é sempre mais fácil
dizer “não” ao que existe de prejudicial do que elaborar uma alternativa
positiva a ele. Se tomarmos a sustentabilidade histórica como critério e medida
da alternativa exigida, devemos aplicá-la também aos movimentos de protesto de
massa emergentes. Eles apareceram por todo mundo em geral de forma espontânea e
numa grande variedade de formas, relacionadas à multiplicidade de suas queixas
particulares.
Em algum ponto do futuro, entretanto, eles devem se unir numa força
historicamente sustentável, caso queiram se tornar o que você descreveu
corretamente como “o motor de uma mudança fundamental da sociedade capitalista”.
Só podemos torcer para que essa coesão estratégica se manifeste rapidamente,
antes que seja tarde demais.

A Europa tem assistido à ascensão de novos partidos de esquerda, muitas vezes
classificados como “radicais”. O Syriza venceu as eleições na Grécia e o Podemos
já é a segunda força política na Espanha. Como o senhor vê esses novos partidos?
Que tipos de mudança são possíveis por dentro das estruturas atuais?

Syriza e Podemos são bons exemplos da resposta necessária à imposição das cruéis
medidas de austeridade pelas autoridades financeiras e estatais internacionais à
Grécia e à Espanha, agravadas pela submissão servil de seus respectivos governos
nacionais. Mas muito além desses dois países, as medidas de austeridade
desumanizantes estão se tornando visíveis e intoleráveis em muitas partes do
mundo capitalista, incluindo aqueles países que uma vez pertenceram ao punhado
de privilegiados do “Estado de bem-estar”.
O que torna esses partidos particularmente significantes não é apenas que
nasceram na esteira de uma esquerda adormecida, mas também alcançaram uma grande
massa de apoiadores em um período muito curto de tempo. Nesse sentido, eles
claramente sublinham a insustentabilidade da ordem de reprodução social
estabelecida que recorre a cruéis medidas de austeridade até na Europa do
capitalismo avançado, depois de prometer por tanto tempo – e totalmente em vão –
a difusão do bem-estar universal em todos os lugares do mundo.
A expectativa de sucesso dos movimentos mundiais de protesto, mencionados na
pergunta anterior, pode ser bastante reforçada pelo desenvolvimento desses
partidos. Mas também a esse respeito, uma concepção global estrategicamente
viável elaborada por eles, em busca de uma alternativa à ordem existente que
seja sustentável historicamente, continua sendo um requisito necessário.

Mais de 20 anos após o fim da União Soviética, por que o senhor acredita que a
alternativa socialista não é só possível, mas também necessária?
Em termos históricos, 20 anos é um período muito curto. Isso é um fato
especialmente quando a magnitude da tarefa que se apresenta é a da necessidade
de mudança radical do sociometabolismo reprodutivo como um todo de uma ordem de
desigualdade substantiva para outra de igualdade substantiva. E o desafio
histórico para garantir uma ordem de igualdade substantiva não é uma questão das
últimas décadas.
A demanda por essa mudança foi eloquentemente afirmada por Babeuf e seus
camaradas da “Sociedade dos Iguais”, não há 20, mas há exatamente 220 anos,
quando eles insistiram em que: “Não precisamos apenas da igualdade de direitos
inscrita na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; precisamos dela em
nosso meio, sob o teto das nossas casas”. Sua demanda era totalmente
incompatível com a ordem do capital em consolidação, e eles foram executados por
isso. Mas o desafio histórico não morreu com eles, já que envolve toda a
humanidade. E nenhuma solução parcial ou o seu fracasso pode eliminar essa
condição.
Os fatores que levaram à implosão do sistema soviético têm raízes muito
profundas. Para citar muito rapidamente apenas duas: as contradições explosivas,
herdadas dos czares, de um império multinacional que reprimiu suas minorias
nacionais e a proclamação do “socialismo em um só país”, num contexto em que de
fato prevalecia o sistema do capital pós-revolucionário. No que diz respeito à
primeira contradição fatídica – cujas reverberações perigosas podem ser ouvidas
ainda hoje –, Lenin defendia para as minorias nacionais o “direito de autonomia
até o ponto de secessão”, e ele criticou incisivamente Stalin como um
“nacional-socialista” arbitrário e “valentão da Grande Rússia”; ao passo que
Stalin reduziu as minorias nacionais ao status de “região de fronteiras”
indispensáveis para a manutenção do “poderio da Rússia”. Em relação à segunda
deturpação fatídica, Stalin e seus seguidores afirmaram “a completa realização
do socialismo em um só país”, em total contradição com a visão de Marx de que
uma ordem social alternativa “só é possível como um ato dos povos dominantes de
uma só vez e simultaneamente, o que pressupõe o desenvolvimento universal das
forças produtivas e a inter-relação mundial a ele vinculado”.
Babeuf e seus camaradas tragicamente subiram ao palco da história antes da hora
com a sua demanda radical. Naquele tempo, o capital ainda tinha o potencial de
expansão através da conquista do mundo, mesmo que seu modo de operação nunca
tenha podido superar as características problemáticas daquilo que até mesmo seus
melhores defensores no campo da economia política descreveram como destruição
criativa ou produtiva. Pois a destruição sempre foi parte integrante disso,
tendo em vista o crescente desperdício inseparável da inexorável tendência
autoexpansionista do capital, mesmo na fase de ascensão do seu desenvolvimento
histórico.
A maior e mais perigosa ironia da história moderna é que a outrora tão
incensada “destruição produtiva” se converteu, na fase descendente de
desenvolvimento sistêmico do capital, em uma produção destrutiva ainda mais
insustentável, tanto no campo da produção de mercadorias quanto no domínio da
natureza, complementada pela ameaça definitiva de destruição militar em defesa
da ordem estabelecida. É por isso que a alternativa socialista não só é possível
– no sentido já mencionado de sua sustentabilidade histórica –, mas também é
necessária, no interesse da sobrevivência da humanidade.
***
István Mészáros é autor de extensa obra, ganhador de prêmios como o Attila
József, em 1951, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, e o Premio Libertador al
Pensamiento Crítico, em 2008, István Mészáros se afirma como um dos mais
importantes pensadores da atualidade. Nasceu no ano de 1930, em Budapeste,
Hungria, onde se graduou em filosofia e tornou-se discípulo de György Lukács no
Instituto de Estética. Deixou o Leste Europeu após o levante de outubro de 1956
e exilou-se na Itália. Ministrou aulas em diversas universidades, na Europa e na
América Latina e recebeu o título de Professor Emérito de Filosofia pela
Universidade de Sussex em 1991. Entre seus livros, destacam-se Para além do
capital – rumo a uma teoria da transição (2002), O desafio e o fardo do tempo
histórico (2007) e A crise estrutural do capital (2009), A obra de Sartre, e O
conceito de dialética em Lukács todos publicados pela Editora Boitempo.
Texto distribuído por e-mail pelo Boletim Amigos do Instituto Florestan
Fernandes (tb versão em inglês)

In
O DIÁRIO.INFO
http://www.odiario.info/?p=3662
30/5/2015

sexta-feira, 29 de maio de 2015

“China ha comenzado su propia globalización e intenta una especie de "keynesianismo sin fronteras"




Entrevista a Andrés Piqueras sobre "La opción reformista: entre el despotismo y
la revolución. Una explicación del capitalismo de las luchas de la clase" (y
III)


Salvador López Arnal

Profesor titular de Sociología en la Universidad Jaume I de Castellón, Andrés
Piqueras es autor y/o director de numerosos estudios sobre migraciones,
mundialización, identidades e intervención de los sujetos colectivos en el
ámbito social y político. Entre sus libros más recientes cabe destacar Capital,
migraciones e identidades (2007) y la obra colectiva del Observatorio
Internacional de la Crisis (OIC), del cual es miembro, El colapso de la
globalización (2011). Nuestra conversación se centra en su último libro
publicado por Anthropos en su colección Cuadernos A .
***

-Estábamos en China. ¿Dónde ubicarla “en este tinglado”?

-Ante el deterioro del trimotor de la globalización capitalista (EE.UU., UE y
Japón), China ha comenzado a lanzar su propia globalización. De momento, ejerce
una indiscutible hegemonía en los BRICS (estos que las potencias centrales
llaman “países emergentes”). Es el único de ellos, por ahora, con geoestrategia
global propia.

En ese sentido, en septiembre de 2012 se produjo el Gran Cambio para la
geoestrategia mundial. China y Rusia acuerdan intercambios comerciales en sus
respectivas monedas, así como la explotación conjunta de reservas y el
intercambio de recursos energéticos estratégicos.

Así pues, de septiembre de 2001 a septiembre de 2012, EE.UU., su geoestrategia
global y su posición dominante en el mundo viven dos enormes conmociones, a
pesar del silencio informativo que en esta última fecha rodeó a ese
acontecimiento de alcance planetario.

Además, Xi Jinping acaba de presentar oficialmente la nueva «Ruta de la Seda»,
frente a dieciséis Jefes de Estado o de Gobierno y más de cien ministros de los
65 países que se encuentran en el camino, por tierra o por mar, de esta nueva
ruta comercial. Por su parte, el Banco Asiático de Inversión en
Infraestructuras, creado por China, cuanta ya con la adhesión de 52 países
participantes, entre ellos las nueve principales economías europeas.

La forma en que los países europeos han convergido en el Banco Asiático de
Inversión en Infraestructuras confirma la posibilidad de un reequilibrio hacia
Eurasia del vínculo transatlántico.

Frente a todo ello a EE.UU. le quedan dos opciones: a) unirse al nuevo mundo
multipolar; b) hacer la guerra (de diversas formas) a los posibles poderes del
siglo XXI. De momento se está decantando por la reapertura de la “Guerra Fría”
con Rusia. Pero si gasta el escaso capital real que le queda en guerras de un
tipo u otro, eso quiere decir que sacrificará aún más el bienestar de su
población. Lo que llevaría pronto a ese país a generalizar los estados de
excepción y la toma militar de ciudades, como ya estamos viendo.

-¿Y la UE, hacia dónde va la UE?

-Sin energía, con unas economías en recesión cuando no en retroceso, hacer
seguidismo de EE.UU. o dejarse dar también por él el “abrazo del oso” a través
del TTIP (El Acuerdo Transatlántico para el Comercio y la Inversión) es un
suicidio. Simplemente continuar con las sanciones a Rusia por imperativo
norteamericano es una locura que contribuirá a hundir más a Europa. Por otra
parte, el demencial proyecto alemán, que todavía juega al expansionismo estatal
clásico, propio de la época de capitalismo de Estado (cuando la acumulación se
realizaba a escala “nacional”), está descuartizando el resto de economías que no
están directamente incluidas en su anillo territorial como Holanda o Dinamarca e
incluso la propia Austria, que pasan a ser algo así como “provincias” suyas. A
las economías de la periferia europea las obligó a endeudarse con los Bancos
alemanes, entre otros, y ahora las obliga a desmontar todo el Estado Social (ése
que se llamó de “Bienestar”), para que sigan pagando dinero a aquellos Bancos.
Ante ello, cunden las reacciones de indignación y protesta... Las menguantes
clases medias se hacen más medrosas y cicateras, y buscan una salida para sí
mismas, que consiste en intentar blindar el Estado Social para ellas.

Las clases dominantes europeas, por su parte, llevan tiempo generando diversos
modelos de “salidas regeneracionistas” a su crisis de legitimidad y
gobernabilidad. Algunas están conectadas al populismo de derecha o ultraderecha
y otras pasan o se hacen pasar por un “populismo de izquierdas”; hay incluso
formas populistas “de centro”. Este último es precisamente el que apela a las
“clases medias” (aprovechando la ideología de la clase media universal, que
impregnó las sociedades de capitalismo avanzado), para posibilitar por fin una
“clase media para sí”. Estas salidas emparentadas con las versiones más
negativas del populismo, requieren además de líderes a los que se confía o
delega la misión regeneracionista. Un delegacionismo profundamente arraigado,
por otra parte, en la “democracia capitalista”, que hace desentenderse a las
grandes mayorías de la participación en los asuntos públicos.

Por su parte, la promoción y auge de la extrema derecha puede servir como
amenaza a las poblaciones ante posibles movilizaciones de protesta; puede ser
también precursor del tipo de capitalismo que nos viene a partir de ahora. La
nueva forma que va a adquirir: un capitalismo cada vez más despótico.

El que la UE se vaya decantando hacia unas u otras vías, dependerá mucho de las
luchas inmediatas de nuestros pueblos, pero también de la propia pugna
inter-capitalista entre los sectores más globalistas, interesados en una suerte
de “gobernanza mundial” acorde con las nuevas modalidades de explotación, y los
sectores del capital ligados a las tradicionales expresiones
imperial-nacionales. Alemania es en Europa el lugar donde esas tendencias están
librando una gran batalla.

-¿Cuáles son las perspectivas de futuro inmediato? ¿Hay peligro de otro crack
financiero? ¿Hay peligro de una Guerra Mundial?

Esta vez tengo que contestar con sendas afirmaciones a ambas cuestiones.
Desgraciadamente, hay peligro en los dos casos. Al que tiene que ver con la
segunda de ellas creo que me referí un par de preguntas antes.

Respecto de la primera, pensemos que todo el entramado crediticio de deuda y
del actual crecimiento ficticio financiero hunde sus bases en dos razones:

1) Va a seguir habiendo energía en abundancia para mantener el crecimiento en
el futuro.

Fijémonos en que por un lado el funcionamiento económico depende cada vez más
del endeudamiento masivo de instituciones, empresas y familias. Por otra parte,
ese mismo proceso de endeudamiento hace que la cantidad de intereses totales que
se deben mundialmente cada año crezca de manera exponencial.
Contradictoriamente, la obligación de servir esos intereses retrae cada vez más
recursos de la economía productiva, lo que obliga a seguir creciendo con un
mayor apalancamiento. Para acabar, toda la pirámide de deudas acumuladas sobre
deudas, toda la espiral especulativa del mundo actual, se basa a su vez en que
en el futuro habrá suficiente crecimiento como para que aquéllas, con sus
intereses, sean devueltas. Pero ¿cuánto crecimiento haría falta para ajustar la
colosal exposición a la deuda de nuestros sistemas financieros, bancarios y de
inversión?; ¿cuánta energía se requeriría para equilibrar una deuda y acompasar
un “capital ficticio” generado en torno a ella que pudiera superar cuanto menos
más de 15 veces el PIB mundial?

2) Las economía dichas “emergentes” van a seguir creciendo y manteniendo la
economía real, lo que permitirá a la economía especulativa financiera seguir
apostando a futuros.

Pero las economías “emergentes” enfrentan serios problemas en su sistema
financiero, déficits por cuenta corriente y comerciales, caída de sus reservas
de divisas, reducción de la cobertura para sus importaciones y empréstitos a
corto plazo combinada con una todavía alta dependencia de financiación externa,
fuerte apalancamiento de sus grandes empresas, así como deficiencias
estructurales de sus mercados internos, con enormes desigualdades sociales y la
consiguiente incapacidad de generar una demanda solvente generalizada. De todas
ellas la parcial excepción es China, pero las posibilidades de que entre en su
propio círculo de sobreacumulación empiezan a crecer alarmantemente. Por eso ha
comenzado su propia globalización e intenta una especie de “keynesianismo sin
fronteras”. Una carrera contra reloj frente al agotamiento de recursos.

Hablar de los retos de China (y por extensión, del futuro del capitalismo
global) nos llevaría un libro entero. Pero al menos creo que estas reflexiones
pueden dejar más o menos claro que vivimos una coyuntura de gran incertidumbre.
Una encrucijada de las grandes en la evolución humana.

-Gracias, muchas gracias. No abuso más.

In
REBELION
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=199345
29/5/2015

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Leer a Fanon en el siglo XXI



Por Immanuel Wallerstein

Al final, lo que obtenemos de Fanon es algo más que pasión y más que un modelo
acabado para la acción política. Obtenemos una brillante delineación de nuestros
dilemas colectivos. Sin violencia no podemos lograr nada.

Pero la violencia, por muy terapéutica y eficaz que sea, no resuelve nada. Sin
romper con la dominación de la cultura paneuropea somos incapaces de avanzar.
Pero la consiguiente afirmación de nuestra particularidad nos estupidifica y nos
lleva inevitablemente a «desventuras». La lucha de clases es central, siempre
que sepamos qué clases están realmente luchando. Pero las

lumpenclases, por sí solas, sin estructura organizadora, se queman.

Frantz Fanon nació en Martinica en 1925 y murió de leucemia, demasiado joven, en
1961. En 1952, cuando ya era médico y psiquiatra, publicó su primer libro, Piel
negra, máscaras blancas1. Era un libro notable y tuvo algún impacto en los
círculos intelectuales de aquella época en Francia.

Era un apasionado cri de coeur sobre su «experiencia de hombre negro sumergido
en un mundo blanco», en las palabras que Francis Jeanson, autor de un Prólogo al
libro, empleó para describir su tema.

Fanon dice en la Introducción que para superar la alienación del hombre negro se
requiere más de lo que ofrece Freud. Freud había argumentado la necesidad de
avanzar de una explicación filogenética a una explicación ontogenética, pero
Fanon dice que se requiere llegar a una explicación sociogenética.

Sin embargo, reconocía las limitaciones de este tipo de explicación, recordando
al lector: «Yo pertenezco irreductiblemente a mi época».

Su época eran los años cincuenta. El libro tuvo una resurrección en inglés,
treinta años después, cuando fue convertido en un texto central del canon
posmoderno. Pero el libro no era de ninguna manera una invitación a la política
de la identidad. Muy al contrario. Analiza con mucha claridad por qué no hay que
perseguir una política de la identidad en la página con la que concluye el
libro:



La desgracia del hombre de color es el haber sido esclavizado.

La desgracia y la inhumanidad del blanco son el haber matado al hombre en algún
lugar.

Es, todavía hoy, organizar racionalmente esta deshumanización. Pero yo, hombre
de color, en la medida en la que me es posible existir absolutamente, no tengo
derecho a refugiarme en un mundo de reparaciones retroactivas.

Yo, hombre de color, sólo quiero una cosa:

Que nunca el instrumento domine al hombre. Que cese para siempre el sometimiento
del hombre por el hombre. Es decir, de mí por otro. Que se me permita descubrir
y querer al hombre, allí donde se encuentre.

El negro* no es. No más que el blanco.



En Francia, donde Fanon vivía en aquel momento, la década de los años cincuenta
estaba dominada por la guerra de independencia argelina, que empezó en 1954 y
terminó en 1962, un año después de la muerte de Fanon.

En 1953 fue nombrado director de psiquiatría en el hospital de Blida, en
Argelia. Enseguida le escandalizaron las historias de tortura que le relataban
sus pacientes argelinos. Ya era simpatizante de la causa argelina, pero entonces
dimitió de su cargo y se fue a Túnez a trabajar a tiempo completo para el
Gobierno Provisional de la Revolución Argelina (GPRA). Escribió prolijamente
para El Moudjahid, el periódico oficial de la revolución. En

1960 el GPRA le envió como embajador a Ghana, que en aquel momento era el centro
de facto del movimiento por la unidad africana. Fue en Accra, Ghana, donde lo
conocí en 1960 y donde tuvimos largas discusiones sobre la situación política
mundial.

Enfermó de leucemia. Primero fue a la Unión Soviética y después a los Estados
Unidos en busca de tratamientos, que resultaron infructuosos. Pude visitarlo
allí en el hospital, donde discutimos en particular sobre el movimiento Black
Panther, que acababa de nacer y con el que estaba fascinado.

En el último año de su vida se dedicó principal y furiosamente a escribir el
libro que se publicaría póstumamente con el título Los condenados de latierra.
Tiene un famoso prólogo de Jean-Paul Sartre que Fanon consideraba brillante. El
título del libro, por supuesto, procede de las primeras líneas de «La
internacional», la canción del movimiento obrero mundial, que evoca a los parias
de la tierra 2.

Fue este libro, no el primero, el que le procuró por primera vez una reputación
mundial, incluyendo, por supuesto, Estados Unidos. El libro se convirtió
prácticamente en una biblia para todos aquellos envueltos en los muchos y
diversos movimientos que culminaron en la revolución de 1968. Cuando las llamas
iniciales de 1968 se apagaron, el libro de Fanon se refugió en un rincón más
tranquilo. Y a finales de los años ochenta, los distintos movimientos
identitarios y poscoloniales descubrieron el primer libro, al que colmaron de
atenciones, muchas de ellas equivocadas respecto a las tesis que Fanon defiende
en él. Fanon era cualquier cosa menos un posmoderno.

Podría mejor caracterizársele en parte como marxista-freudiano y en parte como
freudiano-marxista, y como alguien totalmente comprometido con los movimientos
revolucionarios de liberación.

La última frase de Piel negra, máscaras blancas es: «¡Oh, cuerpo mío, haz
siempre de mí un hombre que interroga!». En ese espíritu de interrogación
ofrezco mis reflexiones sobre la utilidad del pensamiento de Fanon para el siglo
XXI.

Al releer sus libros me sorprenden dos cosas: la primera es el grado en el que
contienen declaraciones estentóreas sobre las que Fanon parece estar muy seguro,
especialmente cuando critica a otros. La segunda es que estas declaraciones van
seguidas, a veces muchas páginas más tarde, por la explicitación de sus dudas
sobre cómo proceder mejor, sobre cómo se puede lograr lo que ha de lograrse.

También me sorprende, como a Sartre, el grado en que estos libros no se dirigen
en absoluto a los poderosos del mundo sino más bien a los «parias de la tierra»,
una categoría que para él se solapa ampliamente con «la gente de color». Fanon
siente siempre ira ante el poderoso, que es a la vez cruel y condescendiente.
Pero siente mucha más ira ante esa gente de color cuyo comportamiento y actitud
contribuyen a sostener el mundo de la desigualdad y la humillación y que a
menudo se comporta así únicamente para obtener unas pocas migajas para ellos
mismos.

Quisiera organizar mis reflexiones alrededor de tres dilemas en torno a los que
en mi opinión gira Fanon: (1) el uso de la violencia, (2) la afirmación de la
identidad y (3) la lucha de clases.

1. Los condenados de la tierra tenía tanto gancho y atrajo tanta atención (tanto
admirativa como de condena) por la frase inicial de su primer ensayo

«Sobre la violencia»:

Liberación nacional, renacimiento nacional, devolución de la nación al pueblo,
Commonwealth, sean cual sean las rúbricas empleadas o las nuevas fórmulas
introducidas, la descolonización es siempre un fenómeno violento.

Inmediatamente y casi de manera inevitable el lector se pregunta: ¿esto es una
observación analítica o se trata de una recomendación táctica? Y, por supuesto,
la respuesta podría ser que quiere ser ambas cosas simultáneamente.

Tal vez el propio Fanon no esté seguro de cual de los dos sentidos es
prioritario. Y quizá tampoco importa lo que pensara Fanon sobre el particular.

La reacción de los lectores ante esta ambigua frase inicial es más, sin duda,
una función de la psique del lector que de la del escritor.

La idea de que el cambio social fundamental nunca ocurre sin violencia no era
una idea nueva. Formaba parte de todas las tradiciones emancipatorias radicales
del siglo XIX, que creían que los privilegiados nunca cedían el verdadero poder
de buena gana ni voluntariamente; el poder siempre se arrebata.

Esta creencia constituye en gran parte lo que definiría la supuesta diferencia
entre una vía «revolucionaria» y una vía «reformista» hacia el cambio social.

El problema es que, precisamente en el periodo posterior a 1945, la utilidad de
la distinción entre «revolución» y «reforma» disminuía cada vez más entre los
propios militantes de los movimientos más impacientes, airados e intransigentes.

Y, por lo tanto, el empleo de la violencia, no como un análisis sociológico sino
como una recomendación táctica, empezaba a cuestionarse.

Si los movimientos «revolucionarios», una vez alcanzado el poder estatal,
parecían lograr muchos menos cambios de los que habían prometido, era igualmente
cierto que los movimientos «reformistas», una vez en el poder, no lo hacían
mucho mejor. De ahí esa ambivalencia ante la recomendación táctica. Los
nacionalistas argelinos habían vivido sus propios ciclos biográficos.

Ferhat Abbas, el primer presidente del GPRA, había pasado los primeros treinta
años de su vida política como reformista, para acabar concediendo que él y su
movimiento no habían llegado a ninguna parte. Concluyó que el alzamiento
violento era la única táctica con sentido si Argelia no quería seguir siendo
para siempre una colonia, una colonia esclavizada.

Fanon parece afirmar tres cosas, esencialmente, sobre la violencia como táctica
política. En primer lugar, en el «maniqueo» mundo colonial, la fuente original
de violencia se localiza en los continuados actos violentos del colonizador:

Aquel a quien nunca se le dejó de decir que sólo entendía el lenguaje de la
fuerza, decide expresarse por la fuerza. De hecho, desde siempre, el colono le
ha señalado el camino que debiera ser el suyo si quería liberarse. El colonizado
elige el argumento que le ha señalado el colono y, por un retorno irónico de las
cosas, es el colonizado quien ahora afirma que el colonizador sólo entiende la
fuerza.

El segundo punto es que la violencia transforma la psicología social, la cultura
política de los que fueron colonizados.

Pero resulta que para el pueblo colonizado esta violencia, puesto que constituye
su único trabajo, reviste caracteres positivos, formadores. Su praxis violenta
es totalizante, puesto que cada uno se hace eslabón violento de la gran cadena,
del gran organismo violento que surge como reacción a la violencia primera del
colonialista. Los grupos se reconocen entre ellos y la nación futura es ya
indivisa. La lucha armada moviliza al pueblo, es decir, lo arroja en una sola
dirección de sentido único.

El tercer punto, sin embargo, se desarrolla en el resto del libro y parece
contradecir el tono extremadamente optimista del segundo punto, el sendero
aparentemente irreversible hacia la liberación nacional, hacia la liberación
humana. El segundo capítulo de este libro se titula «Grandeza y debilidad de la
espontaneidad», y el tercero «Desventuras de la conciencia nacional».

Son especialmente fascinantes a la luz del primer capítulo sobre la violencia,
escritos como fueron durante el transcurso de la guerra por la liberación
nacional en Argelia.

El capítulo 2 es una crítica generalizada de los movimientos nacionalistas,

cuyo «vicio congénito», dice Fanon, es

dirigirse con prioridad a los elementos más conscientes: al proletariado urbano,
a los artesanos y a los funcionarios, es decir, a una ínfima parte de la
población que no representa apenas un 1 por 100 […]. Los partidos nacionalistas,
en su inmensa mayoría, experimentan una enorme desconfianza ante las masas
rurales […].

Los elementos occidentalizados experimentan ante la visión de las masas
campesinas sentimientos que nos recuerdan los que se dan en el seno del
proletariado de los países industrializados.

Este vicio congénito es precisamente lo que hace que fracasen los movimientos
revolucionarios, que no pueden basarse en el proletariado occidentalizado sino,
por el contrario, en el campesinado desarraigado, recientemente urbanizado:

En esta masa, en este pueblo de los bidonvilles, en el seno del
lumpenproletariado, la insurrección encontrará su punta de lanza urbana. El
lumpenproletariado, esa cohorte de los hambrientos destribalizados y
desclanados, constituye una de las fuerzas más espontáneas y radicalmente
revolucionarias de un pueblo colonizado.

Una influencia obvia para Fanon aquí es la Batalla de Argel y su papel en la
Revolución argelina.

Fanon pasa de esta oda al lumpenproletariado destribalizado a un análisis de la
naturaleza de los movimientos nacionalistas una vez que alcanzan el poder. Es
feroz e implacable, y los denuncia en una de las frases más famosas de este
libro: «El partido único es la forma moderna de la dictadura burguesa, sin
máscara, sin maquillaje, sin escrúpulos, cínica». Y afirma de estos movimientos
nacionalistas en el poder mediante Estados de partido único:

No hay que combatir a la burguesía de los países subdesarrollados porque se
corra el peligro de que ella frene el desarrollo global y armonioso de la
nación. Hay que oponerse con resolución a ella porque, literalmente, no sirve
para nada.

Y tras esto Fanon pasa a la denuncia, pura y simple, del nacionalismo:

El nacionalismo no es una doctrina política, no es un programa. Si queremos
realmente ahorrar a nuestro país esas vueltas atrás, esas paradas, esos
desfallecimientos, hay que pasar rápidamente de la conciencia nacional a la
conciencia política y social […].

Una burguesía que le da a las masas el único alimento del nacionalismo fracasa
en su misión y se empantana necesariamente en una serie de desventuras.

El movimiento de liberación argelino, el Frente de Liberación Nacional (FLN),
aún no había llegado al poder. Fanon no estaba entonces criticándolo. Lo que
hubiera podido escribir dos años después, diez años después, no podemos saberlo,
sólo deducirlo.

2. Es en este punto donde Fanon se vuelve hacia las cuestiones de la identidad,
mi segundo tema. Inicia la discusión diciendo que, por supuesto, vanagloriarse
de las civilizaciones arcaicas no da hoy de comer a nadie, pero sí sirve al
propósito legítimo de tomar distancia de la cultura occidental.

La racialización de la cultura fue inicialmente responsabilidad de los
colonizadores blancos:

Y es muy cierto que los grandes responsables de esta racialización del
pensamiento […] son y siguen siendo los europeos que no han dejado de oponer la
cultura blanca a las otras no culturas. El concepto de negritud, por ejemplo,
era la antítesis afectiva, cuando no lógica, de este insulto del hombre blanco
hacia la humanidad.

Pero, dice Fanon:

Esta obligación histórica de racializar sus reivindicaciones en la que se han
encontrado los hombres de cultura africanos […] los va a conducir a un callejón
sin salida.

En su charla de 1959 ante el II Congreso de Escritores y Artistas Negros, que se
reproduce en el capítulo 4, «Sobre la cultura nacional», Fanon es muy crítico
ante todo intento de afirmar una identidad cultural que sea independiente y no
localizada en el interior de la lucha política por la liberación nacional.

Imaginar que se hará cultura negra es olvidar singularmente que los negros están
en vías de desaparición […]. No habrá cultura negra porque ningún hombre
político se imagina con vocación de engendrar repúblicas negras. El problema es
saber el lugar que estos hombres quieren reservar a su pueblo, el tipo de
relaciones sociales que han decidido instaurar, la concepción que se hacen del
futuro de la humanidad. Eso es lo que cuenta. Todo lo demás es literatura y
engaño.

Su alegato final es exactamente lo contrario a las políticas de la identidad:

Si el hombre es lo que hace, entonces diremos que hoy la tarea más urgente del
intelectual africano es la construcción de su nación. Si esta construcción es
verdadera, es decir, si traduce el querer manifiesto de la gente, si revela en
su impaciencia a los pueblos africanos, entonces la construcción nacional se
acompaña necesariamente del descubrimiento y de la promoción de valores
universalizantes. Lejos pues de alejarla de las otras naciones, la liberación
nacional presenta a la nación sobre el escenario de la historia. En el corazón
de la conciencia nacional se cría y vivifica la conciencia internacional. Y esta
doble emergencia no es, en definitiva, sino el hogar de toda cultura.

Pero entonces, en su conclusión, como si pensara que había ido demasiado lejos
en la minimización de los méritos de una vía diferente para África, de la vía no
europea, apunta el ejemplo de Estados Unidos, que convirtió en su objetivo
alcanzar a Europa y lo lograron tan bien que «se han convertido en un monstruo
en el que las taras, las enfermedades y la inhumanidad de Europa han alcanzado
dimensiones espantosas». Para Fanon, entonces, África no debe «alcanzar» a
Europa, convertirse en una tercera

Europa. Todo lo contrario:

La humanidad espera otra cosa de nosotros, no esa imitación caricaturesca y en
su conjunto obscena.

Si queremos transformar África en una nueva Europa, entonces confiemos a los
europeos el destino de nuestros países. Sabrán hacerlo mejor que los más dotados
de entre nosotros.

Pero si queremos que la humanidad avance un paso, si queremos llevarla a un
nivel diferente de su manifestación en Europa, entonces hay que inventar, hay
que descubrir […].

Por Europa, por nosotros mismos y por la humanidad hay que hacer piel nueva,
desarrollar un pensamiento nuevo, tratar de poner en pie a un hombre nuevo.

El zigzagueo de Fanon en ambos libros alrededor de la cuestión de la identidad
cultural, de la identidad nacional, expresa el dilema fundamental que ha
invadido el pensamiento antisistémico durante el último medio siglo y que lo
invadirá probablemente también en el siguiente. El rechazo del universalismo
europeo es fundamental para el rechazo de la dominación paneuropea y su retórica
de poder en la estructura del moderno sistema-mundo, lo que Aníbal Quijano ha
denominado la «colonialidad del poder». Pero, al mismo tiempo, todos los que se
han implicado en la lucha por un mundo igualitario, lo que podría llamarse la
aspiración histórica del socialismo, son muy conscientes de lo que Fanon llamó
«las trampas de la conciencia nacional». Así que zigzaguean. Todos zigzagueamos.
Todos seguiremos zigzagueando.

Porque zigzaguear es la única forma de mantenerse más o menos en una vía hacia
el futuro en la que, en palabras de Fanon, «la humanidad avance un paso».



3. Y esto nos lleva a un tercer tema, la lucha de clases. En ninguna parte de
los escritos de Fanon se discute la lucha de clases como tal de manera central.
Y, sin embargo, sí es central en su visión del mundo y en sus análisis.

Porque, por supuesto, Fanon fue educado en una cultura marxista, en Martinica,
en Francia y en Argelia. El lenguaje que conocía, y el de todos aquellos con
quienes trabajaba, estaba impregnado de las premisas y del vocabulario marxista.
Pero a la vez Fanon, y aquellos con los que trabajaba, se habían rebelado, y
rebelado con fuerza, contra el marxismo osificado de los movimientos comunistas
de su época. El libro de Aimé Césaire, Discurso sobre el colonialismo3, sigue
siendo la expresión clásica de por qué los intelectuales del mundo colonial (y
no solo ellos, por supuesto) abdicaron de su compromiso con los partidos
comunistas y afirmaron una versión revisada de la lucha de clases.

El tema clave en los debates sobre la lucha de clases es la cuestión, ¿cuáles
son las clases que están luchando? Durante mucho tiempo ese debate estaba
dominado por las categorías del marxismo de los partidos: el Partido
Socialdemócrata Alemán y el Partido Comunista de la Unión Soviética. El
argumento básico era que en un mundo capitalista moderno las dos clases que
mantenían una lucha fundamental y que dominaban el escenario eran la burguesía
industrial urbana y el proletariado industrial urbano. Todos los demás grupos
eran remanentes de estructuras muertas o moribundas que estaban destinados a
desaparecer a medida que todo el mundo se mezclara, se definiera a sí mismo como
burgués o proletario.

En el momento en que Fanon escribía, había relativamente pocas personas que
contemplaran esto como un resumen adecuado o incluso fiable de la situación
real. En primer lugar, porque el proletariado industrial y urbano no constituía
ni de lejos la mayoría de la población mundial, y además no parecía en general
que fuera un grupo que no tuviera nada que perder excepto sus cadenas.

Como resultado, la mayoría de los movimientos e intelectuales buscaban un marco
diferente para la lucha de clases, uno que encajara mejor como análisis
sociológico y sirviera mejor como base de una política radical. Había muchas
propuestas de nuevos candidatos para el sujeto histórico que sería la «punta de
lanza» de la actividad revolucionaria. Fanon creyó haberlo localizado en el
lumpenproletariado urbanizado y destribalizado. Pero admitía sus dudas cuando
describía las «debilidades de la espontaneidad».

Al final, lo que obtenemos de Fanon es algo más que pasión y más que un modelo
acabado para la acción política. Obtenemos una brillante delineación de nuestros
dilemas colectivos. Sin violencia no podemos lograr nada.

Pero la violencia, por muy terapéutica y eficaz que sea, no resuelve nada. Sin
romper con la dominación de la cultura paneuropea somos incapaces de avanzar.
Pero la consiguiente afirmación de nuestra particularidad nos estupidifica y nos
lleva inevitablemente a «desventuras». La lucha de clases es central, siempre
que sepamos qué clases están realmente luchando. Pero las

lumpenclases, por sí solas, sin estructura organizadora, se queman.

Nos encontramos, como esperaba Fanon, en la larga transición de nuestro actual
sistema-mundo capitalista hacia otra cosa. Es una lucha cuyo resultado es
totalmente incierto. Puede que Fanon no haya dicho esto, pero sus libros
evidencian que lo percibía. El que podamos salir colectivamente de esta lucha y
acabar en un sistema-mundo mejor del que tenemos es algo que depende en gran
parte de nuestra habilidad para confrontarnos con estos tres dilemas que Fanon
discute. Confrontarse con esos dilemas y arrostrarlos de una manera que a la vez
sea inteligente analíticamente, comprometida moralmente con la «desalienación»
por la que combatió Fanon y adecuada políticamente a las realidades a las que
nos enfrentamos.



1 Frantz Fanon, Peau noire, masques blancs, París, Éditions du Seuil, 1952 [ed.
cast.: Piel negra,

máscaras blancas, Madrid, Akal, 2009].
* Fanon utiliza continuamente noir y nègre (y sus derivados) a lo largo del
texto. Noir remite al uso neutro de la cualificación derivada del color de la
piel, mientras que nègre ha conllevado una carga peyorativa vinculada
históricamente al contenido racista proveniente de la esclavitud y la trata, que
en la actualidad es mucho más débil que antaño. En estos textos de Victor

Hugo y de Louis-Ferdinand Celine se recogen dos ejemplos opuestos del uso de
nègre: así en la novela de Víctor Hugo Bug-Jargal (1826) encontramos el
siguiente pasaje en el que autor protesta contra el contenido racista de nègre:
«Nègres et mulâtres! […] Viens-tu ici nous insulteravec ces noms odieux,
inventés par le mépris des blancs? Il n’y a ici que des hommes decouleur et des
noirs»;mientras que en Voyage au bout de la nuit (1932) Celine usa
deliberadamente nègre en clave racista y despectiva: «Des morceaux de la nuit
tournés hystériques! Voilàce que c’est les nègres, moi j’vous le dis! Enfin, des
dégueulasses… des dégénérés quoi!… – Viennent-ils souvent pour vous acheter? –
Acheter? Ah! rendez-vous compte! Faut les voler avant qu’ils

vous volent…». Con este contenido racista y peyorativo nègre se encuentra
cristalizado en diversas locuciones, como, por ejemplo, parler le petit-nègre:
hablar un francés defectuoso y aproximativo: «Je pouvais couramment parler le
“tahitien de la plage” qui est au tahitien pur ce quele petit-nègre est au
français» (Pierre Loti, Le mariage de Loti, 1882); o traiter qqn comme unnègre:
«La Crécy le traite comme un nègre, et l’appelle Bibi!… Il en est fou
naturellement» (Edmond y Jules de Goncourt, Charles Demailly, 1860). Nègre
también puede referirse a las manifestaciones de la raza o la cultura negras en
expresiones más neutras como danse, masque,sculpture nègre; en este sentido,
pero reivindicando su fuerza y su belleza, fue utilizado por los representantes
del movimiento de la nègritude, como se desprende de este texto de Aimé Césaire:
Et comme le mot soleil est un claquement de balles / et comme le mot nuit un
taffetas qu’ondéchire / le mot nègre / dru savez-vous / du tonnerre d’un été /
que s’arrogent / des libertés incrédules(Corps perdu, 1949). En castellano no
existe una diferenciación semántica para marcar ese uso específico, recogiendo
la palabra negro ambos campos semánticos; por esta razón hemos optado por marcar
con cursiva la palabra negro cuando Fanon utiliza en francés la palabra nègre,
indicando así el uso específico de tal opción semántica. No hay que olvidar a la
hora de comprender el uso fluido, pero conceptualmente sobredeterminado, de
estas opciones semánticas que ofrece la lengua francesa, por parte de Fanon en
Piel negra, máscaras blancas,que además de la profunda crítica antirracista del
texto, en esta obra nuestro autor polemiza tanto con la conceptualización
sartreana de la cuestión racial y colonial en clave existencialista y
marxistizant –Sartre escribe «Orphée noir» que aparece como prefacio a la
Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache (1948), editada por Léopold
Sédar Senghor, así como el prólogo de Les damnés de la terre, (1961) del propio
Fanon–, como con el movimiento de la negritud lanzado durante los años treinta
por Léopold Sédar Senghor (1906-2001), Aimé Césaire (1912-2008) y Léon-Gontran
Damas (1912-1978), que reivindicaba un panafricanismo políticamente progresista
y culturalmente dignificante para combatir tanto el racismo como el imperialismo
occidentales. Para abundar en la delimitación de los campos semánticos de estos
términos, véase Le Trésor de la Langue Française informatisé,en
[http://atilf.atilf.fr/] [N. del E.].



2 En el francés original, el título del libro de Fanon y la primera línea de «La
internacional» utilizan la misma palabra: damnés.



3 Aimé Césaire, Discours sur le colonialisme, París, Ed. Réclames, 1950, pp.
14-15 [ed. cast.:

Discurso sobre el colonialismo, Madrid, Akal, 2007].

Tomado de: http://newleftreview.org/static/assets/archive/pdf/es/NLR29107.pdf

In
Kaosenlared
http://kaosenlared.net/leer-a-fanon-en-el-siglo-xxi/
24/5/2015

sábado, 23 de maio de 2015

A anatomia do Estado sob o neoliberalismo


por Prabhat Patnaik [*]



A mudança da natureza do Estado sob o neoliberalismo tem sido muito
discutida. Posicionando-se a princípio aparentemente acima da sociedade e
fazendo mediação entre as diferentes classes, assim como sob o dirigismo
(apesar de ser um Estado conduzido também pela grande burguesia), sob o
neoliberalismo o Estado passa a promover primariamente os interesses da
oligarquia corporativo-financeira (a qual está integrada ao capital
financeiro internacional), sob a alegação de que o que é bom para esta
oligarquia é ipso facto bom para a nação. A completa unanimidade entre
Arun Jaitley e P. Chidambaram, numa cerimónia recente em Delhi onde ambos
estiveram presentes, acerca da questão da "tributação retroactiva", à qual
ambos se opunham porque reduzia "incentivos" para os capitalistas, só vem
confirmar esta tese.

Da mesma forma, a mudança nas feições do Estado sob o neoliberalismo tem
sido muito discutida. O enorme aumento em despesas eleitorais que assegura
que partidos de trabalhadores pobres tenham maior dificuldade em obterem
representação nos parlamentos, os quais portanto são preenchidos cada vez
mais por bilionários ou por eleitos corporativos, constitui uma mudança
óbvia. Narendra Modi, que segundo se diz gastou mais do que Obama na sua
campanha para primeiro-ministro, não podia ter avançado tanto sem apoio
corporativo maciço, o qual não surpreendentemente tem agora de retribuir
uma vez no poder: em suma, as feições do segmento eleito do governo
experimentam uma mudança sob o neoliberalismo, com favoritos corporativos
ficando melhor representados.

E mesmo a burocracia experimenta um mudança, não apenas pelas razões
discutidas por Hilferding e Lenine, a saber, sua "união pessoal" com a
oligarquia financeira, que se deve entre outras coisas a boas ofertas de
emprego pós (ou mesmo pré) aposentação por parte do sector corporativo,
mas também por uma razão adicional: a burocracia obtém cada vez mais
"treino" directamente de agências como o Banco Mundial, ou através de
arranjos efectuados por agências como o Banco Mundial em universidades
metropolitanas "de prestígio" como Harvard e Yale onde absorvem a
ideologia neoliberal in totum.

Entretanto, além desta mudança na natureza e feições do Estado, também se
verifica uma mudança na sua anatomia, isto é, na sua organização interna e
na distribuição de poderes. Há pelo menos cinco diferentes aspectos aqui
envolvidos, os quais discutiremos em sucessão.

A primeira mudança é a introdução da autonomia do banco central. Isto
ainda não aconteceu formalmente na Índia, mas o facto de que a mesma
pessoa nomeada como governador pelo governo anterior continue a manter o
posto ainda agora, fazendo o que estava a fazer anteriormente e o que a
sua própria preferência determina, é sugestivo da sua autonomia de facto e
a da instituição que chefia. Em outros países tal autonomia foi
institucionalizada mais formalmente, o que significa que todo um conjunto
de políticas que o banco central tem a prerrogativa de definir é decidido
independentemente da vontade dos parlamentos e portanto dos representantes
do povo. O povo pode eleger um novo governo, mas este nada terá a dizer
sobre a política cambial, a política monetária e a política de crédito, as
quais têm um impacto vital sobre as vidas das pessoas. E mais ainda: uma
vez que uma economia neoliberal está exposta a fluxos de capitais mais ou
menos livres, estas políticas são determinadas pelo banco central autónomo
a fim de atender às exigências da finança globalizada.

Por outras palavras, as políticas do banco central são isoladas das
vontades do povo e definidas de acordo com as exigências do capital
financeiro. Isto, sem dúvida, seria o caso pouco importando se o banco
central desfruta ou não de autonomia, enquanto a economia permanecesse
aberta a fluxos financeiros globais. Por que então, pode-se perguntar,
faria alguma diferença a autonomia do banco central? A razão é que tal
autonomia torna ainda mais difícil a imposição de controles de capitais,
colocando um fardo adicional, na forma de um banco central autónomo, a ser
ultrapassado antes que tais controles possam ser postos em prática.

A segunda mudança é uma transformação completa nos poderes relativos dos
departamentos do governo, com o ministro das Finanças a emergir como um
super-ministro, o qual adquire um poder de veto sobre as propostas dos
outros ministros e cujos representantes tomam parte em todo comité
decisório de todos os outros ministérios. Na Índia, a Comissão de
Planeamento desfrutara de um status proeminente desde os dias do
planeamento nehruano e a sua continuação era um desafio à emergência e uma
estrutura neoliberal do Estado. Este desafio foi ultrapassado sob o
governo Manmohan Singh ao conseguir que um empregado do Banco Mundial que
anteriormente fora o ministro das Finanças indiano encabeçasse a Comissão
de Planeamento. Sob o actual governo isto foi ultrapassado pela abolição
da Comissão de Planeamento, a qual tem pouco a ver com excentricidades de
Modi – faz parte da formação de uma estrutura de Estado neoliberal.

A terceira e mais significativa característica da estrutura de Estado
neoliberal é que tanto o banco central, que se torna autónomo, como o
Ministério das Finanças, que emerge como super-ministério, são encabeçados
e manejados por empregados do Banco Mundial, do FMI ou de bancos
multinacionais. O que isto implica, em suma, é que dentro do Estado como
um todo, surge uma entidade núcleo, um Estado dentro de um Estado, o qual
está especialmente preocupado com assuntos económicos, mas não apenas com
tais assuntos (uma vez que "segurança" e relações com o imperialismo e o
capital financeiro internacional também caem dentro do seu âmbito).

Esta entidade é todo-poderosa; ela não responde ao povo; ela não é
removível pelo voto popular; e ela está estreitamente ligada ao
imperialismo. (Não é de surpreender que o vice-presidente da Comissão de
Planeamento sob o governo Manmohan Singh, cujas responsabilidades oficiais
têm pouco a ver com o assunto, estivesse envolvido, presumivelmente como
membro deste "Estado núcleo", nas negociações com os EUA sobre o acordo
nuclear indo-estado-unidense.

Muitos, no contexto dos EUA, escreveram acerca de um "Estado Profundo"
("Deep State"), o qual é perigosamente todo-poderoso, não responde a
ninguém, invisível para quem está do lado de fora e ligado a poderosos
interesses dos negócios, estando embebido dentro do Estado. Não importando
como se encare o conceito específico do chamado "Estado Profundo" dentro
dos EUA, existe dentro de todo Estado neoliberal uma tendência para a
cristalização de uma entidade núcleo, a qual é todo-poderosa, infensa a
qualquer controle democrático e ligada ao big business e interesses
financeiros.

A quarta mudança relaciona-se à tendência para entrar em tratados externos
sobre questões económicas cruciais ligadas ao comércio, fluxos de capital
e direitos de propriedade intelectual, os quais, afirma-se, não têm de ser
ratificados pelo parlamento. O país, por outras palavras, sempre que tais
tratados entram em vigor, é apresentado diante de um facto consumado
acerca do qual os representantes eleitos do povo pouco podem fazer mas que
têm uma influência importante sobre as vidas do povo.

Foi o que aconteceu em relação à Lei Indiana de Patentes de 1970, a qual
tinha de ser tornada compatível com o TRIPS , muito embora numerosos
comités parlamentares tenham recomendado especificamente que o regime de
patente estabelecido sob essa lei, a qual fora louvada internacionalmente
por pensadores progressistas independentes como modelar, não deveria ser
mudada. Mas ela teve de ser alterada porque o país entrou no acordo TRIPS
por uma decisão unilateral do executivo, o qual em momento algum pediu
qualquer aprovação parlamentar porque dizia não ser preciso.

HEGEMONIA IRRESTRITA DA OLIGARQUIA CORPORATIVO-FINANCEIRA

O Acordo Nuclear Índia-EUA foi outro exemplo de um tratado assinado
unilateralmente pelo executivo sem que o assunto fosse ao parlamento e
sendo apresentado ao país um facto consumado elaborado pela entidade
núcleo dentro do Estado neoliberal.

A quinta mudança agora é iminente na forma de acordos internacionais tais
como o Trans Pacific Partnership ( TPP ) e Transatlantic Trade and
Investment Pact ( TTIP ). Estes tratados específicos não consideram a
Índia directamente, mas representam um novo aspecto do Estado neoliberal
de que deveríamos ter consciência uma vez que acordos semelhantes
provavelmente irão confrontar-nos nos próximos tempos. Eles retiram todo
um conjunto de assuntos completamente fora do âmbito do Estado-nação e
delegam-nos a corpos supranacionais formados especificamente para o
efeito. Uma nação signatária de um tal acordo terá de abandonar toda
jurisdição nacional em matérias como tratar o investimento estrangeiro e
terá de ficar prisioneira de decisões dos corpos judiciais supra-nacionais
estabelecidos sob o acordo.

Se se supõe que nem mesmo a entrada num acordo como esse precise da
ratificação parlamentar do país, então temos um exemplo perfeito da
entidade núcleo dentro de um Estado neoliberal a dirigir um golpe de
estado contra a "soberania popular" tal como lavrada na Constituição. Ele
teria transferido poderes soberanos para um corpo supranacional sem o
consentimento dos representantes do povo, muito embora tal transferência
colida fortemente com a vida do povo.

Mas mesmo que seja considerada necessária a ratificação parlamentar, não
seria difícil obter tal ratificação na base de "manobras de bastidores",
uma vez que envolveria um mero voto apenas uma vez: num caso assim a
Constituição do país teria sido reduzida através de uma simples votação
única no parlamento obtida através de "manobras de bastidores".

O Estado neoliberal, ou o Estado na era da hegemonia do capital financeiro
internacional, é cada vez mais moldado de uma maneira que restringe a
"soberania popular" de todos os modos concebíveis. Sua tendência essencial
é para reduzir a democracia e estabelecer, mesmo que forçosamente dentro
de um envoltório aparentemente democrático, a hegemonia irrestrita da
oligarquia corporativo-financeira. Para atingir esta finalidade muda
também a estrutura interna, a anatomia, do Estado. Um ressuscitar da
própria democracia exige a transformação da estrutura de Estado criada
pelo neoliberalismo.

16/Novembro/2014
[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2014/1116_pd/anatomy-state-under-neo-liberalism

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

http://www.resistir.info/patnaik/neoliberalismo_17mai15.html

17/Nov/14

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Destruição econômica e social



Escrito por Adriano Benayon



1. Foi muito divulgada esta asserção do professor Wanderley Guilherme dos
Santos: "Depois de criado, o Estado liberal transforma-se no Estado em que
a hegemonia burguesa não é seriamente desafiada. Trata-se de um Estado
cuja intervenção em assuntos sociais e econômicos tem por fim garantir a
operação do mercado como o mais importante mecanismo de extração e
alocação de valores e bens".



2. Esse cientista político destaca a óbvia natureza intervencionista (não
admitida) do Estado dito liberal, sem, porém, propor uma denominação que
saia dessa contradição em termos.



3. De resto, os muitos que repetem o termo (neo)liberal, mesmo sabendo-o
falso, colaboram com a enganosa comunicação social do capitalismo.



4. O mesmo cientista afirma: “O Estado liberal não é de modo algum um
Estado não intervencionista. Muito pelo contrário, o Estado liberal está
sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao funcionamento
'natural' e 'automático' do mercado".



5. Aí está um engano sério. O mercado, nas mãos dos oligopólios e carteis,
não funciona natural nem automaticamente: ele é controlado e manipulado
por eles, e lhes serve de álibi, ao usarem o termo impessoal “mercado” em
relação a ações praticadas por pessoas físicas, a serviço de grupos
concentradores de poder econômico e financeiro.



6. Isso é exatamente o contrário do funcionamento 'natural' e 'automático'
do mercado e também do que teorizaram os clássicos da economia sobre
mercados livres, com participantes igualmente submetidos à concorrência.
Na realidade, a intervenção do Estado capitalista:



1) afasta a aplicação dos mecanismos de defesa econômica do Estado,
coibidora dos abusos praticados pelos concentradores;



2) promove o aumento da concentração do poder da oligarquia financeira,
através de subsídios governamentais e das políticas fiscal e monetária,
entre outras.



7. Portanto, capitalismo é o sistema político e econômico que não admite
restrições à concentração dos meios de produção e financeiros, ademais de
a fomentar, nas mãos da oligarquia, por menor que seja o número das
pessoas que a compõem.



8. Nos países centrais ou imperiais, o Estado liderou o desenvolvimento
econômico e nunca abandonou o fomento ao setor privado. À medida que este
ganhou corpo, o Estado passou a apresentar-se como liberal, a fazer
concessões no campo social e a adotar, na política, formas exteriormente
democráticas.



9. Nos períodos de crescimento e bem mais nos de crises, a concentração
foi crescendo, e regrediram os avanços, surgindo o fascismo (antes da
Segunda Guerra Mundial). E o fascismo não declarado, como nos EUA, desde
antes do inside job de setembro de 2001 (destruição das Torres Gêmeas e
míssil lançado no Pentágono).



10. A concentração do poder financeiro mundial alcançou o incrível grau
presente (147 corporações transnacionais, vinculadas a apenas 50 grupos
financeiros, detendo mais de 40% da riqueza mundial).



11. Isso foi se intensificando por mais de 100 anos após os concentradores
terem se tornado bastante fortes, para que o Estado capitalista os
protegesse adicionalmente. Os setores mais aquinhoados foram o das armas e
a finança.



12. O grande impulso recente deu-se através da financeirização da
economia, abusando os bancos dos privilégios de criar moeda e títulos de
toda sorte. Seus acionistas e executivos locupletaram-se assim,
beneficiados pela desregulamentação dos mercados financeiros, a qual lhes
proporcionou abusar da alavancagem e de fraudes diversas.



13. Ilustrativa da subordinação do Estado capitalista, falsamente dito
liberal, à oligarquia financeira foi a resposta ao colapso financeiro de
2007/2008, provendo mais de 20 trilhões de dólares em ajuda aos banqueiros
delinquentes, ao invés de realizar as correções estruturais necessárias ao
bem da economia e da justiça.



14. De há muito, as intervenções imperiais - militares ou não -
recrudescem em todos os continentes, gerando sistemas políticos
pró-imperiais e Estados vassalos, como se tornou o Brasil, à raiz do golpe
de Estado de agosto de 1954, passando a partir das Instruções 113 da SUMOC
e seguintes (janeiro de 1955) a subsidiar os investimentos estrangeiros
diretos, de modo absurdo.



15. Não há como falar em capitalismo periférico. Há somente indivíduos
riquíssimos originários das periferias, como muitos outros dos países
centrais, subordinados à oligarquia capitalista mundial.



16. À medida que essa oligarquia se foi apropriando, no Brasil, da
estrutura econômica, foi também promovendo sucessivas intervenções e
manobras no campo das instituições políticas que propiciaram intensificar
ainda mais essa apropriação.



17. Temos agora mais uma crise. Nesta, a baixa resiliência – devida à
desindustrialização e à desnacionalização – combina-se com o déficit das
transações correntes exteriores, mais os déficits das contas públicas nos
três níveis da Federação, resultando em grande salto qualitativo para nova
degradação econômica e social.



18. Consideremos as taxas básicas dos juros dos títulos públicos, uma das
mega-fontes de agravamento do caos decorrente do “ajuste” em curso.



19. Nos últimos cinco meses, a taxa SELIC foi elevada várias vezes. Era
11,25%, em novembro de 2014, e chegou a 13,25%, em 30.04.2015, o que
significa taxa efetiva em torno de 16,25% ao ano (a.a.).



20. Em artigo anterior, comparei a aplicação das taxas de 12% a.a. e de
18% a.a., durante 30 anos, sobre o atual montante da dívida mobiliária
interna, de cerca de R$ 3 trilhões: a primeira resultaria em R$ 90
trilhões, e a segunda em incríveis R$ 430 trilhões, quantia igual ao dobro
da soma dos PIBs de todos os países do mundo.



21. A taxa atual alçaria o estoque da dívida para R$ 274,73 trilhões de
reais.



22. Tal como as letais taxas de juros, as demais políticas do “ajuste” só
podem ter por objetivo concluir a desestruturação (destruição) econômica e
social do país.



23. Em função dos estratosféricos juros da dívida e também da intenção
restritiva do “ajuste”, os investimentos públicos sofrem enormes cortes.
Do mesmo modo, a demolição de direitos sociais, incluindo generalizar a
terceirização, significa extrair sangue de organismos anêmicos.



24. É inútil esperar resultados positivos de tais medidas, porque, na
atual estrutura, dominada pelos carteis transnacionais, e dada a
infraestrutura existente, nenhum “ajuste” levará a diminuir
significativamente o “custo Brasil”, qualquer que seja a taxa de câmbio.



25. Até mesmo as subsidiárias das transnacionais, que poderiam apresentar
custos competitivos, inclusive por não precisarem do crédito local,
absurdamente caro, preferem, em vez disso, auferir lucros fabulosos no
país, reforçados pelos incríveis subsídios que lhes dão a União, Estados e
municípios.



26. Elas remetem esses lucros ao exterior, disfarçados em despesas por
serviços, superfaturamento de importações (dos equipamentos, máquinas e
insumos) e subfaturamento de exportações. Assim, seus custos são
forçosamente altos.



27. Já as empresas de capital nacional vêm sendo alijadas do mercado,
desde 1954. Além de não contarem com as vantagens dos incentivos e
subsídios, que só as transnacionais estão em condições de aproveitar, elas
foram desfavorecidas pelas políticas públicas e deixadas à mercê das
práticas monopolistas dos carteis multinacionais.



28. A política de crédito as afeta de modo especialmente agudo, pois os
juros que despendem são múltiplos da taxa dos títulos públicos. Já as
transnacionais, além de não necessitarem de crédito, bastando-lhes
reinvestir pequena parcela dos lucros, têm acesso a crédito barato no
exterior.



29. A partir dos anos 90 e após a devastação produzida pela dívida
externa, passou-se às indecentes privatizações, já que a classe dominante
eram os controladores das transnacionais, cujos governos impõem suas
vontades, diretamente e através de agentes, cooptados e corrompidos.



30. Sob o modelo dependente, o país carece de poder armado e financeiro
para fazer valer seus interesses na esfera mundial, e sua inserção externa
é a pior possível, pois os segmentos de maior valor agregado e maior
emprego de tecnologia são controlados pelos carteis mundiais.



31. A própria infraestrutura, como a dos transportes, inclusive em sua
orientação geográfica, foi desenhada para servir o interesse das
corporações estrangeiras, tal como a escolha dos investimentos,
priorizando a extração de minérios em escalas imensas, com pouco ou nenhum
processamento no país.



32. Também na agricultura privilegia-se a grande escala, segundo as regras
dos carteis mundiais do agronegócio e suas tradings, abusando-se dos
agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, para grande dano dos
solos e da saúde pública.



33. Entre os grandes escárnios ilustrativos da submissão do Brasil à
condição de periferia imperial é a Lei Kandir, que isenta de tributos as
exportações primárias. A Inglaterra entendeu, já no Século 13, que era
vital sair dessa condição, quando a lã de seus carneiros ia para as
indústrias de Flandres e da Itália.

In
Correio da Cidania
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10773:submanchete180515&catid=72:imagens-rolantes
18/5/2015

terça-feira, 19 de maio de 2015

Um exemplo a seguir




por João Vilela

Há não muito tempo, o insuspeito Público titulava uma notícia com a
mais isenta inocente das questões: "os call-centers vão salvar a economia
portuguesa?" [1] . A pergunta - que era todo um programa político -, é
respondida por dirigentes de empresas do sector com um conjunto de
afirmações ora insólitas (como a proposta de uma licenciatura em Operador
de Call-Center nas universidades, seguindo o modelo... das Filipinas...),
ora despudoradamente reaccionárias. Apelos explícitos a que o Governo não
regule as relações de trabalho no sector, elogios ao facto de a
mão-de-obra portuguesa ser barata, argumentos de um descaramento extremo
do estilo "mais vale isto que nada", de tudo ali se lança mão. Sente-se
uma confiança generalizada na docilidade de quem trabalha, uma persuasão
de invencibilidade, uma visão de mundo onde é um favor pagar salários, uma
bênção estar empregado, e onde a função da política é governar para as
grandes empresas que levam avante o nome do "país". Como dizia Lenine, e
bem, só a classe dominante consegue transformar os seus interesses em
interesse nacional. Como sabemos todos, é por isso que nenhum meio é de
excluir para derrotar esta gente.

Ocorre que, enquanto em Portugal os patrões de call-centers se sentem à
vontade para vomitar estas atoardas, aqui ao lado a terra treme no mesmo
sector, com os já mais de 40 dias de greve nos call-centers da Telefónica.
No Estado Espanhol, a 28 de Março em Madrid, e a partir de 7 de Abril em
todo o território, contratados, sub-contratados, e falsos trabalhadores
autónomos, ergueram-se contra a sua situação e contra a pretensão da
empresa de reduzir o seu salário. São trabalhadores que estão em linha 10
a 12 horas por dias, e que recebem salários entre os 500 e os 800 euros
(no Estado Espanhol o salário mínimo nacional é de 645 euros). E isto
ocorre numa empresa cujos membros do Conselho de Administração aumentaram
a sua própria remuneração em 20%!

Tendo constituído fundos de greve financiados por pessoas que têm apoiado
a luta [2] , a 9 de Maio cem trabalhadores ocuparam a loja Movistar de
Barcelona [3] , tendo logrado arrastar o apoio de mais de oitocentas
pessoas, que reforçaram a ocupação exigindo que a administração da
Telefónica se dignasse ouvir os representantes dos trabalhadores. Tendo
sido apresentadas condições que não satisfaziam as exigências dos
grevistas (salário mínimo para o sector, fim da sub-contratação,
modificação das condições económicas e contratuais dos contratos
autónomos, e garantias de não-repressão aos trabalhadores que aderiram à
paralisação), estes não regressaram ao trabalho, e continuam firmes na sua
combatividade.

O mais absolutamente espantoso desta luta é a forma como ela se desenrola
à margem e contra a vontade dos principais sindicatos do Estado Espanhol.
Tanto as CC.OO. como a UGT, dominadas pelo PSOE, têm pautado o seu
comportamento nesta matéria por uma mistura de conluio mal disfarçado com
o patronato, com fingimento de firmeza negocial, ocultação de informação
determinante aos trabalhadores e medo-pânico de envolver os trabalhadores
na discussão dos acordos em cima da mesa, num esforço simultaneamente
dissuasor da luta e criador de uma desconfiança anti-sindical. O segundo
caso, que poderia ser o curso normal dos acontecimentos de quem percebe
que as organizações sindicais não têm (nem pretendem ter) o arrojo
suficiente para interpelar o patronato e o forçar a ceder às
reivindicações dos trabalhadores não se observou. Pelo contrário: os
trabalhadores ergueram, contra os sindicatos do patrão, uma organização
unitária, de base, de combate, e de massas (fala-se em 30 mil grevistas),
com que fazer e vencer a luta. E as denúncias da complacência e/ou
cumplicidade do sindicalismo amarelo somam-se, dia após dia.

São muitos os ensinamentos que se podem colher desta luta. O primeiro é o
de que, contra os "profetas" do fim da história, da ultrapassagem da luta
de classes, do fim das grandes lutas laborais e da sua substituição por
lutas sectoriais, entre outro lixo ideológico, vêm uma vez desmentidas as
suas parvoíces. Mesmo soterrado por anos e anos de contemporização,
conciliação de classes, reformismo, tomada do movimento sindical pelo
burocratismo social-democrata que foge das massas e encara a luta laboral
como o seu emprego, o proletariado pode emergir de sob a escória e
assumir as suas tarefas, as que só ele poderá desempenhar, frente ao
patronato. Enquanto houver homens e mulheres, como dizia Paulo Freire,
poderemos fazer a história. E devemos fazê-la a nosso favor.

Mas uma outra coisa se demonstra também, e com muita acuidade: que mesmo
nos sectores mais desprotegidos, mais debilitados, mais difíceis de
organizar e mobilizar, onde possa imperar o medo, a instabilidade, a
despolitização, o desinteresse, o que for - mesmo aí é possível a
organização dos trabalhadores, e é possível mover lutas de envergadura
suficiente para vergar o patronato. Os trabalhadores têm uma única arma ao
seu dispor no capitalismo: a sua própria organização. Sem que se unam,
organizem, planeiem a sua luta, e vibrem sem hesitações o golpe sobre o
patronato, nenhuma organização partidária, nenhum Governo bem
intencionado, nenhuma sorte estranha na conjuntura internacional ou na
disposição dos astros do céu lhes vai garantir um cêntimo de salário, uma
hora de descanso, um progresso mínimo. Só com a luta o conseguirão, e só
poderão lutar organizando-se para ela. Dia a dia. Empresa a empresa.
Classe contra classe.
(1) blogues.publico.pt/...
(2) teleafonica.blogspot.com.es/p/cajas-de-resistencia.html
(3) A Movistar é a empresa de comunicações móveis da Telefónica.

Ver também:
Sindicato dos Trabalhadores de Call Center
Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual
Call Centers: à descoberta da ilha
Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de junho

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

In
RESISTIR.INFO
http://www.resistir.info/portugal/call_centers_mai15.html
19/5/2015