segunda-feira, 30 de abril de 2018

Acerca da natureza do sistema económico chinês


     
   
       por Tony Andreani [*] , Rémy Herrera [**] e Zhiming Long [***] 
      

Hoje em dia, os dirigentes chineses não negam a existência na sua
economia um importante sector privado capitalista, autóctone ou
       estrangeiro. Em geral, eles o consideram antes como um dos componentes de
      uma economia mista em que a predominância é concedida ao sector público e
      em que o poder do Estado deve ser reforçado. Os discursos de numerosos
      líderes avançam que a China ainda se encontraria na "fase primária do
      socialismo", etapa considerada incontornável para desenvolver as forças
      produtivas e que exige muito tempo até a sua conclusão. O objectivo
       histórico permaneceria entretanto o do socialismo desenvolvido – mesmo
      se, é verdade, seus contornos estarem longe de serem claramente definidos.
      Serão tais declarações apenas de fachada, a roupagem de uma forma de
      capitalismo? Mereceriam elas serem tomadas a sério? O socialismo estaria
      morto e enterrado na China? Não pensamos assim.
       Entretanto, nos debates entre autores marxistas, uma clara maioria deles
      afirma que a economia chinesa seria agora capitalista. Assim, Harvey
      (2005) crê detectar desde as reformas de 1978 um "neoliberalismo com
       características chinesas" em que um tipo singular de economia de mercado
      teria incorporado cada vez mais componentes neoliberais accionados no
       quadro de um controle centralizado muito autoritário. Arrighi (2009),
       para explicar o êxito da economia chinesa, mobiliza por sua vez uma
       releitura a contra-corrente da obra de Adam Smith, mais progressista do
      que o reconhecem seus discípulos partidários do liberalismo. Segundo ele,
      as elites chinesas utilizariam "o mercado como ferramenta de governo".
      Panitch e Gindin (2013) analisam as implicações da integração da China nos
      circuitos da economia mundial e vêem nisso menos a oportunidade de
      reorientar o capitalismo global do que a duplicação pela China do papel de
      "complemento" outrora mantido pelo Japão, fornecendo aos Estados Unidos os
      fluxos de capitais necessários para conservar sua hegemonia mundial, de
      onde uma tendência à liberalização dos mercados financeiros conduzindo ao
      desmantelamento dos instrumentos de controle dos movimentos de capitais e
      minando as bases do poder do Partido Comunista Chinês (PCC). [1] Outros
      marxistas, certamente mais raros, mas não menos importantes, chineses ou
      estrangeiros, [2] continuam entretanto a defender a ideia de que o sistema
      em vigor na China, ainda que assimilável a um capitalismo de Estado,
      deixaria aberto um vasto leque de trajectórias possíveis para o futuro. No
      presente artigo, levaremos mais adiante esta ideia, ao ponto de sustentar
      que o sistema chinês hoje contém ainda elementos chaves do socialismo.
      Assim, a interpretação da sua natureza torna-se compatível com a de um
      socialismo de mercado, ou com mercado, repousando sobre pilares que o
       distinguem ainda bastante claramente do capitalismo.
       Características do socialismo de mercado à chinesa 
       Para Marx, o capitalismo implica uma separação muito forte entre o
      trabalho e a propriedade dos meios de produção, enquanto os detentores do
      capital seriam eles próprios tendencialmente colectivos, já não efectuando
      trabalho na produção. Isso se realiza plenamente no capitalismo
      financiarizado actual em que a gestão é delegada a administradores e o
      lucro da empresa assume a forma de valor accionista. De acordo com este
      critério fundamental de definição do capitalismo, verifica-se que
      numerosas pequenas empresas chinesas têm mais a ver com a produção
      familiar ou artesanal do que com o modo de produção capitalista estrito.
       Além disso, a lógica do capitalismo é a da maximização do lucro
      distribuível aos proprietários. Ora, não é isto que se observa nas grandes
       empresas públicas chinesas, como mostra a fraqueza (mesmo a inexistência)
      dos dividendos entregues ao Estado, assemelhando-se ao invés a um imposto
      sobre o capital. A separação capital-trabalho é muitas vezes relativa na
      China: ela é limitada nas empresas públicas, o que impede de considerá-las
       rigorosamente como uma forma de capitalismo de Estado, e mais ainda na
      economia dita "colectiva" onde os trabalhadores participam na propriedade
      do capital ou têm mesmo a propriedade como nas cooperativas (por acções ou
      não) e nas comunas populares preservadas. Naturalmente, mesmo nestas
      entidades colectivas os trabalhadores permanecem "separados" da gestão,
      mas toda esta economia colectiva não estatal não pode ser ignorada e não
      poderia ser classificada sob a bandeira do "capitalismo".
       Fazemos uma leitura do sistema chinês como um socialismo de mercado, ou
       com mercado. Assim, este socialismo repousaria sobre os dez pilares
      seguintes, em grande medida estranhos ao capitalismo:
       i) a persistência de uma planificação poderosa e modernizada, que assume
      modalidades diversas e mobiliza instrumentos distintos conforme os
      sectores a que se refere;
       ii) uma forma de democracia política tornando possíveis as escolhas que
      estão na base desta planificação;
       iii) serviços públicos muito extensos, que condicionam a cidadania
      política, social e económica e, enquanto tais, estão fora do mercado ou
      fracamente mercantilizados;
       iv) uma propriedade da terra e dos recursos naturais que permanece no
       domínio público, estatal ao nível nacional, colectivo ao nível local,
      garantindo assim o acesso à terra pelos camponeses;
       v) formas de propriedade diversificadas adequadas à socialização das
      forças produtivas: empresas públicas (diferindo das firmas capitalistas,
      nomeadamente pela participação dos trabalhadores na gestão), pequena
       propriedade privada individual ou propriedade socializada – sendo a
       propriedade capitalista, durante uma transição socialista longa, mantida
      e mesmo encorajada, para dinamizar a actividade e incitar as outras formas
      de propriedade à eficácia;
       vi) uma política geral consistente em aumentar os rendimentos do trabalho
      em relação às outras fontes de rendimentos;
       vii) a promoção manifestada da justiça social numa perspectiva
      igualitarista;
       viii) a preservação da natureza, considerada como indissociável, não
      antagónica do progresso social, como objectivo do desenvolvimento a fim de
      maximizar a riqueza efectiva,
       ix) relações económicas entre Estados fundamentadas sobre um princípio
      ganhador-ganhador;
       x) relações políticas entre Estados repousando na busca da paz e das
      relações mais equilibradas entre os povos.
       A análise de cada um destes pontos não é indiscutível e é objecto de
      debates ásperos tanto na China como no exterior – debates que estão longe
      de estarem resolvidos, mas que existem e devem ser aprofundados sem  a
      priori  nem ideias preconcebidas. Apesar das críticas, veremos que ao
       confrontar o "socialismo à chinesa" com esta grelha de leitura, ele não
      está muito afastado. [3]
       Empresa públicas, serviços públicos, planificação 
       Na China, a justificação das empresas públicas é tripla: elas podem
      distribuir mais a seus assalariados; o Estado é livre para nelas definir o
      modo de gestão (em matéria salarial nomeadamente); e ele pode mais
      facilmente colocá-las ao serviço dos seus projectos. Através das
      ferramentas ao dispor do organismo de gestão das participações, o Estado
      afecta os dividendos recebidos a um fundo especial de sustentação das
      empresas públicas, as quais beneficiam igualmente de vantagens em matéria
       de crédito e de taxa de juro. Isto se inscreve portanto numa via
       socialista.
       Uma explicação para a força destas empresas públicas é que elas não são
      geridas como as firmas privadas ocidentais, cotadas em Bolsa e orientadas
      para a maximização do valor das acções por distribuição de dividendos,
      valorização das acções e retorno sobre o investimento porque pressionam
       sub-contratantes, locais ou deslocalizados. Se elas se comportassem de
      modo tão predatório, estas empresas públicas chinesas agiriam em
      detrimento do tecido industrial local, o que manifestamente não é o caso.
      Teríamos então negócios sob uma forma selvagem de "capitalismo de Estado"
      (como se pretende frequentemente) e não se vê como ele poderia produzir um
      crescimento económico tão dinâmico. Estas empresas públicas chinesas são
      (ou são tornadas) rentáveis porque a bússola que as guia não é o
      enriquecimento dos accionistas, mas sim o investimento produtivo e o
      serviço prestado aos seus clientes. Pouco importa que os seus lucros sejam
      menos elevados que os dos seus concorrentes ocidentais se eles servem
      parcialmente para estimular o resto da economia.
       Uma das especificidades destas empresas públicas é, assim, a de entregar
      apenas poucos dividendos ao Estado accionista (cerca de 10%). Hoje,
       numerosos peritos internacionais preconizam aumentar estes dividendos e a
       Comissão de Regulação da Bolsa parece por vezes estar de acordo. Esta
      orientação, inspirada nas práticas capitalistas ocidentais, não parece a
      boa fórmula, pois as empresas públicas ficariam então privadas dos seus
      trunfos principais e, mesmo controladas pelo Estado, teriam tendência a
       distribuir sempre mais para obterem os favores dos accionistas privados,
      como fazem as firmas ocidentais – que dependem elas próprias muito
       frequentemente das estratégias de carteira dos oligopólios financeiros
      mundialmente dominantes. Aqui, mais valeria que o Estado chinês
      instaurasse um imposto sobre o capital, na forma de renda  (loyer)  pela
      colocação à disposição dos seus bens e que as empresas lucrativas pudessem
      conservar uma parte maior dos benefícios para fins de investimento e de
      I&D.
       Na nossa opinião, as empresas públicas chinesas não devem ser geridas
      como firmas privadas. O "socialismo de mercado à chinesa" repousa sobre a
      manutenção de um poderoso sector público com papel estratégico na
      economia. Tudo leva a pensar que esta é uma das explicações essenciais dos
      desempenhos da economia chinesa, não obstante os neoliberais exaltarem a
      propriedade privada e a maximização do lucro individual. Isto sem dúvida
      também está ligado ao porte destas empresas, mastodontes a engendrarem
      economias de escala que reduzem os custos a todos os níveis e fornecem a
      uma miríade de pequenas e médias empresas insumos  (intrants)  baratos que
      asseguram condições de fabricação competitivas no mercado.
       Uma "superioridade" das empresas públicas chinesas é a participação
      (limitada, mas real) do pessoal na gestão, através dos seus representantes
      no Conselho de Fiscalização e no Congresso dos Operários. A lógica
       accionista iria ao encontro de uma tal participação, que é preciso
      reforçar. Outra vantagem é que as empresas públicas podem mais facilmente
      responder aos objectivos da planificação. Não se trata de lhes impor
      tarefas políticas que poriam em causa a sua autonomia e onerariam os seus
       resultados. Mas ao controlar a nomeação e a gestão dos dirigentes, os
      poderes públicos, de que dependem empresas muito numerosas, têm os meios
      de assegurar que eles agem como convém aos serviços públicos – mas também
      aos sectores mercantis, que o plano pode orientar (por subvenções,
       fiscalidade, ...).
       Na China, os serviços sociais (educação, saúde, reformas, ...) estão na
      totalidade ou na grande maioria nas mãos do Estado – governo central ou,
      mais frequentemente, governos locais. Tais serviços não fornecem bens
      mercantilizados pelo sector privado, mas bens sociais, necessários ao
      exercício da cidadania, dando aos indivíduos a capacidade de serem
      simultaneamente sujeitos políticos, sociais e económicos (formados, em boa
      saúde, tendo acesso ao emprego, com equipamentos de transporte,
      informados, etc). Mas a concepção chinesa estende os serviços públicos aos
      "bens estratégicos", fornecendo insumos essenciais ao resto da economia:
      energia, infraestruturas, materiais de base e mesmo serviços bancários ou
      investigação. Se o sector privado serve de complemento ou estimulante, o
      sector público é favorecido pelo Estado no exercício da concorrência. Esta
       concepção ampla dos serviços públicos "estratégicos" constitui uma das
      maiores forças da economia chinesa. O que está aqui em causa é a soberania
      nacional.
       Um traço notável do sistema político-económico chinês é a sua possante
      planificação que, apesar de ter mudado seus objectivos e instrumentos no
      decorrer das últimas décadas, continua a ser aplicada. Os discursos
      apresentados a cada ano diante da Assembleia Nacional Popular indicam se
      os objectivos quantificados inscritos no plano quinquenal foram realizados
      – e frequentemente é o caso –, e dão a conhecer o que esperar para o ano
      seguinte. Esta planificação, que se projecta para o futuro num mundo de
       incertezas, é o lugar onde são elaboradas e decididas as escolhas
       colectivas, expressão de uma vontade geral. Ela é o espaço onde uma nação
      escolhe um destino comum e o meio de um povo de se tornar o mestre, em
      todos os domínios da existência: modo de vida, modos de consumir, de se
      alojar, de ocupar o espaço... É o PCC que, hoje, efectua estas escolhas
      para os cidadãos – o princípio da consulta estando cada vez mais colocado
      como necessidade. Esta planificação "estratégica" forte, com técnicas
      modernizadas, adaptadas às exigências do tempo presente e que têm eficácia
      (taxas bonificadas, controle dos preços, encomendas públicas, etc) é um
      traço distintivo de uma via socialista.
       Entretanto, com toda evidência, estamos hoje bem longe do ideal
       igualitarista do socialismo. A China é um país onde as desigualdades
      sociais são fortes. A aplicação da linha igualitarista foi "suspensa" para
      acelerar o crescimento (daí a palavra de ordem "enriquecer-se antes dos
      outros"), depois foi novamente retomada com a recente promoção de temas de
       justiça social. A defesa da "moral socialista" pelos responsáveis do PCC
      pode prestar-se ao cepticismo, mesmo aos sarcasmos, quando se sabe dos
      comportamentos da China actual: consumismo, negocismo, arrivismo, gosto do
      luxo, corrupção... Mas não se deve tomar este discurso moral com
      ligeireza: é o do Estado chinês, constantemente oposto a esta degradação
      dos costumes. Se ele se inscreve numa certa continuidade com a tradição,
      muitas vezes reivindicada, esta ética reclama-se da modernidade dos ideais
      do socialismo e não de uma justiça social restrita a uma redistribuição
      limitada dos rendimentos, de uma equidade justificando uma "justa
      desigualdade" e definida como ligeira melhoria da sorte dos destituídos e
      de uma democracia representativa que confisca de facto a participação do
      povo. Mas é no sector púbico que o Estado dispõe dos meios eficazes para
      reduzir realmente estas desigualdades. Podem aqui ser activados a
       participação dos trabalhadores na gestão e o papel de "locomotiva social"
      desempenhado pelas empresas públicas. Eis um argumento a mais que milita
      em favor de um reforço do sector público.
       Controle do sistema bancário e dos mercados financeiros 
       Alguns julgam o sistema financeiro chinês obsoleto e apelam à sua
       modernização, devido ao auge dos mercados financeiros que seria, segundo
      eles, indispensável ao crescimento. [4] A reformas deste sistema
      financeiro aceleraram-se desde 2005 e tomaram a forma de uma abertura do
      capital dos bancos do Estado e da criação de bolsas de valores. Elas
      seguiram as das empresas públicas, tomadas anteriormente. Estas últimas
      haviam sido autonomizadas em relação às orientações do Plano,
       transformadas em sociedades por acções e incitadas a adoptar critérios de
      gestão mercantis, a inspirarem-se em métodos da finança de mercado e a
      desenvolver parcerias com investidores externos. A introdução em bolsa dos
      grandes bancos (Bank of China, Industrial and Commercial Bank of China e
      China Construction Bank) foi antecedida pela entrada de instituições
      estrangeiras na sua estrutura de capital (respectivamente Goldmann Sachs,
      UBS et Bank of America), a fim de facilitar a aprendizagem da  corporate
      governance  . Entretanto, o sistema de financiamento da economia chinesa
      hoje continua fundamentado na intermediação bancária – ainda que tenda a
      afastar-se bastante rapidamente, pois as autoridades políticas pretendem
      encontrar um "equilíbrio" entre os sistemas de financiamento pelos
      mercados financeiros e pelo crédito bancário.
       Mas não se pode confundir "modernização" e adopção da via capitalista.
      Está longe de ser claro que uma opção em favor da finança de mercado tenha
      sido feita definitivamente, pois permanecem maciças as intervenções das
      autoridades monetárias no sistema financeiro e é perceptível o pragmatismo
      da sua actuação. Os poderes públicos chineses procedem de facto por
      solavancos, por avanços e recuos num contexto de integração mais
      aprofundado, mas contraditório, do país na mundialização. Isto aconteceu
      sobretudo nas fases de enfraquecimento do crescimento económico após 2007,
      marcadas por uma activação dos créditos bancários corrigindo as falhas da
      finança. Na viragem dos anos 1990, os bancos que se haviam empenhado em
       operações aventurosas (finança, seguros, imobiliário...) foram proibidos
      de o fazer entre 1992 e 1995, na sequência das desordens provocadas pela
      crise de 1989-1991 – ainda que tenham sido desde então autorizadas a
      efectuar operações mistas combinando crédito bancário e mercados
      financeiros. Mais recentemente, depois de 2008, como já vimos, as
      autoridades chinesas foram obrigadas a reagir firmemente para limitar o
       impacto social desestabilizador da crise mundial, fazendo evoluir o
      quadro institucional ao dotarem-se de instrumentos poderosos de controle e
       consolidarem suas estratégia de desenvolvimento.
       Na China, a tese da "eficiência dos mercados financeiros" não tem
      partidários, como testemunham os apelos a uma nova ordem monetária e
      financeira mundial lançados regularmente pelos líderes políticos do país,
      que conhecem as vantagens da intermediação bancária e estão conscientes
      das graves disfunções dos mercados financeiros. Estes dirigentes preferem
      conservar o essencial do sistema bancário sob o controle do Estado,
      esforçando-se por melhorá-lo, repugnando-lhes abandonar o modelo de "banco
      universal" e orientando-se antes para um esquema consistente em tolerar
      operações mistas, mas efectuadas nas filiais especializadas, separadas do
      holding público e colocadas sob a vigilância da Comissão de Regulação
      bancária.
       Além disso, as taxas de juro permanecem amplamente administradas, apesar
       das reformas iniciadas. Para aquelas que foram liberalizadas, a oferta de
       crédito é fortemente controlada pelo Banco Central, nomeadamente através
      das reservas obrigatórias. E o afrouxamento dos constrangimentos impostos
      aos bancos para fixar as taxas aplicadas aos depósitos não deve fazer
      esquecer que historicamente as autoridades monetárias voluntariamente
      reduziram ao mínimo (sob o ritmo da inflação) a remuneração destes
       depósitos – o que não influenciou a taxa de poupança nacional, muito
      elevada. Uma das especificidades (e forças) da China é a torção
      voluntarista dos preços dos factores. O governo teve razão em não deixar o
      mercado fixar "livremente" o preço do dinheiro de modo a continuar como
       mestre da oferta de crédito, difícil de controlar mas vital para a
      economia. As autoridades estatais, que têm uma visão macroscópica dos
      riscos, são as únicas em condições de guiar a economia no seu conjunto em
       função de um plano. Taxas de juros administradas não permitem ajustar
      rapidamente a oferta de poupança das famílias e as necessidades de
      financiamento das empresas, conviria talvez preferir um regime de taxas
      "semi-administradas", com tectos para a oferta de créditos e pisos para a
      remuneração da poupança – modificando estas taxas conforme as necessidades
      do plano. Mas neste debate sobre as taxas de juro, pendemos para a
      manutenção de um certo dirigismo.
       A ampliação da esfera privada implica logicamente uma expansão do mercado
      de acções. Mas segundo a nossa opinião, este último deveria permanecer
      limitado. Se ele tem a sua utilidade para o sector privado, as empresas
      públicas em contrapartida deveriam ter cada vez menos necessidade na
      medida em que expandem suas capacidades de auto-financiamento e dispõem
      dos fundos de Estado para realizar aumentos de capital. A abertura do
      mercado de acções aos actores internacionais está no momento restrita aos
      investidores "qualificados". Os poderes públicos, que desconfiam – com
      razão – dos movimentos de capitais especulativos, até agora têm proibido
      às firmas estrangeiras emitirem acções em yuans sobre o mercado interno.
       Afrouxar estes travões, em particular para avançar rumo à plena
      convertibilidade do yuan e das suas supostas vantagens, equivaleria a
       submeter-se aos oligopólios financeiros, especialmente estado-unidenses.
       O recurso ao mercado de acções deveria permanecer tão limitado quanto
      possível e não conduzir a um alinhamento na prática do valor accionista. A
      poupança chinesa é bastante abundante para ser mobilizada por investidores
      institucionais nacionais, aos quais além disso se pode impor limites de
      rentabilidade.
       Uma estratégia de desenvolvimento coerente e auto-centrada 
       Um traço frequentemente sublinhado para descrever o êxito desta economia
      é o florescimento das suas exportações de bens e serviços desde o
      princípio dos anos 1990 e, sobretudo, 2000. Conclui-se apressadamente que
      estas exportações seriam o motor do crescimento do país. Isto é esquecer
      que a estratégia de desenvolvimento, concebida e aplicada com regularidade
      e pragmatismo pelos dirigentes chineses, apoia-se num modelo mais
      auto-centrado do que parece, repousando – é um dos "segredos" dos seus
      desempenhos nos mercados mundiais, ainda que isso desagrade aos
      neoliberais – na manutenção de um sector estatal muito poderoso (na
      energia, nos transportes, nas telecomunicações, nos materiais de base e
       produtos semi-acabados, na construção, mas também no sistema bancário,
      etc), com papel dinamizador para o conjunto do tecido económico local.
       Na China, a grande maioria dos empresários dos sectores manufactureiros
       chineses interessa-se sobretudo pelos mercados internos para as suas
       produções. É sobretudo o florescimento da procura interna, estimulada por
      um consumo das famílias em crescimento acentuado e pelas importantes
      despesas de capital do Estado que conduz os seus programas de investimento
      rumo ao optimismo. Graças aos progressos da inovação tecnológica em todos
      os domínios (inclusive das telecomunicações, na robótica, no espaço, etc),
      cada vez mais dominados nacionalmente, o esquema produtivo do país pôde
      evoluir do  made in China  para o  made by China. 
       O ritmo acelerado dos ganhos de produtividade do trabalho permite
      acompanhar a alta rápida dos salários reais industriais, sem que o aumento
      de peso dos custos do trabalho chinês relativamente aos outros países
       concorrentes do Sul deteriore a competitividade. As exportações – tal
      como os investimentos directos estrangeiros, pois mais da metade das
       exportações são feitas por firmas estrangeiras implantadas na China –
      desempenham um papel complementar. Isso permite compreender porque em
      2011, por exemplo, a contribuição líquida negativa das exportações para o
      crescimento do PIB (-5,8%) não prejudicou o dinamismo deste último (cerca
      de +10%), nem entravou a alta das margens de lucro. A previsão de
      crescimento do PIB para 2018 é de 6,7% (com uma taxa de inflação de 1,5%),
       com contribuições estimadas de 4,5% para o consumo, 2,0% para o
       investimento, mas apenas 0,2% para as exportações.
       Ouve-se frequentemente dizer que o êxito das exportações chinesas seria
      devido ao custo muito baixo da mão-de-obra. O argumento é insuficiente: os
      custos de mão-de-obra não representam de facto senão uma parte fraca dos
      preços de venda (5% a 10% em média), o que não compensa – ainda que os
      salários chineses tenham tendência para crescer mais rapidamente que os
      dos concorrentes do Sul – os custos de transporte para os países
       importadores. O êxito da China na exportação deve-se numa grande medida
      aos custos menos pesados dos insumos fornecidos por empresas públicas a
      preços muito mais baixos, pois fixados ou fortemente controlados pelo
      Estado (exemplo: os combustíveis). Certamente os salários chineses são
      claramente mais baixos do que no Norte, mas bem mais elevados do que os
      pretensos "salários de miséria".
       Em resposta à crise de 2008, cujo impacto na China se fez sentir alguns
       anos mais tarde, as políticas anti-crise do Estado têm visado corrigir os
      desequilíbrios da economia, nomeadamente por um florescimento maciço das
      infraestruturas públicas (inclusive em zonas rurais), pela promoção de
      novos pólos urbanos de porte intermediário no interior do país e pela
       adopção de medidas favoráveis à população agrícola. [5] Os rendimentos
      líquidos das famílias rurais aumentaram assim, em termos reais e per
      capita, significativamente mais rápido que os das zonas urbanas. Portanto,
      as partes consagradas ao consumo no rendimento nacional aumentam em
      relação à do investimento. Os serviços às famílias e às empresas
      progridem. O imobiliário também está controlado, em particular pelo
       crédito.
       O destino do yuan 
       Ainda assim, o florescimento das exportações chinesas de bens e serviços
      – além das de capitais (refinanciamento do Tesouro estado-unidense,
      reestruturação de dívidas soberanas na Europa) [6] – cristaliza um outro
      ponto de tensão. A moeda chinesa, o renminbi, cuja unidade monetária é o
      yuan, estaria sub-avaliada, lê-se frequentemente no Ocidente, e portanto
      estaria na origem da persistência de défices comerciais bilaterais com a
      maior parte dos países do Norte, a começar pelos Estados Unidos [7] . As
      pressões exercidas por Washington no sentido de uma apreciação do renminbi
      frente ao dólar deparam-se com a resistência de Beijing, mas redundaram em
      várias reavaliações – a última datando de Abril de 2012, após a de Julho
      de 2005. Entre o Verão de 2005 (quando a China decide deixar de ligar as
      variação da sua moeda ao dólar) e a Primavera de 2012, o valor do renminbi
      apreciou-se em termos reais em 32% relativamente ao dólar. [8] Mas a
      lenga-lenga continuou: os produtos exportados pela China, já baratos,
      seriam tornados ainda mais competitivos por uma moeda depreciada
       artificialmente...
       Sabe-se que as discussões sobre o "justo valor" das moedas, articuladas
      sobre decisões de políticas comerciais, são polémicas. Ora, dentre os
      critérios disponíveis, a relação saldo da balança das contas correntes
      sobre PIB é a mais utilizada pela administração estado-unidense. O
       referencial assim considerado para definir a taxa de câmbio "de
       equilíbrio" é um rácio excedente ou défice da balança de pagamentos
      correntes sobre PIB no intervalo entre +/- 3 ou 4%. Ao aplicar este
      critério à China, marcado pelo peso das trocas bilaterais com os Estados
      Unidos, vê-se que o rácio retrocede de 10,6% em 2007 para 2,8% em 2011 e
      1,4% em 2012. A "sub-valorização" do renminbi não é evidente quando se
      utiliza o  benchmark  mais praticado nos Estados Unidos. O que não impede
      estes últimos, apesar dos graves desequilíbrios que caracterizam a sua
       economia, de prosseguir o que se assemelha a uma "guerra das moedas", por
      depreciação do dólar no mercado de câmbios, para impor a Beijing os termos
      daquilo que alguns chamam uma "capitulação" [9] – e um de cujos efeitos é
      desvalorizar as reservas em divisas da China, maioritariamente detidas em
      dólar.
       Um renminbi internacionalizado, especialmente para transformá-lo em moeda
      de reserva global, exigiria a adopção de condições muito estritas: a
      abertura da conta de capital, assim como a flexibilidade da taxa de
      câmbio; a integração dos mercados financeiros chineses no sistema mundial
      capitalista; políticas macroeconómicas (de luta contra a inflação, de
       limitação do endividamento público, etc) que visem a obtenção da
      "confiança" dos mercados; e uma dimensão crítica da economia que
      justificasse esta ambição de internacionalização da moeda. As duas
       primeiras condições são exigências  sine qua non;  as duas últimas, não –
      e aliás nem sempre têm sido respeitadas pelos países do Norte com moedas
      utilizadas como reservas internacionais.
       A dimensão crítica evidentemente já foi atingida: o peso da China
      coloca-a no segundo lugar mundial quanto ao PIB, atrás dos Estados Unidos,
      e entre estes últimos e a zona quanto às exportações. O critério relativo
      às políticas macroeconómicas parece igualmente cumprido, na medida em que
      a adopção das medidas anti-inflacionistas, de controle das contas públicas
      e de domínio do curso do renminbi trouxeram os seus frutos nestes últimos
      anos. Se as pressões inflacionistas permanecem um perigo, o índice de
      estabilidade dos preços é melhor na China do que nos outros BRICS. O
      endividamento das administrações públicas está contido a níveis menos
      elevados do que na maior parte dos próprios países ocidentais. Os índices
      de variabilidade da moeda nacional mostram também um renminbi menos
      instável que o real, a rupia, o rublo e o rand. Contudo, quanto à abertura
      da conta de capital e à integração mais profunda dos mercados financeiros
       chineses no sistema mundial, é forçoso reconhecer que, apesar da adopção
      de mecanismos de mercado em matéria de política monetária e da
      flexibilização das regulamentações relativas à conta de capital e à
       paridade do renminbi, as autoridades monetárias chinesas continuam a
       dispor de poderosas ferramentas de controle. Além disso, e sem estar
       totalmente ausente, o renminbi ainda é pouco utilizado nos mercados de
       produtos derivados over-the-counter , e concentrado nos instrumentos
      clássicos de cobertura (forwards)   [10] .
       A internacionalização da moeda traria benefícios à China, a começar por
      um  "direito de seignieuriage" , bem visível no caso dos Estados Unidos.
      Entretanto, uma tal orientação significaria uma submissão prejudicial do
       país à alta finança mundial dominante, portanto uma perda relativa de
      controle da política monetária. Como é que a China chegaria a tirar
      proveito de um renminbi internacionalizado sem pagar demasiado caro –
      renunciando ao pleno exercício da sua soberania nacional e vendo recusar a
      autonomia da sua estratégia de desenvolvimento? Hoje, as pressões internas
      em favor de uma liberalização dos mercados financeiros são fortes, mas
       ficam atenuadas por discursos oficiais tranquilizantes, críveis, sobre o
       controle do processo de reformas. Mas estas pressões tornam-se
       preocupantes quando coincidem com as recomendações dos peritos do FMI ou
      dos líderes ocidentais que convidam a China a escolher a via do
       neoliberalismo – e se necessário, integrando o renminbi no cabaz
       monetário dos  Direitos Especiais de Saque . Sobre o assunto, os
      dirigentes chineses, em geral com declarações nuançadas e prudentes, estão
       conscientes dos perigos que um renminbi internacionalizado implica para o
       futuro do socialismo de mercado. Esperamos que saibam resistir às sereias
      do liberalismo. Nesse meio tempo, eles reforçam suas parcerias com o Sul e
      o Leste, em particular no quadro do grupo de Shangai, e reabrem uma rota
      da sede para afrouxar a morsa do cerco agressivo dos Estados Unidos.
       Conclusão 
       A evolução das relações entre, por um lado, o PCC no poder e o bloco
      social sobre o qual ele se apoia – classes médias beneficiárias do
      crescimento e empresários privados –, e, por outro, massas operárias e
      camponesas, que vão no sentido de uma restauração do capitalismo ou então
      de uma reactivação de um compromisso social mais favorável às classes
      populares, opera sobre perspectivas de confrontações de grande amplitude
      entre as forças políticas em presença, e sobre trajectórias divergentes de
       estruturas da economia. [11] Uma questão subsiste: como as elites
      dirigentes, cuja legitimidade se vê reforçada pelas repercussões positivas
      geradas pelo crescimento, chegariam a renovar as condições da  "success
      story"  do país sem se apoiarem sobre uma modificação da correlação de
      forças interna em favor das classes populares e sem reorientar o "projecto
      nacional" para uma prioridade às políticas sociais? Pois a escolha da via
      capitalista assumida francamente por estas elites, conducente a quebrar o
      equilíbrio dinâmico do sistema e a perder o controle sobre contradições
      crescentes, não garantiria o fracasso da estratégia adoptada até agora?
      Uma outra preocupação surge: qual será a atitude dos Estados Unidos,
       inclusive do ponto de vista militar, frente ao reforço de poder da China?
      O futuro desta última permanece em grande medida indeterminado, pela sua
      dinâmica própria, mas também porque o capitalismo dos oligopólios
      financeiros do Norte parece querer entrar frontalmente em conflito com ela
      – apesar da sua estreita interdependência. Por isso, continuamos a pensar,
      o sistema político-económico em vigor na China continua a conter elementos
      (e potencialidades de reactivação) do socialismo, assim como
      possibilidades de transformação da ordem global, no sentido da construção
      lenta e progressiva de um mundo multipolar, frente ao hegemonismo
      estado-unidense.

      26/Abril/2018
       [1] Ver: Harvey D. (2005),  A Brief History of Neoliberalism,  New York:
      Oxford University Press; Arrighi G. (2009),  Adam Smith in Beijing:
      Lineages of the 21st Century,  London: Verso; Panitch L. and S. Gindin
      (2013), "The Integration of China into Global Capitalism",  International
      Critical Thought,  (3)2, 146-158.
       [2] Por exemplo: Wen T. (2001), "Centenary Reflections on the '  Three
      Dimensional Problem,  ' of Rural China",  Inter-Asia Cultural Studies  ,
      2(2), 287-295. Amin S. (2013), "China 2013",  Monthly Review  , 64(10),
      online.
       [3] Andreani T. and R. Herrera (2015), "Which Economic Model for China?",
       International Critical Thought,  5(1), 111-125.
       [4] Mishkin F. (2010),  The Economics of Money Banking and Financial
      Markets,  Upper Saddle River: Pearson.
       [5] Wong E. e T. Sit (2015), "Rethinking 'Rural China'",  in  Herrera R.
      and K.-C. Lau (dir.),  The Struggle for Food Sovereignty,  83-108, London:
      Pluto Press.
       [6] Ler: "More UK equities for China?",  Financial Times,  3 June 2011.
       [7] Ver os relatórios do US Congressional Research Service.
       [8] Bank for International Settlements (BIS).
       [9] Wolff M. (2010), Financial Times, 12 October 2010.
       [10] Herrera R. (2014), "A Marxist Interpretation of the Current Crisis",
       World Review of Political Economy,  5(2), 128-148.
       [11] Amin S. (2010), "Prefacio",  in  Herrera R.,  Avances
      revolucionarios en América Latina,  Quito: FEDAEPS.
       NR: A seriedade dos autores deste artigo e os elementos informativos que
       contém levou à sua publicação por resistir.info.  Isso não significa
      necessariamente endossar o optimismo dos mesmos quando consideram que o
      socialismo continua dentro do leque das possibilidades no futuro
      previsível da China.  A presente acumulação de reservas ouro pelo banco
      central da China – no momento em que já se antevê o fracasso das moedas
      fiduciárias que servem de reserva mundial, nomeadamente o US dólar – pode
      ter duas explicações alternativas:  1) uma garantia  (hedging)  contra a
      previsível ruína do dólar; ou  2) que as autoridades chinesas poderiam
      estar a preparar o renminbi para vir a substituir o dólar no papel de
      moeda de reserva mundial.  Se esta última explicação se verificasse a
      possibilidade da retomada do caminho socialista pela China ficaria
      comprometida. 
       [*] Professor Emérito de Ciência Política na Universidade de Paris 8
      Saint-Denis, Saint-Denis, França.
       [**] Investigador do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS),
      Centre d'Économie de la Sorbonne, Paris, França.
       [*** ] Professor Assistente na Escola de Marxismo da Universidade
      Tsinghua, Beijing, República Popular da China. 
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/asia/herrera_china_26abr18.html
26/4/2018

Notas sobre capitalismo e socialismo (10)



  Wladimir Pomar

Como vimos antes, a construção socialista resultante de revoluções em países
atrasados foi dominada, até meados dos anos 1960, pela teoria do modelo
soviético. O socialismo seria construído pela representação política da classe
operária no poder de Estado, que planejaria a economia, tanto no sentido macro
quanto micro. A propriedade privada sobre os meios de produção seria abolida e
substituída pela propriedade social sob as formas estatal e coletiva.
Essa teoria soçobrou pela ação prática de duas vertentes opostas. Num sentido
negativo, pelo fracasso do modelo em todos os países em que estava sendo
aplicado e pelo processo de desagregação da União Soviética, entre 1960 e 1990.
Num sentido positivo, pela adoção da estratégia de abertura e de reformas no
socialismo da China, a partir de 1978, do Vietnã, a partir de 1985, e de Cuba a
partir de 2008.
É verdade que a revista britânica The Economist lamenta que “o modo chinês de
articulação entre o público e o privado” leve a programas que incentivam as
empresas estatais a se tornarem “campeãs nacionais” na concorrência com as
empresas privadas. Por outro lado, há economistas keynesianos que elogiam o fato
do setor estatal produtivo chinês funcionar como “provedor de externalidades
positivas” para o setor privado.
Segundo tais economistas, a sinergia público-privada chinesa funciona em três
frentes: a) investimentos públicos em energia, transportes e telecomunicações
andando na frente da demanda corrente; b) oferta, pelas empresas estatais, de
insumos generalizados em condições e preços adequados; c) funcionamento de
centros de inovação tecnológica nas empresas estatais. Em tais condições o
desenvolvimento econômico chinês seria um caso explícito de simbiose entre o
Estado e a iniciativa privada, no qual o Estado planeja, financia, produz e faz
circular os insumos básicos.
Tal simbiose exerceria um poder de compra e de orientação da “destruição
criativa” da capacidade excedente e obsoleta criada pela inovação tecnológica.
Através de reorganizações e consolidações empresariais, o Estado induziria a
elevação da “produtividade” do capital. Assim, a iniciativa privada seria
satisfeita em sua sede de acumulação de capital por meio de ativos tecnológicos,
produtivos e comerciais. Os mercados de capitais, sem espaço para o rentismo,
seriam regulados para evitar supervalorizações e superdepreciações de ativos. As
verdadeiras oportunidades de lucros extraordinários estariam nos investimentos
que geram inovações, adensam as cadeias produtivas e criam empregos.
Essa suposta simbiose leva esses keynesianos a acreditarem que o “modelo chinês”
remeteria mais a Keynes e a Schumpeter do que a Marx. No mercado desse
“capitalismo chinês” o Estado não interviria como um intruso indesejável, mas
como um participante estratégico. Apoiaria o investimento privado para reduzir
riscos e incertezas. Ou seja, concordando com Ferdinand Braudel, o modelo chinês
demonstraria o grave erro de sustentar a crença do capitalismo como um “sistema
econômico” quando, na verdade, o Estado e o Capital seriam “companheiros
inseparáveis”.
É bom lembrar, porém, que o “modelo chinês” não está restrito aos aspectos
elogiados pelos keynesianos. Ele está ancorado num regime político de poder
único, a Assembleia Popular Nacional, que comanda os poderes executivo e
judiciário. Além disso, ao contrário do extinto modelo soviético, o Estado
chinês não é paternalista. Embora considere a luta de classes na sociedade
chinesa atual um problema secundário, evita resolver de cima para baixo as
contradições entre o capital e o trabalho, considerando positivo e essencial que
a classe trabalhadora lute por seus direitos e aprenda, na luta prática, a
natureza exploradora do capital.
O Estado chinês também não protege suas empresas estatais no sentido monopolista
e/ou paternalista soviético. Rompeu com o monopólio estatal fazendo com que
existam diversas empresas estatais em cada ramo estratégico. Tais empresas
realizam sua atividade concorrendo no mercado com as demais estatais e com as
empresas privadas, que também não podem exercer qualquer poder monopolista. Tudo
isso tendo em vista evitar a estagnação tecnológica, a burocratização, a criação
de privilégios e a corrupção, assim como demonstrar a superioridade da
propriedade social sobre a propriedade privada no próprio ambiente do mercado,
ao evitar a superexploração do trabalho e ampliar a distribuição da riqueza.
Quando o Estado chinês planeja e executa seus programas de desenvolvimento
científico e tecnológico, tem em vista fazer com que as forças produtivas se
aproximem cada vez mais daquele patamar em que é possível substituir a
propriedade privada pela propriedade social porque a capacidade produtiva pode
atender às necessidades de todos os membros de sua sociedade. E quando planeja e
executa seus programas de desenvolvimento social tem em vista criar as condições
para estabelecer relações de produção de igualdade.
Isso nada tem a ver com o capitalismo propriamente dito. Este se confronta, nos
países avançados, com forças produtivas que se tornam um crescente empecilho à
continuidade do sistema. Capital centralizado ao máximo e produtividade elevada
substituindo o trabalho vivo pelo trabalho morto entram em choque com o contínuo
definhamento dos mercados de trabalho e de consumo, nos quais a produção
capitalista deveria realizar-se como produção de mercadorias. É o capital
liquidando o capitalismo. 
Já o modelo chinês combina a propriedade social, na forma de empresas e outros
instrumentos econômicos estatais, com a propriedade privada, na forma de
empresas capitalistas, permitindo a cooperação e a concorrência entre os dois
tipos e dentro de cada tipo. Ao mesmo tempo, através daqueles instrumentos,
realiza uma constante redistribuição da riqueza, ou o “enriquecimento” do
conjunto da sociedade e não apenas dos “donos do capital”.
Em tais condições, seu desenvolvimento científico e tecnológico pode esgotar
todas as potencialidades históricas da propriedade privada capitalista. Mas
também é verdade que corre o perigo do capital se impor à sociedade chinesa, o
que dependerá do poder socialista manter os trabalhadores como seu principal
suporte e evitar a capacidade desagregadora da corrupção capitalista.
No primeiro caso, alcançada a capacidade científica e tecnológica de atender a
todas as necessidades do povo chinês, o “socialismo de mercado” pode permitir
uma transição serena para o comunismo. Ele estará muito mais para Marx e Engels
do que para Keynes. Mas no caso do capitalismo se tornar dominante, o Estado
terá que ser transformado. Primeiro, de instrumento de desenvolvimento,
representante e servidor de todo o povo em instrumento de defesa do capitalismo.
Depois, de instrumento capaz de evitar as crises em instrumento de salvação do
capitalismo das crises que ele próprio gera em seu processo de desenvolvimento.
É neste caso que estará muito mais para Keynes, embora tenha que se defrontar,
logo adiante, com as crises terminais previstas por Marx.
Na atualidade, o “socialismo de mercado” chinês ainda está no patamar juvenil de
seu desenvolvimento. O atraso econômico, social e político secular da China até
1949, assim como sua enorme população e seu enorme território, exigiram um
processo de longo prazo. Nele, o desenvolvimento científico e tecnológico e a
inovação desempenham um papel cuja importância Marx, muito antes de Schumpeter,
detectou ao examinar a concorrência capitalista e a destruição que ela promovia
nas realizações anteriores, rebaixando custos de produção e elevando a
produtividade e a lucratividade.
A essa tendência, ao mesmo tempo inovadora e destrutiva, Marx chamou de
“revolução” ou “revolucionamento constante” das forças produtivas. Shumpeter a
renomeou como “destruição criativa”, na prática encobrindo o profundo sentido
filosófico do conceito de “revolucionamento” ou “revolução”. No capitalismo, tal
tendência de desenvolvimento das forças produtivas, por um lado, eleva a
produtividade do trabalho ao limite de substituir o trabalho vivo pelo trabalho
morto e acelerar a concentração e a centralização do capital. Por outro, ao
invés de libertar os homens da necessidade de trabalhar pela sobrevivência,
aumenta aquilo que Marx chamou de “pauperização absoluta e relativa” dos
trabalhadores. Quem tiver dúvidas a respeito convém examinar como o American Way
of Life se transforma cada vez mais num mar de miséria cercando uma pequena ilha
de nababos capitalistas.
É nesse ponto que é possível diferenciar o modelo de socialismo de mercado dos
chineses dos modelos capitalistas, mesmo onde o Estado funcionou, por algum
tempo, como “Estado de Bem-Estar Social”. A vertente “capitalista concorrencial”
do modelo chinês funciona justamente para obrigar as estatais a concorrer com as
empresas privadas e entre si, desenvolver as inovações, as ciências e as
tecnologias (forças produtivas) para uma crescente redistribuição social da
riqueza e para firmar a propriedade social.
Nesse passo, por volta de 2050 a China terá alcançado um desenvolvimento que lhe
permitirá elevar o padrão de vida da maior parte de sua população a um patamar
confortável. Nessa ocasião, não sendo envolvida nas ameaças bélicas que querem
atear fogo no mundo, não tendo esmorecido na luta contra a corrupção alimentada
pelo mercado, nem permitido que a banda capitalista de seu socialismo de mercado
se assenhoreie do poder, é provável que a China ainda tenha que levar pelo menos
outros 50 anos para alcançar um patamar em que o “socialismo de mercado” se
transforme paulatinamente em comunismo ou em algo aproximado.
A esse tempo é provável que os socialismos de mercado vietnamita e cubano, que
operam em condições diferentes do socialismo de mercado chinês, também tenham
acumulado uma experiência capaz de enriquecer ainda mais a teoria de transição
socialista dos países atrasados do ponto de vista capitalista. E que,
eventualmente, a burguesia centralizadora de toda a riqueza de algum ou de
alguns países capitalistas não mais consiga dominar como antes, e a classe
trabalhadora e o povo desses países não mais possam viver como até então e
tenham se dado conta de que não tem mais nada a perder, a não ser seus grilhões.
Nesse momento, a teoria do socialismo poderá ser enriquecida por outras
vertentes de transição.
Leia os demais artigos da série

In
CORREIO DA CIDADANIA
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13233-notas-sobre-capitalismo-e-socialismo-10
28/4/2018

sábado, 28 de abril de 2018

Democracia obrera



Antonio Gramsci y Palmiro Togliatti
El Viejo Topo

      Artículo publicado en L’Ordine Nuovo, el 21 de junio de 1919. Traducción
      de http://www.gramsci.org.ar/


Hoy se impone un problema acuciante a todo socialista que tenga un sentido vivo
de la responsabilidad histórica que recae sobre la clase trabajadora y sobre el
partido que representa la conciencia crítica y activa de esa clase [1]
¿Cómo dominar las inmensas fuerzas desencadenadas por la guerra? ¿Cómo
disciplinarlas y darles una forma política que contenga en sí la virtud de
desarrollarse normalmente, de integrarse continuamente hasta convertirse en
armazón del Estado socialista en el cual se encarnará la dictadura del
proletariado? ¿Cómo soldar el presente con el porvenir, satisfaciendo las
necesidades urgentes del presente y trabajando útilmente para crear y
«anticipar» el porvenir?
Este escrito pretende ser un estímulo para el pensamiento y para la acción;
quiere ser una invitación a los obreros mejores y más conscientes para que
reflexionen y colaboren, cada uno en la esfera de su competencia y de su acción,
en la solución del problema, consiguiendo que sus compañeros y las asociaciones
atiendan a sus términos. La acción concreta de construcción no nacerá sino de un
trabajo común y solidario de clarificación, de persuasión y de educación
recíproca.
El Estado socialista existe ya potencialmente en las instituciones de vida
social características de la clase obrera explotada. Relacionar esos institutos
entre ellos, coordinarlos y subordinarlos en una jerarquía de competencias y de
poderes, concentrarlos intensamente, aun respetando las necesarias autonomías y
articulaciones, significa crear ya desde ahora una verdadera y propia democracia
obrera en contraposición eficiente y activa con el Estado burgués, preparada ya
desde ahora para sustituir al Estado burgués en todas sus funciones esenciales
de gestión y de dominio del patrimonio nacional [2]
El movimiento obrero está hoy dirigido por el Partido Socialista y por la
Confederación del Trabajo; pero el ejercicio del poder social del Partido y de
la Confederación se actúa para las grandes masas trabajadoras de un modo
indirecto, por la fuerza del prestigio y del entusiasmo, por presión autoritaria
y hasta por inercia. La esfera de prestigio del Partido se amplía diariamente,
alcanza estratos populares hasta ahora inexplorados, suscita consentimiento y
deseo de trabajar provechosamente para la llegada del comunismo en grupos e
individuos hasta ahora ausentes de la lucha política. Es necesario dar forma y
disciplina permanente a esas energías desordenadas y caóticas, absorberlas,
componerlas y potenciarlas, hacer de la clase proletaria y semi-proletaria una
sociedad organizada que se eduque, que consiga una experiencia, que adquiera
conciencia responsable de los deberes que incumben a las clases llegadas al
poder del Estado.
El Partido Socialista y los sindicatos profesionales no pueden absorber a toda
la clase trabajadora más que a través de un esfuerzo de años y decenas de años.
Tampoco se identificarían directamente con el Estado proletario: en efecto, en
las Repúblicas comunistas subsisten independientemente del Estado, como
instrumento de propulsión (el Partido) o de control y de realizaciones parciales
(los sindicatos). El Partido tiene que seguir siendo el órgano de la educación
comunista, el foco de la fe, el depositario de la doctrina, el poder supremo que
armoniza y conduce a la meta las fuerzas organizadas y disciplinadas de la clase
obrera y campesina. Precisamente para cumplir exigentemente esa función suya el
Partido no puede abrir las puertas a la invasión de nuevos miembros no
acostumbrados al ejercicio de la responsabilidad y de la disciplina.
Pero la vida social de la clase trabajadora es rica en instituciones, se
articula en actividades múltiples. Esas instituciones y esas actividades son
precisamente lo que hay que desarrollar, organizar en un conjunto, correlacionar
en un sistema vasto y ágilmente articulado que absorba y discipline la entera
clase trabajadora.
Los centros de vida proletaria en los cuales hay que trabajar directamente son
el taller con sus comisiones internas, los círculos socialistas y las
comunidades campesinas.
Las comisiones internas son órganos de democracia obrera que hay que liberar de
las limitaciones impuestas por los empresarios y a los que hay que infundir vida
nueva y energía. Hoy las comisiones internas limitan el poder del capitalista en
la fábrica y cumplen funciones de arbitraje y disciplina. Desarrolladas y
enriquecidas, tendrán que ser mañana los órganos del poder proletario que
sustituirá al capitalista en todas sus funciones útiles de dirección y de
administración.
Ya desde hoy los obreros deberían proceder a elegir amplias asambleas de
delegados, seleccionados entre los compañeros mejores y más conscientes, en
torno a la consigna: "Todo el poder de la fábrica a los comités de fábrica",
coordinada con esta otra: "Todo el poder del Estado a los consejos obreros y
campesinos".
Así se abriría un ancho campo de concreta propaganda revolucionaria para los
comunistas organizados en el Partido y en los círculos de barrio. Los círculos,
de acuerdo con las secciones urbanas, deberían hacer un censo de las fuerzas
obreras de la zona y convertirse en sede del consejo de barrio, de los delegados
de fábrica, en ganglio que anude y concentre todas las energías proletarias del
barrio. Los sistemas electorales podrían variar según las dimensiones del
taller; pero habría que procurar elegir un delegado por cada quince obreros,
divididos por categorías (como se hace en las fábricas inglesas), llegando, por
elecciones graduales, a un comité de delegados de fábrica que comprenda
representantes de todo el complejo del trabajo "obreros, empleados, técnicos).
Se debería tender a incorporar al comité del barrio representantes también de
las demás, categorías de trabajadores que vivan en el barrio: camareros,
cocheros, tranviarios, ferroviarios, barrenderos, empleados privados,
dependientes, etc.
El comité de barrio debería ser emanación de toda la clase obrera que viva en el
barrio, emanación legítima y con autoridad, capaz de hacer respetar una
disciplina, investida con el poder, espontáneamente delegado, de ordenar el cese
inmediato e integral de todo el trabajo en el barrio entero.
Los comités de barrio se ampliarían en comisariados urbanos, controlados y
disciplinados por el Partido Socialista y por los sindicatos de oficio. Ese
sistema de democracia obrera (completado por organizaciones equivalentes de
campesinos) daría forma y disciplina permanentes a las masas, sería una
magnífica escuela de experiencia política y administrativa, encuadraría las
masas hasta el último hombre, acostumbrándolas a la tenacidad y a la
perseverancia, acostumbrándolas a considerarse como un ejército en el campo de
batalla, el cual necesita una cohesión firme si no quiere ser destruido y
reducido a esclavitud.
Cada fábrica constituiría uno o más regimientos de ese ejército, con sus mandos,
sus servicios de enlace, sus oficiales, su estado mayor, poderes todos delegados
por libre elección, no impuestos autoritariamente. Por medio de asambleas
celebradas dentro de la fábrica, por la constante obra de propaganda y
persuasión desarrollada por los elementos más conscientes, se obtendría una
transformación radical de la psicología obrera, se conseguiría que la masa
estuviera mejor preparada y fuera capaz de ejercer el poder, se difundiría una
conciencia de los deberes y los derechos del camarada y del trabajador,
conciencia concreta y eficaz porque habría nacido espontáneamente de la
experiencia viva e histórica.
Hemos dicho ya que estos apresurados apuntes no se proponen más que estimular el
pensamiento y la acción. Cada aspecto del problema merecería un estudio amplio y
profundo, dilucidaciones, complementos subsidiarios y coordinados. Pero la
solución concreta e integral de los problemas de la vida socialista no puede
proceder más que de la práctica comunista: la discusión en común, que modifica
simpatéticamente las conciencias, unificándolas y llenándolas de activo
entusiasmo. Decir la verdad, llegar juntos a la verdad, es realizar acción
comunista y revolucionaria. La fórmula "dictadura del proletariado" tiene que
dejar de ser una mera fórmula, una ocasión para desahogarse con fraseología
revolucionaria. El que quiera el fin, tiene que querer también los medios. La
dictadura del proletariado es la instauración de un nuevo Estado, típicamente
proletario, en el cual confluyan las experiencias institucionales de la clase
obrera, en el cual la vida social de la clase obrera y campesina se convierta en
sistema general y fuertemente organizado. Ese Estado no se improvisa: los
comunistas bolcheviques rusos trabajaron durante ocho meses para difundir y
concretar la consigna "Todo el poder a los Sóviet", y los Sóviet eran ya
conocidos por los obreros rusos desde 1905. Los comunistas italianos tienen que
convertir en tesoro la experiencia rusa, economizar tiempo y trabajo: la obra de
reconstrucción exigirá ya de por sí tanto tiempo y tanto trabajo que se le puede
dedicar cada día y cada acto.
Notas.
1) El partido comunista es para el Gramsci de 1919 un partido que "representa la
conciencia crítica y activa de esa clase". Una concepción del carácter de clase
radicalmente diversa de la Amadeo Bordiga. No una vanguardia externa que
introduce la conciencia de clase desde fuera, si no una parte de la clase, la
que ha adquirido una conciencia crítica y activa. Esta concepción será constante
en nuestro autor en todo el proceso que llevará a la creación del partido
comunista en el congreso de Livorno de 21 enero de 1921 y durante la lucha
contra el vanguardismo y el sustituismo propios del bordiguismo.(Joan Tafalla)
2) Constatemos aquí el núcleo de la idea gramsciana de que la hegemonía debe ser
conquistada antes de la conquista del poder, que la democracia obrera está ya en
germen en las instituciones de la clase obrera. Véase por ejemplo: C 1, 44 o C8,
52 (Joan Tafalla)
Texto publicado en el libro de A. Gramsci  Allí donde la voluntad quiera y como
la voluntad desee  . Escritos sobre jacobinismo, bolchevismo, Lenin y la
Revolución rusa. Edición de Joan Tafalla
Fuente:  http://www.elviejotopo.com/topoexpress/democracia-obrera/

In
REBELION
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=240944
28/4/2018

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Avança-se na verdade sobre a queda da URSS




Arthur González

“O objetivo da minha vida foi a aniquilação do comunismo ... a minha esposa
apoiou-me plenamente e entendeu isso, inclusivamente, antes de eu [...] para o
conseguir, ter encontrado companheiros de luta – entre eles, A.N. Yakovlev e E.
A. Shevardnadze”.
------------------------------------------------------------------------------
No ano de 2000, Mikhail Gorbachov, num discurso na Universidade norte-americana
da Turquia, confessou:
“O objetivo da minha vida foi a aniquilação do comunismo ... a minha esposa
apoiou-me plenamente e entendeu isso, inclusivamente, antes de eu [...] para o
conseguir, ter encontrado companheiros de luta – entre eles, A.N. Yakovlev e E.
A. Shevardnadze”.
Recentemente, a CIA desclassificou alguns documentos onde se afirma que “o
magnata financeiro George Soros e a CIA ajudaram Gorbachov a alcançar a
posterior dissolução da URSS”.
Sobre esses documentos, o analista e ex-funcionário da NSA, a Agência de
Segurança Nacional, Wayne Madsen, afirmou que o multimilionário George Soros deu
cobertura económica, em 1987, ao governo de Mikhail Gorbachov, através de uma
ONG da CIA, conhecida como o Instituto dos Estudos de Segurança Leste-Oeste,
IEWSS (a sua sigla em inglês).
A informação indica que Soros e a CIA promoveram a difusão de dois termos
orquestradas naqueles anos a partir do Ocidente – “perestroika” (reestruturação)
e “glasnost” (transparência) – para servirem como elementos desestabilizadores
no acelerar do desaparecimento da URSS.
Esses documentos da CIA provam que o que aconteceu não foi o resultado de um ato
“espontâneo e democratizador” de Gorbachov, por o sistema socialista estar
“esgotado e alquebrado”, como querem fazer crer ao mundo.
Na Turquia, o próprio Gorbachev afirmou:
“Para o conseguir aproveitei a minha posição no Partido e no país, tive de
substituir toda a direção do PCUS e da URSS, assim como a direção de todos os
países socialistas da Europa”.
A verdade é que foi a CIA, com o dinheiro da Organização Soros, que projetou e
executou essa grande operação, com todo o apoio do então líder soviético.
O ex-analista Wayne Madsen garante que o plano concebido para eliminar o bloco
socialista da Europa oriental foi organizado por dois copresidentes do IEWWS de
Soros: Joseph Nye, economista de Harvard, e Whitney MacMillan, presidente do
agronegócio multinacional Cargill, que tinha mantido relações comerciais com a
União Soviética, nos anos setenta do século XX.
Não satisfeitos com os resultados alcançados, em 1991, a CIA e Soros centraram
os seus esforços em provocar um forte golpe na nova Federação da Rússia,
estimulando o separatismo nas suas regiões, a fim de a enfraquecer ao máximo.
O relatório de Nye e MacMillan perspetiva o fim da União Soviética e os
elementos do novo modelo para as futuras relações de Moscovo com os Estados
Unidos, para se passar para a era capitalista, e, segundo eles, “qualquer nova
avaliação das relações do ocidente com uma União Soviética reestruturada, tem de
partir de uma posição de força, em vez de um equilíbrio de poder”.
O relatório do IEWWS, datado de 1987, e a sua aplicação prática foi uma forma
de, sem sangue, despedaçar a URSS por etapas.
O dito documento exorta o Ocidente a tirar proveito da agonizante União
Soviética, no novo mapa geopolítico que se aproximava, particularmente no
Terceiro Mundo, uma área até então de influência soviética.
Madsen refere que Soros e as suas aliadas organizações de “direitos humanos”
trabalharam ativamente para destruir a Federação Russa, apoiaram os movimentos
independentistas em Kuzbass (Sibéria), através dos direitistas alemães que
tentavam restaurar Konigsberg e a Prússia Oriental, e estes financiaram
nacionalistas lituanos e de outras repúblicas autónomas e regiões nacionalistas
como o Tartaristão, a Ossétia do Norte, a Inguchétia e a Chechénia, entre
outras, com o objetivo de incentivar o separatismo nas chamadas Repúblicas
Autónomas Socialistas Soviéticas.
A atividade de ingerência Soros contra a Rússia não se deteve; foi
provocatoriamente aumentada, através das suas bases operacionais espalhadas
pelos territórios circundantes, em particular na Ucrânia, Estónia, Letónia,
Lituânia, Finlândia, Suécia, Moldávia, Geórgia, Azerbaijão, Turquia, Roménia,
Mongólia, Quirguistão, Cazaquistão, Tadjiquistão e Uzbequistão, unindo-se a
grupos terroristas em coligação com fascistas ucranianos e neonazis moldavos
sionistas.
Recentemente, o presidente russo Vladimir Putin expulsou várias organizações de
Soros, como a Open Society Foundation e outras ONG da CIA, que operavam em
circunstâncias semelhantes no território russo, incluindo a NED (Fundação
Nacional Para a Democracia), o Instituto Republicano Internacional, a Fundação
MacArthur Foundation e a Freedom House, considerando-as indesejáveis ​​e uma
ameaça à segurança do Estado russo.
Mikhail Gorbachov foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz não por prazer, mas
por que seguiu diligentemente as orientações da CIA e de George Soros.
A CIA não descansa e pretende eliminar qualquer vestígio de socialismo na terra;
daí, os seus planos contra Cuba e agora a Venezuela, onde nada é casual, nem por
obra e graça do Espírito Santo, mas, como diz S. João: 8-32, “E conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará”.
Por isso, todos os dias o mundo vê do que os ianques são capazes para conseguir
os seus interesses hegemónicos, e as mentiras que tecem, criando padrões
pré-concebidos entre as grandes massas, através das suas campanhas de imprensa;
daí que José Martí tenha sabiamente afirmado:
“Descobrir uma verdade alegra tanto como ver nascer um filho”.
 
Fonte: publicado em 2017/09/18, em
https://heraldocubano.wordpress.com/2017/09/18/se-abre-paso-la-verdad-sobre-la-caida-de-la-urss/


quinta-feira, 26 de abril de 2018

Xadrez do desastre da nova legislação trabalhista, por Luis Nassif


Luis Nassif

A economia é uma engrenagem complexa, similar a um jogo do xadrez, no qual a
mudança de uma peça mexe com o equilíbrio das demais.
Aprovada no governo Castello Branco, a legislação trabalhista em vigor garantia
não apenas os direitos do trabalhador, mas um complexo e eficiente sistema de
arrecadação de tributos – através do desconto na folha -, e de financiamento da
infraestrutura – especialmente saneamento e habitação popular.
O pensamento monofásico-ideológico da equipe econômica, somado ao atraso
visceral do governo Temer, montou uma legislação para atender aos reclamos
imediatos dos empresários com os custos trabalhistas. Não cuidou de nenhuma
análise das consequências. Como resultado, coloca em xeque todo um complexo
sistema de arrecadação e financiamento, sem colocar nada no lugar.
Entenda os desdobramentos da legislação trabalhista.
Consequência 1 – aumento da instabilidade social
Marcelo Nery, especialista em políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), estimou que a ampliação do emprego com carteira de trabalho foi mais
importante que o Bolsa Família na ascensão social da classe D.
De fato, a carteira de trabalho traz estabilidade ao trabalhador, abre espaço
para o crédito, insere-o nas redes de proteção social. E, na outra ponta,
aumenta a arrecadação pública.
A partir de agora, haverá enorme retrocesso promovido pela crise econômica
somada ao fim das restrições ao trabalho precário, visível na redução do salário
médio da economia e, à médio prazo, da massa salarial.
Consequência 2 – inviabilização da Previdência Social
A grande fonte de financiamento da Previdência são as contribuições descontadas
em folha, das empresas e dos empregadores.
Havia enormes distorções a serem corrigidas. Por exemplo, o sistema financeiro
tem menos encargos que, por exemplo, a indústria têxtil, intensiva em mão de
obra. Para reduzir os encargos sobre a folha, a alternativa pensada sempre foi a
substituição por contribuições sobre o faturamento.
A reforma na legislação trabalhista compromete radicalmente o financiamento da
Previdência pelo desconto em folha, só possível no emprego formal, sem ter
colocado nada no lugar.
Agora, se terá de um lado a redução gradativa do emprego formal reduzindo
drasticamente a arrecadação; de outro, o aumento de dificuldades para a obtenção
dos benefícios previdenciários, induzindo os mais jovens a buscarem outras
formas de garantia do futuro.
Alertamos na época que significaria a inviabilização final da Previdência
pública, com consequências drásticas. Os efeitos estão aparecendo muito mais
rapidamente do que o previsto.
Consequência 3 – inviabilização do orçamento público
Na definição das fontes de receita do orçamento público, bastava o gestor olhar
o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para ter estimativas
precisas sobre o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Com a pejotização e a
precarização do emprego, perderá a maior ferramenta de arrecadação existente. A
queda na arrecadação do INSS já está se manifestando, mesmo com a economia
saindo do buraco profundo em que se meteu.
Os impostos recolhidos na fonte – sobre folha salarial + Previdência –
correspondem a 45% da arrecadação fiscal brasileira, sem contar o FGTS, e tinham
na legislação trabalhista sua grande garantia de estabilidade. Está se jogando
fora uma peça fundamental do sistema de arrecadação.
A diminuição da arrecadação previdenciária, por outro lado, inviabiliza
completamente a maluquice do teto de gastos aprovado no ano passado. O próximo
presidente assumirá com um orçamento totalmente inviabilizado.
Consequência 4 – o comprometimento do financiamento do saneamento
Havia uma previsão de destinação de R$ 330 bilhões dos recursos do FGTS nos
próximos quatro anos, para programas de saneamento e habitação popular. Água
tratada é serviço autossuficiente, bancado pelas tarifas. Saneamento, tratamento
de esgoto, depende fundamentalmente de fontes públicas de financiamento. Com a
nova legislação trabalhista, o FGTS, esvazia-se a principal fonte de
financiamento do setor.

In
GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-desastre-da-nova-legislacao-trabalhista-por-luis-nassif

26/4/2018

quarta-feira, 25 de abril de 2018

No dia do Índio, a festa é Agro: entenda a disputa entre indígenas e ruralistas


Sputnik

No aniversário de 75 anos da criação do dia do Índio no Brasil, os povos
indígenas seguem sob um processo de resistência. Com o avanço dos acordos de
Michel Temer com os ruralistas, a Sputnik Brasil explica o que esperar da
situação indígena no país.

"Desde o começo os povos indígenas entendem que o atual governo brasileiro é um
governo golpista, que não tem legitimidade nenhuma para propor qualquer tipo de
reforma ou qualquer tipo de política pública que vise retirar os direitos, não
só dos povos indígenas, mas de toda uma coletividade", afirmou em entrevista à
Sputnik Brasil o advogado e indígena Luiz Eloy Terena, um dos assessores do
Associação Nacional dos Povos Indígenas, a APIB.
Luiz é um dos organizadores do Acampamento Terra Livre, que levará milhares de
lideranças indígenas para Brasília pelo 15º ano consecutivo com o objetivo de
cobrar as autoridades pela garantia dos direitos dos povos indígenas.
Assim como aconteceu em 2017, esse ano o Acampamento Terra Livre será organizado
com atividades na Esplanada dos Ministérios, entre os dias 23 e 27 de abril.
Para o acampamento, são esperadas lideranças dos povos indígenas e ativistas que
defendem os direitos desse grupo. A ideia é levar adiante as pautas e
reivindicações indígenas. Entre elas, a busca por políticas de Saúde e o
protesto contra empreendimentos que ameaçam os territórios indígenas, como
atividades de mineração.
Corte internacional condena o Brasil: nesse filme, os índios é que foram
vencedores
"Além de ter a plenária instalada na Esplanada dos Ministérios, as lideranças
vão estar visitando também os ministérios, o Congresso Nacional, a AGU e o
gabinete dos Ministros do STF, porque nós temos ali alguns processos que são
importantes para o movimento indígena e que a qualquer momento pode ser pautado
pelo STF. Então as lideranças vão estar fazendo essa incidência política no
poder Judiciário, além do Executivo e do Legislativo", antecipa Luiz Eloy à
reportagem.
Entre as principais bandeiras levantadas pelo movimento indígena brasileiro,
segue a demarcação de terras indígenas, que desde o ano passado está com seus
processos completamente paralisados, ao mesmo tempo que cresce a violência no
campo. Esse será o principal tema no acampamento de 2018, um movimento de
protesto que já existe há 15 anos.
"Esse ano o Acampamento Terra Livre espera aproximadamente 4 mil lideranças
indígenas. O tema é ‘Unificar a luta em torno de um Brasil indígena'. As
comunidades vão estar trazendo as suas demandas. A principal delas é a
demarcação das terras indígenas".
Se em 2017, as lideranças foram recebidas com gás lacrimogêneo na capital do
país, este ano as expectativas também não são das melhores. Com o prosseguimento
da crise política, a violência no campo novamente bateu recordes, e entre as
principais vítimas assassinadas, seguem estando os indígenas.
No dia do Índio, os avanços da bancada ruralista lembram a História
Em 1997, as ruas de Brasília se acenderam de forma funesta. O fogo vinha de cima
sobre o corpo do líder Pataxó Galdino Jesus dos Santos. Os assassinos, 5 homens
de classe média, disseram à imprensa da época que se tratava de "uma
brincadeira". Eles teriam pensado que "era apenas um mendigo".
O caso infeliz ganhou fama, e segue na memória popular brasileira como um
exemplo de crueldade com a população indígena. O crime aconteceu na madrugada de
20 abril, dia seguinte ao dia do Índio.

Eleições 2018: ódio e descrédito na democracia brasileira
A data foi criada em 1943 pelo governo do presidente Getúlio Vargas através do
decreto-Lei 5540/43 como forma de homenagear a herança histórica indígena no
Brasil. Várias obras, como "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro, afirmam que a
população indígena era maior que a população portuguesa no momento em que os
lusitanos pisaram pela primeira vez na terra brasilis, e atestam sua fundamental
importância para a cultura do país.
Após o massacre da colonização e o início da miscigenação, centenas de povos
autóctones sobreviveram ao Brasil, e hoje vivem sob proteção constitucional, com
direitos garantidos a terras tradicionais, como disposto no capítulo VIII,
artigos 231 e 232 da Carta Magna, com direitos como a demarcação de terras
"tradicionalmente ocupadas". Pelo menos, é o que deveria estar acontecendo.
Em 2017, o governo federal assinou parecer da Advocacia Geral da União (AGU)
para apoiar os ruralistas e suas pautas. No total, a AGU, apontou a paralisação
de 748 processos de demarcação de terras que estavam em andamento no país.
Temer, assim, mudou o entendimento da Constituição Federal, apontando que as
terras indígenas seriam direito destes povos apenas se eles já as ocupavam em
1988, assumindo a proposta de Marco Temporal da AGU. Esse entendimento tem apoio
de parte dos ministros do STF. O parecer seria parte da negociação feita pelo
Congresso para barrar denúncias contra o presidente, ainda em 2017.
"Isso é uma coisa que está clara para todas as lideranças indígenas do Brasil.
Nós sabemos que hoje no Brasil a principal pauta, a principal luta do movimento
indígena é pela demarcação dos territórios tradicionais. E nos governos
anteriores, nós já tínhamos uma desaceleração do processo de demarcação de
terras indígenas, um enfraquecimento sistemático da FUNAI, que é o órgão oficial
do Estado brasileiro que trata da política indigenista, e no governo Temer nós
tivemos isso de forma mais clara", afirma Luiz Eloy Terena.
O advogado indígena aponta que a situação não é apenas de paralisação, mas de
reversão de algumas demarcações. "Primeiro que no que diz respeito aos processos
demarcatórios, nós temos agora uma total paralisação dos processos. Além de
paralisação, quer dizer, não demarcar nenhum território, nós estamos vendo
acontecer a reabertura de procedimentos que estavam já consolidados, e até mesmo
a anulação de terras já demarcadas e consolidadas, como foi o caso da terra
indígena em São Paulo, dos Guarani no Jaraguá".

Durante o Acampamento Terra Livre de 2017, indígenas são reprimidos com gás
lacrimogêneo em Brasília.
Segundo um relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas (ONU), os povos
Indígenas brasileiros sofrem os maior risco desde a assinatura da Constituição
de 1988, o que mostra que problema vinha de antes, e que vem se aprofundando.
"Além disso, nós estamos observando como a bancada ruralista está se apropriando
da FUNAI, o órgão que deveria defender o direito dos povos indígenas. Tudo isso
sob uma moeda de troca. O Michel Temer para se manter no poder necessitava dos
votos da bancada ruralista e com isso ele usou os direitos dos povos indígenas
como moeda de troca. Então isso está bem claro para nós", reflete o advogado
Terena.
"Essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar lideranças que estão lutando
pelo direito à terra"
Na terça-feira (18), um relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT), mostrou um levantamento assustados. Segundo a organização, 2017 foi o ano
mais violento contra as populações do campo desde 2003, o que inclui populações
indígenas. Além dos 70 mortos ao longo do ano, contra 63 do ano anterior, a
organização suspeita de mais um massacre de 10 indígenas isolados no Vale do
Javari, no Amazonas.
Para a Comissão, esse quadro caracteriza uma criminalização dos movimentos
sociais.
"Eu concordo com a CPT. Há uma criminalização dos movimentos indígenas, dos
sem-terra, dos quilombolas, dos povos tradicionais. E essa criminalização, ela é
permanente o processo se intensificou com o golpe, que destituiu o governo
Dilma", apontou Bernardo Mançano Fernandes em entrevista à Sputnik Brasil.
Bernardo é geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual Paulista, a UNESP, e
trabalha há mais de duas décadas analisando a situação dos povos do campo no
Brasil.

Um indígena mira seu arco no ar durante protesto em frente ao Congresso
Nacional.
Bernardo Fernandes lembra que a situação já foi muito mais grave durante a
Ditadura, em que milhares de indígenas forma mortos durante esse período. A
situação depois atingiu outros picos durantes os governos Collor e Sarney. Em
1987, lembra o professor, o número de morto foi de 160.
Para ele, a situação continuava grave, mas melhorando. No entanto, o quadro
político do país após o golpe de 2016 deu um empurrão na violência contra os
povos do campo, segundo o professor.
"Os latifundiários que sempre tiveram uma prática assassina de mandar matar
trabalhadores sem-terra, indígenas e quilombolas para poder se apropriar das
suas terras, dos seus territórios, eles agora estão mais ousados", afirma o
professor Bernardo. Para ele, o governo Temer tem "financiado muitas das
demandas e das políticas da classe ruralista", o que teria influência na
violência no campo, pois "essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar
lideranças que estão lutando pelo direito à terra", disse.
Uma das formas desse incentivo que a parceria de Temer com os ruralistas teria
assumido, é justamente criar um impasse para o não reconhecimento de terras
indígenas através da medidas governamentais.
Em 2017, por exemplo, Temer não criou nenhum assentamento para a reforma
agrária, revertendo os avanços na área de forma inédita e brusca. Informações do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mostram que pela
primeira vez desde 1995, nenhuma família foi assentada, o que seria um desejo
antigo de latifundiários e ruralistas.
Mas afinal, o que é a demarcação de terras e por que os ruralistas são contra?
Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão estatal responsável pela
política, gestão e pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil, as áreas
demarcadas, ou Terras Indígenas, são áreas de propriedade da União que seriam
habitadas pelos povos indígenas para sua reprodução física e cultural segundo
seus usos, costumes e tradições. Segundo o órgão, 462 dessas terras já estariam
ocupadas no país. Essa, portanto, seria uma forma diferente de posse, que não
deveria se confundir com a propriedade privada.
"E nós temos também que os povos indígenas estão reivindicando seu territórios
tradicionais. Então não se trata de qualquer pedaço de terra, de um espaço
físico. Então não adianta propor, por exemplo, transferir os Guarani-Kaiowá de
Mato Grosso do Sul para terras nos Amazonas, em outros territórios. Porque não é
isso, os povos indígenas estão reivindicando seus territórios tradicionais, o
que é justamente de onde vem sua origem, sua tradicionalidade", afirma Luiz Eloy
Terena, da APIB.
Porém, grupos políticos como a Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada dos
ruralistas, a maior bancada do Congresso Nacional, com pelos menos 162
deputados, advoga que essas terras não são produtivas, e pretendem mudar o
entendimento constitucional sobre o assunto.
Polícia guarda Supremo Tribunal Federal (STF) diante de protesto indígena que
pede demarcação de terras.
"Cada vez mais, eles tentam ganhar o apoio popular, o apoio da população, com o
argumento de que esses povos têm muita terra e não são produtivos. Eles tentam
fazer uma comparação com as grandes corporações que produzem monocultivos de
soja, cana, monocultivo de árvores, e tentam dizer que essas terras precisam ser
tornadas produtivas", lembra o pesquisador Bernardo Mançano Fernandes, que
continua: "E aí eles impedem que a população compreenda que as terras desses
povos, elas têm outra finalidade, elas não são terras para a produção de
commodities, elas são terras para a produção da vida".
O advogado Luiz Eloy Terena, da APIB, também desmonta a tese ruralista. "Na
verdade isso é uma falácia da bancada ruralista em nome de um suposto
desenvolvimento. Pegamos, por exemplo, o estado do Mato Grosso do Sul, em que
nós temos uma presença muito forte do Agronegócio e é um estado em que nós temos
muitos conflitos também por questão da demarcação das terras indígenas. Se hoje
a FUNAI demarcasse todas as terras reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá e pelos
Terena, por exemplo, daquele estado, não chegaria nem a 2% de todo o território
daquele estado. E isso se revela na maioria dos estados da federação
brasileira", argumenta o advogado.
O que é o Marco Temporal que os ruralistas querem impor às Terras Indígenas?
A tese  do Marco Temporal, que foi construída pelos ruralistas, é uma tese que
afirma que os índios só teriam direito às terras que eles já estivessem ocupando
no dia 5 de outubro de 1988, que é a data em que foi promulgada a Constituição.
Luiz Eloy Terena discorda dessa avaliação. "Nós sabemos que isso não está no
texto constitucional, muito pelo contrário. A Constituição quando vem e
reconhece esses direitos que ela chamou de direito originário, ela não traz
nenhum tipo de requisito temporal e não traz essa restrição, pelo contrário, ela
traz um direito originário".
Para o advogado, essa tese não leva em conta sequer o período histórico
brasileiro em que se assentaria o Marco Temporal. A data de assinatura da última
constituição federal, ocorre pouco tempo depois da Ditadura Militar, período
considerado de grande repressão no campo, devido às políticas adotadas pelo
governo para a proteção e a unidade do território nacional.
"Então essa interpretação de alguns juízes e até alguns Ministros do STF é uma
tese que restringe direitos, porque nós sabemos que muitas comunidades indígenas
não estavam em suas terras no dia 5 de outubro de 1988 justamente porque foram
despojadas de seus territórios. Aliás, a gente estava acabando de sair de um
período da ditadura militar. E nós sabemos quantas comunidades foram despojadas,
ou seja, expulsas de seus territórios, em grande maioria pelo braço estatal.
Quem deveria proteger essas comunidades, retirou essas comunidades", lembra Luiz
Eloy.
A ideia de controle sobre as vastas áreas do país passava pela identidade e pelo
sentimento nacionalista, ao qual identidades como a indígena e a negra eram
consideradas ameaças. O censo de 1970, por exemplo, não apresentava opções de
cor ou raça para as pessoas, o que se repetiu durantes diversos recenseamentos
ao longo desse período.
Qual é a importância da FUNAI nisso tudo?
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nasceu durante a Ditadura Militar, em 1967
e é o principal órgão indigenista do Estado brasileiro. Ela tem como papel a
pesquisa, "a identificação, a delimitação, a demarcação, regularização fundiária
e registro das terras indígenas".
Segundo o advogado Terena, Luiz Eloy, atualmente o movimento indígena defende a
FUNAI, que já foi criticada por sua atuação. Para ele, uma FUNAI fraca econômica
e politicamente, afeta a vida dos povos indígenas, principalmente no que tange à
sua pauta principal, que é a demarcação de terras. No entanto, o movimento
indígena é crítico da forma a FUNAI atua agora. Segundo ele, há em curso um
"aparelhamento" da FUNAI, com pessoas indicadas pela bancada ruralista para
defender seus interesses.
PGR diz que fechar fronteira com a Venezuela é ilegal
"O exemplo claro nós tivemos no ano passado, quando o presidente Toninho foi
exonerado porque não seguiu a cartilha da bancada ruralista, e nós estamos vendo
isso acontecer novamente de forma explícita com o presidente Franklimberg, como
foi noticiado ontem, e nós tivemos acesso ao documento encaminhado pela bancada
ruralista, em que mais de 200 parlamentares assinam pedindo a exoneração dele, e
indicando uma outra pessoa que é mais aberta aos interesses da bancada
ruralista", afirma Luiz Eloy.
Ainda na terça-feira (17), o presidente Michel Temer decidiu exonerar o
presidente da FUNAI, Franklimberg Ribeiro de Freitas. Segundo o jornal Estado de
São Paulo, 40 deputados e senadores teriam pedido a demissão de Franklimberg
pelo fato de que ele "não tem colaborado com o setor".
Para o advogado, essa situação é uma clara evidência de que Michel Temer teria
negociado os direitos indígenas em troca de votos e apoio da bancada ruralista.
Luiz acredita que para além da FUNAI, a mesma situação esteja se repetindo na
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Quais as perspectivas dos povos indígenas para os próximos anos?
A forte pressão, a enorme violência e o estreitamento do horizonte político no
Brasil fazem com que o professor e pesquisador da UNESP, Bernardo Mançano
Fernandes tenha uma perspectiva pessimista sobre o futuro próximo.
"Olha, a perspectiva que nós temos hoje é a pior possível, porque as forças
conservadoras estão crescendo cada vez mais. As forças progressistas estão em
refluxo. E o que eu estou vendo é o aumento da resistência dessa população
[indígena], só isso. Nós não temos hoje no cenário político, uma perspectiva de
mudança dessa tendência violenta", aponta. Para ele, o quadro no Brasil chega ao
ponto do genocídio rural e urbano, o que segundo o professor, deve ser
denunciado o máximo possível nas redes sociais, uma mídia alternativa e
acessível.
"[Isso] está representado no assassinato da Marielle, que está representado no
assassinato de tantos jovens nas áreas rurais brasileiras e nas áreas urbanas
brasileiras, jovens lideranças, jovens que estão lutando contra esse processo de
genocídio, esse processo de criminalização. Nós estamos vivendo uma verdadeira
guerra no nosso país, e é fundamental que as pessoas tenham o bom senso de ser
contra esse processo", conclui.
O advogado indígena Luiz Eloy, também aponta uma direção de luta e denúncia.
Apesar de enxergar as dificuldades, ele mantém o otimismo em relação à
resistência. "Isso para nós é claro. É continuar resistindo, seja no campo ou na
cidade, porque nós também temos populações indígenas já no contexto urbano. E os
povos indígenas têm se organizado, através do movimento para estar pautando as
suas demandas", aponta.
Luiz Eloy convida para os debates do Acampamento Terra Livre, e aponta que os
indígenas se manterão firmes na defesa dos direitos: "Então […] um dos temas que
vai ser debatido também pelas lideranças indígenas é pensar o Brasil a partir de
tudo isso que está acontecendo, de violações de direitos e de garantias
fundamentais, e lutar pelas liberdades democráticas. Aqueles direitos que estão
na Constituição, os povos indígenas sempre tiveram o compromisso de defender,
então isso a gente vai continuar fazendo".
In
SPUTNIK
https://br.sputniknews.com/sputnik_explica/2018041911027802-indios-indigenas-bancada-ruralista-brasil-michel-temer-STF/
19/4/2018