terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Xadrez dos nós da economia e da volta do Senhor Crise

 

por Luis Nassif

Só quando a crise abrir novamente a bocarra e ameaçar engolir não apenas
o governo, mas qualquer pretensão de recuperação do país civilizado, os
dogmas irão para segundo plano e os problemas reais ganharão novamente
prioridade.



  Peça 1 – o mapa da economia no mundo ideal

Em um primeiro momento, conta o ciclo econômico. Após períodos de
intensa concentração de renda – como o que houve nos últimos anos – há
uma poupança acumulada, disponível para novas aplicações, dependendo das
taxas de juros e das expectativas de inflação.

Dependendo do nível de juros, abre-se a possibilidade da poupança ser
canalizada para investimentos em infra-estrutura e para setores
portadores de futuro, além de permitir o financiamento do capital de
giro e o amparo às pequenas e micro empresas.

Para a recuperação da economia, é necessário que essa conjuntura seja
completada por uma política monetária regrada, com taxas básicas
civilizadas e uma articulação na economia real, junto aos atores econômicos.


    Princípios fundadores

Erros e acertos de políticas de desenvolvimento legaram o seguinte
conhecimento de políticas bem sucedidas.


      Compras públicas

É um ponto essencial. Seja na forma de bens de consumo para políticas
públicas (saúde, educação, alimentos), no acesso de micro, pequenas e
médias empresas não apenas a crédito e financiamento, mas a compras
públicas. A única garantia de sobrevivência de novas empresas e novos
setores é a garantia de demanda.


      Políticas sistêmicas

Não é mais possível política de um tiro só. Minha Casa Minha Vida não
pode continuar a ser  uma mera política de financiamentos e subsídios,
mas levar em conta a questão imobiliária, a mobilidade dos
trabalhadores, os impactos sobre custo de terras e aluguel.

O exemplo maior é o Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP) que,
embora tenha ficado incompleto, contemplava o setor como um todo,
pensando nas necessidades do SUS, dos pacientes, o poder de barganha com
multinacionais etc.


    Peça 2 – diagnóstico e ação

Não se deve pensar políticas setoriais individualmente, nem as ações de
cada MInistério de forma isolada.

Por exemplo, no auge do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)
tentou-se uma articulação entre governo, a área social e a ABIC
(Associação Brasileira da Indústria da Construção), visando utilizar a
base de dados social para identificar trabalhadores nas áreas
contempladas com construção e utilizar o sistema S para treinamento.

Outra iniciativa inteligente – mas que não foi adiante – consistia em
definir um mínimo de previsibilidade para as grandes obras públicas e
acertar com a ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos) um planejamento dando tempo para a fabricação dos
equipamentos que seriam requeridos.

Para tanto, tem que haver um diagnóstico amplo e uma ação articulada
entre Ministérios e associações civis. Não dá mais para pensar em
políticas públicas com cada agente jogando no seu campo e definindo sua
estratégia.

O primeiro passo é entender o estágio atual da economia brasileira e
definir setores prioritários, aqueles com maior capacidade de
disseminação, maior afinidade com as novas tecnologias, dentro de uma
visão sistêmica, da qual o maior exemplo é o complexo industrial da saúde.

A visão sistêmica consiste em entender todas as implicações de uma
política industrial, tendo como foco central o atendimento das
necessidades da população e a utilização do poder de compra do Estado
para estimular o desenvolvimento de setores industriais.

Diagnósticos com tal grau de complexidade precisam ser montados com a
participação de muitos atores:

  * Uma orquestração liderada pelo Ministério da Fazenda, e mobilizando
    demais Ministérios – Planejamento, Indústria e Comércio,
    Agricultura, Trabalho, Saúde etc. Os Ministérios atuariam como pivôs
    de uma estrutura nacional envolvendo atores, mas dentro de uma
    lógica central.
  * Instituições acadêmicas, Universidades, IPEA (Instituto de Pesquisa
    Econômicas Aplicadas), setores técnicos do BNDES. Em 2014, o
    Ministério de Ciência e Tecnologia preparou um belíssimo plano de
    políticas públicas para o segundo governo Dilma, contando com a
    colaboração das universidades. Mofou em uma gaveta;
  * Confederações e federações empresariais, sistema S.
  * Fóruns de discussão, como o Conselhão, a ABDI (Agência Brasileira de
    Desenvolvimento Industrial) e Apex (Agência de Promoção das
    Exportações).
  * Sistema de financiamento da pesquisa, como CNPQ, Fundações de Amparo
    à Pesquisa, Finep (Financiadora de Pesquisas e Projetos).

Articulação dessa ordem evitaria sobreposição e voluntarismos, como essa
ideia de criar uma MIT para a Amazônia, sabendo que existem
universidades federais por lá, com especialistas estudando o tema. Mesmo
porque o autor da ideia, o cientista Carlos Nobre é respeitabilíssimo na
sua área, a climatologia, não em biociência.


    Peça 3 – os problemas

No ano passado, pintou um ciclo benéfico. Foi desperdiçado pelo
oportunismo, curto prazismo e pela falta de visão estruturante do
Ministro da Economia Paulo Guedes.

Houvesse um mínimo de estratégia, essa poupança teria sido canalizada
para obras de infraestrutura, com aporte da União, e enormes reflexos na
cadeia produtiva nacional.

Em vez disso, permitiu-se a constituição de bolhas em ações de empresas,
fundos imobiliários, securitização de recebíveis. Com a guerra da
Ucrânia, houve uma explosão nos preços da energia, dos alimentos e
fertilizantes, impactando a inflação interna, com a elevação mais que
proporcional da Selic.

Agora, tem-se uma bomba de efeito retardado prestes a explodir. E o
governo Bolsonaro deixou duas heranças terríveis: a estabilidade da
diretoria do Banco Central, nas mãos de diretores que pensam
exclusivamente no mercado; e a estabilidade do Conselho de Administração
da Petrobras, que cometeu o ato mais irresponsável possível, a
distribuição de dividendos em valor superior a todo o lucro contábil da
Petrobras.

O primeiro segura a Selic a 13,75%. O segundo impede a revogação do PPI
(Preço do Petróleo Importado) como parâmetro para os preços internos de
combustíveis.

Com Selic a 13,75% ao ano e custo do crédito em percentuais muito
maiores – para uma inflação anual de apenas 5,77% e em queda consistente
desde abril de 2022 – já havia uma crise de crédito na economia. As
empresas passaram a recorrer ao chamado crédito corporativo – que
responde por 10% do PIB. Com o golpe das Americanas, houve novo
movimento de restrição de oferta, aumento no custo do dinheiro e a
expectativa de uma crise gigante. Ou seja, há um tsunami a caminho.

Ao mesmo tempo, a necessidade de devolver aos estados a arrecadação
perdida levou a Fazenda a reinstituir o imposto sobre combustíveis, mas
sem condições de compensar com redução dos preços do petróleo, através
da revogação do PPI, devido à resistência do Conselho de Administração
da Petrobras – que só será trocado em maio.

Definitivamente, é impossível pensar em qualquer hipótese de recuperação
da economia com taxas de juros nesses níveis. Não haverá investimento
novo, não haverá condições de reativar o mercado de crédito nem mesmo a
reativação de obras públicas, que esbarrará no custo do capital de giro.


    Peça 4 – a estratégia de Haddad

Haddad tem recorrido a uma estratégia gradual, que tem lhe permitido
conquistar a confiança do mercado.A ideia é aproximar-se de Campos Neto,
confiando em conquistar sua boa vontade, sem colocar em risco nenhum dos
dogmas do mercado.

 1. Apresentar um substituto para a Lei do Teto. E preparar o orçamento
    do próximo ano, acenando com orçamento equilibrado.
 2. Aprovar a reforma tributária.
 3. Avançar o programa de limpar a ficha de pessoas físicas inadimplentes.

Tudo isso para conseguir a boa vontade de Campos Neto na próxima reunião
do Copom (Comitê de Política Monetária).

Há um amplo descompasso entre o ritmo da crise que vem por aí, e o
timing da estratégia Haddad.

Mas há um problema de tempo aí. O Copom reúne-se a cada 45 dias. A
próxima reunião será nos dias 21 e 22 de março. Se tudo der certo, a ata
terá um pouco de boa vontade em relação aos esforços da Fazenda, e
acenará com alguns elogios. A próxima reunião será em maio, com a
possibilidade de uma queda de 0,25 na Selic.

Os mortos pela crise agradecerão penhoradamente a boa vontade.

E qual a alternativa? Se pedir a cabeça de Campos Neto ao Congresso, o
governo corre o risco de ser derrotado e desmoralizado. Entenderam o
tamanho da encrenca?

Por outro lado, de mãos amarradas e com a crise comendo solta, cada dia
de governo nunca é mais, é sempre menos.


    Peça 5 – a estratégia de Mercadante

A única estratégia clara de Mercadante é a de se habilitar a,
futuramente, ocupar o lugar de Haddad. O que de mais meritório fez até
agora foi a preparação de um seminário para analisar as práticas do
Banco Central. No que lhe cabe – discutir linhas de financiamento à
exportação – deixou a Fazenda na mão, precisando recorrer ao Banco do
Brasil para montar a linha de financiamento com a Argentina.

Historicamente, os financiamentos do BNDES tinham como parâmetro o custo
dos financiamentos internacionais, para conferir um mínimo de
competitividade às empresas brasileiras. Por isso, a TJLP (Taxa de Juros
de Longo Prazo) era invariavelmente inferior à Selic, permitindo aos
clientes do BNDES escapar da armadilha da Selic alta. A pretexto de que
esse diferencial significava subsídios – sem levar em conta o que os
financiamentos do BNDES geram em novos impostos, novos postos de
trabalho, novos empreendimentos -, passou-se a utilizar uma taxa de
mercado. Tudo isso para permitir ao mercado faturar em cima desse novo
veio. Deixou-se de lado o personagem principal do jogo – a empresa que
investe – para privilegiar o intermediário.

Mas, para não incorrer na ira do mercado, Mercadante diz que não vai
cobrar juros abaixo da Selic. Mencionou genericamente vários tipos de
operação que poderão ser desenvolvidas, mas sem detalhar nenhuma, porque
todas têm que obedecer ao princípio básico, de não ser inferior à Selic.
Então, esquece!


  Peça 6 – o Senhor Crise

Volta-se ao pré-2008. A política econômica deixa de ser a arte de
resolver problemas concretos da economia real, para ser um vai-da-valsa
em torno dos dogmas do mercado, devido às heranças malditas de Bolsonaro
e à falta atual de condições políticas.

E nem se condene Haddad. Ele joga de acordo com as possibilidades
políticas que têm à mão.

Só quando a crise abrir novamente a bocarra e ameaçar engolir não apenas
o governo, mas qualquer pretensão de recuperação do país civilizado, os
dogmas irão para segundo plano e os problemas reais ganharão novamente
prioridade.

Em
Jornal GGN
https://jornalggn.com.br/coluna-economica/xadrez-dos-nos-da-economia-e-da-volta-do-senhor-crise-por-luis-nassif/
28/2/2023

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Há 50 anos, a USP perdia Alexandre Vannucchi Leme, estudante torturado até a morte pela ditadura

 

     
      <https://jornal.usp.br/universidade/ha-50-anos-a-usp-perdia-alexandre-vannucchi-leme-estudante-torturado-ate-a-morte-pela-ditadura/>


      por Camilo Vannuchi

Os pais já estavam aflitos quando o telefone tocou, na manhã de
terça-feira. Alexandre não tinha aparecido na sexta, nem no sábado ou no
domingo. Tampouco havia telefonado ou mandado avisar que não iria para
Sorocaba naquele fim de semana. Quem atendeu foi José Augusto, o
penúltimo dos seis filhos de dona Egle e seu José. Tinha 12 anos, dez a
menos que o primogênito Alexandre, e não teria atendido àquela ligação
se fosse capaz de prever o que iria ouvir.

— Alô.
—O Alexandre está preso em São Paulo. Procurem por ele no Dops.
/Tum, tum, tum, tum/.

A identidade do mensageiro permaneceu em sigilo por décadas. Primeiro,
por medo. Em seguida, por segurança. Mais tarde, porque já não havia
quem perguntasse. Hoje, sabemos que foi Alberto quem telefonou para a
casa dos pais do amigo.

Alberto Alonso Lázaro era colega de turma de Alexandre. Havia, como ele,
entrado em 1970 e, também como ele, pegaria o canudo no final de 1973.
Como Alexandre, queria a volta da democracia e liberdade para as
entidades estudantis. Como Alexandre, buscava mobilizar a juventude
universitária e, novamente como Alexandre, aproximou-se da Ação
Libertadora Nacional (ALN), organização que fora liderada por Marighella
até 1969.

No dia 16 de março de 1973, Alberto foi um dos primeiros a saber que
Alexandre havia caído, ou seja, que o amigo havia sido capturado pela
repressão. Não porque estivesse por perto ou porque fosse
excepcionalmente bem-informado, mas porque Alexandre faltou ao ponto
seguinte. No código da clandestinidade, um atraso bastava para
desencadear uma série de medidas cautelares, dentre as quais uma fuga
repentina e uma mudança inesperada de endereço.

Retrato de Alexandre Vannucchi Leme, 3×4, tirada aos 18 anos para
expedição de documentos

Não bastasse a proximidade na sala de aula, nos barracões dos
laboratórios e na área próxima da guerrilha, como costumavam chamar a
rede de militantes que mantinham uma atividade legal e apenas ajudavam
os guerrilheiros, Alberto e Alexandre também dividiam o mesmo
apartamento, uma república estudantil no Itaim Bibi, ora em processo de
conversão em aparelho.

Na república, na universidade, nos trabalhos de campo em Itu ou em
Bertioga, Alberto era conhecido como “Babão”. Alexandre era o “Minhoca”.
Não apenas porque era mirrado e franzino, e apaixonado pelas coisas da
terra, mas porque aprendeu cedo a imitar certo professor do curso,
Sérgio Estanislau do Amaral, que os veteranos chamavam de “Minhocão”.
Virou Minhoca. E fazia o diabo com sua ironia e seu censo de humor,
botando apelido em todo mundo, subindo no ombro dos amigos mais
encorpados para tirar foto de asas abertas.

Nem dois meses antes de ser sequestrado na rua e levado para o DOI-Codi,
o mais temido centro de tortura da ditadura militar, que o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra dera de chamar de “sucursal do inferno”,
Alexandre havia se submetido às pressas a uma cirurgia de retirada do
apêndice. Quando o cerco se fechou em torno dos estudantes da USP que
mantinham algum grau de colaboração com a ALN, qualquer grau, a
combinação de fatores mostrou-se fatal. Torturado nos dias 16 e 17 de
março, Minhoca não resistiu. Não há laudo médico que não tenha sido
falseado, mas desconfia-se que o jovem de 22 anos sofreu uma hemorragia
interna na região do procedimento. À tarde, foi trazido aos tropeços
para a cela. “Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme”, ele teria dito, em
voz alta, segundo o testemunho atento de outros presos políticos. “Sou
estudante de Geologia. Me acusam de ser da ALN. Eu só disse o meu nome.”
Horas depois, seu corpo jazia, inerte.

Em 1970, recepção aos calouros do curso de Geologia da USP, na Cidade
Universitária. Alexandre, o primeiro à esquerda, tem o corpo lambuzado
com óleo num dos trotes comuns na época – Foto: Autor desconhecido /
Acervo de Dirceu Pagotto Stein

Em 1971, viagem a Bertioga, no litoral, com os colegas da Geologia.
Irreverente, Alexandre simula uma decolagem nos ombros de um amigo –
Foto: Roberto Nakamura

Os amigos se lembram do Minhoca como um moço do interior, muito católico
(ele tinha um tio padre e três tias freiras), que havia sido aprovado em
primeiro lugar no exame de admissão do curso (numa época em que ainda
não havia vestibular unificado) e que estava sempre com um livro, metido
em alguma pesquisa. Numa delas, escarafunchou tudo o que conseguiu
encontrar sobre os impactos ambientais provocados pela Rodovia
Transamazônica, em construção, e municiou a equipe de roteiristas da
peça /Uma Transa Amazônica/, produzida na época por um dos grupos
teatrais da USP. “Ele já chegou com cabeça de geólogo, estava muito à
frente da gente, era um aluno brilhante”, diz Adriano Diogo, outro
colega no curso de Geologia e companheiro de Alexandre no movimento
estudantil.

Quando Alexandre foi morto, as autoridades tentaram esconder a digital
do crime que haviam cometido. Nos jornais, somente no dia 23, quando seu
corpo já havia sido coberto de cal e enterrado como indigente, foi
publicada a notícia, plantada pelo Dops, de que Minhoca fora atropelado
numa rua do Brás ao tentar escapar da polícia. Era mentira. A denúncia
partiu de diferentes grupos. Alunos da USP foram procurar o arcebispo de
São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, e propuseram a ele que fizesse uma
missa na Cidade Universitária em homenagem ao estudante, uma forma de
dar visibilidade ao que haviam feito. Dom Paulo pensou um instante e
ofereceu a Catedral Metropolitana.

Recorte do jornal O Globo do dia 23 de março de 1973, edição em que foi
divulgada a versão falsa da morte de Alexandre – Foto: SSP/Deops-SP

Com 3 mil pessoas lotando a igreja, aquele se tornou o primeiro grande
ato de desagravo desde o início do governo Médici, o mais nefasto desde
o golpe, e antecipou em dois anos e meio a grande manifestação ecumênica
que tomaria aquele mesmo espaço em outubro de 1975, no ato em homenagem
a Vladimir Herzog.

Na missa de 1973, Dom Paulo bateu firme. “Só Deus é dono da vida; dele a
origem, e só ele pode decidir o seu fim”, proferiu, em homilia. O cantor
e compositor Sérgio Ricardo, o mesmo artista que, em 1967, quebrara o
violão no palco do Festival da Record, chegou do Rio de Janeiro apenas
para cantar a música /Calabouço/, que acabara de compor em memória de
outro jovem assassinado pela ditadura, o secundarista Edson Luís de Lima
Souto, morto em 1968.

Convocação para a missa celebrada por Dom Paulo Evaristo Arns na
Catedral da Sé na tarde de 30 de março – Foto: Reprodução

No próximo dia 17 de março, uma sexta-feira, às 18h, 50 anos depois do
assassinato sob tortura de Alexandre Vannucchi Leme, haverá mais uma vez
uma missa em sua homenagem na Sé. O bispo de Mogi das Cruzes (SP), Dom
Pedro Luiz Stringhini, deve celebrar ao lado de Dom Angélico Sândalo
Bernardino, emérito de Blumenau (SC), hoje aos 90 anos. Foi Dom
Angélico, um dos celebrantes do ato ecumênico de Herzog, quem sugeriu,
anos atrás, que o trecho da Rodovia Castello Branco que liga São Paulo a
Sorocaba tivesse seu nome alterado para Rodovia Alexandre Vannucchi
Leme. Dom Odilo Scherer, cardeal de São Paulo, cogita assumir
pessoalmente a presidência da celebração eucarística.

Antes disso, das 16h às 18h30, haverá um ato em memória de Alexandre na
Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Na ocasião, haverá o lançamento mundial da exposição virtual /Eu só
disse o meu nom/e, uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog publicada
na plataforma Google Arts & Culture, com curadoria de Carolina
Vilaverde. São vinte fotografias, depoimentos em áudios e textos em
português, inglês e espanhol. Haverá ainda o início da pré-venda do
livro /Eu só disse o meu nome/, de minha autoria, previsto para o meio
do ano. Para que não se esqueça.

No próximo texto, que será publicado em 3 de março: O cerco à USP nos
anos 1970; 47 membros da comunidade, entre professores, alunos e
funcionários, torturados e mortos durante a ditadura militar; o que diz
o relatório final da Comissão da Verdade da Universidade; a busca da
família Vannucchi Leme por verdade, justiça e reparação.

*Camilo Vannuchi é jornalista e escritor, mestre e doutor em Ciências da
Comunicação pela USP, professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero
e primo de segundo grau de Alexandre Vannucchi Leme. Para informações
sobre o livro /Alexandre Vannucchi Leme: eu só disse o meu nome,/ entre
em contato pelo e-mail camilo.vannuchi@gmail.com
<mailto:camilo.vannuchi@gmail.com>. *

*O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN.
Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para
**dicasdepauta@jornalggn.com.br* <mailto:dicasdepauta@jornalggn.com.br>*.*

Em
Jornal GGN
https://jornalggn.com.br/ditadura/ha-50-anos-a-usp-perdia-alexandre-vannucchi-leme-estudante-torturado-ate-a-morte-pela-ditadura/
27/2/2023

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Brasil: a luta de classes em campo aberto

 


    Edmilson Costa [*]


A crise militar, a crise humanitária, a crise econômica, social e
política no Brasil são a expressões concentradas da crise orgânica do
capitalismo brasileiro que envolve o País há cerca de quatro décadas e
que vem esgarçando o tecido social brasileiro e provocando uma série de
fenômenos nunca observados na história brasileira, pelo menos desde o
pós-guerra. Como se trata de uma crise originária de múltiplas
determinações, em algum momento se apresenta como uma crise econômica,
em outro como uma crise militar ou ainda como uma crise política,
humanitária, social e assim por diante. Mas todos esses fenômenos que
emergem da conjuntura tem uma única raiz orgânica – a crise do
capitalismo brasileiro. Em artigo anterior, elenquei alguns elementos
que compõem essa crise orgânica. Portanto não repetirei os argumentos
anteriores, apenas prometo que, em momento oportuno, irei elaborar um
ensaio mais aprofundado sobre esse fenômeno.

Vale compreender que ao longo das quatro décadas de regressão econômica,
os gestores do capital tentaram reorganizar o capitalismo brasileiro, de
forma a repactuar o novo papel da economia na divisão internacional do
trabalho diante da internacionalização da produção, das finanças e da
emergência das novas tecnologias no interior da produção nos países
centrais.[1] <#notas> Mas essa tentativa pode ser considerada um rotundo
fracasso para a economia e o povo brasileiros. O País registrou nas
quatro décadas um processo de estagnação econômica, com um crescimento
medíocre, muito diferente do período decorrido entre 1930 e 1980, quando
o País cresceu a uma média de cerca de 6%, apesar da elevada
concentração de renda no período. Foram praticamente quatro décadas
perdidas, à exceção do moderado crescimento no período Lula.

Essa política também provocou um lento processo de desindustrialização,
com a extinção de vários elos das cadeias produtivas e mesmo de muitos
ramos industriais. Em contrapartida, alavancou a cadeia do agronegócio,
com uma agressiva campanha publicitária /(“O agro é tech, o agro é pop,
o agro é tudo”)/ e colocou o sistema financeiro como instrumento
privilegiado no saque ao fundo público e na formulação da política
econômica a favor dos empresários, banqueiros e especuladores. Além
disso, do ponto de vista social, o resultado desse ciclo neoliberal foi
a redução dos direitos, o confisco dos salários dos trabalhadores, o
encolhimento do mercado interno e aprofundamento da miséria e da fome no
País. Essa é a raiz da crise brasileira. Portanto, só observando esses
elementos de fundo, poderemos compreender a crise, o movimento das
diversas forças sociais, bem como a hierarquia dessas crises a cada
momento da conjuntura.

A vitória eleitoral de Lula abriu espaço para uma mudança na correlação
de forças, especialmente após os episódios de 8 de janeiro, mas não
podemos esquecer que o bolsonarismo ainda mantém apoio em vastas camadas
militares, em setores da burguesia, especialmente no agronegócio, entre
os especuladores financeiros, na institucionalidade, lideranças das
igrejas pentecostais, as milícias, além de importantes apoios em setores
médios conservadores, no lumpesinato e até do proletariado. Em outras
palavras, a vitória eleitoral de Lula foi importante, mas como a
história tem nos ensinado, uma mudança efetiva na conjuntura e na luta
contra o fascismo depende tanto das ações políticas do governo Lula
quanto principalmente da entrada em cena das massas organizadas na luta
por mudanças. Não se derrota o fascismo com bons modos, nem se convence
a burguesia a abrir mão de seus interesses em nome da justiça.

*O tempo quente dos primeiros dias*

Desde que foi anunciada a vitória de Lula, o País passou a viver um
clima permanente de tensão, com ameaça de golpe de Estado pelas forças
de extrema-direita. Bolsonaro, em seu mundo paralelo, acreditava
verdadeiramente que seria reeleito. Afinal, ao longo dos quatro anos o
governo, trabalhou diariamente por sua permanência por mais quatro anos
no governo. E como todos viram, nos momentos finais do pleito, utilizou
da maneira mais escandalosa a máquina pública, prefeitos e governadores
e o empresariado para ganhar a eleição de qualquer forma. Basta lembrar
o episódio da Polícia Rodoviária Federal parando os ônibus no Nordeste,
onde Lula tinha grande maioria dos votos, visando a reduzir a
participação dos eleitores no pleito, bem como os empresários
chantageando os empregados e os prefeitos reunindo os beneficiários do
Bolsa Família para votarem em Bolsonaro.

O ataque bolsonarista de 8 de Janeiro em Brasília.

Como o resultado lhe foi desfavorável, mas muito apertado, Bolsonaro e
sua trupe de velhos generais de extrema-direita e fascistas no interior
do Estado, inconformados com o resultado, buscaram um atalho para
reverter o resultado das eleições. Mas realizaram um atalho desesperado,
porque a maior parte da institucionalidade (Câmara, Senado, STF,
principais meios de comunicação) e as lideranças internacionais
reconheceram o resultado das eleições, isolando a extrema-direita.
Bolsonaro permaneceu várias semanas mudo, sem reconhecer a derrota, mas
na calada da noite conspirava freneticamente para reverter o resultado
das urnas e estimulava seus seguidores a se manterem mobilizados,
insinuando que algo iria acontecer.

Esses fatores explicam os acampamentos em frente aos quartéis, o tumulto
que ocorreu em Brasília no dia da posse de Lula e a tentativa de golpe
de 8 de janeiro. Os golpistas, que há tempos vinham pedindo uma
intervenção militar no País, decidiram se acampar em frente aos quartéis
de todo o País, com a anuência dos comandos dessas unidades militares.
Transformaram esses acampamentos em laboratório de preparação de um
golpe, especialmente em Brasília, onde ficava o Comando Militar. Para
tanto, tinham apoio organizado de financiadores empresariais, que lhes
forneceram toda a infraestrutura para permanecer no local, como barracas
confortáveis, banheiros químicos, colchões, fogões, comida à vontade e
apoio logístico da caserna, com a participação inclusive de esposas e
parentes de militares. Parecia um piquenique verde-amarelo.

No dia da posse de Lula, sob o pretexto de libertar um manifestante que
fora preso, os acampados tentaram invadir a sede da Polícia Federal e,
como não conseguiram, iniciaram um quebra-quebra nos arredores, com a
destruição de vidraças de prédios e lojas e incêndio de vários ônibus e
automóveis que encontravam pelo caminho, espalhando o pânico pela cidade
durante várias horas. Os golpistas tentaram até realizar um atentado
terrorista, ao colocar uma bomba num caminhão carregado de gasolina
próximo ao aeroporto. Felizmente, o motorista, ao revisar a carga,
avistou o artefato e comunicou à polícia. Isso evitou uma catástrofe
humana, porque se tivesse explodido seria uma tragédia, com dezenas de
mortos. O mais incrível é que a Polícia de Brasília (grande parcela
simpatizante do bolsonarismo) assistiu a tudo isso de braços cruzados e
ninguém foi preso, um comportamento muito diferente de sua atuação
diante das manifestações populares, onde a repressão é prática
generalizada. Esse foi o ensaio geral para a tentativa de golpe do
início de janeiro.

Dia 8 de janeiro, domingo. As pessoas ainda estavam se preparando para o
almoço quando foram surpreendidas pelos noticiários informando que
milhares de pessoas, vindas de vários Estados do Brasil, vestindo verde
amarelo e enroladas na bandeira do Brasil, estavam invadindo o Congresso
Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, símbolos
do poder em Brasília. O levante golpista estava em marcha. Para o
público em geral era realmente uma surpresa, mas esse foi um movimento
tramado a partir do acampamento em frente ao quartel militar de
Brasília, onde comandos bolsonaristas organizaram o levante. As
caravanas foram financiadas por empresários de extrema-direita, com
centenas de ônibus fretados saindo de várias partes do País, com tudo
pago e promessas de uma boa estadia em Brasília. Para disfarçar,
elaboraram uma senha para justificar as caravanas – todos vinham para a
“Festa da Selma”.

Os órgãos de inteligência chegaram a identificar o movimento e comunicar
às autoridades de Brasília, mas o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e
então secretário de Segurança da capital federal, Anderson Torres, em
vez de tomar providência para garantir a segurança das instituições,
saiu de férias para os Estados Unidos, colocou em férias vários coronéis
da polícia, e não montou qualquer esquema policial diante das ameaças
identificadas pela inteligência. Sabia perfeitamente dos planos
golpistas, mas espertamente procurava afastar, com a viagem, sua
responsabilidade com o que viesse acontecer. Por isso, quando os
golpistas invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto não
encontraram resistência policial porque os responsáveis colocaram apenas
pequenos contingentes policiais sem a menor condição de conter a invasão
golpista.

Pelas cenas mostradas na TV, foi praticamente um passeio o processo de
invasão, com o agravante de que policiais ajudaram os manifestante
chegar ao Planalto e muitos não só cruzaram os braços diante da invasão,
mas até se confraternizaram com os invasores. Ao longo de mais de três
horas, os vândalos depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e
o Palácio do Planalto, com uma fúria típica dos fascistas, pois não
quebraram apenas móveis e vidros, mas relíquias históricas como o
relógio doado por D. João VI e furaram obras de arte de Di Cavalcanti e
quebraram esculturas históricas. Quando o governo Lula decidiu intervir
na segurança de Brasília e os golpistas foram expulsos, o interior das
instituições invadidas parecia um ambiente de terra arrasada, tamanha a
destruição realizada pelos golpistas.

*Uma invasão nada espontânea*

Apesar da aparente espontaneidade, o movimento não tinha nada de
espontâneo. Grupos organizados, especializados e perfeitamente
conscientes dos objetivos da invasão, comandaram a manifestação
golpista. Sabiam perfeitamente por onde entrar e o que depredar. Seu
objetivo era claro: criar uma situação de caos, de tomada de símbolos do
poder, e provocar uma intervenção do Exército ou mesmo a edição de uma
GLO (Garantia da Lei e da Ordem), uma medida que é operada pelas Forças
Armadas. Se o governo Lula tivesse optado pela GLO se tornaria refém dos
militares e perdia completamente a autoridade que ganhou nas urnas.
Habilmente, Lula optou pela intervenção na Secretaria de Segurança de
Brasília e essa decisão mudou a conjuntura, pois o interventor nomeado
por Lula imediatamente colocou a Polícia sob seu comando e iniciou a
desocupação dos prédios, o que foi concluído algumas horas depois.

Isso demonstra claramente que só ocorreu a invasão porque a polícia e o
batalhão militar que é responsável pela segurança do Planalto
simplesmente deixaram que tudo acontecesse porque também estavam de
acordo com o golpe. Grande parte do que aconteceu pode ter uma
explicação pelo fato de que o governo Lula estava iniciando o mandato e
ainda não tinha trocado a maior parte do pessoal militar do antigo
governo, o que facilitou a conspiração. Para se ter uma ideia da
simpatia de setores das Forças Armadas com Bolsonaro basta dizer que o
então comandante do Exército, general Arruda, quando a polícia foi
desalojar e prender os golpistas que estavam acampados em frente ao
quartel-general, colocou tanques protegendo os acampados e impediu a
polícia de prendê-los, mesmo com a ordem do STF para detê-los, chegando
a ameaçar, segundo noticiou a imprensa, que tinha mais tropas que as
forças policiais que vieram prender os golpistas. Somente no outro dia
pela manhã os golpistas que estavam acampados foram presos.

A decisão rápida do governo em intervir na segurança de Brasília foi
fundamental para a derrota dos golpistas. Mas os meios de comunicação
também tiveram um papel importante nesse processo noticiando os atos e
condenando os golpistas. A tentativa de golpe também foi condenada
internacionalmente pelos dirigentes dos países centrais. Da mesma forma,
os presidentes do Senado e da Câmara também condenaram a invasão. O
Supremo Tribunal Federal também foi rápido no contra-ataque. Ordenou a
prisão dos golpistas, do secretário de segurança por sua omissão (este
voltou dos Estados Unidos e se entregou) e afastou o governador de
Brasília por 90 dias também em função da omissão diante dos
acontecimentos e abriu inquérito para identificar os financiadores.

Quando a polícia realizava um pedido de busca e apreensão na casa do
ex-ministro Anderson Torres, encontrou uma minuta do golpe, um documento
com todas as medidas para realizar o estado de exceção, como a
implantação do Estado de Defesa, a intervenção no Tribunal Superior
Eleitoral, a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, com a
consequente anulação das eleições. Até agora essa é a prova mais
concreta de um golpe em movimento, fracassado possivelmente por falta de
apoio nacional e internacional. As investigações estão em curso e, quem
sabe, mais para frente se ficará sabendo de mais bastidores da trama
golpista.

Mas o acontecimento que mais contribuiu para a perspectiva de mudança na
correlação de forças em favor das forças democráticas foi a demissão do
comandante do Exército. Bolsonaro tinha nomeado seu ajudante-de-ordens
para comando de uma unidade especial do Exército próximo de Brasília, o
que seria uma ameaça constante ao novo governo. Lula queria anular a
nomeação, mas o comandante do Exército se recusava e então o presidente
ordenou sua demissão e nomeou um general que dias antes tinha feito um
discurso de caráter legalista, o que significara um fato raro na
conjuntura que o País estava vivendo. A troca do comando do Exército não
apenas contribui para restaurar a autoridade civil, como também serve
para reduzir as tensões no interior das Forças Armadas. Mas muito ainda
precisa ser feito para desmontar o bolsonarismo na caserna e mudar a
formação dos militares brasileiros.

*Derrota moral e política dos golpistas*

De qualquer forma, a tentativa de golpe de 8 de janeiro, do ponto de
vista político, foi uma derrota moral e política para os bolsonaristas,
que desde 8 de janeiro perderam a iniciativa e estão na defensiva. A
derrota moral vem do fato de que toda a propaganda direitista de que a
esquerda era baderneira, quebrava tudo, era terrorista, foi por água a
baixo. Aconteceu com a extrema-direita exatamente o que eles acusavam
permanentemente a esquerda. Eles ainda tentaram desesperadamente,
através de fake news, dizer que a baderna que ocorreu em Brasília era
coisa de esquerdista infiltrado entre eles. Mas essa mentira foi tão
absurda que se transformou num argumento ridículo e eles tiveram que
recuar e amargar a ressaca do desespero.

A derrota política pode ser vista pelo fato que, a partir da tentativa
de golpe, as forças de extrema-direita ficaram na defensiva,
politicamente enfraquecidas perante a sociedade, especialmente porque os
meios de comunicações continuam revelando detalhes dos atos golpistas e
centenas de bolsonaristas estão presos, inclusive muitos de seus
financiadores. Não se pode esquecer que os próprios bolsonaristas
contribuíram para facilitar seu indiciamento, pois a grande maioria, no
momento da invasão, talvez embriagados pelo senso de impunidade que
grassou durante todo o governo Bolsonaro, filmaram os próprios atos de
vandalismo, produzindo assim provas concretas contra si próprios. Além
disso, as pesquisas de opinião demonstraram uma rejeição da sociedade
aos atos de 8 de janeiro. Isso não significa que o bolsonarismo esteja
morto. Pelo contrário, esse é um movimento que ainda levará tempo para
ser definitivamente derrotado na sociedade brasileira.

Outro elemento importante que tem contribuído para desmoralizar os
bolsonaristas é a crise humanitária. Os quatro anos do governo Bolsonaro
significou para as comunidades indígenas um tempo de terror, doenças,
mortes e fome, pois suas terras foram invadidas pelos donos de garimpos
e garimpeiros, que derrubaram as árvores, envenenaram os rios e o solo
com mercúrio e assassinaram líderes indígenas que realizavam resistência
à devastação. Com a redução da floresta, a caça também ficou reduzida.
Com os rios e o solo envenenado, aumentaram as doenças e a capacidade de
produção da terra indígena. O resultado não poderia ser outro que a
tragédia humana veiculada diariamente pelos meios de comunicação, muito
semelhante ao que ocorria nos campos de concentração nazistas.

O próprio ex-presidente e o ex-ministro do Meio Ambiente estimulavam a
devastação da floresta, a garimpagem de minérios e a invasão das terras
indígenas. Bolsonaro era um inimigo histórico dos povos originários e da
demarcação de suas terras e chegou mesmo a elogiar os Estados Unidos por
ter dizimados os indígenas por lá. “A cavalaria brasileira foi muito
incompetente. Competente sim foi a cavalaria norte-americana, que
dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em
seu País”. Portanto, o que está acontecendo agora com o povo Yanomami
não é nenhuma crise resultado de um drama da natureza, mas um projeto
organizado e desenvolvido meticulosamente pelo governo Bolsonaro para
extinguir os povos indígenas, começando pelos Yanomami, cuja reserva
demarcada era a maior do País.

Bolsonaro também foi conivente e participante da corrupção, tanto que
sua administração, apesar da lorota de que não existia práticas ilícitas
no governo, foi um dos períodos mais corruptos da história moderna
brasileira, envolvendo não só seus ministros e altos funcionários, mas
principalmente a família do presidente. Além disso, foi conivente com a
roubalheira que ocorria entre o grande capital porque praticamente
desmantelou os órgãos de fiscalização. Agora começam a aparecer os
escândalos como o das Lojas Americanas, envolvendo um trio de gatunos
bilionários bolsonaristas, e a dívida astronômica das Lojas Marisa e a
negociata fraudulenta da privatização da Eletrobrás, uma verdadeira
bandidagem, segundo o presidente Lula.

À medida em que for se desvelando os porões da administração
bolsonarista, novos escândalos vão aparecer para provar mais uma vez que
as denúncias contra a corrupção era apenas uma cortina de fumaça para
que os corruptos agissem com a certeza da impunidade. Um dos elementos
que podem colocar a céu aberto a corrupção orgânica do governo Bolsonaro
é quando as autoridades acabarem com o sigilo de 100 anos que Bolsonaro
colocou suas principais ações, como já se pode ver os verdadeiros
absurdos dos gastos do cartão corporativo do governo. As cenas dos
próximos capítulo deverão ser muito emocionantes.

*A luta de classes em campo aberto*

Em termos políticos, o Brasil vive um período de luta de classes em
campo aberto, com uma disputa polarizada entre dois grandes blocos de
classes e frações de classe. Uma primeira luta ocorre entre a
extrema-direita e as forças democráticas e de esquerda: os neofascistas
buscam permanentemente tumultuar a conjuntura, tanto com ações
desesperadas, como o 8 de janeiro, quanto com as fakes news, cujo centro
operacional continua atuando diariamente, muito embora sem a estrutura
institucional do período anterior. De outro, as forças democráticas e de
esquerda buscando tomar a iniciativa, reprimir os responsáveis pela
tentativa de golpe dia 8 de janeiro, denunciar as atrocidades do governo
Bolsonaro, retirar os fascistas do aparelho do Estado e consolidar as
liberdades democráticas.

Manifestante bolsonarista que se assume como nazi.

Mas seria um equívoco grave imaginar que a derrota das forças de
extrema-direita pode ser realizada apenas pela institucionalidade. Essas
forças só serão derrotadas com a pressão organizada das massas nas ruas.
Quanto mais rápido as massas se colocarem em movimento, melhores serão
as condições para uma mudança na correlação de forças, tanto entre
liberdades democráticas e fascismo quanto na perspectiva dos interesses
populares nas ações governamentais. Até agora tem sido positivas as
investigações e prisões dos golpistas, mas é fundamental que o processo
de investigação atinja não apenas os operadores que estiveram em
Brasília no dia 8 de janeiro, mas toda a cadeia de comando, que envolve
os financiadores, os autores intelectuais e inclusive todos os militares
que foram coniventes, apoiaram ou participaram ativamente da aventura
golpista. Sem perdão ou anistia para todos os golpistas,
independentemente da patente ou do poder econômico.

Outra disputa que ocorre no interior da crise brasileira se dá entre a
burguesia e o movimento social e popular. Derrotado e neutralizado o
fascismo, essa será a disputa principal que deverá se estender por todo
o mandato do presidente Lula. Apesar de que a luta entre fascismo e
democracia tinha até agora maior espaço na imprensa, a disputa que vai
definir o caráter do governo Lula será sua política econômica e social.
Essa batalha se expressa em dois vetores: a) na pressão da burguesia
para capturar a agenda econômica do governo e manter intacto o modelo
neoliberal, com apenas algumas migalhas de compensação social para os
trabalhadores e a população; b) e nos interesses populares representados
pelo movimento social e popular que, mesmo ainda fragmentado, votou em
peso em Lula querendo mudanças profundas no modelo econômico.

A burguesia, desde o período eleitoral e, especialmente após a vitória
de Lula, vem procurando de todas as formas manter a velha política
econômica que sangra o País, premia os especuladores, ataca os
trabalhadores e restringe o mercado interno desde o início dos anos 90.
Para tanto, se utiliza de todo o aparato institucional, principalmente
os meios de comunicação e seus porta-vozes como instrumento de pressão,
mediante a velha catilinária da responsabilidade fiscal, o fantasma da
inflação, a fuga de investimento e a continuidade da estagnação
econômica. Se o governo ceder à chantagem e não mudar a política
econômica na perspectiva dos interesses populares deverá ter o mesmo
destino do período anterior, quando a burguesia não só ganhou rios de
dinheiro como acumulou forças até o momento em que se sentiu forte o
suficiente para derrubar o governo e aprofundar o modelo neoliberal.

No outro ponto da disputa está o movimento social e popular, que votou
em Lula na expectativa de mudanças na perspectiva dos interesses
populares, revogação das contrareformas e do teto dos gastos, retomada
do crescimento, do emprego, o fim da miséria e da fome e a recuperação
dos salários, entre outros pontos. Não se pode esquecer que a crise
social brasileira é dramática: são mais de 15 milhões de trabalhadores
desempregados (incluindo o desemprego oficial e o oculto), 33 milhões
nas filas da fome, disputando ossos nos lixões e mendigando pelas
cidades, cerca de 38 milhões na informalidade e a miséria generalizada
entre as massas da periferia, além dos milhões de sem teto e sem terra.

Como temos afirmado, uma situação dessa ordem não pode permanecer
indefinidamente sem que as massas se levantem contra a opressão,
especialmente se levarmos em contra que essa tragédia social ocorre num
País que está entre as 10 maiores economias do mundo e com uma população
vivendo em mais de 80% nas cidades, especialmente nas regiões
metropolitanas. Esse imenso contingente de marginalizados sociais foi o
principal responsável pela vitória de Lula nas recentes eleições e seus
votos representaram a necessidade de rompimento com essa política que
vem massacrando os trabalhadores e a população pobre e que fez o País
voltar ao mapa da fome. Portanto, essa massa de marginalizados e
oprimidos não irá permanecer de braços cruzados se não houver uma
mudança na política econômica e não se contentará apenas com as migalhas
que foram distribuídas no período anterior dos governos do PT. O levante
de 2013 pode ser considerado apenas uma amostra do que poderá acontecer
se essas demandas não foram atendidas.

Nessa perspectiva e diante da nova conjuntura, é importante levarmos em
conta que há espaço para a emergência do movimento social e popular como
protagonista da nova conjuntura. Para as forças que lutam pelas
transformações na sociedade brasileira esse é um momento especial para
se avançar no trabalho de base visando colocar as massas em movimento,
de forma a evitar o que ocorreu no passado, quando o governo substituiu
a luta de massas nas ruas e locais de trabalho pela luta institucional,
cooptou o movimento social, apassivou e despolitizou a sociedade. O
resultado desse processo todos conhecemos e não se pode repetir
novamente, sob pena de amargarmos um longo processo de frustrações e
derrotas como ocorreu recentemente. As lições desse passado amargo são
importantes tanto para termos clareza do que não deve ser feito quanto
para organizarmos o futuro.

*As armadilhas da conjuntura*

Portanto, estamos diante de uma conjuntura complexa, difícil, com
armadilhas variadas, mas com possibilidades para o movimento operário e
popular. Para se navegar num ambiente dessa dimensão é fundamental não
perder de vista o norte estratégico e os elementos de fundo da
conjuntura, de forma a que se possa atuar no sentido de fazer avançar
nas conquistas e na organização popular. Para os comunistas, nosso norte
estratégico foi definido em nosso XVI Congresso e, como a história tem
nos ensinado, a estratégia é a carta náutica que ilumina os movimentos
táticos, tanto para a realização do trabalho político de base junto aos
trabalhadores, a juventude e o povo pobre das periferias, quanto para se
evitar cair no reformismo, sempre levando em conta o ânimo das massas e
sua disposição de participar das lutas.

É importante voltarmos a enfatizar que a crise orgânica do capitalismo
brasileiro não pode ser resolvida com medidas paliativas ou conciliação
com as classes dominantes. Afinal, a burguesia brasileira foi principal
responsável pela implementação desse ciclo devastador neoliberal de mais
de três décadas e não vai abrir mão dos seus interesses se não for
obrigada através da pressão organizada das massas. Querer conciliar os
interesses dessa burguesia, viciada na truculência e na superexploração,
com as necessidades das massas que votaram pelas mudanças, é uma tarefa
praticamente impossível. Se o governo insistir nessa ilusão terá como
resultado não só o fortalecimento das forças conservadoras, inclusive da
extrema-direita, como poderá colher o mesmo resultado do ciclo anterior,
com a captura da política governamental pela burguesia ou mesmo a queda
do governo, além da frustração que ocorrerá no movimento social e
popular. Já vimos esse filme em passado recente.

Portanto, o fenômeno político-social que pode mudar a correlação de
forças e derrotar esse modelo econômico destruidor da economia, dos
direitos e salários dos trabalhadores, da miséria e da fome, e construir
uma nova economia baseada nos interesses populares, é a entrada em
movimento da luta organizada das massas nas ruas, locais de trabalho e
estudo. Essa é a coluna vertebral para qualquer mudança na correlação de
forças, sem a qual o governo dificilmente será capaz de realizar as
transformações que o País necessita. Não existe possibilidade de romper
a armadilha neoliberal das últimas três décadas sem resolver a questão
social, revogar as contrareformas, o teto dos gastos e a lei de
responsabilidade fiscal e a reapropriação pelo Estado das empresas
estratégicas privatizadas na bacia das almas, com o objetivo de resgatar
o interesse público em relação ao privado. Sem essas medidas iniciais a
crise orgânica vai continuar e ressurgirá com mais intensidade em um
futuro não muito distante.

Não podemos também deixar de registrar outro elemento importante da
conjuntura, que é a disputa geopolítica do imperialismo com o eixo
China-Rússia-Eurásia e que terá impactos em toda a periferia
capitalista, inclusive no Brasil. O imperialismo em declínio, próximo a
sofrer uma derrota estratégica na guerra da Ucrânia, está cada vez mais
agressivo e vai buscar de todas as formas enquadrar sua reserva
estratégica, que é o continente americano. Como o governo vem
desenvolvendo uma política externa com autonomia relativa, isso pode
entrar em choque com as pretensões hegemônicas dos Estados Unidos. No
passado isso até foi tolerado porque não existia a crise que agora
estamos testemunhando, mas agora o imperialismo em crise com certeza vai
endurecer sua posição e exigir fidelidade aos interesses de Washington.

As recentes declarações da subsecretária para assuntos políticos do
Departamento de Estado, Victoria Nuland, exigindo que o governo Lula
“calce os sapatos da Ucrânia” e que condene a operação russa de forma
mais firme, é apenas o ensaio das pressões e exigências que virão do
império no futuro, principalmente se o Brasil estreitar os lados
comerciais com a China, principal inimigo dos Estados Unidos. Em caso de
um impasse, as forças burguesas brasileiras e imperialistas (que sempre
estiveram juntas em todos os momentos de nossa história moderna) já têm
o homem certo para uma eventual substituição de Lula, que é o
vice-presidente, Geraldo Alckmin, cujo perfil é diferente de um lumpem
desclassificado como Jair Bolsonaro ou de um corrupto e impopular como
Michel Temer.

Para não se ter ilusões, os comunistas precisam ter claro qual o
ambiente político que o movimento social e popular está atuando no
Brasil. Estamos diante de um governo de conciliação de classes, eleito a
partir de uma frente ampla que envolveu partidos políticos de esquerda,
do centro e de direita, a maior parte do movimento sindical (quase todo
ele dirigido por sociais-liberais e pelegos históricos), além de setores
da burguesia urbana e rural, o que significa uma contradição em processo
diante das necessidades e demandas dos movimentos sociais e populares.
Todos temos consciência de que o País vive uma tragédia social.
Portanto, qualquer medida beneficie a população é benvinda, mesmo
aquelas de compensação social típicas do neoliberalismo. Mas a gravidade
da crise, em função da devastação econômica, social e política,
acumulada ao longo do ciclo neoliberal, exigem mudanças de fundo capaz
de reverter o padrão de acumulação e a distribuição de renda, o que
significa a luta de classes na veia.

As contradições oriundas da própria frente que possibilitou a eleição de
Lula nos levam a acreditar que existe uma margem estreita de manobra por
parte do governo para realizar qualquer tipo de mudança mais avançada
sem a luta social. A burguesia vai continuar lutando para manter o velho
modelo das últimas três décadas e chantagear o governo com o objetivo de
manter os privilégios que obteve ao longo do ciclo neoliberal, enquanto
o movimento social e popular, passado o período de lua de mel com o
governo e diante da expectativa das mudanças que dificilmente virão,
poderá intensificar a luta social, afinal ainda está bem viva na memória
popular os erros cometidos pela administração do PT e a frustração com
relação ao estelionato eleitoral do segundo governo Dilma, que levaram
ao golpe de 2016, às contrareformas, à regressão no mundo do trabalho, à
emergência da extrema-direita e o governo Bolsonaro.

Mesmo com todos os ensinamentos do período anterior, o que se pode
esperar é que o social-liberalismo não deve ter aprendido as lições do
passado e tudo indica que tenderá ao masoquismo na luta política.
Portanto, o que se projeta é uma disputa acirrada no interior do
movimento social e popular e entre as organizações políticas sociais
liberais e revolucionárias, constituindo-se em basicamente duas
vertentes em relação ao futuro da conjuntura. Esses são os elementos da
disputa:

a) os sociais-liberais vão agir da mesma forma que no passado, buscando
transferir a luta nas ruas para a institucionalidade, cooptar as
principais lideranças do movimento popular, refrear a luta das massas,
sob o pretexto de que qualquer crítica ao governo, paralisação das
fábricas ou a luta independente do movimento popular favorecerá ao
golpismo, que a hora é a luta pela democracia, que o governo se
encarregará de realizar o que prometeu;

b) de outro lado está o movimento popular que irá lutar pela
reorganização de nossa classe, no entendimento de que as velhas direções
forjadas no ascenso do final dos anos 70 e 80 se acomodaram, perderam a
combatividade e já estão superadas pela atual conjuntura da luta de
classes no País. Portanto, a crise exige um movimento social combativo,
disposto a disputar nas ruas e locais de trabalho o futuro, em busca de
um novo rumo para o País na perspectiva das transformações sociais. Essa
disputa definirá o futuro da conjuntura no Brasil.

Do ponto de vista político, também haverá uma disputa entre organizações
e partidos políticos pelos rumos da conjuntura. O PT, agora totalmente
dependente do prestígio de Lula, seguirá a mesma política de conciliação
de classes buscando conciliar o inconciliável, sob o argumento de que o
que está sendo feito é o possível, além do fato de que o mais importante
é garantirmos a democracia. O PC do B, em profunda crise orgânica e
ideológica, amarrou o seu destino ao destino do PT para sobreviver
institucionalmente, mesmo que essa política venha reduzindo sua
influência institucional. Uma outra parte da esquerda, especialmente o
Psol, que até pouco tempo caminhávamos juntos, abandonou a independência
de classe e aderiu de malas e bagagens ao governo Lula, muito embora com
a resistência de uma grande parcela de seus militantes e dirigentes. Em
outras palavras, essas organizações, apesar de suas divergências
formais, estão cada vez mais se parecendo um balaio de caranguejos e se
não mudarem sua posição serão engolidas pela crise orgânica.

Por isso, o movimento social e popular não pode dar um cheque em branco
para o governo e muito menos cair na armadilha de que a luta pelas
liberdades democráticas deve ofuscar a batalha pelas mudanças sociais.
Os comunistas têm claro seus objetivos nessa conjuntura: lutamos contra
a extrema-direita e contra o fascismo junto com outras forças, que
inclusive são contra o socialismo, mas manteremos nossa independência
política e orgânica em qualquer situação. Não podemos confundir nossos
interesses estratégicos com os interesses de aliados ocasionais numa
luta específica da conjuntura. Nosso objetivo de médio prazo é construir
a Frente Anticapitalista e Antimperialista, na perspectiva do poder
popular e do socialismo. Portanto, não podemos confundir a luta para
derrotar a extrema-direita com a luta pelas transformações sociais. Ou
seja, quando os objetivos específicos coincidirem estaremos juntos, mas
marcharemos separados na luta pelas transformações sociais no Brasil.

*Que fazer, uma questão atual*

Sabemos perfeitamente que o fascismo sempre se constituiu em alternativa
para a burguesia nos momentos de crise do capital e também nos momentos
de calmaria. Aliás, historicamente o fascismo cumpre três papéis
relevantes para as classes dominantes: a) quando a crise está aguda,
serve como tropa de choque para destruir o movimento operário e popular
e reprimir os comunistas; b) em tempos normais, constitui numa força de
pressão e chantagem para que os governos de conciliação possam rebaixar
sua pauta política e econômica; c) além disso, também é um instrumento
útil para que as forças reformistas do movimento social e popular possam
justificar a luta política com as forças classistas, sob o argumento de
que não se deve radicalizar as demandas dos trabalhadores e as lutas
sociais para evitar o fascismo ou o golpismo, como no caso brasileiro.

Ou seja, esse trabalho útil das forças fascistas para a burguesia
reforça o poder das forças da conciliação de classe para realizar o
“pacto social”, como ocorreu no período anterior do governo do PT. Nessa
nova conjuntura essas forças buscarão incrementar as políticas de
compensação social, de forma a atender as demandas mais urgentes da
população. Essas políticas deverão gerar um grande alívio na parcela
mais pobre do povo e conseguirá no primeiro momento apoio da maioria dos
brasileiros, afinal ninguém pode ser contra combater a miséria e a fome.
Assim, cria-se uma cortina de fumaça para não desmontar a política
neoliberal, para não revogar as contrareformas, nem a política de
austeridade fiscal e muito menos retomar para o setor público as
empresas estatais privatizadas na bacia das almas. Mas o que se precisa
compreender é que as políticas de compensação social são apenas uma
vitrine para que o governo possa manter os interesses básicos das
classes dominantes na economia. Apenas como exemplo, enquanto o governo
vai destinar R$ 53 mil milhões para o Bolsa família em 2023, o gasto com
o pagamento de juros da dívida interna no mesmo período deverá ser cerca
de 15 vezes maior que isso R$ 790 mil milhões.[2] <#notas>

Por isso mesmo, os comunistas terão a tarefa de esclarecer pacientemente
a população sobre as contradições de fundo do projeto de conciliação de
classe e disputar o novo ciclo com esses setores, pois sabemos que
nesses momentos de crise há imensas possibilidades de ascensão do
movimento de massas tanto pela própria necessidade de sobrevivência do
povo quanto pelas demandas não atendidas. Em todos os momentos da
história as massas se levantaram quando a situação chegou a um limite
insuportável e esse limite está na ordem do dia no Brasil. Para tanto, é
fundamental termos confiança nas bases objetivas para um processo de
transformação social no Brasil. Temos em nosso País o segundo maior
contingente do proletariado do continente, constituído por mais de 90
milhões de trabalhadores ocupados, dos quais mais de 36 milhões ligados
à produção do valor. Portanto, esse imenso potencial revolucionário deve
ser organizado e mobilizado no curso desse ciclo que se abriu com a
eleição de Lula para que possamos alcançar os objetivos da revolução
brasileira.

Portanto, é hora de arregaçar as mangas, fazer o trabalho de base nos
bairros, nos locais de trabalho e estudo e transformar essas bases
objetivas das transformações sociais em movimento consciente na
construção do poder popular e do socialismo. Essa não é uma tarefa que
será realizada da noite para o dia, nem os comunistas têm uma varinha
mágica para atingir seus objetivos. Nesse processo de construção a
militância tem que colocar o pé no barro para chegar ao coração das
massas. Um bom exemplo de que o trabalho de base gera bons frutos, é só
observarmos os dois principais movimentos sociais do País atualmente, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST). Precisamos ter humildade e recolher os
ensinamentos da prática dessas organizações junto ao povo pobre e
combiná-los com nossa centenária experiência de trabalho junto ao
proletariado tradicional e buscar alternativas criativas de organização
do novo proletariado, tanto aquele ligado às fronteiras tecnológicas
quanto o precarizado nas plataformas digitais.

Temos convicção de que não se chega às massas com programa máximo, mas
com reivindicações concretas que fale diretamente às necessidades
imediatas da população e só após esse primeiro movimento é que devem ser
colocadas as propostas mais avançadas. Em outros termos, uma vanguarda
não deve ficar atrasada em relação ao movimento das massas porque pode
ser engolida pela institucionalidade e o reformismo mas, ao mesmo tempo,
não pode avançar demasiadamente mais que a subjetividade do sentimento
popular, sob pena de correr o risco de pregar no deserto e ficar
isolada. A arte da política é exatamente encontrar o ponto de
confluência entre essas duas perspectivas. Portanto, os comunistas devem
ser criativos para combinar dialeticamente os objetivos estratégicos com
uma tática que fale diretamente aos interesses objetivos concretos das
massas de forma a colocá-las em movimento para atingir seus objetivos
mais imediatos e realizar a tarefa das transformações sociais.

Nosso Partido obteve um crescimento extraordinário nos três últimos anos
em função de uma linha política correta em relação à luta de classes
nessa conjuntura complexa e difícil. Fomos uma das principais
organizações que convocou as manifestações do dia 29 de maio de 2021, em
plena pandemia, quando as outras organizações, como o PT e o Psol, se
manifestaram contra e somente nos últimos minutos do segundo tempo,
quando suas organizações de base já tinham aderido à manifestação, é que
a direção envergonhadamente resolveu participar. Essa manifestação foi
um grande sucesso e marcou a retomada das lutas nas ruas no Brasil e deu
ao nosso Partido grande autoridade política porque as nossas colunas
vermelhas estavam entre as maiores nas manifestações.

Agora no processo eleitoral lançamos uma candidata a presidente da
República, camarada Sofia Manzano. Apesar das imensas pressões pelo voto
útil no primeiro turno, a nossa candidatura obteve expressiva
repercussão política, especialmente entre a juventude, e muitas das
pautas que apresentamos foram incorporadas por outras candidaturas. No
segundo turno apoiamos Lula, o que foi correto, pois naquele momento a
disputa era realizada entre civilização ou barbárie. Os ganhos políticos
desse processo podem ser constatados pelo fato de que milhares de
lutadores sociais em todo o País estejam batendo às portas do Partido e
dos nossos Coletivos para lutar de forma organizada.[3] <#notas>

O programa que defendemos nesse processo eleitoral tem uma atualidade
extraordinária e deve nortear nossa ação nesse novo ciclo da luta social
e política no Brasil. Devemos realizar nosso trabalho nos bairros e
locais de trabalho a partir das reivindicações concretas das massas,
como uma política contra o desemprego, a miséria e a fome, construção
dos restaurantes populares a preços simbólicos em todas as cidades e,
particularmente nos bairros das grandes metrópoles, redução da jornada
de 30 horas sem redução dos salários, reajuste dos salários acima da
inflação e recomposição das perdas dos últimos anos, moradia para todos,
fortalecimento do SUS 100% estatal, ensino público e gratuito de
qualidade, revogação do teto dos gastos, da Lei de Responsabilidade
Fiscal e instituição da Lei de Responsabilidade Social, como forme de
vincular o orçamento às demandas da população, entre outros pontos.

À medida em que as massas foram se incorporando às lutas por
reivindicações concretas, é hora de começar a colocar propostas mais
avançadas, entre outros pontos, como a estatização do sistema
financeiro; o resgate para o setor público das empresas estratégicas que
foram privadas em meio a um escandaloso processo de corrupção; tornar a
Petrobrás 100% estatal e indutora do desenvolvimento econômico;
estatização do sistema educacional e de saúde; uma política de
industrialização que incorpore o País nas fronteiras tecnológicas e que
esteja voltada aos interesses populares; uma política para o meio
ambiente que proteja o ecossistema e, inclusive, induza a construção de
polos avançados de biotecnologia; uma reforma tributária progressiva que
taxe dividendos, grandes fortunas, heranças e patrimônio; reforma
agrária e urbana; democratização dos meios de comunicações, com a quebra
dos monopólios e criação de uma poderosa rede pública de comunicações,
inclusive possibilitando a que as organizações sindicais e políticas
possam ter canais de informação.

Esses são pontos importante para colocarmos em debate com as outras
forças de esquerda que estejam de acordo com o princípio de que só a
luta de massas é capaz de mudar o País na perspectiva dos interesses
populares, de forma a que possamos construir no processo de luta um
programa contra-hegemônico capaz de superar a fragmentação atual e dar
uma nova direção ao movimento social e popular. As lutas que emergirão
nessa conjuntura terão um papel importante para forjar a unidade do
campo classista e abrir caminhos para a reorganização do movimento
sindical, popular e da juventude, instrumento fundamental para
realizamos as tarefas das transformações sociais no Brasil. Os
comunistas devem realizar todos os esforços para contribuir com essa
perspectiva. Tenho certeza de que cumpriremos essa tarefa.

[1] São mais de três décadas de neoliberalismo, desde o governo Collor,
mais os anos 80 que foi uma década perdida em função das políticas do FMI.
[2] Dados projetados pelo Banco Inter – Apud Jeferson Miola.
[2] Os Coletivos do Partido são os seguintes: União da Juventude
Comunista (UJC), que atua junto à juventude; Unidade Classista (UC), que
realiza o trabalho junto ao movimento operário e popular; Coletivo
Feminista Classista Ana Montenegro (Cefcam), que faz o trabalho junto às
mulheres; Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO), que realiza o
trabalho entre a população negra e a luta contra o racismo; Coletivo
LGBT Comunista, que faz a luta de gênero e contra as opressões; temos
ainda a Fração Nacional Indígena, que trabalha junto aos povos originários.


        25/Fevereiro/2023


    [*] Doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto
    de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre
    outros, de /A política salarial no Brasi/l (Boitempo Editorial), /A
    globalização e o capitalismo contemporâneo/ (Expressão Popular), /A
    crise econômica mundial, a globalização e o Brasil/ (edições ICP), e
    /Reflexões sobre a crise brasileira/ (edições ICP). É
    secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro.

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/brasil/edmilson_25fev23.html
25/2/2023

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A inevitável redistribuição de recursos do mundo está a chegar

 
 


    – Para muitos países será um desastre, infelizmente...


    Aleksey Kochetov

Até recentemente, os ditos parceiros ocidentais da Rússia, com quem
negociávamos e construíamos relações numa frente unida, mostraram-se
extremamente agressivos e em todas as áreas – desde as relações
económicas até aos valores culturais.

Tudo isto aconteceu rapidamente, mas nenhum deles se atreveu a opor-se
abertamente a uma potência nuclear.

Mas qual é a razão fundamental para tal agressão? Ela não pode ser
explicada só pelo desejo de tomar ou destruir a Rússia como um Estado. E
já está claro para o mundo inteiro que o Ocidente não travará a Rússia.

Não se pode ter ilusões de que algo mudará na política dos EUA,
independentemente de a Rússia sair ou não vitoriosa desta confrontação.

Isso não funcionará com a Rússia – ainda há muitos países com os quais
ela certamente continuará a trabalhar. Tanto a China como a Índia também
são bastante adequadas para o papel de vítima.

O que os Estados Unidos e os países seus aliados fazem é um processo
natural e até economicamente justificado de transformação da economia
mundial, o qual é simplesmente necessário para a reestruturação tanto
dos valores materiais como da sociedade como um todo.

Muitos peritos na política dos países ocidentais em relação à Rússia
mencionam frequentemente que eles perseguem determinados objetivos, mas
o quê exatamente e para onde esses objetivos deveriam levar globalmente,
geralmente não é explicado.

Vamos montar este puzzle por nós mesmos.

A economia global está agora no pico do seu desenvolvimento, o que
inevitavelmente resultará numa crise. Os fenómenos de crise estão
constantemente a abalar o mundo e, desde 2007, quando eclodiu uma crise
financeira global, este processo só tem piorado. A economia dos chamados
"países desenvolvidos" acumulou tantos momentos críticos que já não
permitem que as economias cresçam, se desenvolvam e floresçam como
antes, enquanto permaneciam como núcleo da economia mundial.

Crises no século XXI.
*Só no princípio do século XXI, já houve mais crises económicas do que
em todo o século XX.*

Ao longo dos últimos 20 anos, os mais importantes "faróis da democracia"
acumularam gigantescas dívidas governamentais e empresariais. A dívida
dos EUA já é um caso clássico, mas a situação é semelhante no Reino
Unido, na França e até na Alemanha. Não há uma única economia
desenvolvida pelos padrões ocidentais que não esteja endividada.

Lista de países com as respectivas dívidas externas.
*Em geral, o mundo deve a si mesmo mais de 300% do PIB mundial. Ao mesmo
tempo, os países também têm elevadas dívidas públicas. Por exemplo, nos
Estados Unidos, em 2022, representou 132% do PIB, na China – 73,7%, no
Japão – 253,5%, na Rússia – 17,7%.*

E isto não é apenas uma crise na economia global, é o limite do seu
desenvolvimento. O velho modelo de desenvolvimento económico já não pode
ser utilizado como meio de desenvolvimento global porque os recursos
económicos estão tão esgotados que o modelo económico já está a falhar
na maior parte dos países desenvolvidos.

Tome-se os Estados Unidos, onde a punição por roubo estava estabelecida
na lei. Agora, o roubo de até 1 000 dólares não é mais considerado um
crime. O chamado "roubo de loja" está a atingir uma nova escala.

Para corrigir a atual situação, há uma necessidade de reformas radicais,
as quais em muitos aspetos contradizem o modelo capitalista sobre o qual
foi construído o poder económico dos países ocidentais.

No entanto, as elites ocidentais não estão em vias de realizar quaisquer
reformas sociais ou monetárias, porque isso implicaria perdas globais
para elas.

Paralelamente à deterioração da economia mundial, teve início o
surgimento de novos centros mundiais. A Rússia e a China tornaram-se os
principais candidatos ao papel de criadores e guardiões da nova ordem
mundial.

Se os novos centros do mundo constituírem um novo polo (um bloco forte),
que simplesmente redistribua os recursos financeiros e materiais a seu
favor, então às elites ocidentais só restará lutarem umas com as outras
pelo remanescente do bolo.

Se a Rússia influenciar a formação de novos centros do mundo, em última
análise eliminando os principais concorrentes, o processo de transição
económica das principais economias dos países ocidentais se verificará
então de forma mais suave e sem fortes choques tanto para a sociedade
como para os países ocidentais como um todo – naturalmente, devido a
choques no terceiro mundo.

O principal elo na formação de um novo centro de influência mundial é a
Rússia como um país com uma população educada, com uma indústria real
criada durante a modernização soviética e com enormes recursos naturais
ainda não aproveitados. Ao mesmo tempo, a Rússia é uma potência nuclear.
Sem a Rússia não haverá um novo centro de poder e, se ficar instável
durante um período de tempo suficiente (por exemplo, pelo mergulho da
economia russa numa crise), então os países ocidentais ganharão
dominância completa sobre a transição económica e serão capazes de
maximizar o seu uso para o seu próprio benefício às custas de outros, os
Estados menos desenvolvidos.

No Fórum Económico Mundial em Davos, realizado em janeiro de 2023, o
ministro das Finanças canadiano expressou o verdadeiro propósito das
sanções contra a Rússia – levar os habitantes da Rússia à pobreza total
durante décadas em prol da recuperação económica no mundo ocidental.

Que espécie de transição global é esperada por todos nós, e por que a
Rússia é o país mais indesejável para o Ocidente durante esta transição?

Cientistas estão envolvidos em previsões da dinâmica global há quase 50
anos e, a cada nova previsão, a lógica de que a economia mundial não
pode continuar a desenvolver-se normalmente torna-se cada vez mais poderosa.

O facto é que a base de recursos sobre a qual o mundo se desenvolveu
está agora severamente esgotada. E a cada ano a situação só piora. As
chamadas tecnologias "verdes" que o Ocidente impõe aos países menos
desenvolvidos não ajudarão o ecossistema do planeta de forma alguma se
não for mudado o paradigma do desenvolvimento económico de todo o mundo.

Isso é muito claramente descrito no conceito de "Fronteiras Planetárias"
/(“Planetary Boundaries”),/ baseado no fator antropogénico do impacto
humano sobre o ambiente.

Fronteiras planetárias.
*As fronteiras planetárias são um conceito que enfatiza distúrbios
antropogénicos nos processos do sistema terrestre, longe dos limites
ecológicos relativamente bem caracterizados da época interglacial do
Holoceno
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Holoceno#Geologia_e_paleogeografia>. O
conceito foi proposto em 2009 por um grupo de cientistas liderados por
Johan Rockström, então trabalhando no Centro de Resiliência de
Estocolmo, e Will Steffen, da Universidade Nacional Australiana.*

Três processos já ultrapassaram limites razoáveis, provocando mudanças
irreversíveis no ecossistema do planeta no futuro próximo:

  * a extinção de espécies, dependendo de seus habitats, começou a
    ocorrer 100-1000 vezes mais rápido do que era antes da revolução
    industrial há 250-300 anos;
  * a degradação dos reservatórios naturais de água doce já começou: se
    2,3 mil milhões de pessoas não têm acesso à água doce hoje, então
    dentro de 30 anos 4,5 mil milhões de pessoas não terão acesso;
  * a degradação das terras agrícolas, a falta de água de irrigação e a
    acidificação dos oceanos do mundo inevitavelmente levam a uma
    diminuição do acesso a alimentos no mundo em termos per capita.

E a ONU diz abertamente que este processo já começou:

Relatório da ONU.
*De acordo com este relatório da ONU, em 2021, o número de pessoas com
fome no mundo chegou a 828 milhões, o que representa mais 46 milhões do
que um ano antes e 150 milhões a mais do que em 2019.*

Não há mais qualquer reserva livre de terras aráveis no mundo. A camada
de solo altamente fértil diminuiu significativamente nos últimos 200
anos devido à degradação geral das terras agrícolas e representa 3% da
área terrestre. A quota combinada de terras médias-férteis, juntamente
com terras de alta fertilidade, é inferior a 12% da superfície terrestre.

A taxa média global de degradação da terra arável é 35 vezes maior do
que na era pré-industrial.

Nos últimos 200 anos, 2 mil milhões de hectares de terras aráveis foram
perdidos. Hoje, a humanidade tem apenas cerca de 1,5 mil milhões de
hectares à sua disposição. Isto tendo em conta que, na atual ordem
tecnológica, 98% dos alimentos são produzidos com a ajuda do solo.

Além disso, observa-se a redução do caudal dos rios e as secas estão a
tornar-se mais frequentes, razão pela qual o processo de desertificação
se acelera a cada ano.

Claro que tentam lutar contra isso. Por exemplo, os países da UE
iniciaram o programa "solos e alimentos saudáveis", que visa restaurar a
produtividade de 75% das coberturas do solo até 2030. No entanto, na
prática, o programa mostra a sua ineficiência, apesar de cerca de 50% de
todo o orçamento da UE ser gasto em subsídios e programas agrícolas.

Em 2020, foi decidido atualizar o programa em prol de uma maior
aplicação de técnicas amigas do ambiente. A reforma da política agrícola
comum da UE deveria ter início em 2023.

O consumo total de recursos no planeta já duplicou o limite máximo.

Nenhuma tecnologia de reciclagem (mesmo com uma eficiência de 100%)
resolverá os problemas da economia global e da situação ambiental no
planeta.

Estudo de cientistas britânicos.
*De acordo com um estudo feito por cientistas do Reino Unido, os Estados
Unidos e a União Europeia respondem por 74% do excesso de consumo global
de todos os recursos extraídos no planeta.*

Tendo em conta a situação económica, ecológica e social, os próprios
cientistas ocidentais chegam à conclusão de que o modelo existente de
crescimento económico, produção e consumo inevitavelmente levará o mundo
a uma catástrofe, movendo todos os indicadores do ecossistema do planeta
para além de seu equilíbrio (fronteiras planetárias naturais) nos
próximos 50 anos.

Mesmo cientistas ocidentais (especificamente: Randers, Rockström e
Stoknes) no seu relatório ao Clube de Roma indicam que o capitalismo
inevitavelmente levará a humanidade ao desastre.

Ou seja, os próprios cientistas ocidentais afirmam explicitamente que o
capitalismo não apenas se esgotou, mas já é diretamente prejudicial ao
desenvolvimento da humanidade. A melhor saída para a atual crise é
através de reformas no domínio da transformação social, que melhorem o
sistema económico e social.

Por exemplo, no caso dos Estados Unidos, diz-se que há uma necessidade
de reformas com a criação de um sistema de estado social estatal. O
socialismo nos EUA…

Conclusões semelhantes foram alcançadas por cientistas russos da
Universidade Estatal de Moscovo, como Viktor Sadovnichy, académico da
Academia Russa de Ciências, reitor da Universidade Estatal de Moscovo, e
Askar Akayev, membro estrangeiro da Academia Russa de Ciências,
pesquisador-chefe do Instituto de Pesquisa Matemática de Sistemas
Complexos da Universidade Estatal de Moscovo.

No entanto, ao contrário dos seus colegas ocidentais, os cientistas
russos veem uma saída para a crise económica global através da formação
de uma nova ordem tecnológica, na qual a recusa em aumentar o consumo é
o principal fator no desenvolvimento económico e na transição do
confronto de Estados para a cooperação na solução de problemas globais
comuns.

É claro que as elites ocidentais não fazem isso, tentam resolver
problemas à moda antiga – às custas de outros Estados.

E a análise mostra que, por exemplo, apenas destruindo a Rússia e
transferindo os seus ativos naturais (terra, água, recursos) para os
seus ativos, o Ocidente obteria crescimento económico nos próximos 20
anos. Assim, se e quando a Rússia não estiver mais em competição, o
Ocidente continuará a "democratizar" o mundo sem qualquer qualquer
resistência.

Recursos minerais da Federação Russa.
*Chave inferior esquerda, da coluna da esquerda para a direita:   gás,
petróleo, carvão, cobre, ouro, prata, diamante, estanho, níquel,
petróleo de xisto, manganês, titânio, platina, alumínio, tungsténio,
molibdénio, urânio, minério de ferro, cromo. Além dos minerais, a Rússia
possui 23% das reservas florestais do mundo, 8% de todas as terras
aráveis férteis e mais de 10% das reservas mundiais de água doce. Sim, é
de acesso a recursos intactos que os países ocidentais precisam. E há
apenas um país no mundo onde tudo isso está concentrado em abundância. É
na Rússia. *

Nossos rios siberianos permitirão realizar o potencial em energia
hidroelétrica para as necessidades de toda a União Europeia.

Ao mesmo tempo, um país com recursos tão significativos nem sequer deve
ter a oportunidade de fazer a transição para uma nova ordem económica
mundial, porque um país auto-suficiente irá muito rapidamente tornar-se
líder mundial em muitos indicadores naturais, sociais e económicos.

Por exemplo, a China não é um país auto-suficiente. Se os países
ocidentais impuserem sanções ao seu setor de energia (ou seja, proibirem
o fornecimento de recursos energéticos à China), a economia chinesa
retrocederá até 1990, porque a China já importa 22% de seu consumo
interno e, ao mesmo tempo, há crises energéticas periódicas. A última
foi em 2021 e afetou 300 milhões de pessoas.

Lista de países importantes em termos de importação de energia.
*Lista de países importantes em termos de importação de energia (em
milhões de toneladas de equivalente petróleo).*

O ciclo de transição do capitalismo para o pós-capitalismo e, em
seguida, para o socialismo com a formação de uma sociedade noosférica
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Noosfera> humanista já é inevitável para
a humanidade. Caso contrário, o mundo está prestes a um desastre. Todos
os estudos apontam para isso, cientistas ocidentais e russos falam sobre
isso.

Consumo mundial de energia per capita em 2050.
*Consumo mundial de energia per capita em 2050.*

Na previsão de Gail Tverberg, perita em esgotamento de petróleo e gás
natural, escassez de água e mudanças climáticas, se o mundo continuar a
desenvolver-se sem qualquer transformação, então até 2050 ela prevê um
declínio populacional para 2,8 mil milhões de pessoas e uma queda no
consumo de energia per capita para o nível do final do século XIX.

Serão os países ocidentais capazes de fazer essa transição? Infelizmente
não, e também não é possível cada um por si mesmo. Sem recursos
externos, eles não serão capazes de fazer a transição, uma vez que as
economias dos países ocidentais não estão apenas em buracos de dívida,
como também excessivamente inchados em relação à segurança dos recursos
do nosso planeta.

No nível atual de consumo – que representa três quartos de todos os
recursos extraídos do planeta – os países do Ocidente coletivo não podem
nem mesmo teoricamente fazer essa transição sem a pilhagem total do
mundo inteiro. E mesmo neste caso, nem todos os países ocidentais serão
capazes de se mover para uma nova estrutura económica sem choques nas
suas próprias esferas sociais e económicas.

Será que arruinar a Rússia através da privatização das suas riquezas
ajudará os países ocidentais a fazer a transição para um novo modo de
vida? Também não. Neste caso, apenas obterão vantagem ou a UE ou os EUA
– mas não os dois ao mesmo tempo. Eles então passarão a "democratizar"
outros países ricos em recursos. Isso é necessário para sua
sobrevivência na forma como existem hoje.

E o que acontece se a Rússia deixar de vencer? O Ocidente tentará fazer
o mesmo com os países da África, com a China ou a Índia. E tentarão
levar a Rússia à dependência económica dos países ocidentais sob vários
pretextos. Esta é também uma condição necessária para a sua
sobrevivência durante a transição.

Uma vez que a pesquisa sobre a dinâmica económica está disponível
publicamente, muitos líderes da comunidade internacional estão bem
conscientes disso. É por isso que muitos países não apoiaram os Estados
Unidos e seus aliados nas sanções contra a Rússia.

Além disso, aliados de longa data e parceiros estratégicos, como a
Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar e até a Turquia,
começaram a afastar-se publicamente da política ocidental voltando-se
para a Rússia e a China.

Reunião da Organização de Cooperação de Shangai.
*Em 2022, dez países manifestaram o desejo de aderir à Organização de
Cooperação de Xangai, incluindo os Emirados Árabes Unidos, Síria, Qatar,
Arábia Saudita e Turquia.   Ao mesmo tempo, Indonésia, México, Arábia
Saudita, Turquia, Egito, Tailândia, Cazaquistão, Nigéria, Bangladesh,
Grécia, Síria e Tajiquistão desejam aderir aos BRICS.  Ambas as
organizações internacionais foram criadas com a participação da Rússia. *

Uma coincidência?

Nada será como dantes…

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/ecologia/redistribuicao_18fev23.html
18/2/2023

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

El Sur Global por un nuevo sistema monetario

 


 


*LA TRANSICIÓN HACIA EL MUNDO MULTIPOLAR (2) por WIM DIERCKXSENS Y
WALTER FORMENTO*

*/Pronto muchas monedas de reserva no solo podrían estar en competencia
entre sí, sino también eliminaran la desigualdad y eventual
subordinación de unas a otras. Una moneda conjunta basada en una canasta
de monedas sería un buen paso a dar./*

*Introducción*

En nuestro libro /Por una nueva civilización: El proyecto multipolar/
(2021), ya habíamos teorizado sobre la transición en los modos de
producción desde el pre-capitalismo, para luego observar la transición
actual del capitalismo hacia una nueva civilización, otra civilización.
Los conceptos de trabajo productivo y trabajo improductivo vistos por su
contenido están presentes en la transición de todas las culturas de la
humanidad en el pasado, en el presente y también lo estarán en el
futuro. Estos conceptos son centrales también en este trabajo que aquí
presentamos.

Bajo la relación social capitalista, dichos conceptos adquieren una
modalidad específica, como Marx lo desarrolla en el Capítulo VI inédito.
Pero el trabajo productivo por lo que Marx considera realmente “por su
contenido” /(haciendo abstracción de la relación social de producción)
/recorre o atraviesa toda la historia de la humanidad. Esto lo elabora
en el Tomo dos del Capital y en el primer tomo de su obra Teorías sobre
la Plusvalía (capítulo IV, parte primera). Este concepto de trabajo
productivo e improductivo por su contenido ya lo hemos desarrollado en
libros nuestros anteriores (Wim Dierckxsens (1998, 2003) y también en un
trabajo del equipo del Observatorio Internacional de la Crisis [1]
<#_ftn1> editado en inglés (2021).

Vimos en nuestro libro antes citado que, en cada modo de producción, la
clase dominante se torna políticamente superflua al tornarse netamente
improductivo su papel en la reproducción económica. Lo anterior, es
válido para los modos de producción tanto en la Vía Occidental como en
el modo de producción tributario propio de la Vía Oriental. Existen
también diferencias entre la vía de desarrollo occidental con la
oriental. La Vía Occidental desde el neolítico ha construido sociedad a
partir de la individualidad, donde el Interés Privado a partir de
entonces siempre está en conflicto con el Bien Común. A partir de las
relaciones de producción capitalistas en Occidente, la transición hacia
relaciones sociales pos-capitalistas difícilmente  parten del Bien Común.

En el modo de producción tributario, propio de la línea “Oriental”, el
Bien Común de la comunidad como un todo y la explotación del pueblo por
una comunidad superior no son mutuamente excluyentes, sino que suelen
coexistir y la explotación suele ser tolerada por el pueblo hasta un
determinado punto. Con el trabajo productivo en las obras comunes
(históricamente las obras hidráulicas), la élite o comunidad superior se
legitima y la sociedad como un todo no observa explotación, ni siquiera
en las obras de culto hasta que llegue el hambre.

El Bien Común se ve confirmado en las obras colectivas productivas al
observar la mayor productividad del trabajo y se reafirma la gran
comunidad ya que se trata de obras en beneficio de la comunidad o
sociedad en su conjunto. El Bien Común salta aquí a la vista. Si, en
cambio, se realizasen obras de culto agradeciendo a los dioses con
tributos populares esto solo en esencia beneficia a la comunidad
superior. En un primer momento estos rituales se hacen para reafirmar
las relaciones comunales, pero objetivamente se abre un espacio para el
beneficio propio y exclusivo de la comunidad superior (elite).

Más allá de cierto punto, el tributo se torna un impuesto. El exceso en
los impuestos en beneficio de obras de culto y a costa de obras comunes
productivas termina en  hambrunas. Las mismas son la señal que los
dioses y aún menos sus representantes ya no sirven y la rebelión se
desarrollará. Muchas veces la historia ´oriental´ ha terminado así y ha
caído en desgracia una comunidad superior tras otra. Al caer la
comunidad superior, la desintegración de la gran comunidad es la
consecuencia. Entonces, la necesidad de realizar obras productivas
comunes se vuelve una necesidad central. En la historia oriental suele
surgir otra comunidad superior a menudo en otro lugar y con ello surge
una nueva dinastía de la gran comunidad. Lo anterior, ha hecho que este
llamado modo de producción tributario se reproduzca y auto-reproduzca a
través de los milenios y aún hoy ponen su sello en lugares donde ha
predominado.

En el modo de producción tributario /(China antigua, Mesopotamia, pero
también la América Latina precolombina y el África del Antiguo Egipto)/
se construye sociedad en la cual el interés de la Comunidad prevalece
por sobre el interés individual, y esto ha dejado sus huellas hasta hoy
en sociedades como China y otras naciones de Asia, y más allá de dicho
continente como es el caso de América Latina. Un valor central de la
historia de los modos de producción tributarios es: “Soy mientras tú
eres” subrayando lo comunitario y el Bien Común como horizonte. Esta
mirada contrasta con el valor central occidental desde la esclavitud, en
Grecia y la Roma antigua: “Soy (libre) mientras tú no eres”.

En el modo de producción esclavista la negación de la libertad está al
desnudo y la única forma de subordinación es la violencia. Con el
feudalismo y el pago obligatorio de la renta en trabajo en las tierras
del señor, el siervo está atado a la tierra. Con la renta en producto ya
no trabaja las tierras del señor, sino que tributa en especie parte de
su producto. Con la renta en dinero ya no hay ningún amarre a la tierra
y se torna libre mientras paga la renta en dinero. Se pasa al sistema
de  ´tenance at will´ que permite al Señor vender la tierra a terceros.
Con el capitalismo el trabajador cree que es pagado por su trabajo y no
apenas para que se reproduzca su fuerza de trabajo socialmente necesaria.

En el feudalismo, así como en el modo de producción tributario, la
fuente de dominio y poder es la religión, así como en el modo de
producción tributario oriental. El fetichismo de la religión en
sociedades pre-capitalistas  es reemplazado por el fetichismo del dinero
y la mercancía en el capitalismo. Bajo la relación de explotación
capitalista la religión deja de ser fuente de poder. Ahora nos
preguntamos cómo nos liberamos del fetichismo del dinero y la mercancía
como fuente de poder en una transición hacia el pos-capitalismo.

¿Es posible construir una alternativa retornando al Bien Común, sin
fetichismo de la mercancía ni de la religión? ¿Es posible, en otras
palabras, crear relaciones de producción transparentes sin poder oculto?
La historia Oriental nunca abandonó el concepto de Bien Común como valor
central, aunque el fetichismo de la religión /habría de hecho/ el poder
para la explotación. En la historia occidental, desde los griegos, lo
privativo (el privar a otros de) es la base central y no el Bien Común.
En la esclavitud existe la negación de la libertad absoluta de los
esclavos. En Occidente, históricamente, se concibe como libre como
persona-individual y queda “en el olvido”, oculto y subordinado el ser
comunitario.

El camino hacia el pos-capitalismo, que buscan en Occidente actualmente
los Señores de Davos con su Economic Reset, habla de una comunidad
superior formada por los CEOs, de las grandes corporaciones financieras
transnacionales globales, en tanto que representantes del /Dios Dinero
en la tierra del Nuevo Orden Mundial/, donde los pueblos del mundo serán
libres de todo, pues no poseerán nada. Sin embargo, plantean que estarán
felices en esta condición. Oriente, con China como una de las
locomotoras del ´tren´ BRICS+, plantea y se dirige hacia un Mundo
Multipolar, es decir, hacia una Comunidad Mundo con libertad, entendida
como soberanía de las naciones y los pueblos. Con el objetivo
estratégico de construir un mundo más igualitario y más justo en la
distribución de la riqueza social.

Nos encontramos, entonces, ante dos mundos y civilizaciones futuras
posibles: por un lado, tenemos a Occidente con su proyecto de
capitalismo global unipolar que ha perdido la iniciativa estratégica y
que “ya no da para más”. Y con la élite de Davos/Otan, siendo su
liderazgo estratégico, que mantiene su objetivo, a costa de mucho e
incluso todo, de imponer que ellos sí sean la nueva élite o comunidad
superior del Nuevo Orden Mundial unipolar. “Enfocada” en el cómo
sostener un poder vertical, aunque conlleve a la destruir la economía
mundial. Por el otro lado, tenemos la iniciativa estratégica de un
/proyecto multipolar-pluriversal /enfocado en construir relaciones
soberanas entre naciones y regiones, de naciones y pueblos, sin
subordinación entre las naciones y los pueblos, planteando una comunidad
mundo.  

El fetichismo de la explotación en el capitalismo está en la propia
economía de /crear valor y plusvalor/ a partir de la mercancía, donde el
mundo del dinero es eje central de dicha economía y modo de producción.
 En cada modo de producción y, por lo tanto, también en el capitalismo,
la clase dominante se torna políticamente superflua cuando su papel en
la reproducción económica se torna /sistémicamente/ improductiva.

Está claro hoy que el modo de producción capitalista ha perdido la
iniciativa estratégica y se enfrenta ya al escenario donde podría entrar
en declive estratégico. Todo lo cual, indica que estamos en un período
de transición hacia otra civilización con nuevas relaciones de
producción. Esto lo sabe bien la actual élite global de Davos y, es
obvio también, que esta élite procura crear Otro Orden Mundial a partir
de su dominio casi absoluto sobre el mundo del dinero, en la forma de
una cripto moneda con escala y cobertura mundial. En síntesis, una
moneda manejada por un banco central global –ej.: BIS- interconectado y
con “influencia” con y sobre los bancos centrales de las
naciones-países, a partir del sistema ´blockchain´.

Este sistema podría funcionar sin la intermediación de bancos
comerciales y tener el control sobre las entradas y salidas de dinero de
cada uno. Una moneda, centralmente manejada de éste modo, le permitirá a
la élite global de Davos lograr un control “mucho más” directo sobre la
población en el mundo. Podrían, de este modo, seguir nuestros pasos y
excluirnos si hacemos “pasos” contrarios a los intereses de la élite.
 Es una forma y modo de condicionar nuestras vidas de la manera más
directa y amplia que ha habido, y sería el máximo de poder central
imaginable. Acercándose al escenario orwelliano.

La élite global de Davos ha abandonado el ámbito productivo y pretende
construir una alternativa, que les permita vivir de la Riqueza mundial
existente, mediante este nuevo desarrollo en el dinero, lo que
significaría que la élite de Davos se transforme en una /clase Rentista
Neo-feudal Global*[2]* <#_ftn2>/. Su proyecto no es fomentar lo
productivo, más bien contempla la destrucción de centros productivos.
Destruyen las fuentes de energía fósil para acabar con la energía o
fuerza motriz industrial y pretenden así cortar posibles alternativas de
producción como es el proyecto multipolar.

La vieja élite en Occidente, vinculada con este proceso improductivo
(los Señores de Davos como fuerzas globalistas), ha abandonado el
trabajo productivo en sus naciones /-países centrales-/ trasladándolo
hacia los llamados países emergentes (1994-1999-2008), hacia el Sur
global situando a China en primer lugar. Esto ha dado espacio y
fortalezas para que los llamados países emergentes del Sur global – con
China en la primera línea- puedan impulsar e impulsen un nuevo proyecto
civilizatorio. China, con los países del BRICS+ ampliado, con su
proyecto de las nuevas rutas de la seda apuntan a un proceso productivo
multipolar estableciendo su punto de apoyo estratégico en la soberanía
de las naciones y los pueblos.  Lo importante aquí, es comprender que lo
productivo es la base necesaria para construir poder, pero que el poder
mismo se encuentra en el dominio de la esfera de la relación de
producción lo cual, en el capitalismo, ha sido el dominio o
preponderancia de la esfera económica, de la circulación del dinero y
las mercancías.

*El Dinero fuente de poder y decadencia*

No basta con que el nuevo modo de producción en ascenso se concentre
exclusivamente en el ámbito productivo para sobreponerse al antiguo,
sino que precisa ante todo poder demostrar su poder en el ámbito de la
circulación. Es decir, es condición necesaria desmantelar hoy el poder
que tiene la élite de Davos sobre el Dinero, la moneda. Queremos ir más
allá, para ello nos hacemos la pregunta: ¿qué será del dinero en una
civilización poscapitalista donde el Bien Común prevalece por sobre el
interés particular? El dinero como medio de cambio probablemente sí
podrá estar presente. ¿Puede el Dinero seguir siendo el eje central de
la economía? Ahí se encuentra el planteo central. La Mercancía-Producto
y la Mercancía-Dinero son el fundamento del capitalismo y de la
explotación fetichizada. Una sociedad nueva basada en el Bien Común no
puede partir desde esa base de apoyo. El fetichismo, o la alienación
social, del capitalismo se basan en la falta de transparencia de las
relaciones mercantiles. Y la lucha por la abolición de la explotación,
conlleva a abolir el Dinero como Mercancía, con la ley del valor hoy
globalizada.

El concepto de valor globalizado, afirma Samir Amin, explica la doble
polarización que caracteriza al capitalismo y que se manifiesta, por una
parte, en el reparto desigual de los ingresos a escala mundial y, por la
otra, en la desigualdad creciente en el reparto de la riqueza social en
el seno de las sociedades periféricas. Este doble aspecto de la
polarización nacional y social constituye la forma real en la que se
expresa la ley de la acumulación del capital a escala mundial, global.

*El dinero presente y futuro*

En las formaciones precapitalistas ya existían el Dinero y el
intercambio, pero no existía el proceso de valorización. En todas las
formas tributarias podemos constatar la existencia de intercambios no
monetarios e incluso monetarios, pero estos intercambios solo son
mercantiles en apariencia, es decir que no están basados en el valor de
cambio (ley de valor) sino en el valor de uso. Tratase de un
*/intercambio a partir de utilidades comparativas. /*/Esta es la base de
una sociedad pos-capitalista basada en el Bien Común./

El valor de uso no puede depender exclusivamente del lado de la oferta
(las empresas) cuyo único interés es que se realice la venta del
producto, por lo cual entonces se considera socialmente necesario, sin
considerar las necesidades sociales. La demanda colectica es la base
fundamental para determinar cuáles productos y servicios son socialmente
necesarios. La demanda social colectiva tampoco debe ser manipulada a
partir de la oferta de productos socialmente necesarios, pero reduciendo
la vida útil ésta mediante la obsolescencia programada desde el lado de
la oferta. Para ahorrar recursos naturales, los productos pueden y deben
de ser duraderos, de buena calidad y priorizando las necesidades comunales.

Estamos, en otras palabras, en un momento histórico donde el Dinero del
Futuro, una moneda digital del banco central (CBDC) basada en blockchain
abre la posibilidad contradictoria que, por un lado, pueda encaminarse
para imponer un sometimiento absoluto de la población a una élite en el
poder y, por el otro, pueda abrir la posibilidad para una economía
planificada con bases democráticas para y desde los pueblos.

Es preciso saber que, en octubre de 2020 China se convirtió en la
primera nación en realizar una prueba de su moneda digital del banco
central (CBDC) en la región económica más dinámica y más poblada de
China: en la región de la ciudad de Schenzen, no muy lejos de Hong Kong.
Más allá del objetivo inmediato de probar la tecnología involucrada de
block chain, en esencia se impulsó la moneda digital en esta región para
fomentar la demanda interna ante la división mundial en dos bloques de
poder: Occidente vs Oriente.

A partir de la guerra de la OTAN contra Rusia en Ucrania (2014-2023),
EEUU y la UE pronto habrán reducido su demanda de productos chinos,
fenómeno que ya había comenzado con las políticas proteccionistas de la
administración Trump. Con la moneda digital no solo se podría planificar
el lado de la oferta centralizada, incluyendo subsidios, sino que
mediante la CBCD también se puede registrar y democratizar, a la vez, la
demanda para luego planificar la oferta, de modo que se ajuste a la
demanda popular. Ante el proteccionismo occidental, China se encuentra
obligada a desarrollar su mercado interno. El cierre de la economía por
Covid brindo la oportunidad de reorientar su aparato productivo para
atender mejor no solo su mercado interno, sino también el de aquellas
naciones del Sur global que se integren al BRICS+.

El estatus de pionero en monedas virtuales no solo de China, sino
también de Rusia y de cada vez más socios del BRICS+ se ha realizado
aventajando a los “/países centrales”/ occidentales, incluyendo a EEUU.
Una de las razones para que EEUU se retrase, es que en el seno del poder
de la elite norteamericana hay fuertes y profundas contradicciones,
conflictos ya estrategicos y enfrentamientos. Una fracción del capital
financiero vinculado al proceso de globalización neoliberal, conducido
por los Señores de Davos y la banca financiera globalista (HSBC,
Blackrock, Vanguard, Citygroup, etc.) y amos de la economía del mercado
financiero (las principales bolsas de valores), busca “introducir” o
imponer su moneda digital a costa del dólar. Mientras, la fracción
conservadora con enfoque nacional en el ´Make América Great Again´
(MAGA), en conjunto con el capital tri-continental principalmente, que
manejan los bancos comerciales (Bank of America, Goldman Sachs, Chase,
etc.), bancos que son dueños de la Reserva Federal y que defienden el
dólar como moneda a “capa y espada”. En los últimos de 40 años, nunca se
había visto al ´mercado´ enfrentado y luchando contra la Reserva Federal
(banca central privada) con tanta fuerza como en éste periodo 2001-2023.

La lucha se expresa públicamente como oposición al alza de las tasas de
interés por la Reserva Federal (FED). ´El Mercado¨ (los bancos
financieros como City Bank, HSBC, Black Rock, etc.) quiere tasas de
interés bajas para re-continuar la expansión monetaria, es decir, el
endeudamiento al infinito, desgastando/deslegitimando al dólar para
entonces poder reemplazarlo y poder imponer una moneda digital (CBCD).
Estas “líneas” divisorias de poder no solo se recorren a los EEUU sino
atraviesen los continentes y no son visibles u observables a simple
vista. Con el despliegue de la guerra de la OTAN contra Rusia en Ucrania
es que pudieron ser observables estas fuerzas autodestructivas casi
incomprensibles. La Comisión Europea                      –Borrel et al-
está alineada /–subordinada-/ con las fuerzas globalistas en la batalla
contra Rusia, aunque esto implique la destrucción de la economía
productiva de Alemania, para no decir de la Unión Europea en su conjunto.  

*El Dinero improductivo, pero máxima fuente de poder*

Está claro que el Dinero no solo está en el corazón de todos los
conflictos, sino que es el eje dinámico del trabajo improductivo. En
primer lugar, hemos de dejar claro que el dinero y sus diferentes formas
pertenecen a la esfera de circulación de la economía y el trabajo que
implica es trabajo improductivo, en tanto no produce valor. El
intercambio de productos propiamente dicho con dinero como medio de pago
corresponde a la relación social existente bajo la cual se produce y
distribuye la riqueza social. En el intercambio no cambia el contenido
del producto o su valor de uso, es decir, el intercambio de productos es
un acto útil pero no pertenece al ámbito de la producción de la riqueza
social. La simple compra-venta es el traspaso formal del producto de un
poseedor a otro. Lo anterior, queda muy claro en el traspaso notarial de
una propiedad de un dueño al otro. Es un cambio de forma o relación
social y no de contenido. Por ello Marx lo llama improductivo por su
contenido.

El dinero que se utiliza como medio de intercambio de productos existe
hace ya milenios. Históricamente ha sido un producto determinado, como
la lana, la sal o el cacao, que ha servido como medio de intercambio.
Las monedas de oro o plata con determinado peso son ya formas más
desarrolladas. Han existido durante milenios y existen hasta el día de
hoy. El dinero como producto reservado para que sirva como medio de
intercambio, supone trabajo que se destina exclusivamente para facilitar
el intercambio de otros productos y servicios. El manejo de dinero que
de ahí se deriva es una fuente importante de poder. Desde antes del
capitalismo, el mercader/usurero ya era una figura histórica de poder en
muchas culturas. Que podía ser muy útil y positiva para aumentar
indirectamente la riqueza en términos de valores de uso, pero a la vez
ha sido históricamente una fuente de explotación.

El dinero, al permitir que fluya la actividad económica en su conjunto,
cumple un papel re-productivo indirecto. El dinero es riqueza utilizada
para servir como medio de cambio una y otra vez, lo que significa un uso
perpetuo improductivo. Hoy en día, el dinero en efectivo ya no son
monedas con un peso de oro, sino billetes que nominalmente dicen valer X
o incluso depósitos bancarios digitales por un valor X. Estas tres
modalidades suelen cambiarse en una proporción de uno a uno.  

El dinero previamente ahorrado puede depositarse en un banco para que el
banco lo preste a terceros. De igual manera el prestar y tomar prestado
dinero es un traspaso formal de un poseedor a otro, un acto que por sí
solo no genera valor. Al prestarlo para desarrollar el ámbito productivo
para productos que luego se venden, estamos ante un proceso reproductivo
de la economía. El interés es el precio que se paga o recibe por el acto
de prestar dinero.

Los bancos comerciales pueden prestar más dinero de lo que reciben en
ahorros ya que no todos los depositantes suelen retirar su dinero al
mismo tiempo. En este caso el banco crea dinero al dar crédito, pero
corre riesgos que el pago no se cumpla. El crédito es prestar dinero sin
ahorro previo, o sea es crear riqueza de la nada y, por lo tanto, es
riqueza ficticia. Crear riqueza ficticia no debe confundirse con la
oferta de dinero. Es dinero en  apariencia pero es dinero ficticio ya
que no tiene respaldo. Es simplemente un endeudamiento. Cuando éste
crédito ficticio es invertido en algo productivo esa riqueza ficticia se
torna riqueza real.   

El crédito puede destinarse al sector comercial, entonces ese dinero sin
respaldo permanece en la esfera improductiva de la circulación. Sí el
crédito es utilizado para otras actividades improductivas como en
seguros contra incendio, seguros contra un cambio de precios en los
contratos de entrega de productos a futuro, o por cambios en las tasas
de interés en el tiempo, o por seguros contra el riesgo de impago de
deudas de empresas, instancias, estados, etc. Entonces, en estos casos
ya estamos hablando de derivados que no crean riqueza y, el crédito
invertido en ello, significa una reproducción ampliada de la riqueza
ficticia, pero al no tener vinculación con la economía real no
contribuye al crecimiento económico. Sin embargo, la reproducción
ampliada de riqueza ficticia parece hoy infinita y un poder nunca visto
antes.

Un Banco Central puede emitir dinero sin respaldo, lo que
equivocadamente llama oferta de dinero. Esta expansión monetaria u
oferta de dinero es en realidad, nada más que un endeudamiento. Lo pasa
el banco central a grandes bancos a tasas muy bajas y estos a su vez lo
prestan a grandes consorcios como por ej.: las GAFAM –Corporaciones de
TIC´s- a una tasa de interés módico. Esos consorcios suelen comprar sus
propias acciones haciendo subir su precio y, también realizan fusiones y
adquisiciones con dinero ajeno sin mayor costo. De este modo obtienen o
centralizan nuevas empresas competitivas, es decir riqueza real, a bajo
costo. Este es un proceso de acumulación sin producción, es decir,
centralización de la riqueza social existente en cada vez menos manos y
un bloqueo de la competencia. Lo que sucede con el dinero es que pierde
poder adquisitivo, es decir se deprecia. Cuando este juego de la Reserva
Federal por ej., termina al subir fuertemente las tasas de interés, el
crédito o endeudamiento se complica como en éste momento, nos
enfrentamos a una crisis de la deuda más grande que nunca antes.

*El Oro*

 A lo largo de la historia, el oro ha sido dinero legal en el
intercambio entre pueblos y naciones. El patrón oro es un sistema
monetario en el cual el precio de la moneda de un país resulta
totalmente convertible en gramos de oro. Los Bancos Centrales tienen la
obligación de la convertir en oro su deuda con otro país, si éste se lo
demandara.**La convertibilidad de una moneda en oro dificulta que los
gobiernos puedan expandir la oferta de su moneda de manera ilimitada, lo
que genera cierta estabilidad de los precios entre naciones, base
necesaria para regular el intercambio internacional.

Antes de la segunda guerra mundial, los países industrializados con
fines proteccionistas dejaron de acoplar sus monedas al oro. Después de
la llamada segunda guerra mundial, la economía de EEUU representaba la
mitad del PBI mundial y los países “envueltos” en la guerra habían
transferido mucho de su oro a este país para poder realizar sus compras
de bienes de uso civiles y militares durante la guerra. En la
Conferencia de Bretton Woods de 1944, en New Hampshire, los vencedores
“establecieron” hace 79 años las nuevas reglas destinadas a ordenar las
relaciones financieras entre las naciones. El sistema de Bretton
Woods establecía unos tipos de cambio fijos de los demás países en
relación al dólar, que tenía un precio invariable expresado en oro, 35
dólares la onza. Cada banco central fijaba el valor de su moneda en
términos de oro o dólares (si no tenían oro) y mantenía una cotización
fija /(dentro de un rango del 1%)/ de su valor de paridad. Todo el mundo
“ocupaba” dólares ya sea como medio de pago internacional o como moneda
de reserva para cumplir con sus obligaciones a otros países.

La demanda de dólares se disparó y EEUU se vio en la necesidad de
imprimir muchos más dólares en relación con la cantidad de oro que
poseía. El precio del oro expresado en dólares subió, pero los bancos
centrales extranjeros aún podían canjear esos dólares por oro al precio
legal, agotando rápidamente las reservas de oro de EEUU. Finalmente, el
presidente Nixon suspendió la convertibilidad del dólar en oro en 1971
<https://translate.google.com/website?sl=en&tl=es&hl=es-419&prev=search&u=https://www.gainesvillecoins.com/blog/nixon-shock-50th-anniversary>. En esencia, EEUU declaró su insolvencia para cumplir con sus obligaciones.

Esto coincide en el tiempo con la derrota de la OTAN y EEUU en la guerra
de Vietnam 1965-75. Guerra que le permitió a la fracción
tricontinentalista norteamericana /(EEUU-CEE-Japón) /no solo su
expansionismo hacia el oriente próximo a la URSS, sino subordinar a
Occidente a esa estrategia tricontinentalista de cerco a la URSS y
consolidación de una oligarquía financiera transnacional tricontinentalista.

Después que el presidente Richard Nixon eliminó el vínculo final entre
el oro y el dólar estadounidense en 1971, se ideó –impuso- un nuevo
sistema que permitió a los “EEUU” imprimir dólares sin respaldo en oro,
es decir para tomar crédito sin límites, sin más respaldo que el de la
OTAN. El gobierno estadounidense /–estado profundo tricontinentalista-/
´llegó´ a un ´acuerdo´ con la OPEP /–Organización de Países Productores
de Petróleo-/ para fijar el precio del petróleo en dólares
estadounidenses exclusivamente, para todas las transacciones
mundiales. Esto le “dio” al dólar un lugar predominante especial entre
las monedas mundiales y, en esencia, el ´oro negro´ se convirtió en
respaldo del dólar y del poder en EEUU[3] <#_ftn3>. Curiosamente, la
relación entre el oro amarillo y el oro negro se ha mantenido estable
durante décadas, como muestra este gráfico:

*RATIO ORO / PETRÓLEO 1950 – 2023*

<https://www.zerohedge.com/s3/files/inline-images/2023-01-27_16-35-09.jpg?itok=MTFUA7RQ>

Para que ningún país se negara a aceptar dólares, EE UU prometió
“proteger por todos los medios” a Arabia Saudí y a los otros estados
petroleros del Golfo Pérsico contra amenazas o golpes de Estado. El
respaldo del oro negro a su vez estaba, entonces, respaldado por la
fuerza militar de la OTAN cuya columna vertebral, hasta 2001-2008,
fueron las FFAA de Estados Unidos. Usar la fuerza para obligar al mundo
a aceptar dinero, y una moneda, sin valor real es un mega-trabajo
improductivo. Con los petrodólares, los países productores de petróleo
obtuvieron mucho material de guerra a cambio, reciclando así buena parte
de los petrodólares hacia EEUU.  

El “acuerdo” le dio al dólar un poder artificial, con inmensos
beneficios financieros para los Estados Unidos, especialmente para esa
oligarquía financiera tricontinental, que aun tenia a EEUU como pilar
principal de la triada. Este “arreglo” ayudó a la vez a “encender” el
movimiento islámico radical. Para EEUU, el arreglo permitió exportar la
inflación monetaria comprando petróleo y otros bienes en dólares sin
respaldo, causando una depreciación de la moneda en términos de poder
adquisitivo durante 50 años (1971-2022). Desde principios de los setenta
al día de hoy, el dólar ha perdido el 98% de su poder adquisitivo. Esto
indicaría que el precio del oro para el dólar debería estar cercano al
1/3.600, es decir, el oro debería “tener” un precio de 3.600 dólares por
una onza.

Al considerar el endeudamiento como oferta de dinero (ficticio), son las
monedas fiduciarias las que han perdido /poder adquisitivo/ y más que
todas, el dólar, al punto que desde 1971 el dólar ha perdido el 98% del
mismo. La /comparación entre el oro y el dólar es simplemente una entre
el dinero legal y el crédito fiduciario/, la única forma en que se
pueden determinar los valores relativos entre ellos. Los analistas de
mercado occidental siguen sin entender este punto, al creer que la
oferta de dinero subió y el precio del oro no. En realidad, es la moneda
la que ha perdido su /poder adquisitivo/, como se observa en el gráfico,
que no es una presentación técnica del movimiento del oro hacia arriba,
como sugiere el gráfico anterior, sino del dólar hacia abajo en su poder
adquisitivo.

<https://www.zerohedge.com/s3/files/inline-images/image_e171870357.png?itok=9JrVED4X>

Saxo Bank pronostica que el precio del oro alcanzará en 2023, los 3,000
dólares la onza. El Jefe de Estrategia de Materias Primas del banco, Ole
Hansen, estima que el oro podría llegar a superar los 3,000 dólares, lo
que indica que /el dólar manifestará claramente su pérdida de poder
adquisitivo/.

*El manejo militar*

Sabemos que el dólar, particularmente el petrodólar, está
respaldado-defendido por el /Pentágono/OTAN/ en “última instancia”.
Desarrollar un complejo industrial-militar /(economía-de-uso-militar)/ e
ir a la guerra requieren un significativo gasto improductivo y, a la
vez, constituye otra fuente importante de poder, particularmente lo fue
en el capitalismo de la pos segunda guerra mundial de 1944-50. Por otro
lado, EE UU no ha sido el país que más avanzó en la
economía-de-uso-civil desde la posguerra. En dicho período han sido
Alemania y Japón los principales “milagros” económicos. Al haber sido
los derrotados en la 2da Guerra Mundial 1933-1950, ambos países se han
visto bloqueados para poder desarrollar un complejo industrial y
militar. Y más recientemente -1997/2014- aparece China como el Gran
Taller del Mundo.

Ya vimos que EEUU estaba en la condición de poder crear dinero sin
respaldo, es decir endeudándose, entre otras cosas, para el desarrollo
de un complejo industrial y militar. Que a su vez sirva de
garantía/respaldo de la posición dominante del dólar, sobre todo del
petrodólar. Es preciso catalogar la producción de armas y el desarrollo
del complejo industrial y militar como un sector improductivo de la
economía como un todo. Porque en un ciclo económico, generalmente de un
año, se producen armas que luego se venden y aparecen como una actividad
productiva.

Si en el siguiente ciclo de producción, estos productos no aparecen como
medios de producción para ampliar la escala productiva de la economía
civil, ni como medios de consumo para la reproducción de la fuerza de
trabajo en la economía real, sino que su producto final se destina para
fines de guerra defensiva u ofensiva, limitaran la reproducción de la
economía en su conjunto. Lo cual se expresará en un crecimiento más
reducido e incluso, llegando a un extremo, en un crecimiento negativo.
Su desarrollo ampliado puede significar un gran complejo industrial y
militar garante de un gran poder, pero a la vez significa un freno para
la reproducción de la riqueza en la economía real civil, el sostén
necesario para mantener ese poder.

Sin embargo, con el monopolio sobre la moneda global, EE UU puede
importar todo lo que decida a crédito, es decir con bonos del Tesoro, de
países como China o Japón. Un bono del Tesoro es crédito, o sea, una
promesa de pago sin más garantía que “mantener la fe” en el sistema o el
miedo a alguna represalia del “sistema”. Es como imprimir dinero falso
en la economía, aumentando la masa de dinero frente a la riqueza real
existente. Lo que hace es generar inflación, es decir aumentando el
nivel de los precios. Entonces, la pregunta sería ¿hasta dónde y hasta
cuándo aceptarán las otras naciones promesas de pago sin garantía? ¿Cuán
insegura o riesgosa se está tornando la garantía?

Como consecuencia de los altos niveles continuos de déficit
presupuestario, EE UU ocupa cada vez más crédito para financiar su deuda
pública. Y no solo tiene déficits comerciales sino también déficits
presupuestarios. Para la sobrevivencia del (petro)dólar era esencial que
el petróleo siguiera bajo control de EEUU, es decir de la OTAN. A partir
de las invasiones a Irak (2003) y Libia (2011), y de las sanciones sobre
Venezuela (desde 2014), muchos países del Sur global temían eventuales
sanciones también. Luego, “aparece” Rusia con el proyecto de
desdolarizar el comercio del petróleo. Nace el OPEP+ Uno, es decir,
/OPEP+Rusia/ y acuerdan negociar el petróleo “/por fuera o sin la
necesidad”/ de la mediación del Dólar.

Al vender petróleo por fuera y sin necesidad de la mediación del dólar a
China, como principal consumidor de energía fósil, lo hacen en rublos o
yuanes pero no en dólares. Los países de la OPEP+Rusia están logrando,
de este modo, “romper” este monopolio del petrodólar. Teniendo Rusia un
complejo industrial y militar, de menor escala tal vez, pero superior
tecnológicamente al de la OTAN Global, es capaz de “defender” esta
desdolarización. Luego, se puede observar una clara disminución de la
necesidad de mantener dólares. El apetito extranjero por mantener los
bonos del Tesoro de EE UU viene a la baja.

El principal acreedor de EEUU es China, país que está deshaciéndose de
los bonos del Tesoro de EE UU y, a cambio, ha comprado oro. Esto permite
vislumbrar el fin de la era del petrodólar y con ello, todo el poder que
se deriva como ya observamos. Es preciso señalar que con la exportación
de capital productivo a países emergentes, la economía productiva sufre
en EEUU sufre una declinación y con ello también el complejo industrial
y militar. Al ver que está perdiendo la guerra en el campo económico,
EEUU y la OTAN recurren a la guerra en Ucrania desde el Maidán en 2014,
poniendo a los ucranianos, más el complejo mercenario de la guerra
global y a los comandantes de la OTAN a luchar contra Rusia. La
OTAN-Global /(EEUU + Aliados)/, están en Ucrania desde 2014, en guerra
contra Rusia como objetivo principal. El objetivo sería quebrar a Rusia
económicamente y destruir, a la vez, la economía civil de Alemania
cortando el abastecimiento de gas y petróleo desde Rusia a través del
NorthStream 1 y 2. Los Señores de Davos/OTAN, la Oligarquía Globalista
de Davos, bajo la bandera del Cambio Climático, quieren acabar con la
energía fósil para poder paralizar la economía real mundial y así poder
bloquear el avance del mundo multipolar desde el Sur global, integrando
incluso a parte de la Unión Europea –Alemania-Francia-Italia principalmente.

Rusia con su complejo industrial y militar es un actor sin mayor
desarrollo de su economía civil y, por lo tanto, “eliminable” según los
“ojos occidentales” al cortarle sus fuentes de ingreso por gas y
petróleo. Pero, al mismo tiempo, también logrando que Rusia entre en
guerra contra Ucrania “en apariencias” pero en esencia en conflicto y
guerra con la OTAN directamente desde 2014, presente bajo todos los
modos mercenarios con punto de apoyo principal en Polonia y la I3M, la
Iniciativa de los Tres Mares. Pero, lo que se logró instalar
globalmente, es que la amenaza principal para la Civilización Occidental
/–Davos/Otan-/ la constituye China, con una economía civil ya más fuerte
que EEUU, base esencial para el desarrollo de un complejo industrial y
militar potente, base que ha perdido EEUU al haber abandonado hasta
cierto punto la economía real y productiva.  El verdadero objetivo de la
guerra de la Davos/Otan en Ucrania, entonces sería “/ir por”/ China una
vez “eliminada” Rusia.

China, bajo el “manto” de la pandemia Covid-19, ha estado reorientando
su oferta ajustándola adecuadamente a su mercado interno y a la de los
países de la OPEP+. De modo que, China no solo compra por fuera del
dólar sino también que los exportadores de petróleo importan productos
chinos por fuera de dicha moneda. El petróleo que, por sanciones, no
puede exportar Rusia a la UE, lo exporta Rusia a China y a la India por
fuera del dólar y una vez refinado, China y la India lo exportan a la
UE. Del mismo modo sucede con el gas vía Turquía, mediante el gasoducto
TurkStream.

Rusia ha protegido al rublo de una guerra de divisas vinculándolo al
precio del petróleo que controla. A medida que Rusia compra oro con los
ingresos del petróleo en rublos o yuanes, crea una vinculación de facto
de estas monedas con el oro y el yuan. Nuestro punto es que la ´ley´
sigue a la práctica económica, es decir, si suficientes actores usan
rublos o yuanes, ésta acción se convierte en el estándar.

“Occidente” –EEUU y la UE- pierde peso como destino de los productos
originados en china. En 2022, Beijing ya comerciaba más con la ASEAN que
con Europa o Estados Unidos y, además, todo realizado por fuera del área
dólar. De esta manera se va creando un ambiente adecuado para una nueva
moneda de reserva. Pensar en una solo moneda de reserva, implicaría
cometer el mismo “error” que señala Triffin[4] <#_ftn4> y caer en la
misma cosmovisión o concepción del poder internacional que se cometió
con el dólar en 1971/73. Genera “exceso” de poder en un solo jugador.
Por ello, es preciso trabajar con un mayor número de monedas respaldadas
en oro y vinculadas entre sí con transparencia.

El Fondo Nacional de Riqueza (NWF) de Rusia redujo a principios de 2023
a cero sus posiciones en libras esterlinas y yenes japoneses. Los
dólares ya estaban en cero antes. El ministro de Finanzas asignó en
cambio hasta el 60 % de sus participaciones en yuanes chinos y hasta el
40 % de sus participaciones en lingotes de oro. Rusia en otras palabras
está ganando la guerra económica, lo que “tiene muy nervioso” a
Occidente –Davos- ya que tampoco ven una “salida favorable a Davos-Otan”
en Ucrania, donde el número de muertos diarios de las tropas
profesionales ucranias alcanza cifras de tres dígitos. La capacidad de
reemplazo de sus efectivos está agotándose. La desesperación en
Occidente /–Davos-/ es grande, al ver que pierden la batalla en lo
económico y también en el terreno militar. Ganas no les falte a los
halcones de iniciar un ´First Nuclear Strike´ que significaría el inicio
de la guerra mundial, lo que no es muy probable pero tampoco
descartable. Occidente –Davos/OTAN- está consciente que el poder nuclear
de Rusia supera en eficiencia al de Occidente/Otan.

Con ello se caen los dos pilares de su poder: el Dólar y la OTAN. La
OPEP+ ya se había desplazado quitando su respaldo al Occidente
Globalista. En medio de la guerra de la OTAN contra Rusia (+OCS), el
dólar está por perder el estatus de moneda de reserva dominante y
hegemónica también. Esto implicaría una caída enorme del poder
adquisitivo de la moneda y del pueblo norteamericano. Lo anterior
también se aplica, aunque de manera menos trágica, con las otras monedas
fiduciarias como el Euro, Yen y Libra esterlina. Todas sufrirán una
depreciación fuerte y con ello su poder adquisitivo.

Donde aumentaría el poder adquisitivo es en el Sur Global, al integrarse
de manera productiva y con el uso de sus propias monedas ancladas en
materias primas, las cuales van en alza. La demanda del */Sur Global/*
es otra que la del /Occidente Unipolar o Norte Global/, lo que significa
una reestructuración de la oferta china y con ello de su aparato
productivo. China, bajo el manto de la pandemia covid-19, introdujo
bloqueos económicos para restructurar su oferta y demanda de productos.
China exportará no solo bienes de consumo al Sur global sino también
bienes de producción.

Esta política no solo abarca los BRICS+ sino también continentes casi
enteros como África (véase el mapa abajo) y Latinoamérica-y-Caribe
(CELAC). África del Sur pronto dirigirá el BRICS ampliado y una moneda
africana está ya en agenda. Con una moneda anclada en sus materias
primas y en el oro, su capacidad adquisitiva aumentará. Igualmente, en
Latinoamérica-y-Caribe se está dando una integración monetaria, al ver
que Brasil y Argentina se han puesto de acuerdo para crear una moneda
conjunta /–de compensación de intercambios primero-/ sin duda también
anclada en las materias primas y el oro.

Ahora bien, pronto muchas monedas de reserva no solo podrían estar en
competencia entre sí, sino también eliminaran la desigualdad y eventual
subordinación de unas a otras. Una moneda conjunta basada en una canasta
de monedas sería un buen paso a dar. Un paso aún mejor sería poder
lograr un blockchain propio (una estructura o conjunto de tecnologías
que permiten llevar un registro seguro, descentralizado, sincronizado y
distribuido de las operaciones digitales, sin necesidad de la
intermediación de terceros), que no solo permita poder mapear la demanda
de los pueblos sino también ajustar la oferta mundial /(no sólo en lo
cuantitativo sino principalmente en lo cualitativo)/ a ello y, de este
modo, abandonar el comercio monetizado. Todo cual, para que cada
/pueblo-nación/ tenga el poder de llegar intercambiar valores de uso
según su necesidad y que pueda cada /pueblo-nación/ producir según su
capacidad. Solo así nos acercaremos a la transparencia necesaria.>>>

<https://www.statista.com/chart/26668/main-import-countries-sources-africa/>

------------------------------------------------------------------------

*NOTAS*

[1] <#_ftnref1> Wim Dierckxsens 1998, /Los límites de un capitalismo sin
ciudadanía, /Editorial DEI, San José; Wim Dierckxsens 2003, /El ocaso
del capitalismo y la utopía reencontrada/, Ed. Desde Abajo, Colombia;
Wim Dierckxsens et al, /The transition toward a post-capitalist economic
rationality, /en Rémy Herrera Editor 2021, /Imperialism and transition
to socialism, /Research in Political Economy volume 36, Emerald Publishing

[2] <#_ftnref2> Clase Rentista Neo-feudal Global, para una aproximación
ver:
https://ciepe.com.ar/el-neofeudalismo-financiero-global-se-empantana-en-ucrania-y-en-estados-unidos/

[3] <#_ftnref3> Tener presente que los grupos económico-financieros
dominantes en EEUU en 1971-73, también estaban diversificados y
controlaban la Europa Occidental desde la Alemania occidental y la
región del Asia-pacifico desde el control que tenían de Japón, luego de
rendirlo con dos bombas nucleares. Por ello esta fracción de la
oligarquía estadounidense se la llamo Tricontinentalista.

[4] <#_ftnref4> Qué es el dilema de Triffin y cómo afecta al dólar,
https://www.bbc.com/mundo/noticias-56664488

Em
OBSERVATORIO DE LA CRISIS
https://observatoriocrisis.com/2023/02/21/el-sur-global-por-un-nuevo-sistema-monetario/
21/2/2023