sábado, 11 de janeiro de 2014

Demagogos e Revoltas de Massas contra a Democracia



James Petras

Nos dias de hoje as “revoltas de massas“ contra a democracia tornaram-se um
procedimento operacional habitual para os governantes da Europa Ocidental e EUA,
que procuram contornar os procedimentos democráticos e estabelecer clientes
pró-imperialistas.

Na Roma antiga, especialmente no fim da República, oligarcas recorreram à
violência das multidões para impedir, intimidar, assassinar ou tirar do poder a
facção dominante do Senado. Ainda que nem a facção dominante nem a oposição
representassem os interesses da plebe, dos trabalhadores assalariados, pequenos
agricultores ou escravos, o uso das “multidões” contra o Senado eleito, o
princípio do governo representativo e o governo da República, estabeleceram a
base para a ascensão dos autoritários “Césares“ (líderes militares) e a
transformação da República Romana num estado imperialista. Demagogos, a soldo de
pretendentes a imperadores, acicataram os ânimos de uma turba diversificada de
entre a população mais desfavorecida e descontente, vadios e ladrões (latrones),
com promessas, dinheiro e garantia de posições numa nova ordem. Amotinadores
profissionais cultivavam laços com os oligarcas “acima” deles e com os
manifestantes “abaixo”. Deram voz às “queixas da população” e articularam
protestos questionando a legitimidade dos governantes em exercício, enquanto
preparavam o terreno para o governo de uma minoria. Normalmente, quando os
oligarcas que pagavam chegavam ao poder numa toada de violência popular
manipulada, rapidamente suprimiam as manifestações, pagavam aos demagogos pela
via do clientelismo no novo regime ou recorriam discretamente a assassinatos no
caso dos “líderes de rua” que se recusassem a reconhecer a nova ordem. Os novos
governantes mandavam os velhos senadores para o exílio, expulsavam-nos e
tiravam-lhes as suas posses, manipulavam novas eleições e autoproclamavam-se
“salvadores da República”. Tiravam os camponeses das suas terras, renunciavam ao
cumprimento de obrigações sociais e não pagavam subsídios alimentares às
famílias urbanas pobres nem fundos para obras públicas. O uso da violência das
multidões e dos “protestos de massas” desempenhava muitos papéis: (1) servia
para destabilizar um regime eleitoral; (2) fornecia uma plataforma para os
oligarcas que os financiavam deporem um regime incumbente; (3) iludia o facto de
que a oposição oligarca perdera eleições democráticas; (4) dava à minoria
política uma “aparência de legitimidade”, quando ela era incapaz de actuar num
quadro constitucional e (5) permitia a tomada ilegítima do poder em nome duma
pseudo-maioria, nomeadamente as “multidões na praça central”.Alguns comentadores
de esquerda apresentam dois argumentos contraditórios: por um lado, alguns
simplesmente reduzem o ataque ao poder, por parte da oligarquia, a uma “luta
entre elites” que nada tem que ver com os “interesses da classe trabalhadora”,
enquanto outros mantêm que as “massas” nas ruas protestam contra um “regime
elitista”. Alguns argumentam mesmo que, com exigências populares e democráticas,
estas revoltas são progressistas e deveriam ser apoiadas como um “terreno para a
luta de classes”. Por outras palavras, a “esquerda” deveria juntar-se às
revoltas e contestar a liderança dos oligarcas nas revoltas encenadas!O que
estes progressistas não querem reconhecer é que os oligarcas que manipulam estas
revoltas de massas são líderes autoritários que rejeitam completamente os
processos democráticos e eleitorais. O seu objectivo é estabelecer uma “junta”
que elimine todas as instituições democráticas políticas e sociais e imponha
políticas e instituições mais repressivas e reaccionárias do que as que
substituem. Algumas pessoas de esquerda apoiam as “massas revoltosas” apenas
devido à sua “militância”, número, e a coragem de vir para a rua, sem verem quem
são os seus líderes, os seus interesses e ligações à elite que beneficia de uma
“mudança de regime”. Todas as designadas “revoltas de massas” na Europa de Leste
e na antiga União Soviética tiveram os seus líderes populares que exortaram as
massas em nome da “independência e democracia” mas eram pró-NATO,
pró-imperialismo ocidental e ligadas às elites neoliberais. Quando o comunismo
caiu, os novos oligarcas privatizaram e venderam os sectores mais lucrativos da
economia deixando milhões sem trabalho, desmantelaram o estado-providência e
entregaram as suas bases militares à NATO para o estabelecimento de tropas
estrangeiras e mísseis apontados à Rússia. Toda a esquerda “anti-stalinista” nos
EUA e na Europa Ocidental, com algumas notáveis excepções, comemorou estas
revoltas controladas por oligarcas na Europa de Leste e alguns participaram
mesmo, depois das revoltas, nos regimes neoliberais. Uma razão clara para a
queda do “Marxismo Ocidental” proveio da sua incapacidade de distinguir uma
revolta democrática popular genuína de uma sublevação de massas financiada e
manipulada por oligarcas rivais!Um dos mais claros e recentes exemplos de uma
revolução manipulada de “poder popular” nas ruas para substituir um
representante eleito de um sector da elite por um “presidente” ainda mais brutal
e autoritário, ocorreu em 2001 nas Filipinas. O Presidente Joseph Estrada, mais
popular e independente (mas claramente corrupto), que desafiara sectores da
elite Filipina e da actual política externa dos EUA (enfurecendo Washington ao
aliar-se ao venezuelano Hugo Chavez) foi substituído, através de manifestações
nas ruas de mulheres da classe média com soldados à paisana junto a Gloria
Makapagal-Arroyo. A Senhora Makapagal-Arroyo, que tinha ligações estreitas aos
EUA e ao exército filipino, desencadeou uma terrível onda de brutalidade
denominada “democracia dos esquadrões da morte”. O derrube de Estrada foi
activamente apoiado pela esquerda, incluindo sectores da esquerda
revolucionária, que rapidamente se tornaram alvo de uma campanha de assassinatos
sem precedentes, desaparecimentos, tortura e prisão, por parte da
recém-empossada “Senhora Presidente”. Revoltas de massas contra a democracia, no
passado e no presente: Guatemala, Irão e ChileA utilização de multidões e
sublevações de massas por oligarcas e imperialistas tem uma longa e notável
história. Três dos mais sangrentos casos, que marcaram durante décadas as suas
sociedades, aconteceram na Guatemala em 1954, no Irão em 1953 e no Chile em
1973. Jacobo Árbenz, democraticamente eleito, foi o primeiro presidente da
Guatemala a iniciar a Reforma Agrária e a legalizar os sindicatos, em especial
entre os camponeses sem terra. As reformas de Árbenz incluíram a expropriação de
terras em pousio sem utilização, que pertenciam à United Fruit Company, um
enorme conglomerado norte-americano do sector agrícola. A CIA usou as suas
ligações aos oligarcas locais e generais e coronéis da direita para instigar e
financiar protestos de massas contra uma suposta “tomada do poder pelos
comunistas” na Guatemala sob o governo do Presidente Árbenz. O exército usou a
violência manipulada das multidões e a “ameaça” da Guatemala poder tornar-se um
“satélite soviético” para encenar um golpe sangrento. Os líderes do golpe
receberam apoios aéreos da CIA, dizimaram milhares de apoiantes de Árbenz e
transformaram o interior em “campos de morte”. Nos 50 anos seguintes, partidos
políticos, sindicatos e organizações de camponeses foram banidos, cerca de 200
000 guatemaltecos foram assassinados e milhões foram deslocados. Em 1952,
Mohammed Mossadegh foi eleito presidente do Irão numa plataforma nacionalista
moderada, depois do derrube do brutal monarca. Mossadegh anunciou a
nacionalização da indústria petrolífera. A CIA, com a colaboração dos oligarcas
locais, dos monárquicos e demagogos, organizou gangues “anticomunistas” de rua
que encenaram manifestações violentas para servir de pretexto a um golpe
monárquico-militar. Os generais iranianos controlados pela CIA trouxeram o Xá
Reza Pahlavi da Suíça e, nos 26 anos seguintes, o Irão foi uma ditadura
monárquico-militar, cuja população foi aterrorizada pela Savak, a polícia
secreta assassina. As companhias petrolíferas dos EUA receberam as maiores
concessões de petróleo; o Xá juntou-se a Israel e aos EUA numa nefasta aliança
contra os dissidentes nacionalistas progressistas e trabalhou com eles lado a
lado para minar estados árabes independentes. Dezenas de milhares de iranianos
foram mortos, torturados e exilados. Em 1979, uma revolta popular de massas
dirigida por movimentos islâmicos, partidos nacionalistas e socialistas e
sindicatos acabou com a ditadura do Xá e da Savak. Os islamitas instalaram um
regime radical nacionalista clerical, que se mantém no poder até hoje, apesar de
décadas de campanhas de desestabilização financiadas pelos EUA-CIA, que
financiaram grupos terroristas e movimentos liberais dissidentes. O Chile é o
caso mais conhecido de violência de multidões financiada pela CIA que conduziu a
um golpe militar. Em 1970, o Dr. Salvador Allende, socialista democrata, foi
eleito presidente do Chile. Apesar dos esforços da CIA para comprar votos para
bloquear a aprovação do Congresso dos resultados eleitorais, da sua manipulação
de manifestações violentas e duma campanha de assassinato para precipitar um
golpe militar, Allende assumiu funções. Durante o mandato de Allende como
presidente, a CIA financiou diversas “acções directas”, desde pagar a líderes
corruptos de um sindicato de mineiros para encenarem greves, e a associações de
camionistas para recusar transportar bens para as cidades, até à manipulação de
grupos terroristas como o Patria y Libertad nas suas campanhas de assassinatos.
O programa de desestabilização da CIA foi especificamente designado para
provocar instabilidade económica, através de escassez artificial e racionamento,
de modo a incitar o descontentamento da classe média. Isto tornou-se óbvio
quando se viram manifestações de donas de casa batendo tachos e panelas. A CIA
procurou incitar um golpe militar através do caos económico. Milhares de
proprietários de camiões foram pagos para não guiar os seus camiões levando a
escassez de bens nas cidades, enquanto terroristas da direita rebentavam com
centrais, deixando bairros na escuridão e comerciantes que recusavam juntar-se à
“greve” contra Allende viam as suas lojas vandalizadas. A 11 de Setembro de
1973, aos cânticos de “Jacarta” (celebrando um golpe da CIA na Indonésia), uma
junta de generais chilenos apoiados pelos EUA tirou o poder a um governo eleito.
Dezenas de milhares de activistas e apoiantes do governo foram presos, mortos,
torturados e forçados ao exílio. A ditadura desnacionalizou e privatizou o
sector mineiro, a banca e indústria transformadora, seguindo os ditames do
mercado livre dos economistas treinados por Milton Friedman (os Chicago Boys). A
ditadura pôs fim a 40 anos de bem-estar, reformas na legislação laboral e
agrária, que haviam tornado o Chile o país mais avançado socialmente na América
Latina. Com os generais no poder, o Chile tornou-se o “modelo neoliberal” para a
América Latina. A violência dos gangues e a chamada “revolta da classe média”
levou à consolidação do poder oligárquico e imperialista e a um reinado de 17
anos de terror sob a ditadura do General Augusto Pinochet. Toda a sociedade foi
brutalizada e, com o regresso da política eleitoral, mesmo os antigos partidos
“de esquerda” conservaram as políticas económicas neoliberais da ditadura, a sua
constituição autoritária e o alto comando militar. A “revolta da classe média”
no Chile resultou na maior concentração de riqueza nas mãos dos oligarcas na
América Latina até hoje! O uso e o abuso das “revoltas de massas” hoje: Egipto,
Ucrânia, Venezuela, Tailândia e Argentina Em anos recentes, as “revoltas de
massas” tornaram-se o instrumento de escolha quando oligarcas, generais e outros
imperialistas procuram “mudanças de regime”. Alistando uma série de
nacionalistas demagogos e líderes de ONG financiados por imperialistas, criaram
as condições para o derrube de governos democraticamente eleitos e encenaram o
estabelecimento dos seus próprios regimes de “mercado livre”, com credenciais
“democráticas” duvidosas. Nem todos os regimes eleitos sob cerco são
progressistas. Muitas “democracias”, como a Ucrânia, são governados por um
conjunto de oligarcas. Na Ucrânia, a elite que apoia o Presidente Viktor
Yanukovich, decidiu que entrar numa relação de estado-cliente com a União
Europeia não era do seu interesse e procurou diversificar os seus parceiros
internacionais de negócio, mantendo ao mesmo tempo relações lucrativas com a
Rússia. Os seus opositores, que estão actualmente por detrás das manifestações
em Kiev, defendem uma relação de estado-cliente com a UE, o estabelecimento de
tropas da NATO e o corte de relações com a Rússia. Na Tailândia, o
Primeiro-ministro democraticamente eleito Yingluck Shinawatra representa uma
secção da elite económica com ligações e apoio nas zonas rurais, especialmente
no Noroeste, bem como extensas relações comerciais com a China. Os opositores
estão sedeados na cidade, mais próximos dos militares-monarquistas e são a favor
de uma agenda neoliberal pura, ligada aos EUA, contra a agenda rural
patronal-popular da Senhora Shinawatra. O Governo egípcio de Mohamed Morsi,
democraticamente eleito, levou a cabo uma política islamita moderada, com
algumas restrições no exército e afastamento em relação a Israel e apoio aos
palestinianos em Gaza. Nos termos do FMI, Morsi procurou um compromisso. O
regime de Morsi avançava quando foi derrubado: nem islamita nem secular, não
favorecendo os trabalhadores mas também não favorecendo o exército. Apesar de
todos os seus diferentes grupos de pressão e contradições, o regime de Morsi
permitiu greves laborais, manifestações, partidos de oposição, liberdade de
imprensa e reunião. Todas estas liberdades democráticas desapareceram depois de
vagas de “revoltas de massas nas ruas”, coreografadas pelos militares, terem
criado condições para os generais tomarem o poder e estabelecerem a sua brutal
ditadura, prendendo e torturando dezenas de milhares e ilegalizando todos os
partidos da oposição. Manifestações de massas e acções directas lideradas por
demagogos têm também como alvo governos progressistas democraticamente eleitos,
como a Venezuela e a Argentina, a juntar às acções contra democracias
conservadoras, como as acima citadas. A Venezuela, sob o governo dos presidentes
Hugo Chavez e Vicente Maduro, prossegue um programa anti-imperialista e
pró-socialista. Às “revoltas de gangues” juntam-se vagas de assassinatos,
sabotagem de serviços públicos, escassez artificial de bens essenciais,
difamação mediática e campanhas eleitorais da oposição com financiamento
externo. Em 2002, Washington aliou-se com os seus colaboradores políticos,
oligarcas estabelecidos em Miami e Caracas e gangues locais armados, para montar
um “movimento de protesto” como pretexto para um golpe planeado pelos militares
e empresários. Os generais e os membros da elite tomaram o poder e depuseram e
prenderam o Presidente Chavez, democraticamente eleito. Todos os caminhos da
expressão e da representação democrática foram fechados e a constituição foi
anulada. Em resposta ao rapto do “seu presidente”, mais de um milhão de
venezuelanos mobilizou-se espontaneamente e marchou até ao Palácio Presidencial
para exigir a restauração da democracia e o regresso de Hugo Chavez à
presidência. Apoiados pelos largos sectores pró-democracia e pró-Constituição
das forças armadas da Venezuela, os protestos de massas levaram à derrota do
golpe e ao regresso de Chavez e da democracia. Todos os governos democráticos
que enfrentam revoltas de grupos financiados pelo imperialismo e pelos oligarcas
deveriam estudar o exemplo da Venezuela, que infligiu uma derrota aos generais e
oligarcas dos EUA. A melhor defesa para a democracia encontra-se na organização,
mobilização e educação política da maioria eleitoral. Não chega participar em
eleições livres; uma maioria educada e politizada deve também saber como
defender a sua democracia nas ruas tanto como nas urnas. As lições do golpe
falhado de 2002 foram muito lentamente apreendidas pela oligarquia venezuelana e
pelos seus patrões dos EUA, que continuaram a desestabilizar a economia numa
tentativa de ameaçar a democracia e tomar o poder. Entre Dezembro de 2002 e
Fevereiro de 2003, quadros superiores do petróleo corruptos da nominalmente
pública companhia de petróleo PDVSA (Petróleos da Venezuela) organizaram um
bloqueio “de patrões” parando a produção, exportação e distribuição local de
petróleo e produtos refinados do petróleo. Sindicalistas corruptos, ligados ao
National Endowment for Democracy, dos EUA, mobilizaram os trabalhadores do
petróleo e outros funcionários no apoio ao bloqueio, na sua tentativa de
paralisar a economia. O governo respondeu mobilizando os outros trabalhadores do
petróleo que, com uma minoria significativa de quadros intermédios, engenheiros
e técnicos especializados, apelaram à classe trabalhadora venezuelana para tomar
os campos de petróleo e instalações dos “patrões”. Para contrariar a grande
escassez de gasolina, o Presidente Chavez assegurou o fornecimento por parte de
países vizinhos e aliados no exterior. O bloqueio foi vencido. Vários milhares
de apoiantes do golpe foram despedidos e substituídos por gerentes e
trabalhadores democratas. Não tendo conseguido derrubar o governo democrático
por via das “revoltas de massas”, os oligarcas voltaram-se para um plebiscito ao
governo de Chavez e, mais tarde, apelaram a um boicote eleitoral à escala
nacional, ambas iniciativas derrotadas. Estas derrotas fortaleceram as
instituições democráticas da Venezuela e diminuíram a presença de legisladores
da oposição no Congresso. Os falhanços repetidos da elite para tomar o poder
levaram a uma nova estratégia em múltiplas vertentes, utilizando: (1) ONG’s
financiadas pelos EUA para explorar reivindicações locais e mobilizar residentes
em torno de problemas da comunidade; (2) arregimentar ladrões para sabotar
serviços, particularmente fornecedores de energia, assassinar camponeses que
receberam títulos de propriedade na sequência da reforma agrária, bem como altos
responsáveis e activistas; (3) grandes marchas de campanha eleitoral e (4)
desestabilização económica por via da especulação financeira, transacções
cambiais ilegais com o estrangeiro, especulação e açambarcamento de bens de
primeira necessidade. O objectivo destas medidas é incitar o descontentamento
das massas, usando o controlo dos media para preparar outro assalto ao poder
financiado pelos EUA. Violentos protestos de rua por estudantes da classe média
da Central University, de elite, foram organizados por demagogos financiados por
oligarcas. As “manifestações“ incluíram sectores da classe média e habitantes
pobres das cidades descontentes pelas situações de escassez artificial e cortes
de energia. As causas do descontentamento popular foram rápida e eficazmente
respondidas no topo por enérgicas medidas governamentais: os comerciantes
envolvidos em acções de açambarcamento e especulação foram presos; os preços dos
bens essenciais foram reduzidos; os bens açambarcados foram apreendidos dos
armazéns e distribuídos pelos pobres; a importação de bens essenciais foi
aumentada e os sabotadores foram perseguidos. A intervenção eficaz do Governo
teve eco junto da massa da classe trabalhadora, a classe média baixa e os
habitantes pobres do campo e da cidade e restabeleceu o seu apoio. Os apoiantes
do Governo saíram para a rua e fizeram fila nas urnas para derrotar a campanha
de desestabilização. O governo ganhou claramente as eleições, o que lhe permitiu
agir decisivamente contra os oligarcas e quem os apoiava, em Washington.
A experiência venezuelana mostra como uma enérgica resposta do governo pode
restabelecer o apoio e aprofundar mudanças sociais progressistas para a maioria.
Isto acontece porque a intervenção progressista em força, por parte do governo,
contra os oligarcas antidemocratas, combinada com a organização, educação
política e mobilização da maioria dos votantes, pode derrotar decisivamente
estas revoltas de massas encenadas. A Argentina é um exemplo de um regime
democrático enfraquecido que tenta agradar simultaneamente a oligarcas e a
trabalhadores, às elites do sector agrícola e mineiro e círculos da classe média
dependentes das políticas sociais. O governo eleito de Kirchner-Fernandez
enfrentou “revoltas de massas” numa série de manifestações de rua instigadas por
exportadores por causa de impostos; a classe média-alta de Buenos Aires
revoltou-se por causa do “crime, desordem e insegurança”, houve uma greve dos
polícias à escala nacional “por causa dos salários”, polícias que “olharam para
o lado” enquanto grupos de “proletários”, na verdade ladrões de rua, pilharam e
destruíram lojas. Tudo somado, estas vagas de violência de gangues na Argentina
parecem ser parte de uma desestabilização politicamente dirigida pela Direita
autoritária que instigou ou, pelo menos, explorou estes acontecimentos. Para
além de chamarem os militares para restabelecer a ordem e cedendo às exigências
“salariais” da polícia em greve, o Governo de Fernandez não foi capaz ou não
quis mobilizar o eleitorado democrático em defesa da democracia. O regime
democrático permanece no poder, mas está cercado e vulnerável aos ataques dos
opositores domésticos e imperialistas. ConclusãoAs revoltas são espadas de dois
gumes: podem ser uma força positiva quando acontecem contra ditaduras militares
como as de Pinochet ou Mubarak, contra monarquias absolutas autoritárias como a
Arábia Saudita, um estado colonialista e racista como Israel, e ocupações
imperialistas como contra os EUA no Afeganistão. Mas têm que ser dirigidas e
controladas por líderes populares locais que procurem restaurar o governo da
maioria democrática. A História, desde a Antiguidade aos nossos dias, ensina-nos
que nem todas as “revoltas de massas” atingem, ou mesmo são motivadas, por
objectivos democráticos. Muitas serviram oligarcas que pretendiam derrubar
governos democráticos, líderes totalitários que procuravam estabelecer regimes
fascistas e pró-imperialistas, demagogos e autoritaristas que pretendiam
enfraquecer regimes democráticos enfraquecidos, e militaristas que pretendiam
começar guerras com ambições imperialistas. Hoje as “revoltas de massas“ contra
a democracia tornaram-se um procedimento operacional habitual para os
governantes da Europa Ocidental e EUA, que procuram contornar os procedimentos
democráticos e estabelecer clientes pró-imperialistas. A prática da democracia é
denigrida enquanto os gangues são louvados nos media imperialistas. É por isto
que os terroristas e mercenários islâmicos armados são chamados “rebeldes” na
Síria e as multidões nas ruas de Kiev (Ucrânia) que tentam pela força depor um
governo democraticamente eleito são rotulados “democratas pró-Ocidente”. A
ideologia que enforma as “revoltas de massas” varia desde “anticomunista” e
“antiautoritária” na Venezuela, até “pró-democracia” na Líbia (mesmo quando
bandos tribais e mercenários massacram comunidades inteiras), no Egipto e na
Ucrânia. Estrategas imperialistas sistematizaram, codificaram e tornaram
operacionais “revoltas de massas” a favor do poder dos oligarcas. Peritos
internacionais, consultores, demagogos e funcionários de ONG’s arranjaram
carreiras lucrativas à medida que viajam para “lugares estratégicos” e organizam
“revoltas de massas”, arrastando os países-alvo para uma colonização “mais
profunda” por via de uma “integração” europeia ou em torno dos EUA. A maioria
dos líderes locais e demagogos aceitam esta dupla agenda: “protestem hoje e
submetam-se a novos senhores amanhã”. As massas nas ruas são enganadas e depois
sacrificadas. Acreditam que chegará um ”novo dia” do consumismo ocidental,
empregos mais bem pagos e maior liberdade pessoal… apenas para serem enganados
quando os seus novos governantes enchem as prisões com opositores e muitos dos
antigos manifestantes, sobem os preços, cortam salários, privatizam as
companhias do estado, vendem as firmas mais lucrativas a estrangeiros e duplicam
a taxa de desemprego.
Quando os oligarcas “encenam” revoltas de massas e tomam conta do regime, os
grandes derrotados incluem o eleitorado democrático e muitos dos manifestantes.
Pessoas de esquerda e progressistas, no Ocidente ou no exílio, que haviam
apoiado as “revoltas de massas” sem pensar, irão publicar os seus ensaios
académicos sobre “a revolução (sic) traída”, sem admitirem a sua própria traição
de princípios democráticos.
Se e quando a Ucrânia entrar na União Europeia, os exuberantes manifestantes de
rua irão juntar-se a milhões de desempregados na Grécia, em Portugal e na
Espanha, bem como a milhões de pensionistas brutalizados por “programas de
austeridade” impostos pelos seus novos governantes, a “Troika” em Bruxelas. Se
estes, que antes se manifestavam, tomarem mais uma vez as ruas, em revolta
contra a “traição” dos seus líderes, poderão disfrutar da vitória, sob os
bastões da “polícia treinada pela NATO e União Europeia”, enquanto os media
ocidentais se terão deslocado para outro sítio em apoio à “democracia”.

*James
Petras, antigo professor de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova
Iorque, participa há 50 anos na luta de classes, é consultor dos sem-terra e dos
desempregados no Brasil e na Argentina e é co-autor de Globalization Unmasked [A
Globalização Desmascarada] (Zed Books). A obra mais recente de Petras é The Arab
Revolt and the Imperialist Counterattack [A Revolta Árabe e o Contra-ataque
Imperialista]. Pode ser contactado em jpetras@binghamton.edu. Tradução de André
Rodrigues P. Silva

In
ODiário.info
http://www.odiario.info/?p=3143
10/1/2014

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