quarta-feira, 1 de abril de 2015

O conceito de imperialismo





por Prabhat Patnaik [*]

Há uma visão, mesmo em círculos de esquerda nos países capitalistas
avançados, de que o imperialismo como categoria conceptual perdeu sua
relevância na era da globalização. Por um lado, as grandes burguesias em
países do terceiro mundo como a Índia, estão tão profundamente integradas
no projecto da "globalização" que suas contradições com o capital
metropolitano estão muito mais atenuadas hoje do que anteriormente. No
período imediatamente após a descolonização, por exemplo, burguesias do
terceiro mundo isolaram o mercado nacional através de barreiras
proteccionistas contra mercadorias metropolitanas e protegeram suas
economias dos fluxos financeiros internacionais. Mas hoje elas prosseguem
com satisfação políticas neoliberais. Por outro lado, os trabalhadores nos
países capitalistas avançados são agora empurrados para a mesma triste
situação dos trabalhadores nos países do terceiro mundo, onde aumentos na
produtividade do trabalho não são correspondidos por quaisquer aumentos em
salários reais, o que não era o caso anteriormente. Joseph Stiglitz por
exemplo estima que hoje a taxa de salário real do trabalhador americano
médio (homem) não é mais alta do que era em 1968 e possivelmente é um
pouco mais baixa.

Em consequência, a divisão do mundo em dois segmentos geográficos
diferentes, um dos quais domina o outro, frustrando mesmo as ambições da
burguesia deste último, e cuja população trabalhadora também experimenta
melhoria de padrões de vida em contraste com a do outro, não mais se
sustém. Uma vez que, de acordo com esta visão, uma tal divisão é
característica do fenómeno do imperialismo, o seu desaparecimento torna o
próprio conceito obsoleto.

Há naturalmente muita diversidade teórica entre aqueles que questionam o
pleno significado do conceito de imperialismo. Enquanto alguns confinariam
o termo imperialismo apenas à fase da pré descolonização, quando esta
divisão do mundo em dois segmentos diferentes e desiguais, com um a
dominar o outro, era palpável, outros aceitariam sua relevância mesmo na
fase da pós descolonização, isto é, mesmo na fase do dirigismo do terceiro
mundo. Na verdade, o controle político chegara a um fim com a
descolonização, mas eles reconheceriam nas tentativas da principal
potência capitalista da época, os Estados Unidos, de "reverter" o
dirigismo do terceiro mundo (adoptando o termo utilizado por John Foster
Dulles num contexto diferente mas semelhante) e recusar tentativas do
terceiro mundo de ganhar controle sobre seus mercados e recursos naturais,
um claro projecto imperialista.

Toda a série de tentativas de derrubar governos progressistas do terceiro
mundo que chegaram ao poder no período da descolonização, desde Cheddi
Jagan da Guiana a Mossadegh do Irão, de Arbens na Guatemala e Sukarno da
Indonésia e a Allende do Chile, sem mencionar as horrendas guerras
impostas a países como a Coreia e o Vietname que estavam a iniciar-se num
trajectória socialista de desenvolvimento, testemunharia para eles a
realidade do imperialismo.

Mas agora, argumentariam, o mundo tornou-se totalmente diferente. Não há
dúvida de que ainda há guerras horrendas, as quais foram impostas no
período mais recente a um certo número de países pela principal potência
capitalista, os Estados Unidos, dentre as quais as guerras no Afeganistão
e no Iraque são exemplos óbvios; mas estas diferem das guerras anteriores
uma vez que foram travadas contra forças fundamentalistas ou contra
regimes ditatoriais, em grande media por razões políticas que supostamente
não estão directamente relacionadas com cálculos económicos; e tais guerra
muitas vezes obtiveram algum apoio local do povo pertencente aos próprios
teatros da guerra.

E como regimes económicos em grande parte do terceiro mundo que estão a
seguir políticas neoliberais estão a assim fazer não como "fantoches do
imperialismo", e sim habitualmente sob a égide de governos eleitos pelo
voto popular, e conseguiram mesmo em muitos casos taxas de crescimento
substanciais, ultrapassando mesmo as dos próprios países capitalistas
principais, ligar tais regimes e suas políticas a "imperialismo" é
claramente injustificável. A época actual, por outras palavras, em
contraste não só com a do período colonial mas mesmo com a do período
dirigista pós colonial, não pode ser considerada como estando a cair
dentro da era do imperialismo.

PERCEPÇÃO ERRADA

O problema básico com toda esta argumentação, contudo, é que a sua
percepção de imperialismo está errada. O termo "imperialismo" não está
ligado nem ao comportamento da burguesia do terceiro mundo nem à condição
da classe trabalhadora nas metrópoles. De facto, na década de 1920 havia
uma visão avançada por muitos teóricos importantes da Internacional
Comunista de que o imperialismo começava a "acomodar" a burguesia do
terceiro mundo. Esta visão foi chamada a tese da "descolonização", a qual
naturalmente não significava o fim do colonialismo ou do imperialismo, mas
apenas uma mudança na posição da burguesia terceiro-mundista em relação ao
imperialismo. O ponto a destacar aqui não é se a tese da "descolonização"
era ou não válida; o ponto é simplesmente que uma mudança na posição da
burguesia não implica, e nunca se pensou que implicasse, num fim do
imperialismo.

Além disso, a ideia de que o imperialismo está associado a fortunas
divergentes das classes trabalhadoras nas metrópoles e na periferia não
constitui uma característica definidora do imperialismo. Esta percepção é
mantida pelos teóricos da "troca desigual", mas não por Lenine que via
apenas um fino estrato de "aristocracia do trabalho" a beneficiar-se do
imperialismo mas não a classe trabalhadora da metrópole como um todo.
Portanto, num sentido essencial, o conceito de imperialismo nunca foi
associado nem com quaisquer divergências nas fortunas da classe
trabalhadora nem com qualquer "exclusão" das burguesias do terceiro mundo.
O argumento de que a estagnação dos salários reais no primeiro mundo ou a
integração da burguesia do terceiro mundo no corpo do capital financeiro
internacional nega o conceito de imperialismo, é portanto destituído de
base.

Dito de modo diferente, imperialismo implica a opressão, a opressão
necessária, dos povos do terceiro mundo, das massas trabalhadoras, através
da operação do capitalismo metropolitano. Como as burguesias do terceiro
mundo se saem no processo, e como as fortunas dos trabalhadores do
primeiro mundo se alteram sob o imperialismo, não são pertinentes para a
definição de imperialismo.

Esta opressão dos trabalhadores do terceiro mundo pelo capital
metropolitano não é alguma conspiração clandestina; é uma parte do
próprio modus operandi do capitalismo. É errado portanto identificar
imperialismo só com casos em que são engendrados golpes militares, ou em
que é executadas intervenção militar por países capitalistas avançados ou
pelo seu líder, os EUA. O imperialismo, muito embora possa, em certas
ocasiões, dar origem a tais intervenções, ou à "diplomacia da canhoneira",
não é idêntico à "diplomacia da canhoneira". Assim, o facto de nenhuns
coup d'etats à ordem de algumas corporações multinacionais como a Union
Minière (que era activa no Congo) ou a United Fruit Company (que era
activa na Guatemal) ou a ITT (que era activa no Chile) possam ser citados
em tempos mais recentes a acompanhar as acções destrutivas de tais
corporações nos anos 50 e 60, não é um argumento contra o conceito de
imperialismo. Imperialismo não é alguma ânsia por encenar golpes; é o
próprio modo de existência do capitalismo.

CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

No contexto contemporâneo ele abrange todo o conjunto de disposições que
asseguram a operação desembaraçada e incontestada do capital financeiro
internacional. Tal operação, é óbvio, inclui entre outras coisas a
apropriação dos recursos de todo o mundo pelo capital financeiro
internacional, mas também significa muito mais do que isto. Mesmo se o
capital internacional controlasse todos os minerais e os outros recursos
naturais do mundo, se houvesse um aumento substancial do poder de compra
do povo trabalhador, especialmente no terceiro mundo, então suas procuras
sobre estes recursos aumentariam, resultando numa ascensão nos preços de
tais recursos. Uma tal ascensão de preços, entretanto, poria em risco o
sistema financeiro do mundo capitalista.

Portanto não basta que recursos estejam nas mãos do capital
internacional; além disso deve verificar-se que os povos trabalhadores
dos países do terceiro mundo sejam impedidos de fazerem quaisquer
reivindicações sobre eles. Isto é assegurado pelo neoliberalismo através
da precipitação de desemprego e de cortes de salários reais entre os
trabalhadores do terceiro mundo, o que força cortes no rendimento real dos
camponeses e micro produtores do terceiro mundo. Dessa forma impõe-se o
conservadorismo orçamental e a "austeridade" a nações-Estado de modo a que
elas não estejam em posição de fazer "transferência de pagamentos" a favor
da população trabalhadora, mas ao contrário devem provocar um aumento nos
preços de um conjunto de serviços essenciais incluindo saúde e educação.

Intrínseco portanto ao neoliberalismo, o qual é uma característica chave
do imperialismo contemporâneo, está um empobrecimento do povo trabalhador
do terceiro mundo. É irónico ouvir em debates públicos na Índia a
afirmação de que a busca do neoliberalismo, ao provocar uma aceleração na
taxa de crescimento da economia, ajudará no alívio da pobreza: o
neoliberalismo é suas políticas associadas são um instrumento nas mãos do
capital financeiro internacional para manter baixos os rendimentos e o
poder de compra do povo trabalhador. A "austeridade", como observou Noam
Chomsky, é uma guerra de classe sem peias. Esperar que o neoliberalismo
melhore as condições do povo trabalhador quando o seu objectivo é fazer
exactamente o oposto é extraordinariamente ingénuo.

A ira do imperialismo contra os regimes dirigistas pós descolonização é
explicável não apenas pelo facto de que eles estavam a tentar assegurar
controle "nacional" sobre seus minérios e outros recursos, mas também
porque, dadas as suas origens na luta anti-colonial e os compromissos
assumidos para com o povo durante aquela luta, eles estavam, não importa
em quão pequena medida, procurando efectuar alguma melhoria nas condições
de vida do povo. E a arma básica do imperialismo contra tais regimes,
além da intervenção militar sem rodeios, foi o desencadeamento de
fundamentalismos religiosos, conflitos étnicos e outros meios igualmente
reprováveis para dividir o povo. Mesmo enquanto encenava um golpe militar
contra Mossadegh no Irão, ele utilizou a ajuda do Ayatollah Kashani; mais
recentemente no Iraque utilizou o fundamentalismo xiíta para estimular o
apoio ao derrube de Saddam Hussein. No Afeganistão ele utilizou uma
coligação fundamentalista islâmica contra o governo PDPA e a União
Soviética.

E quando algumas destas forças fundamentalistas, como o monstro de
Frankenstein, começa a criar problemas para o próprio imperialismo, sua
resposta invariavelmente é procurar novas forças fundamentalistas. O IS,
acerca do qual muito se fala nestes dias, foi ele próprio encorajado pela
secretária de Estado estado-unidense Condoleezza Rice como meio de se
contrapor ao fundamentalismo xiíta, o qual fora igualmente encorajado pela
mesma administração americana.

O imperialismo, em suma, fareja todas as linhas de fractura de uma
sociedade do terceiro mundo e deliberadamente divide o povo de acordo com
aquelas linhas. Esta é uma táctica a qual o imperialismo britânico
recorreu amplamente durante o seu auge, incluindo na Malásia (como
aconteceu) derrotar o levantamento revolucionário do pós-guerra através da
promoção e exploração de contradições étnicas entre os malaios e os
chineses. E o imperialismo americano está a utilizar a mesma táctica
agora.

Em consequência, o imperialismo contemporâneo causa ao terceiro mundo não
só uma pauperização (immiserisation) da população trabalhadora como
também um processo de desintegração social.


29/Março/2015

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2015/0329_pd/concept-imperialism

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

In
Resistir.info
http://www.resistir.info/patnaik/imperialismo_29mar15.html
31/3/2015

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