quarta-feira, 17 de junho de 2015

É possível no Brasil de hoje, a partir das condições atuais, avançar rumo ao socialismo?



Anita Leocadia Prestes*


Os trinta anos decorridos após a transição pactuada da ditadura militar para um
regime de democracia restrita não possibilitaram a superação da regressão havida
nos 21 anos anteriores no que se refere à criação das condições subjetivas para
a revolução no Brasil. Percebemos a ausência de lideranças revolucionárias e de
partidos políticos enraizados nos sectores populares e habilitados a conduzir
amplas massas rumo a transformações profundas da sociedade brasileira. Entre as
forças consideradas de esquerda imperam o voluntarismo ou o reformismo.

Se considerarmos o clássico debate em torno das condições objetivas e subjetivas
da revolução, vale a pena recordar a intervenção de Luiz Carlos Prestes nos
marcos da “Conferência sobre a Dívida Externa” organizada pelo governo de Fidel
Castro em Havana, em julho/agosto de 1985. Nessa ocasião Prestes afirmava:
A revolução não pode se realizar quando se quer. Ela só poderá eclodir e ser
vitoriosa quando existam as condições objetivas e subjetivas para tanto
indispensáveis. E tudo indica que em nosso Continente, se crescem cada vez mais
as condições objetivas, as subjetivas ainda se retardam. Estamos longe também da
indispensável organização e unidade da maioria esmagadora da classe operária,
faltam-nos ainda partidos revolucionários efetivamente ligados às grandes massas
trabalhadoras e populares.1

Diagnóstico que, lamentavelmente, trinta anos depois continua válido para o
Brasil2, embora as condições objetivas para a revolução socialista – um
significativo desenvolvimento capitalista, em que as relações capitalistas de
produção são dominantes, – sejam uma realidade amplamente reconhecida.
Conforme já tive oportunidade de assinalar3, mesmo antes do golpe civil-militar
de abril de 1964, inexistia no Brasil o sujeito-povo4 – a força social e
política, unificada por ideias comuns e preparada para viabilizar na prática o
rompimento com a política de conciliação de João Goulart com os setores mais
conservadores e a realização das Reformas de Base. “Inexistia no país um
poderoso movimento popular unido e organizado – dirigido por lideranças providas
de propostas política e ideologicamente definidas e adequadas ao momento -,
capaz de golpear as forças reacionárias internas e externas e conquistar o
poder”5. Inexistiam, pois, as condições subjetivas para dar sustentação a um
governo progressista como o de J. Goulart e, menos ainda, para garantir o avanço
dos setores populares rumo a transformações revolucionárias que apontassem para
uma perspectiva socialista.

O regime militar, que durou 21 anos (1964 a 1985), uma ditadura a serviço dos
interesses do grande capital nacional e internacional, contribuiu decisivamente
para aumentar e tornar mais evidente o retardamento da criação das condições
subjetivas para a revolução em nosso país. A violenta repressão desencadeada
pela ditadura contra todas as forças democráticas e de oposição, incluindo o
extermínio físico de parte significativa de suas lideranças, aliada à tática
equivocada das organizações de esquerda que optaram pela resistência armada ao
regime militar na ausência de condições propícias para tal, favoreceu o
retrocesso de um incipiente processo de organização e mobilização popular
anterior ao golpe de abril, embora nesse período houvesse “muito mais a retórica
dos discursos do que propriamente uma ação organizada para preservar o processo
democrático”, na lúcida avaliação de Waldir Pires6, consultor-geral da República
no governo J. Goulart.

Ao mesmo tempo, contribuía para retardar o processo de amadurecimento das
condições subjetivas para a revolução no Brasil a orientação política do PCB
(Partido Comunista Brasileiro), marcada pela concepção etapista da revolução, ou
seja, pela ideologia nacional libertadora, de acordo com a qual era traçada uma
estratégia denominada de nacional e democrática. Pretendia-se eliminar a
dominação imperialista e o latifúndio através da formação de uma coligação de
forças sociais e políticas que incluíssem não só os trabalhadores como uma
suposta burguesia nacional, com vistas a conquistar um desenvolvimento
capitalista, a partir do qual se considerava possível criar as condições para a
etapa socialista da revolução. O desenrolar da própria história revelaria que
tal burguesia nacional não passava de um mito.7

Nas diretrizes do PCB e na sua atuação política não se levava em conta algo que
o conceito de bloco histórico, proposto por A. Gramsci, pressupõe: o momento
político da aliança de classes pretendida. “Sua constituição está assentada em
classes ou grupos concretos definidos pela sua situação na sociedade, mas as
ideias cumprem um papel fundamental no que se refere à sua coesão.” Em outras
palavras, no bloco histórico há “uma estrutura social – as classes e grupos
sociais – que depende diretamente das relações entre as forças produtivas; mas
também há uma superestrutura ideológica e política”8. Gramsci escrevia nos
Cadernos do cárcere que, segundo Marx, “uma persuasão popular tem, com
frequência, a mesma energia de uma força material”. Tal afirmação, segundo o
filósofo italiano, conduz ao fortalecimento da concepção de ‘bloco histórico’,
no qual, precisamente as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a
forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças
materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam
fantasias individuais sem as forças materiais.9

Os elementos citados da concepção gramsciana de bloco histórico permitem
perceber o frequente empobrecimento de tal conceito no âmbito dos partidos
comunistas, pois esse fenômeno marcou, de uma maneira geral, grande parte do
movimento comunista mundial. Nas fileiras do PCB, semelhante postura teria como
consequência a subestimação pelo trabalho ideológico de formação teórica e
política não só dos seus quadros, como também de lideranças populares. A
incompreensão da necessidade de criar um bloco histórico contra-hegemônico,
capaz de conduzir o processo revolucionário à vitória, condicionou o
desarmamento ideológico e político dos comunistas diante do bloco histórico
dominante e a inevitável capitulação frente ao reformismo burguês.10

Os trinta anos decorridos após a transição pactuada da ditadura militar para um
regime de democracia restrita não possibilitaram a superação da regressão havida
nos 21 anos anteriores no que se refere à criação das condições subjetivas para
a revolução no Brasil. Percebemos a ausência de lideranças revolucionárias e de
partidos políticos enraizados nos setores populares e habilitados a conduzir
amplas massas rumo a transformações profundas da sociedade brasileira. Entre as
forças consideradas de esquerda imperam o voluntarismo – caracterizado pela ação
de supostas “vanguardas”, cujas proposições não passam de metas irrealizáveis
nas condições atuais - ou o reformismo, evidenciado nas proposições que se
mantêm nos limites impostos pelos governantes atuais, empenhados na reprodução
da ordem capitalista.

No difícil processo de amadurecimento das condições subjetivas para a revolução
no Brasil, dois sérios obstáculos estão se tornando cada vez mais evidentes na
conjuntura atual.

Em primeiro lugar, as tendências voluntaristas, fruto, em grande medida, de
certo desespero frente à despolitização, à desorganização e à espontaneidade dos
movimentos populares e às crescentes concessões dos governantes atuais aos
interesses dos monopólios capitalistas nacionais e estrangeiros. Evidencia-se a
pressa característica da ideologia pequeno-burguesa – a ânsia de alcançar metas
avançadas sem o necessário preparo das massas trabalhadoras para tal. Surgem
assim as propostas de convocação de uma Constituinte soberana, quando não existe
uma mobilização popular capaz de assegurar sua realização e os setores políticos
com representação no Congresso Nacional dispõem de força suficiente para impedir
tal solução. Da mesma forma, é lançada a ideia de uma reforma política como
condição para que o movimento popular possa avançar no processo de mobilização,
proposta esta habilmente manipulada pelos setores com assento no Congresso
Nacional, os quais estão empenhados na elaboração de uma reforma política que
sirva aos seus desígnios e possa ser apresentada como resposta às demandas da
população. Entre outras, surge uma proposição de conquista de um Poder Popular,
objetivo estratégico para a realização do qual não é apresentada uma tática
política capaz de construir o caminho para alcançar tal meta. Certamente, outros
exemplos poderiam ser citados de tendências voluntaristas generalizadas
atualmente no panorama político brasileiro, situação esta preocupante, pois,
como advertia A. Gramsci, “voluntarismo-passividade vão juntos mais do que se
crê”11.

Em segundo lugar, temos o reformismo burguês evidenciado nas políticas que vêm
sendo promovidas pelo PT e o PCdoB, partidos governistas que se apresentam como
pertencentes ao espectro das forças de esquerda no país, assim como pelos
intelectuais comprometidos com um “possibilismo conservador”, ou “um falso
realismo”12, para justificar as políticas adotadas pelos governos do PT,
apresentando-as como as únicas viáveis nas atuais condições do mundo e do
Brasil, na tentativa de explicar o canhestro reformismo burguês que praticam.

Há que lembrar que, desde as eleições presidenciais de 2002, tanto Lula quanto a
direção do PT enveredaram pelo caminho da conciliação com setores da burguesia.
Sem jamais terem adotado a teoria marxista como orientação ou considerado a
realização de reformas sociais como caminho para a revolução, os líderes do PT
optaram pelo reformismo burguês. Diante da tradicional alternativa – reforma ou
revolução13 -, a escolha foi clara. Tratou-se de buscar a reforma do
capitalismo, de alcançar um capitalismo “sério” e distribuidor de benesses aos
desassistidos, abandonando definitivamente qualquer proposta de mudança de
caráter revolucionário e anticapitalista.

Contrariando o que haviam imaginado e proposto pensadores marxistas como
Florestan Fernandes, nos primeiros anos de existência do PT, o “partido dos
trabalhadores” transformou-se numa versão brasileira da social-democracia
europeia, com a diferença de que os conflitos sociais no Brasil, resultado de
desigualdades extremas, não têm solução, mesmo que temporária, nos marcos do
capitalismo, como aconteceu com o “estado do bem-estar social”, criação dos
partidos social-democratas na Europa. Experiência esta hoje falida, como é do
conhecimento geral.

Em 2002, ao candidatar-se pela quarta vez à presidência da República, Lula e as
tendências que o apoiavam dentro do PT compreenderam que para assegurar sua
eleição seria necessário fazer concessões ao grande capital internacionalizado,
ou seja, aos setores da burguesia monopolista brasileira e internacional. A
“Carta aos brasileiros” selou esse acordo. Lula e o PT tornaram-se confiáveis
para a continuidade do sistema capitalista no Brasil, contribuindo para tal a
nomeação de Henrique Meirelles para o Banco Central, o único gerente não
estadunidense do então Banco de Boston, homem de confiança das multinacionais.14
Jamais no país os grandes empresários e banqueiros ficariam tão satisfeitos com
um governo quanto com os dois quadriênios de Lula e, logo a seguir, com a
eleição de sua “criação”, a presidente Dilma.

Uma vez no governo, os dirigentes do PT incluíram em sua base aliada partidos e
agrupamentos políticos comprometidos com a continuidade das políticas
neoliberais, que haviam constituído a essência dos compromissos assumidos com a
“Carta aos brasileiros”. Estava fora de cogitação qualquer possibilidade de os
novos governantes desenvolverem esforços voltados para a organização e a
mobilização populares, tendo em vista a implantação de políticas favoráveis aos
interesses dos trabalhadores e das grandes massas vitimadas pela exclusão
social.

De acordo com a cartilha neoliberal, formulada pelas agências ligadas aos grupos
monopolistas internacionais, aos setores populares seria destinada uma parte dos
recursos provenientes dos lucros fabulosos desses grupos, através de políticas
assistencialistas promovidas pelo Estado brasileiro, cujo objetivo principal
jamais deixou de ser a garantia da paz social. Dessa forma, tentou-se evitar as
convulsões sociais e garantir o apoio popular aos governos do PT e de seus
aliados, assegurando a sucessão tranquila desses governantes a cada eleição.
Foram distribuídas migalhas ao povo, enquanto as multinacionais obtinham lucros
fabulosos e os dirigentes do PT e seus aliados garantiam a reeleição para os
principais cargos dos governos da República.

Até recentemente esse esquema vinha funcionado, mas, a partir de junho de 2013,
começou a ser contestado pelas manifestações que se espalharam por todo o
Brasil. A crescente insatisfação popular com a situação do país evidenciou-se
durante a última sucessão presidencial, quando a reeleição de Dilma Rousseff foi
garantida por uma pequena margem, de 3,28%,15 sobre o seu principal adversário,
o “tucano” Aécio Neves. Este se tornara o candidato preferencial dos monopólios
nacionais e internacionais, uma vez que comprometido com setores empresariais
partidários de políticas decididamente neoliberais, incluindo propostas de
privatização total do Pré-Sal e de um completo alinhamento com os interesses
estadunidenses.

Diante do descontentamento popular com a política neoliberal - embora camuflada
por um discurso demagógico -, adotada pelo seu governo, a candidata do PT à
reeleição precisou recorrer a promessas eleitorais, chegando a garantir que, em
seu novo governo, os direitos dos trabalhadores não seriam tocados “nem que a
vaca tossisse”. Mas, uma vez eleita, Dilma Rousseff não tardou em anunciar para
o Ministério da Agricultura o nome da Sra. Katia Abreu, declarada representante
do agronegócio e dos grandes latifundiários do país. A seguir seria a vez dos
ministros da área econômica Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini e
Armando Monteiro Neto, todos conhecidos pelos compromissos que, de uma forma ou
de outra, os unem aos grupos monopolistas que controlam a economia nacional.

De acordo com o “choque fiscal” anunciado pela nova equipe econômica,
pretende-se a redução dos direitos trabalhistas e da proteção social dos
trabalhadores, ou seja, criar dificuldades para o acesso ao seguro-desemprego,
ao abono salarial, à pensão por morte, ao auxílio-doença e ao seguro-defeso aos
pescadores no período de proibição da sua atividade. A justificativa apresentada
é o combate às fraudes e a necessidade de cortar 18 bilhões de reais nas
despesas da União, parte do ajuste fiscal de, no mínimo, 60 bilhões, definido
pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para atingir um superávit de 1,2% do
PIB. Além disso, já foi decretado o aumento de impostos sobre combustíveis,
crédito ao consumidor e importações e mudanças no Imposto sobre Produtos
Industrializados para o setor de cosméticos. Com tais medidas, pretende-se
chegar a retirar quase 70 bilhões de reais da economia.16 Estamos diante de uma
“guinada ortodoxa”, tão a gosto das receitas neoliberais, para combater a crise
econômica que adquire maior gravidade no país.

Tais políticas praticadas pelos governos do PT e respaldadas por setores
comprometidos com o reformismo burguês, como é o caso do PCdoB, contribuíram de
maneira decisiva para retardar a formação das condições subjetivas para a
revolução no Brasil, pois levaram à desarticulação do movimento sindical, que
começara a se reestruturar nos anos 1980, à desorganização dos movimentos
populares nascidos na mesma época e à atual desmoralização junto a amplos
setores populares do PT, dos seus governos e das suas lideranças, incluindo o
próprio Lula. As ilusões em transformações significativas da realidade nacional,
alimentadas junto a setores populares pelos líderes do PT e em particular por
Lula, começaram a dissipar-se, contribuindo para o atual clima de desorientação
e desesperança generalizada de múltiplos segmentos da população brasileira.

Frente a tal situação, o que fazer tendo em vista a criação das condições
subjetivas para a revolução no Brasil? Certamente, não existe solução mágica.
Para quem está empenhado na formação das forças sociais e políticas - o
sujeito-povo, ou seja, o bloco histórico gramsciano – capazes de constituírem um
elemento impulsionador das transformações necessárias para que se possa avançar
rumo a um poder popular que abra caminho para o socialismo, não existe
alternativa a não ser o trabalho de organização popular, paciente, perseverante
e destinado a durar um longo período. Organização dos diferentes setores
populares – prioritariamente os mais significativos da vida nacional, assim como
os mais esclarecidos e combativos – em torno das suas reivindicações mais
sentidas e capazes de sensibilizá-los com maior eficácia para a luta.

Tais reivindicações existem sempre; é necessário saber defini-las a cada momento
histórico. Na conjuntura atual, podem ser as reivindicações salariais ou de
melhorias nas condições da saúde pública, do ensino público, dos transportes
públicos, etc. Certamente, para as massas trabalhadoras não está colocada no
momento atual a conquista de uma Constituinte ou de uma reforma política. É
necessário lembrar o retrocesso político havido no Brasil, apontado
anteriormente, para compreender que teremos pela frente um longo período de
preparação das massas trabalhadoras antes que estas se disponham a lutar por
demandas mais avançadas, incluindo a conquista de um poder popular.

Ao lembrarmos a contribuição teórica dos fundadores do marxismo (C. Marx, F.
Engels, V. Lenin) e, em particular, de A. Gramsci (no que diz respeito à
realidade observada em países com uma sociedade civil17 desenvolvida),
verificamos que a organização popular não poderá resultar em avanços
significativos da luta revolucionária se não for acompanhada da formação
ideológica e política de suas lideranças, muitas das quais deverão
transformar-se em quadros políticos habilitados a dirigirem partidos
efetivamente revolucionários. Partidos enraizados nos movimentos populares, com
direções teoricamente capazes de elaborar diretrizes viáveis - reformas parciais
- que apontem no sentido de transformações profundas de caráter revolucionário,
abrindo caminho para a conquista do poder político e o início da construção de
uma sociedade socialista. Em outras palavras, realizar um “reformismo radical”,
nas palavras de A. Boron18, um reformismo voltado para a superação do sistema
capitalista.

Sabemos que são as massas que fazem a revolução. Mas o movimento espontâneo de
massas desorganizadas e despolitizadas não saberá avançar rumo à revolução,
embora possa chegar a derrubar governos, como aconteceu na Argentina em 2001.
Pelo contrário, um movimento espontâneo pode ser manipulado e direcionado por
líderes com perfil de direita ou até mesmo fascista, como o demonstra a
experiência histórica brasileira e mundial. Multidões convocadas a sair às ruas,
inclusive através das redes sociais, sem organização e objetivos definidos, sem
lideranças que as orientem rumo à formação de forças sociais e políticas
empenhadas na transformação radical da sociedade, não terão condições de
contribuir de maneira efetiva para o avanço dos movimentos populares, para a
conquista de suas demandas e a realização das expectativas almejadas por amplos
setores da população.

Ao analisar as condições atuais dos movimentos populares na América Latina, A.
Boron ressalta que se tornou necessário desenvolver esforços para
a criação de um instrumento político, de uma organização revolucionária e de um
trabalho de conscientização e formação ideológica no campo popular que torne
possível que as classes e camadas subalternas percebam que outro mundo não só é
necessário como também possível, cuja construção pode iniciar-se sem mais
delongas, aqui e agora.19

Frente ao poder de influência dos atuais meios de comunicação, dominados e
orientados pelo grande capital, o papel da educação e da formação teórica e
política das lideranças populares adquire importância decisiva para a criação
das condições subjetivas para a revolução, necessárias para garantir a
realização de profundas transformações na sociedade.

Quando A. Gramsci chega a postular nos Cadernos do cárcere a necessidade da
formação de um bloco histórico contra-hegemônico (o sujeito-povo), já tinha
acumulado uma vasta experiência revolucionária adquirida durante os embates do
operariado de Turim (Itália), na segunda metade dos anos 1910, e na criação do
Partido Comunista Italiano, no início da década de 1920. Já nesse período
inicial da sua atuação revolucionária, Gramsci viria a advertir a importância
das “premissas culturais das revoluções políticas e sociais”20:
Toda revolução foi precedida por um intenso e continuado trabalho de crítica,
de penetração cultural, de impregnação de ideias em agregados de homens que eram
inicialmente refratários e que só pensavam em resolver por si mesmos, dia a dia,
hora a hora, seus próprios problemas econômicos e políticos, sem vínculos de
solidariedade com os que se encontravam na mesma situação.21

Nas condições atuais existentes no Brasil, de desorganização e despolitização de
grande parte dos setores populares, as reflexões gramscianas podem contribuir
para nos alertar quanto à necessidade de concentrar os esforços das forças
sociais e políticas empenhadas em criar as condições subjetivas para a revolução
brasileira no trabalho de organização popular. Trabalho que deve ser entendido
como organização em torno da luta pelas reivindicações mais sentidas dos
trabalhadores, combinada com a permanente atividade de educação ideológica
(marxista) e política e de formação revolucionária das lideranças que mais se
destacarem nesse processo. Trabalho dirigido no sentido de criar as condições
para a formação de organizações e/ou partidos revolucionários, dirigidos por
lideranças nascidas das próprias lutas dos trabalhadores e forjadas no embate de
ideias durante esses processos concomitantes de luta e de formação teórica
revolucionária. Trabalho que deverá tornar tais lideranças aptas a elaborar
diretrizes unitárias visando o avanço da revolução brasileira rumo ao
socialismo.

Junho de 2015.

Notas:
1. PRESTES, Luiz Carlos. “Discurso na Conferência sobre a Dívida Externa”,
Havana, 3/8/1985, documento original datilografado, 6 p. (arquivo particular da
autora). “PRESTES – Dívida externa”, folheto impresso (arquivo particular da
autora).
Em alguns países do continente latino-americano, como é o caso da Venezuela, da
Bolívia, do Equador e da Nicarágua, nos últimos anos registrou-se um avanço do
amadurecimento das condições subjetivas para a revolução; Cuba constitui um caso
à parte, pois o regime socialista já está implantado nesse país.
2. PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido
revolucionário (1958-1990). São Paulo, Expressão Popular, 2012, p. 100-104.
Sujeito-povo – categoria empregada por alguns intelectuais latino-americanos,
relacionada com o conceito gramsciano de bloco histórico, ou seja, sujeito-povo
expressa não só a soma numérica de diversos setores sociais, mas também é
portador de novos valores culturais e constitui uma alternativa de poder (cf.,
por exemplo, BIGNAMI, Ariel. Intelectuales & revolución o el tigre azul. Buenos
Aires, Acercándonos Ediciones, 2009, p. 23, 26, 28 e 107).
3. PRESTES, Anita Leocadia, op. cit. p. 101.
4. MORAES, Denis. A Esquerda e o golpe de 64: vinte e cinco anos depois, as
forças populares repensam seus mitos, sonhos e ilusões. Rio de Janeiro, Espaço e
Tempo, 1989, p.198.
5. PRESTES, Anita Leocadia, op. cit., p. 19-31.
6. BIGNAMI, Ariel. El pensamento de Gramsci: una introduccion. 2ª ed. Buenos
Aires, Editorial El Folleto, s.d., p. 27. (Tradução da autora)
7. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, 2ª ed., v. 1. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2001, p. 238.
8. PRESTES, Anita Leocadia, “Antônio Gramsci e o ofício do historiador
comprometido com as lutas populares”, Revista de História Comparada, v. 4, n. 3,
dez. 2010.
9. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Toríno, Einaudi, 1965, p. 1999; Il
Risorgimento. Roma, Editori Riuniti, 1977, p. 206-207, apud CERRONI, Umberto.
Pequeño Diccionario Gramsciano. Buenos Aires, Altamira, 2008: 157. (Tradução da
autora).
10. BORON, Atílio A. Socialismo siglo XXI. Hay vida después del neoliberalismo?
1ª ed. Buenos Aires, Luxemburg, 2008, p. 79-82; “Estudio introductorio – Rosa
Luxemburg y la crítica al reformismo socialdemócrata”, in LUXEMBURG, Rosa.
Reforma social o revolución? Buenos Aires, Luxemburg, 2010, p. 83.
11. LUXEMBURG, Rosa. Reforma social o revolución? Buenos Aires, Luxemburg,
2010.
12. Henrique Meirelles permaneceu à frente do Banco Central durante os dois
quadriênios dos governos Lula.
13. “Dilma é reeleita na disputa mais apertada da história; PT ganha 4º
mandato”, UOL, São Paulo, 26/10/2014, in

14. Cf. Carta Capital, nov., dez. /2014, jan., fev./2015 in
http://www.cartacapital.com.br/; Carta Capital,
15. 22/5/2015 in
http://www.cartacapital.com.br/economia/ajuste-fiscal-governo-anuncia-corte-de-69-9-bilhoes-de-

reais-do-orcamento-6830.html
16. Segundo A. Gramsci, “podem-se fixar dois grandes ‘planos’ superestruturais:
o que pode ser chamado de ‘sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismos
designados vulgarmente como ‘privados’) e o da ‘sociedade política ou Estado’”.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, apud LIGUORI, Guido. 17. 17. Roteiros para
Gramsci. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2007, p. 20.
18. BORON, Atílio A., op. cit., p.84.
19. BORON, Atílio A. Socialismo siglo XXI. Hay vida después del neoliberalismo?
2ª ed. actualizada y ampliada. Buenos Aires, Luxemburg, 2014, p.46; grifos meus.
(Traduação da autora)
20. RAPONE, Leonardo. O jovem Gramsci: cinco anos que parecem séculos –
1914-1919. Rio de Janeiro, Contraponto; Brasília, Fundação Astrojildo Pereira,
2014, p. 335.

*Anita Leocadia Prestes é doutora em História Social pela UFF, professora do
Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ e presidente do
Instituto Luiz Carlos Prestes

In
O Diário.info
http://www.odiario.info/?p=3679
17/6/2015

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