segunda-feira, 13 de junho de 2016

Lista de matar: esmagar o "B" de BRICS



Pepe Escobar



As apostas não poderiam ser mais altas. Estão na balança não só o futuro dos
BRICS, mas o futuro de um novo mundo multipolar. E tudo depende do que aconteça
no Brasil nos próximos poucos meses.


Comecemos pelo kafkiano tumulto interno. O golpe de Estado contra a presidenta
Dilma Rousseff continua a ser tragicomédia político-midiática que parece
recomeçar todos os dias. Também é caso de guerra de informação convertida em
ferramenta estratégica para maior controle político.

Uma sucessão impressionante de vazamentos de áudios revelou que setores chaves
dos militares brasileiros e seletos juízes da Suprema Corte legitimaram o golpe
contra uma presidenta que sempre cuidou de proteger a investigação de corrupção
chamada "Car Wash", que já dura dois anos. Até a mídia-empresa ocidental
dominante teve de admitir que Dilma, que nada roubou, está sendo impedida e
derrubada por uma gangue de ladrões. A agenda deles: fazer parar a investigação
"Car Wash", que eventualmente pode vir a jogar muitos deles na cadeia.+


Os vazamentos também revelaram a carnificina que ruge entre as elites
brasileiras comprador - periférica e central. Essencialmente, as elites
periféricas foram usadas como moleques de recados no Congresso, para fazer o
trabalho sujo. Mas agora podem estar a ponto de se tornarem assaltantes de
estrada - junto com o 'governo' ilegítimo, impopular, interino de Michel Temer,
liderado por uma gangue de políticos corruptos até o cerne do PMDB, o partido
que é herdeiro da única fachada de 'oposição' tolerada durante a ditadura
militar brasileira (dos anos 1960s aos 1980s).


Conheça o chanceler vassalo

Personagem insidioso em toda a trama do golpeachmenté o ministro interino de
Relações Exteriores, senador José Serra do PSDB, social-democratas convertidos
em operadores de forças neoliberais. Na eleição presidencial de 2002 - quando
foi derrotado por Lula -, Serra tentava livrar-se das oligarquias brasileiras
periféricas.

Agora contudo está cumprindo outro papel - perfeitamente posicionado não só
para fazer regredir a política externa do Brasil, de volta para algum ponto do
golpe militar de 1964, mas, sobretudo, no papel de homem de ponta do governo dos
EUA dentro da gangue golpista.+


A oligarquia em São Paulo é aliada chave do Excepcionalistão no Brasil. São
Paulo é o estado mais rico do Brasil e capital financeira da América Latina. É a
lista A do Brasil. É das fileiras dessa oligarquia que talvez 'surja' um
eventual "salvador nacional".


Tão logo as elites periféricas tenham sido aniquiladas, não haverá nada que
impeça a criminalização - e provável prisão - de vários líderes da esquerda
brasileira, Lula inclusive. Em seguida se urdirá algum tipo de eleiçãofake,
'legalizada' por Gilmar Mendes, juiz da Suprema Corte e operador do PSDB.

Tudo depende do que aconteça nos próximos dois meses. O procurador-geral afinal
ordenou a prisão de três altos quadros da elite periférica; os três são acusados
de conspirar para impedir que avancem as investigações da operação "Car Wash" -
rede extremamente complexa de agentes jurídico-políticos-policiais, de miríades
de círculos concêntricos/sobrepostos.

Entrementes, o julgamento final do impeachment de Dilma no Senado deve
acontecer dia 16 de agosto - 11 dias depois do início dos Jogos Olímpicos. Os
golpistas sofreram um duro golpe, quando tentaram acelerar os procedimentos. No
pé em que estão as coisas, o resultado é incerto; depois dos vazamentos, quatro
de cinco senadores já estão oscilantes quanto ao voto, uma vez que os vazamentos
implicam Temer, o presidente interino, pessoalmente. 'Líder' de uma gangue
pesadamente envolvido em corrupção e com zero de credibilidade, Temer é alvo de
várias investigações por corrupção, e acaba de ser declarado inelegível e
impedido de concorrer a cargo político eletivo nos próximos oito anos.

O monopólio (cinco famílias) que controla a mídia-empresa dominante no Brasil,
conhecido como PIG (sigla de "Partido da Imprensa Golpista") mudou de tom,
deixando de lado o antiesquerdismo obcecado e agora se dedica a fazer campanha
contra elementos selecionados da gangue de Temer.+


Segundo a Constituição, se a presidência e a vice-presidência ficam vagas nos
últimos dois anos de mandato, cabe ao Congresso eleger o novo presidente.


Essa disposição legal implica dois cenários possíveis. Se Dilma não for impedida
e reassumir, vai-se configurando como muito provável que ela determine que se
realizem novas eleições presidenciais ainda antes do final de 2016.

Se a presidenta for impedida, o PIG tolerará a gangue interina dos 'quadros'
temeristas até, no máximo, janeiro de 2017. O passo seguinte seria o que Serra e
o quase presidiário e 'líder' do Senado, Renan Calheiros, trabalham para
conseguir: o fim de eleições diretas para presidente e o início de um
parlamentarismo à brasileira.

O nome mais bem posicionado para ser o 'salvador' nacional nesse caso é o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - também ex-"Príncipe da Sociologia"
esuperstar (nos anos 1960s e início dos 1970s) da Teoria da Dependência, logo
depois metamorfoseado em neoliberal ávido. Cardoso é parceiro próximo de Bill
Clinton e de Tony Blair. O eixo Washington/Wall Street é louco por ele. Cardoso
seria 'eleito' pela mesma matilha de hienas que tramam o impeachment de Dilma
desde 17 de abril.

Mas o núcleo duro do golpeachment brasileiro ultrapassa em muito as elites
periféricas brasileiras. É constituído de um partido político (PSDB); do império
Rede Globo de mídia; da Polícia Federal (muito próxima do FBI); do Ministério
Público; da maioria dos juízes da Corte Suprema e de setores das Forças Armadas.
Só o eixo Washington/Wall Street tem os meios e a necessária 'pegada' para
arregimentar todos esses players - com dinheiro vivo, por chantagem ou com
promessas de glória.

E isso se encaixa perfeitamente com perguntas chaves não respondidas
relacionadas aos áudios vazados recentemente. Quem gravou as conversas. Quem
vazou as conversas. Por que agora. Quem se beneficia com meter o país no mais
total caos político, econômico, jurídico, com virtualmente todas as instituições
completamente desacreditadas.

Neoliberalismo ou caos

Longe vão os dias quando Washington podia comandar impunemente aqueles
antiquados golpes militares bem ali no quintal deles - como foi feito no Brasil
em 1964. Ou no Chile, no 11/9 original, em 1973, como se vê no emocionante
documentário sobre Salvador Allende, assinado pelo cineasta chileno craque
Patricio Guzman.+


A história, como se poderia prever, repete-se como farsa no golpe de 2016 que
converteu o Brasil - a 7ª maior economia do mundo, e player chave no Sul Global
- numa espécie de Honduras ou Paraguai (onde golpes apoiados pelos EUA foram
bem-sucedidos).


Já demonstrei como o golpe no Brasil é operação extremamente sofisticada de
Guerra Híbrida que ultrapassa em muito a guerra que se conhecia como guerra não
convencional (ing. UW); guerra de 4ª geração (ing. 4GW); as revoluções
coloridas; e os movimentos deR2P ("responsabilidade de proteger") e o ápice do
smart power; até se converter em golpe político-financeiro-jurídico-midiático
soft a que os brasileiros estão assistindo em câmera lenta. Eis a beleza dos
golpes, quando promovidos por instituições democráticas!

É possível que o neoliberalismo tenha falhado, como até osetor de pesquisas do
FMI já percebeu. Mas o cadáver putrefato ainda faz feder o planeta inteiro. O
neoliberalismo não é só um modelo econômico; sub-repticiamente ele cobre também
todo o campo jurídico. Eis mais uma faceta perversa da doutrina do choque: o
neoliberalismo não sobrevive sem uma implantação firme no quadro jurídico-legal.

É quando as atribuições constitucionais são redirecionadas para o Congresso que
mantém sob controle o Executivo, ao mesmo tempo em que gera uma cultura de
corrupção política. O político foi subordinado ao econômico. Empresas privadas
engajam-se em campanhas eleitorais - e é quando compram políticos, para poderem
influenciar qualquer poder político, por mais 'eleito' que seja.

Washington trabalha precisamente assim. E aí está também a chave para
compreender o papel do ex-líder da Câmara de Deputados no Brasil, Eduardo Cunha.
Cunha montou uma rede de financiamento de campanhas eleitorais dentro do próprio
Congresso, onde controla dúzias de políticos, ao mesmo tempo em que lucra de
incontáveis proverbialmente gordos contratos de empresas fornecedoras do Estado.

Os Três Patetas no que chamei de República das Bananas dos Escroques
Provisórios são Cunha, Calheiros e Temer. Temer é mero fantoche; Cunha
permanece uma espécie de primeiro-ministro 'nas sombras', comandando o show. Mas
não por muito tempo. Já foi suspenso do cargo de presidente da Câmara de
Deputados; embolsou milhões de dólares daqueles contratos gordos e meteu-os em
contas secretas na Suíça; agora é só questão de tempo, até que a Suprema Corte
levante todas as provas e - mas nada é garantido! - o meta no xilindró.

OTAN vs. BRICS, a pleno vapor, por todo o planeta

E isso nos traz outra vez para O Grande Quadro, no qualacompanhamos uma análise
de Rafael Bautista, presidente de um grupo de estudos da descolonização em La
Paz, Bolívia. É dos melhores e mais brilhantes analistas sul-americanos, sempre
muito alerta ao fato de que qualquer coisa que aconteça no Brasil nos próximos
meses determinará o futuro, não só da América do Sul, mas de todo o Sul Global.+


O projeto do Excepcionalistão para o Brasil é nada menos que impor aqui uma
doutrina Monroe remixed. O principal alvo de uma planejada restauração
neoliberal é separar a América do Sul, dos BRICS - quer dizer, essencialmente,
da parceria estratégica de Rússia e China.


É uma breve janela de oportunidade em todos esses anos do continuum Bush-Obama,
quando Washington viveu obcecada com o MENA (Middle East/Northern Africa
[Oriente Médio/Norte da África]), também conhecido como Oriente Médio Expandido.
Agora, a América do Sul volta a ocupar o centro estelar no teatro da guerra
(soft) geopolítica. Livrar-se de Dilma, Lula, Partido dos Trabalhadores, custe o
que custar, é só o começo.

Volta tudo ao de sempre: a guerra que definirá o século 21: OTAN contra os
BRICS, Organização de Cooperação de Xangai e, afinal, contra a parceria
estratégica Rússia-China. Esmagar o "B" de BRICS traz, de brinde, o esmagamento
do Mercosul (o mercado comum sul-americano); a Unasul (União Política das Nações
Sul-americanas); a ALBA (Aliança Bolivariana); e toda a integração
sul-americana, além de acabar também com a integração com atores emergentes
chaves no Sul Global, como o Irã.

A desestabilização do "Siriaque" combina perfeitamente com esse Império do
Caos: não havendo integração regional, a única alternativa é a balcanização. Mas
a Rússia já demonstrou graficamente aos estrategistas de Washington que não
poderão vencer guerra alguma na Síria; e o Irã já demonstrou depois do acordo
nuclear que não será vassalo de Washington. Assim sendo, o Império do Caos pode
tratar de garantir-se pelo menos no próprio quintal.

Um novo quadro geopolítico teve de ser parte do pacote. É onde entra o conceito
de "América do Norte", apoiado pelo Council on Foreign Relations e concebido,
principalmente, pelo ex-superastro do surge no Iraque David Petraeus e ex-honcho
do Banco Mundial Bob Zoellick, hoje a serviço de Goldman Sachs. Pode-se dizer
que é um mini quem-é-quem do Excepcionalistão.

Ninguém lera notícia alguma, nem será anunciado em público, mas o conceito que
Petraeus/Zoellick imaginaram como "América do Norte" pressupõe mudança de regime
e desmonte da Venezuela. O Caribe está definido como um Mare Nostrum, um lago
norte-americano. "América do Norte" é, de fato, uma ofensiva estratégica.+


Implica controlar toda a massiva riqueza de petróleo e água do Orinoco e do
Amazonas, o que deve garantir ao Excepcionalistão predominância sobre a
fronteira sul, para sempre.


O Caribe já é assunto resolvido; afinal, Washington controla o CAFTA. América do
Sul é osso mais duro de roer, polarizada entre o que resta da ALBA e a Aliança
do Pacífico comandada pelos EUA. Derrubado o Brasil para uma restauração
neoliberal, acaba-se com o país como promotor de integração regional. O Mercosul
acabará eventualmente absorvido na Aliança do Pacífico - especialmente com
alguém como Serra, como principal diplomata brasileiro. Quer dizer: é imperioso
anular a América Latina, em termos políticos, custe o que custar.

Restará para a América do Sul agregar-se - como atores marginais, parte da
Aliança do Pacífico puxada pelos EUA - àquela OTAN de parcerias comerciais, TPP
eTTIP. O "pivô para a Ásia" - do que a parceria Trans-Pacífico é o braço
comercial - é o movimento da doutrina Obama para conter a China, não só na Ásia
mas também em todo o Pacífico Asiático. Assim, é natural que a China (principal
parceira comercial do Brasil) deva ser contida no quintal do hegemon, a América
do Sul.

Do Atlântico ao Pacífico, e além

Nunca será demais destacar a importância geoeconômica da América do Sul. O
único meio pelo qual a América do Sul pode ser plenamente integrada ao mundo
multipolar é mediante uma abertura para o Pacífico, fortalecendo sua conexão
estratégica com a Ásia, especialmente com a China. É onde se encaixa o movimento
chinês para investir num massivo projeto de ferrovias para trens de alta
velocidade unindo a costa Atlântica do Brasil e o Peru no Pacífico. É, em
resumo, a interconectividade sul-americana. Com o Brasil politicamente anulado,
nada disso jamais acontecerá.

Por tudo isso, todo e qualquer golpe é agora literalmente permitido na América
do Sul: ataques indiretos à moeda brasileira, o real; propinas para as elites
comprador com o apoio do sistema financeiro global; atentado concertado a favor
de implodir simultaneamente as três principais economias : Brasil, Argentina e
Venezuela. O Comando Sul dos EUA, SOUTHCOM chegou a ponto de produzir um
relatório sobre "Venezuela Freedom" [Liberdade para a Venezuela], assinado pelo
comandante Kurt Tidd, que propõe uma "estratégia de tensão" completada com
técnicas de "cerco" e "sufocamento" e admitindo ação de rua com uso "calculado"
de força armada. Aplicam-se aqui ecos do Chile, 1973.

Pode-se dizer que a América do Sul é hoje o mais importante espaço geopolítico
onde o Excepcionalistão está lançando as bases para restaurar sua hegemonia sem
rivais - como parte de uma guerra geofinanceira multidimensional contra os BRICS
e que visa a perpetuar o mundo unipolar.+


Todos os movimentos anteriores levaram a essa geoestratégia de implodir os BRICS
e reduzir a América do Sul à situação de apêndice da América do Norte.


Wikileaks revelou como a Agência de Segurança Nacional dos EUA espionou a
Petrobrás. Em 2008, o Brasil propôs sua própria Estratégia de Defesa Nacional,
focada em duas áreas chaves: o Atlântico Sul e a Amazônia. Não era coisa que se
desse bem com oSOUTHCOM. A Unasul deveria ter desenvolvido aquela estratégia
para o nível continental, mas não o fez.

Lula decidiu garantir à Petrobras o primado da exploração dos depósitos do
pré-sal - a maior descoberta de petróleo do século 21. O governo Dilma garantiu
impulso firme ao Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (baseado no BNDES do
Brasil); e também decidiu receber pagamentos dos iranianos deixando de lado o
dólar norte-americano. Qualquer um envolvido no comércio sul-sul que negocie
deixando de lado o dólar norte-americano entra, imediatamente, numa lista de
matar.

Hillary Clinton é a candidata de Wall Street, do Pentágono, do complexo
industrial militar e dos neoconservadores à presidência. É a Deusa da Guerra -
e, num continuum Bush-Obama-Clinton, ela irá à guerra contra qualquer ator no
Sul Global que ouse desafiar o Excepcionalistão.

É isso. Os dados foram lançados. Saberemos com certeza quando houver novo
presidente nos EUA - e provavelmente também um novo presidente não eleito no
Brasil - no início de 2017. Mas o jogo estratégico permanece o mesmo: o Brasil
tem de ser esmagado, para que a integração puxada pelos BRICS seja esmagada e,
assim, o Excepcionalistão possa concentrar todo o seu poder de destruição no
confronto de vida ou morte contra Rússia-China.*****+

In
port.pravda.ru
http://port.pravda.ru/cplp/brasil/11-06-2016/41140-lista_brics-0/
11/6/2016

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