quinta-feira, 2 de maio de 2019

"Bolívia cresce elevando salários e benefícios previdenciários"





Por Susana Lischinsky e Leonardo Wexell Severo



O ministro da Economia e Finanças Públicas da Bolívia, Luis Arce, esteve
recentemente em São Paulo onde nos concedeu esta entrevista. De forma incisiva,
destacou como o “modelo econômico social comunitário produtivo”, baseado na
recuperação dos recursos naturais, na nacionalização e na industrialização, tem
feito do seu país o que mais cresce na região por seis anos consecutivos.
Confrontando a cegueira da seita neoliberal, ditada pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, Luis Arce mostra a diferença de “um
modelo que prioriza as pessoas, prioriza o social, sem descuidar, é claro, do
econômico”, compartilha conquistas como a redução da taxa de desemprego, o
aumento do salário mínimo e a valorização da Previdência pública, que havia sido
privatizada. Defende o direito do presidente Evo Morales candidatar-se em
outubro e denuncia “a manipulação dos meios de comunicação, em prol da
oligarquia e da direita, contra a sua reeleição”.

Susana Lischinsky e Leonardo Wexell Severo, do Hora do Povo

Como se explica que a Bolívia, em um momento em que a maior parte da América do
Sul está em recessão, seja o país que mais cresce na região?

A resposta está relacionada ao modelo econômico. Os países da América do Sul têm
aplicado políticas neoliberais e a Bolívia, desde 2006, adota um modelo
diferente. Um modelo que prioriza as pessoas, prioriza o social, sem descuidar,
é claro, do econômico. Temos o maior crescimento entre os países da região, 4,5%
do Produto Interno Bruto (PIB).

A mudança de modelo foi fundamental. Temos o retorno ao modelo neoliberal, como
é o caso do Brasil e da Argentina. A Colômbia sempre esteve nessa linha; o
Chile, apesar da Bachelet, sempre esteve na linha neoliberal, e no Peru também
não tem havido maiores mudanças.

O neoliberalismo, na realidade, é um modelo que diz que o crescimento econômico
tem base na demanda externa, nas exportações. Então é preciso exportar para
poder crescer. É por isso que a onda, em toda a América Latina, é que
necessitamos gerar as condições para que o setor privado exporte mais e que, a
partir disso, virá o crescimento econômico, puxado pela demanda internacional. E
aí todo mundo está tentando vender aos Estados Unidos, à Europa, vender aos
grandes mercados.

Mas nessa tarefa os países da região têm descuidado uma questão fundamental, que
o nosso modelo enfatiza, que é o mercado interno, a demanda interna.

O nosso modelo parte da recuperação dos recursos naturais. Até alguns anos, a
Bolívia era considerada um dos países mais pobres do continente. Porém, todos
sabíamos que somos um país muito rico. É que a nossa história, como a de muitos
países da região, é a história do saque dos seus recursos naturais.

Assim, em 2006, com o presidente Evo na liderança, demos um basta ao assalto que
beneficiava a outros e decidimos recuperar nossas riquezas para nós mesmos. Essa
é uma questão fundamental, uma diferença enorme com relação às políticas
neoliberais.

Com a recuperação das riquezas, geramos excedentes e redistribuímos renda, onde
a riqueza gerada pelos recursos naturais se distribuía à população por
intermédio de bônus, o que tecnicamente se chama “transferências condicionadas”.

Para reduzir a mortalidade infantil criamos um bônus para as crianças, desde que
estão no ventre materno. Além disso, as mães fazem exames de pré-natal e depois
recebem apoio até os dois anos, com controle médico e assistência para que
possam proporcionar boa alimentação, com segurança e apoio profissional.

Adicionalmente, temos o bônus Juancito Pinto. A Bolívia era um dos países que
tinha uma das mais altas taxas de deserção escolar, que agora foi praticamente
eliminada. As crianças que concluem o ano escolar recebem um prêmio econômico.
Ninguém quer deixar de estudar.

Somos um dos poucos países no mundo – somente há quatro, e o único dos países
emergentes -, em que o sistema de pensões e aposentadorias cobre 100% da
população. Isso vem dos recursos naturais, do gás. Parte das vendas de gás se
redistribui entre as pessoas, como uma renda universal. Então todo mundo, tenha
contribuído ou não, tem uma soma de dinheiro que lhe serve de pensão. Junto com
a Dinamarca, Suécia e Inglaterra, somos o quarto país no mundo que tem cobertura
de 100% da Seguridade Social. A média da América Latina é de só 42%. Há países
na América Central onde a cobertura fica entre 16 a 22% da população!

A Bolívia tem um sistema de aposentadorias híbrido. Por um lado, esta ‘Renda
Dignidade’, como a chamamos, em que todos bolivianos com mais de 60 anos recebem
parte da renda petroleira. Depois, nosso sistema de pensões também é muito sui
generis. Porque contrariamente ao que acontece no Chile e em outros países onde
tudo havia sido privatizado, onde tudo é administrado pelos Fundos de Pensão
privados, na Bolívia recuperamos a Previdência pública. Primeiro recuperamos a
contribuição patronal para o sistema de aposentadoria. Ou seja, adicionalmente
ao que vem dos recursos naturais, o trabalhador contribui, o empregador
contribui, e criamos um fundo solidário. Na medida em que as pessoas vão
ganhando mais, contribuem com parte de seu ingresso para uma bolsa, em que
ingressam todos esses recursos e se distribuem entre os que têm menos. Portanto,
elevamos a renda, as aposentadorias dos que têm menos com este fundo solidário,
somada à contribuição patronal e mais a contribuição do próprio trabalhador.
Tudo isso soma, melhorando substancialmente as aposentadorias.

Existe um valor mínimo para as aposentadorias?



Sim. Neste momento o valor mínimo é de 4.200 bolivianos (cerca de 600 dólares),
mais de duas vezes o salário mínimo, que é de 2.060 bolivianos.

Isso teria sido possível sem a nacionalização dos recursos?

Jamais. A Bolívia recuperou os seus recursos naturais, nacionalizamos os
hidrocarbonetos e algumas minas. Algumas empresas que tinham sido privatizadas
no período neoliberal foram retomadas, como a Empresa de Comunicação e de
Telecomunicações. Temos recuperado várias empresas, e resolvido processos
pendentes por causa da nacionalização. Agora empreendemos a tarefa da
industrialização, que é o outro objetivo chave.

Nosso modelo, que chamamos de “modelo econômico social comunitário produtivo”,
desenhado por Carlos Villegas e por minha pessoa, no ano 2005, quando o
presidente Evo se candidatou à presidência, tem uma particularidade fundamental:
é um modelo eminentemente redistributivo. As políticas de transferência de renda
têm melhorado a capacidade aquisitiva da população, sua qualidade de vida, e
gerado um aumento na demanda da produção de bens. O outro lado dessa
distribuição é que parte desses recursos naturais também é investido em empresas
públicas, proporcionando mais renda ao Estado e continuando o processo
redistributivo.

Então, geramos mais produção com uma parte dos recursos naturais e geramos mais
demanda interna com as transferências de renda. Com maior produção e maior
consumo se fecha o círculo. Com cada vez mais demanda, temos mais produção; mais
produção, mais demanda, e assim sucessivamente. É isso o que estamos fazendo
agora.

Em 2014 o preço do barril baixou de 110 para 26 dólares e, apesar disso, a
Bolívia continuou crescendo normalmente. Mas existem países que dependem tanto
do petróleo que se paralisaram…

A oposição, durante os primeiros anos do presidente Evo, sempre dizia que
estávamos bem porque os preços do petróleo estavam altos. Mas essa mentira ficou
nua em 2014 quando os preços caíram – o preço do petróleo estava acima dos 110
dólares e baixou a 26 dólares. E justo nesse ano de 2014 a Bolívia recuperou o
ritmo de 2009.

E quando todos diziam que pela queda dos preços não íamos crescer, não só
crescemos como alcançamos a mais alta taxa de crescimento em 2014. Então diziam
que isso era muita sorte. E crescemos em 2015, 2016, 2017, 2018. E a Bolívia
continua tendo os maiores índices de crescimento da região. Assim ficou exposta
a mentira da oposição, da direita, que insistia em que estávamos bem, crescendo,
só porque os preços do petróleo e do gás estavam altos.

Não davam valor ao trabalho que tinha sido feito pelo governo, ao modelo
econômico que mostrou que as coisas podiam ser feitas de forma diferente do que
eles pensavam, e com melhores resultados. Não somente no econômico, mas
fundamentalmente no social, porque hoje a Bolívia é o país da região que mais
tem reduzido a pobreza, o país que mais tem reduzido o coeficiente Gini*,
mostrando que estamos distribuindo melhor a renda. O paradoxo é que junto com o
Brasil éramos os países com pior distribuição de renda em 2005. O índice de Gini
do Brasil era de 0,61 e o da Bolívia de 0,60. Agora baixou – se não me falha a
memória – a 0,58 o do Brasil, mas nós baixamos a 0,47. E estamos entre os cinco
países com melhor distribuição de renda da região.

[* O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda
em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais
pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um. O valor zero
representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um
(ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.]

Reduzimos o desemprego pela metade, de 8 para 4%. E continuará caindo. Somos o
país que tem a taxa de desemprego mais baixa da região. Adicionalmente somos o
país – com cifras não do Ministério de Economia da Bolívia, mas do Banco
Mundial, insuspeito de querer nos beneficiar -, que mais tem aumentado a
esperança de vida de sua população. E se isso fosse pouco, o mesmo BM publicou
em sua página web um informe analisando todos os países emergentes e pobres no
mundo. E de todos os países, a Bolívia é quem mais tem aumentado a renda dos 40%
mais pobres de sua população.

Realmente, o processo redistributivo é o que melhor demonstra o crescimento
econômico e o desenvolvimento da Bolívia.

Falamos muito da opinião pública e da opinião publicada. Ou seja, a diferença
que há quando existe uma grande concentração dos meios de comunicação. Estamos
acompanhando muito de perto tudo que acontece na Bolívia e quando a gente quer
se informar sobre o seu país pode fazer de tudo, menos ler os jornais
bolivianos.

Isso faz parte da luta ideológica existente e da proximidade das eleições de
outubro. Claramente muitos meios de comunicação respondem à oligarquia boliviana
e não fazem jornalismo de forma alguma, fazem campanha. Há várias formas de ver
isso, perceber que não são equitativos. Por exemplo, o Banco Mundial e o FMI
publicaram um informe onde baixam a expectativa de crescimento de muitos países,
incluindo a Bolívia. Mas deixam o nosso país, mesmo com a redução dessa
expectativa, em primeiro lugar. Qual a manchete desses meios de comunicação?
“Banco Mundial reduz o crescimento da Bolívia”. Não dizem que, apesar da
redução, continuamos sendo o país que mais cresce.

Outra questão é que, quando lhes convêm, tomam como fonte de informação as redes
sociais. Quando há uma “informação” circulando, mas que todo mundo sabe que não
tem sequer uma fonte conhecida, nem segurança, nem confiabilidade, muitos meios
oligárquicos defensores do setor privado pegam e a publicam como sendo a opinião
das redes sociais, como se aquilo fosse um fato comprovado. No nosso país
enfrentamos esse tipo de coisas. Não há profissionalismo, não há ética. Por isso
é que preciso sair da Bolívia para ver as melhores notícias sobre o nosso país
[risos].

A semana passada estive em Washington, na reunião do Fundo Monetário
Internacional e do Banco Mundial, e lá fui entrevistado por vários meios. Aí foi
quando muita gente começou a se informar. Estive no México e aconteceu a mesma
coisa. Em outros países estão interessados no que acontece na Bolívia porque
estão vendo os resultados e muitos não têm a cegueira dessa mídia da qual falei.

Na Bolívia, felizmente, não são todos assim. Há alguns que fazem jornalismo e
informam, mas a grande maioria responde aos interesses dessa oligarquia, aos
interesses dos candidatos que estão concorrendo contra o presidente Evo. São os
que publicam esse tipo de informação deturpada. Hoje mesmo, estando aqui em São
Paulo, pude observar tais meios. Sua tarefa é desinformar, gerar incerteza e
temores na sociedade, dúvidas infundadas, esse é o jogo que a direita faz.

No meu país a direita tem uma lógica filosófica fundamental. Repetir mentiras
para que essas mentiras repetidas virem verdade. A velha tática de Goebbels.

Retornemos à questão econômica. Como você assinalou, houve na Bolívia um
processo de industrialização que não ficou atado aos resultados da exportação de
recursos naturais. Como foi esse processo?

Com a recuperação dos recursos naturais, o país não podia ficar na velha
exportação de matérias-primas. O primeiro que fizemos, então, foi industrializar
o gás. Hoje temos uma fábrica de ureia. Do gás tiramos a ureia que é um
fertilizante muito usado pelo setor agropecuário e que já estamos exportando.
Depois vem a questão do lítio. A Bolívia está produzindo carbonato de lítio,
cloreto de potássio, e agora fizemos um acordo com uma empresa alemã para
produzir baterias de lítio. Com uma montanha de minério de ferro no sudeste
boliviano, estamos construindo a Usina Siderúrgica de Mutún. Aliás, o Brasil tem
do outro lado da fronteira um morro muito parecido, riquíssimo em ferro. Nós
ainda não tínhamos tocado essa região e agora estamos explorando com uma empresa
chinesa a produção de ferro e aço.

Também estamos investindo muito em energia limpa. Quando o presidente Evo
assumiu não havia mais que algumas hidrelétricas antigas, instaladas nos anos 50
e 60 e alguma termoelétrica para geração de eletricidade. Hoje temos energia
eólica, energia solar, estamos investindo em energia geotérmica e em novas
usinas hidroelétricas. Queremos nos transformar em um provedor de energia na
região e temos condições para fazê-lo. É o que estamos produzindo. O que acabo
de mencionar são apenas investimentos públicos, de empresas públicas.

Também queremos melhorar a produção agropecuária porque temos aberto mercados na
China e na Rússia. Em outras palavras, estamos nos transformando em um jogador
importante no mercado de alimentos. Tínhamos certas condições que faziam da
Bolívia o país com a menor taxa de produção agropecuária da região e hoje isso
está sendo revertido. Há muitos bens de capital que o Estado está comprando,
assim como o setor privado, graças uma política de tarifas zero. Assim, o setor
privado também está gerando industrialização.

Outro setor que estamos promovendo é o turismo. Não havia uma estrutura
turística no país, que agora, junto com o setor privado, está sendo construída
para receber cada vez mais pessoas e melhorar a qualidade de recepção.

Em relação à melhoria da produção agropecuária, as parcerias com a China e a
Rússia possibilitam a exportação de gado. Vamos abrindo espaço para sermos um
forte exportador no setor alimentício da região. Vale lembrar que éramos o país
de mais baixa capacidade agropecuária.

E a questão dos salários?

Para termos uma ideia da evolução, 65% da população em 2005 recebia salários
baixos, 38% salários médios e o restante salários mais altos. A partir do
processo redistributivo aplicado desde 2006, temos 35% na faixa salarial baixa e
65% na média para cima. Ainda existem cerca de dois milhões de pessoas na
extrema pobreza, mas, conforme o presidente Evo disse, chegaremos a 2025 com a
pobreza extrema zero. E alcançaremos isso impulsionando o nosso modelo
redistributivo, fortalecendo a industrialização e a produção nacional.

Uma questão chave que temos visto é o investimento que o governo Evo tem feito
na formação científico-tecnológica, em parcerias com instituições
internacionais, para valorizar e ampliar o conhecimento de profissionais
bolivianos.

Afora estas parcerias, todos os anos, o governo boliviano oferece 100 bolsas aos
melhores estudantes para irem a qualquer universidade estrangeira se aprimorar
nos campos que determine o Estado: tecnológico, petroleiro, hídrico,
eletricidade. Áreas em que farão os seus mestrados, doutorados ou pós-doutorados
com o compromisso de retornar ao país para contribuir nas empresas públicas.
Nossa concepção é que não se pode compreender o mundo sem o investimento em
novas tecnologias.

A Bolívia também está desenhando a sua cidadela tecnológica, está construindo
seu Vale do Silício, em Cochabamba, que é um vale também. Hoje nosso país está
exportando software e o faz por meio de empresas privadas e de forma muito
isolada. Agora queremos reunir todos os cérebros jovens deste novo milênio para
que possam produzir software e tenham a capacidade de desenvolver sistemas que
possamos exportar.

E como enfrentar a agressividade especial e crescente vinda do governo dos
Estados Unidos?

O primeiro ponto a ser destacado é que nem tudo o que fez o senhor Trump é mal.
O de bom foi decretar o certificado de óbito à globalização. Quando começa a
adotar políticas neoprotecionistas para os Estados Unidos e começa uma guerra
comercial com a China, com os europeus, na verdade a globalização está
agonizando.

Na parte política, vemos com muita preocupação os embates permanentes com a
Venezuela, as declarações de guerra a Cuba e à Nicarágua, e nós sabemos que a
próxima vítima será a Bolívia, porque adotamos uma outra política. No entanto,
há uma diferença com nosso país: social e economicamente estamos muito bem, não
há nenhum pretexto para que os Estados Unidos venham querer agir como quando a
Doutrina Monroe estava vigente, quando podiam passear pela América Latina.
Estamos bem, crescemos mais que os seus aliados na América do Sul, temos
melhores indicadores econômicos. Não há nenhum pretexto, mas isso não quer dizer
que vamos baixar a guarda.

Na semana passada o Senado estadunidense aprovou uma resolução condenando a nova
postulação do presidente Evo. Isso é uma ingerência na política interna dos
nossos países. Não agradamos ao senhor Trump, no entanto, para os olhos de todo
o mundo, a Bolívia é um país que cresce, fazendo as coisas à sua maneira e não
deveria receber a intromissão de ninguém. Há estabilidade social, há
estabilidade política, há estabilidade econômica, e essas três coisas não se
encontram juntas em nenhum país da região, exceto na Bolívia. Por que então
ficar focado num país como o nosso? Acredito que tudo do que vai surgir e vai
ser inventado daqui pra frente é porque não gostam deste país que está fazendo
diferente do que determina a ortodoxia e está fazendo melhor, em tão pouco
tempo. Há seis anos somos o país que mais cresce na região, que tem a maior
distribuição de renda, que mais tem elevado a expectativa de vida. São tantos
indicadores sociais que acreditamos não haver espaço para aquilo que argumentam
e inventam para invadir. Claro que vemos com cautela as ameaças dos EUA, que
longe de trazer tranquilidade à região, exacerba os conflitos.

E as eleições de outubro?

Primeiro é preciso esclarecer que a oposição no meu país argumentava sobre o
referendo de 21 de fevereiro de 2016, que teria ganho o “Não à nova postulação
do presidente” e que Evo não poderia se recandidatar.

Uma manipulação da mentira.

Uma mentira, exato. Nós chamamos o cartel da mentira. Porque estes mesmos meios
de comunicação, estes mesmos jornalistas, são os que elaboraram e planejaram a
mentira. Gente da oposição inventou tudo isso para fazer com que semanas antes
da votação se divulgasse que, supostamente, o presidente Evo teria um filho com
uma senhora envolvida em casos de corrupção.

No final se viu que a senhora realmente estava enredada em corrupção, mas que
não tinha nenhum filho com o presidente, não havia tal envolvimento. Mas isso já
havia prejudicado a candidatura, porque a notícia mostrando a mentira, esta
informação saiu depois do referendo. Então ficou clara a manipulação midiática
para que Evo fosse derrotado.

Este não era o único caminho constitucional para a nova postulação. Nossa
Constituição estabelece que são garantidos os direitos humanos – uma da poucas
da região que dá amplos respaldos aos direitos humanos -, entre eles os direitos
políticos e o Acordo de São José de Costa Rica, que basicamente permite a
repostulação. Isso foi o que se questionou ao Tribunal Constitucional e se pediu
que fizesse uma interpretação. O Tribunal Constitucional analisou durante
bastante tempo e aprovou uma resolução que dizia que, evidentemente, as pessoas
têm o direito de se recandidatar a um cargo. Por isso, constitucionalmente, o
presidente Evo está habilitado a se candidatar.

Aí vem o problema da direita, que obviamente sabe que se Evo disputa, ganha.
Todos sabem. Por isso sempre vão argumentar coisas para tentar desprestigiar a
eleição, depois vão inventar não sei o que para deslegitimar o processo. E quem
vencerá não será o partido do governo, mas fundamentalmente o povo que está
vendo obras que melhoraram a sua qualidade de vida. Cada vez é uma maioria mais
ampla a que apoia o presidente.



Passaram-se 13 anos e a popularidade do presidente permanece alta. Não é como a
de muitos presidentes da região em que a popularidade está no piso em poucos
meses.

Como se encontra a oposição? Ela vem unida contra o presidente?

Ainda não sabemos. Depende de muitos fatores, que incluem os Estados Unidos.
[Risos]. Mas no momento há vários candidatos, creio que muitos deles apostando
no segundo turno, para que se unifiquem todos contra Evo. Esta seria sua
estratégia. A nossa é vencer no primeiro turno, mostrando as obras e os
resultados econômicos, sociais e políticos alcançados ao longo do nosso governo.

E a integração regional, como está?

Para nós é preocupante a situação de dois países fundamentalmente: Argentina e
Brasil. Além de serem os nossos principais sócios comerciais, são países que têm
muita influência na região. O recrudescimento da pobreza no Brasil pode ser
vista. Lamentavelmente não necessitamos analisar estatísticas, como no caso do
meu país, basta passear no final da tarde, nas ruas, em frente às igrejas, para
ver as pessoas humildes colocando o seu colchão para dormir. É impressionante.
Isso eu não vi isso no meu país nem quando nos encontrávamos na pior situação do
neoliberalismo. Nem nos 20 anos em que o neoliberalismo esteve vigente tivemos
semelhante pobreza crua como vemos hoje no Brasil. Na Argentina vemos como
particularmente os idosos estão sofrendo. Dois países que se encontravam em
pleno desenvolvimento e crescimento, em tão pouco tempo têm indicadores
econômicos tão preocupantes. A Argentina com a inflação tão elevada, cerca de
50%, desvalorização de 100% em sua moeda, uma dívida externa extremamente alta.
No Brasil uma dívida interna alta que vai se traduzir em “ajustes”
orçamentários, como os jornais estão dizendo que será feito nas aposentadorias.
Algo que do meu ponto de vista não virá para resolver o problema das pessoas,
mas tirar o peso do pagamento das aposentadorias do Estado antes do que melhorar
a qualidade de vida. Isso são receitas claramente do FMI, do neoliberalismo
recalcitrante que temos vivido todos os países nos anos 80, 90 e parte dos 2000.

O que diz a experiência boliviana?

A experiência boliviana diz que quando se aplicam esse tipo de receitas não se
leva a nenhuma parte e essa é a nossa preocupação com dois países irmãos, que
são nossos dois sócios comerciais. Se o Brasil e a Argentina estão bem, nós
também seguimos bem.

Em relação à Previdência, a Bolívia foi um dos 18 países que segundo a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) enfrentou a herança neoliberal e
desprivatizou a Previdência. Fale um pouco sobre isso.

No meu país quando se aplicou o neoliberalismo, essa lei dos fundos de pensão
privados individuais, a capitalização, foi retirado o aporte patronal. Na nossa
lei de aposentadoria há três fontes de financiamento, mas a ortodoxia diz que
deve haver só o aporte do trabalhador, que esta deve ser a única fonte. O
resultado é que na Bolívia havia pessoas que se aposentavam com praticamente
nada. Hoje, para garantir dignidade aos nossos aposentados, invertemos esta
lógica.

*Publicado originalmente em horadopovo.org.br

In
CARTA MAIOR
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Seguridade/-Bolivia-cresce-elevando-salarios-e-beneficios-previdenciarios-/63/43986
29/4/2019

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