Leonardo Wexell Severo, de La Paz para o Correio da Cidadania
CORREIO DA CIDADANIA
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19/10/2020
Juan Carlos Pinto Quintanilla denuncia presença de dezenas de
assessores da OEA e da USAID para interferir no pleito (Foto: LWS)
Para o sociólogo Juan Carlos Pinto Quintanilla, frente à vitória do
candidato Luis Arce, do Movimento Ao Socialismo (MAS), nas
eleições realizadas neste domingo (18), “a direita boliviana tem
dois planos, que não sei se vão se encontrar em algum ponto: tentar
uma fraude eleitoral ou aplicar um golpe”.
Na boca de urna, a vantagem parece incontornável e Arce conta com
vantagem muito considerável. Uma vitória no primeiro turno parece
prestes a ser confirmada, uma vez que pela lei boliviana o
candidato que fizer mais de 40% dos votos e abrir 10% de vantagem
está eleito.
Leia a entrevista a seguir.
*A boca de urna eleitoral deste domingo, 18, aponta para uma vitória
do MAS no primeiro turno. Em função disso, Tuto Quiroga, que tinha
menos de 2% já tinha saído da disputa para fortalecer a
candidatura de Carlos Mesa. Exatamente da mesma forma que a
autoproclamada presidente Jeanine Áñez. Como avalias esta
tentativa da direita de manter-se no poder?*
Estas pesquisas não são nada de novo. Estamos falando de todas as que
têm mais ou menos alguma confiabilidade haviam mostrado que o
Movimento Ao Socialismo (MAS) estava em ascensão e que havia a
perspectiva real de alcançar pelo menos os 40% dos votos, com os 10%
de diferença. [Na Bolívia para o candidato vencer no primeiro
turno esta é uma das opções, a outra é fazer mais de 50% dos votos].
Porém contrastavam com pesquisas como a do jornal Página Siete ou da
Fundación Jubileo que tentavam mostrar a Carlos Mesa como o
possível opositor, dizendo que haveriam apenas três ou quatro
pontos de diferença. Ou até mesmo empate técnico.
*Pesquisas que não levavam em conta em geral nem o voto rural nem do
exterior, em que o MAS tem ganhado historicamente com ainda maior
diferença...*
Exato. O que buscavam era aglutinar o voto da direita, tentar
impedir que se dispersem. A queda de Jeanine Áñez esteve dentro
deste quadro, pois as diferenças eram ainda maiores. Estas últimas
pesquisas colocam Tuto Quiroga bem para trás. Logicamente que os
comentaristas mais pesados da própria oposição estão
assinalando que o MAS já tinha praticamente todas as condições
de vencer no primeiro turno.
Nestas circunstâncias estamos falando que eles estão acelerando e
apertando cada vez mais na busca de juntar os votos em torno ao
segundo colocado, ainda que o que querem é dar a impressão de que
evidentemente existe competitividade. Acredito que o que pode
ocorrer é que possam forçar um segundo turno. E que ele seja feito sob
as circunstâncias em que se move o processo eleitoral, com os 30
assessores da Organização dos Estados Americanos (OEA) – que
atuou para fraudar as eleições do ano passado. Com os agentes da USAID
(Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional) – surrado esquema de intromissão
estadunidense na América Latina – no Tribunal Eleitoral
Estamos dando por certo que há algum plano com algum tipo de “ajuda
técnica e humanitária” para tentar contornar esta situação.
Conviria a este setor, pela chamada “governabilidade”, passar a
imagem de transferência pacífica de governo pacífica e não a de
um golpismo permanente, para o que estão se preparando.
*Como vês a denúncia da Rede de Comunicadores Populares de que há
um envolvimento de setores militares em uma onda de atentados
violentos com explosivos contra hotéis de observadores
internacionais e tudo mais, no sentido de envolver o MAS?*
Não há nada descartado porque é um plano estratégico da
ultradireita ligada ao império. Sua jogada principal é não
permitir que o MAS vença. E a primeira coisa para isso é tentar,
através de Mesa, que passa a figura do moderado, entre aspas, e de um
certo equilíbrio da direita, forjar um centro de conciliação.
Na realidade, os direitistas não vão competir para ver quem ganha,
mas vão forçar esta vitória por meio dos mecanismos que estamos
assinalando. Porém, se a votação no MAS for demasiado
contundente, não está descartada a possibilidade do golpismo
continuado. Para isso as declarações de alguns militares nas
redes sociais que não vão permitir que o comunismo retorne. Em
virtude do aniversário do Che voltaram com os mesmos discursos de
que os invasores estrangeiros venham etc., obviamente os
cubanos e venezuelanos, a mesma cantilena de sempre, com o mesmo
discurso.
Na semana da eleição também houve a conferência de grupos que são
ecologistas paramilitares, os Árvores de Pé e outros de Santa
Cruz, acusando o MAS de violência armada e de preparativos de
agressões para o dia das eleições. Estão projetando sobre nós o que
eles fazem, para jogar a culpa.
Evidentemente, há dois planos, que não sei se vão se encontrar em
algum ponto: tentar uma fraude eleitoral e fazer um golpe. A direita
tem os seus próprios planos diversos e os dois podem estar a caminho.
*Houve a denúncia inclusive da campanha de Arce à mídia e à
comunidade internacional da prisão política de uma deputada
do MAS em Santa Cruz. Como vês o papel da polícia e das tropas
militares, somada ao dos meios de comunicação?*
As imagens que foram divulgadas pelas redes sociais mostram
claramente o ataque que havia sofrido um de comitê de campanha do
MAS por milícias do Creemos [de Camacho, um dos candidatos
presidenciais da extrema-direita]. A deputada masista que está
fotografando procura policiais para denunciar a agressão que
estava sofrendo. Mas em vez da polícia protegê-la, a prendem. Ao
abrirem suas coisas vêm que há um frasco de gás pimenta, que é normal
para a defesa das mulheres, e a acusam de portar explosivos. É o
mundo totalmente ao contrário.
*Transformaram a vítima em agressora.*
Totalmente. Levaram-na e encarceraram. Esta é a situação. Esta é
a posição da polícia e dos militares em relação ao MAS. Estas são
as ordens que receberam. Há descontentamento interno,
obviamente, e acreditamos por tudo o que já viram que a
hierarquia intermediária não irá se responsabilizar por
nenhum outro massacre.
*Neste momento, como ativista, intelectual e militante, como
acreditas que deva ser começada a reconstrução nacional no caso
de uma vitória de Arce e Choquehuanca?*
Primeiro por conciliar-nos internamente, abrindo os espaços de
debate, de crítica e autocrítica, que foi o que não fizemos
durante muitos anos. É o que digo: há muitos MASes dentro do MAS,
pessoas com seus interesses muito particulares. E há gente que
acredita no projeto político revolucionário, que é o que dá
vida a este processo.
Deve ser aberta a luta ideológica que existe, mas fica em silêncio.
Esta luta ideológica deve encontrar ao menos um ponto de
intercâmbio que nos permita ver para onde caminhar. Durante
demasiado tempo se insistiu na rota da modernidade, antes que na
do socialismo.
É tempo também de que a massa mobilizada entenda que suas metas
podem ir além do que ter simplesmente acesso ao básico, que é um
direito fundamental. Gerar um projeto político também implica em
um processo de repolitização. Porque se houve gente que ficou pelo
caminho ou passou para o outro lado, é justamente porque não
entendeu o sentido do horizonte que estamos construindo.
E não deve ser apenas um grupo ou coletivo de intelectuais
orgânicos deste movimento que deve participar desta elaboração.
Para mim uma meta política coerente deveria ser a repolitização
enquanto construímos ou reconstruímos as condições básicas para a
restituição de direitos fundamentais no país.
*E neste horizonte para a reconstrução dos caminhos básicos, como
vês o papel da industrialização?*
Em primeiro lugar, temos que falar da industrialização dos
recursos naturais fundamentais e, neste caso, o lítio. É o butim
principal pelo qual vem os gringos e os grandes grupos de poder.
É preciso restituir o processo de industrialização que já tinha
um caminho traçado. Isso é chave para ter a entrada de recursos que
nos permitam também pensar nesta restituição de direitos.
Porém, sinto que é preciso avançar de forma paralela para não
voltarmos a incorrer nos erros cometidos nos últimos anos.
Acreditar que a bonança econômica gera automaticamente adesão ao
processo de transformação. Necessitamos que as pessoas entendam
que estamos construindo a mudança rumo ao bem-estar familiar e
pessoal. Como perspectiva política coletiva. A
industrialização dos nossos recursos naturais fundamentais
básicos é um objetivo central que defendo que deve estar à frente
no combate da superação de crise que vive não só o país, mas todo o
mundo, e o nosso continente em particular.
Então é preciso que as pessoas entendam que não poderemos sair da
crise sós. Porque o próprio povo pode nos derrubar se não se sentir
envolvido, com todos juntos. E nesse processo coletivo já começa a
repolitização, que acompanhe as mudanças e que as pessoas sejam
protagonistas.
Como fazemos para o povo ser protagonista e não o Estado, os
intelectuais, os funcionários que têm os instrumentos e que se
apropriam finalmente dos espaços do poder? Esta é a parte mais
difícil e faz parte da discussão sobre o próprio socialismo a
nível mundial, mas que vale a pena e é imprescindível fazê-la.
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