*Michael Hudson [*]
O Sr. Soros fez uma birra pública por não poder ganhar com a China o
tipo de dinheiro fácil que conseguiu quando a União Soviética foi
destruída e privatizada. A 7 de Setembro de 2021, no seu segundo grande
artigo em uma semana, George Soros expressou o seu horror perante a
recomendação da BlackRock, a maior gestora de activos do mundo, de que
os gestores financeiros deveriam triplicar o seu investimento na China.
Alegando que tal investimento colocaria em perigo a segurança nacional
dos EUA ao ajudar a China, o Sr. Soros reforçou a sua defesa das sanções
financeiras e comerciais dos EUA.
A política da China de moldar mercados para promover a prosperidade
global, ao invés de deixar o excedente económico concentrar-se nas mãos
de investidores corporativos e estrangeiros, é uma ameaça existencial
para as prioridades neoliberais da América, afirma ele. O programa
"Prosperidade Comum" do Presidente Xi "procura reduzir a desigualdade
através da distribuição da riqueza dos ricos à população em geral. Isso
não augura nada de bom para investidores estrangeiros". [1] <#notas>
Para os neoliberais, isso é heresia".
Criticando o "cancelamento abrupto de uma nova emissão da China pelo
grupo Ant do Alibaba em Novembro de 2020", e o "banimento das empresas
de tutoria da China financiadas pelos EUA ", o Sr. Soros destaca o
co-fundador de Blackstone, Stephen Schwarzman (Note-se que a Blackstone
sob o comando de Schwartzman não deve ser confundido com a BlackRock sob
o comando de Larry Fink) e o antigo presidente da Goldman Sachs, John L.
Thornton, por procurarem obter retornos financeiros para os seus
investidores, em vez de tratar a China como um estado inimigo e um
adversário da Guerra Fria que se aproxima:
A iniciativa da BlackRock põe em perigo os interesses de segurança
nacional dos EUA e de outras democracias porque o dinheiro investido na
China ajudará a reforçar o regime do Presidente Xi ... O Congresso
deveria aprovar legislação que desse poderes à Securities and Exchange
Comission para limitar o fluxo de fundos para a China. O esforço deve
ter apoio bipartidário.
O /New York Times/ publicou um artigo importante definindo a "Doutrina
Biden" como vendo "a China como o competidor existencial da América; a
Rússia como um disruptor; o Irão e a Coreia do Norte como proliferadores
nucleares, ameaças cibernéticas em evolução permanente e o terrorismo a
propagar-se muito para além do Afeganistão". Contra estas ameaças, o
artigo descreve a estratégia dos EUA como representando a "democracia",
o eufemismo para países com governos mínimos que deixam o planeamento
económico para os gestores financeiros de Wall Street, e as
infra-estruturas nas mãos de investidores privados, não fornecidas a
preços subsidiados. Nações que restrinjam os monopólios e a relacionada
busca de rendas não merecidas são acusadas de serem autocráticas.
O problema, naturalmente, é que tal como os Estados Unidos, a Alemanha e
outras nações se tornaram potências industriais nos séculos XIX e XX
através de infra-estruturas patrocinadas pelo governo, tributação
progressiva e legislação antimonopólio, a rejeição destas políticas após
1980 levou-as à estagnação económica para os 99 por cento
sobrecarregados pela deflação da dívida e pelo aumento dos encargos
rentistas pagos aos sectores Financeiro, de Seguros e Imobiliário
(FIRE). A China está a prosperar, seguindo precisamente as políticas
pelas quais as antigas nações industriais líderes tornaram-se ricas
antes de sofrerem da doença da financeirização neoliberal. Este
contraste suscita o impulso do artigo, resumido no seu sumário do que
espera que se torne uma Doutrina Biden apoiada pelo Congresso de
escalada de uma Nova Guerra Fria contra economias nãoneoliberalizadas,
contrapondo o imperialismo liberal-democrata patrocinado pelos EUA
contra o socialismo estrangeiro:
No mês passado, o Sr. Blinken advertiu que a China e a Rússia estavam "a
argumentar em público e em privado de que os Estados Unidos estão em
declínio – por isso é melhor tentarem a sua sorte com as suas visões
autoritárias para o mundo do que com a nossa visão democrática" [2]
<#asterisco>.
O Sr. Soros viu o fim da Guerra Fria abrir o caminho para ele e outros
investidores estrangeiros para usar a "terapia de choque" para facilitar
colheitas na Rússia, seguida pela crise asiática muito mais vasta de
1997 como uma oportunidade de encher o seu saco de compras com os
activos mais lucrativos que proporcionassem rendal. Ele está inquieto
por o Presidente Xi não estar a emular Boris Yeltsin e deixar emergir
uma cleptocracia cliente na China tal como na economia da Rússia – o que
fez do mercado de acções russo o queridinho do mundo durante alguns
anos, 1995-97.
Logo após a Crise Asiática, a administração de Bill Clinton admitiu a
China na Organização Mundial do Comércio, dando a investidores e
importadores dos EUA acesso a trabalho de baixo preço capaz de competir
com o trabalho industrial estado-unidense. Isso ajudou a travar ganhos
salariais nos EUA, ao passo que a China utilizou o investimento
estrangeiro como um meio de melhorar a sua tecnologia e de o trabalho se
tornar economicamente auto-suficiente. Ela não deixou o seu sistema
monetário ou organização social tornar-se financeiramente dependente de
"mercados" a funcionarem como veículos para o controle estado-unidense
como o sr. Soros esperava que ocorresse quando começou a investir na China.
A China reconheceu desde o princípio que a sua insistência em manter o
controle da sua economia – pilotando-a para promover a prosperidade
geral, não enriquecer uma oligarquia cliente frente a uma classe
investidora estrangeira – criaria oposição política dos ideólogos da
Guerra Fria nos EUA. A China portanto quiz aliados da Wall Street,
oferecendo oportunidades de fazer lucro à Goldman Sachs e outros
investidores cujo auto-interesse levou-os na verdade a se oporem a
políticas anti-China.
Mas o êxito da China criou tantos multimilionários que ela agora procura
restringir a riqueza excessiva. Essa política cortou drasticamente os
preços das principais acções chinesas, levando o sr. Soros a advertir
investidores quanto a salvamentos /(bail out)./ A sua esperança é que
isto levará a China a controlar e reverter a sua política de elevar
padrões de vida a expensas do envio dos seus ganhos económicos para os
EUA e outros investidores estrangeiros.
A realidade é que a China não precisa do dinheiro dos EUA ou de outros
estrangeiros para desenvolver-se. O Banco Popular da China pode criar
todo o dinheiro que a economia interna necessita, enquanto o seu
comércio de exportação já está a inundá-la com dólares e a pressionar
para cima a sua taxa de câmbio.
John McCain caracterizou a Rússia como um posto de gasolina com bombas
atómicas (deixando de reconhecer que é agora o maior exportador mundial
de cereais, já não dependendo mais do Ocidente para o seu abastecimento
alimentar – graças em grande medida às sanções comerciais patrocinadas
pelos EUA). A imagem corolária é dos Estados Unidos como uma economia
financiarizada e monopolizada com bombas atómicas e ciber ameaças, em
perigo de se tornar um estado falhado como a antiga União Soviética mas
a ameaçar deitar abaixo toda a economia mundial se outros países não
subsidiarem a sua economia da Nova Guerra Fria, a cavalo da dívida.
Apresentando-se a si própria como a principal democracia do mundo,
apesar da sua oligarquia financeira interna e do seu apoio a oligarquias
clientes no exterior, os Estados Unidos consolidaram o poder financeiro
na sequência das hipotecas-lixo e da fraude bancária de 2008.
A decisão política e a alocação de recursos saíram das mãos da política
eleitoral significativa para àquelas do sector das Finanças, Seguros e
Imobiliário (Finance, Insurance and Real Estate, FIRE) e daquilo que Ray
McGovern chamou de MICIMATT, o complexo
Military-Industrial-Congressional-Intelligence-Media-Academic-Think
Tank, incluindo as grandes fundações e ONGs. Estas institituições
procuram concentrar rendimento e riqueza nas mãos da oligarquia do
sector FIRE assim como o Senado romano impedia reformas sobre legislação
popular mediante o poder de veto e as câmaras altas de parlamentos, tal
como a Casa dos Lordes britânica, utilizam um poder estrangulador
semelhante para resistir ao controle governamental no interesse público.
A ascensão do neoliberalismo patrocinado pelos EUA significa que o
combate do século XIX por mercados livres da finança predatória
patrocinadora do parasitismo rentista fracassou. Este fracasso é
celebrado como uma vitória da regra da lei, democracia, direitos de
propriedade e mesmo dos mercados livres em relação à autoridade do poder
público para regular a busca de riqueza privada. Integrar a economia
global de acordo com linhas unipolares que permitam a interesses
financeiros dos EUA e das economias aliadas da NATO apropriarem-se dos
activos de países estrangeiros mais lucrativos e produtores das mais
altas rendas é idealizado como a evolução natural da civilização, não
como a estrada para a servidão neoliberal e a escravidão da dívida
corporificada no que responsáveis estado-unidenses chama a Regra da Lei.
*O que é a Regra da Lei?*
Os Estados Unidos recusam-se a aderir ao Tribunal Mundial, ou a qualquer
organização internacional em que não tenham o poder de veto. E
simplesmente retiram-se de tratados e acordos internacionais que
assinaram se os seus interesses instituídos acreditarem que eles já não
lhes servem. Isto sempre foi a política estado-unidense, desde os muitos
tratados com tribos nativas americanas rompidos por Andrew Jackson e
seus sucessores até os acordos EUA-URSS que puseram fim à Guerra Fria em
1991, rompidos por Bill Clinton e ao tratado que removia sanções ao Irão
rompido por Donald Trump. Esta política introduziu no vocabulário do
mundo diplomático uma nova expressão para descrever a diplomacia
estado-unidense: incapaz de acordos /(non-agreement-capable)./
A administração evangelista neocon de George W. Bush, efectivamente
dirigida pelo seu vice-presidente Dick Cheney, seguiu o princípio de que
"Agora somos um império e, quando actuamos, criamos a nossa própria
realidade" [3] <#notas>. Para impor esta realidade sobre outros países,
a "inteligência" dos EUA é seleccionada, inventada ou censurada para dar
a aparência de qualquer realidade que se considere servir os interesses
dos EUA em qualquer momento dado. A realidade passada e presente é
redefinida à vontade para fornecer um guia de acção. Seja o que for que
a diplomacia dos EUA dite, pretende-se que reflicta a regra da lei,
dando aos Estados Unidos o direito de definir o que é legal e o que não
é quando impõe sanções económicas e militares contra países que não
seguem políticas pró-americanas. Os ditames resultantes que estabelecem
a lei estão sempre embrulhados na retórica dos mercados livres e da
democracia.
*O que é mercado livre?*
Para os economistas clássicos, o objectivo da reforma do século XIX era
substituir o poder político da classe rentista pelo poder democrático a
fim de criar políticas de estado tanto para tributar a renda da terra e
outras rendas económicas como para retornar ao domínio público a terra,
recursos naturais e monopólios naturais tais como transportes,
comunicações e outras infraestruturas básicas necessárias. Um mercado
livre era definido como livre de renda económica – a renda da terra
imposta pela classe dos latifundiários herdeiros dos senhores da guerra,
cujo papel económico era puramente extractivo, não produtivo. A renda
dos recursos naturais diziam pertencer ao domínio público como
património nacional e a renda monopolista era para ser impedida pela
manutenção no domínio público dos monopólios naturais, ou
regulamentando-os com firmeza se fossem privatizados.
A reacção anti-clássica do século XX inverteu o conceito de mercado
livre, o estilo orwelliano da dupla linguagem, para criar um que fosse
"livre" para os que buscam rendas a fim de obterem almoços gratuítos com
rendimentos extraídos de rendas. O resultado é uma economia de rentistas
na qual a terra, os recursos naturais e os monopólios naturais são
privatizados e, a seu tempo, financiarizados para transformarem a renda
nnum fluxo de pagamentos de juros ao sector financeiro, à medida que a
economia é levada a endividar-se para pagar as despesas gerais do
rentista e a inflação do preço do activos financiada por dívida para os
activos produtores de renda.
A "liberdade" de tais mercados é a libertação de os governos tributarem
a renda económica e regularem os preços para limitar a extracção de
renda. Um crescimento exponencial do não merecido rendimento e riqueza
dos rentistas nas mãos de um sector afasta o rendimento da economia
"real" da produção e do consumo.
Quanto ao comércio livre, os Estados Unidos também mantêm o direito de
impor tarifas à vontade (eufemizado como "comércio justo", ou /"fair
trade"/) e aplicar multas e sanções para impedir que as empresas sejam
livres de vender tecnologia à China. O objectivo é concentrar monopólios
tecnológicos nas mãos dos Estados Unidos. Qualquer "proliferação" de
tecnologia (que é tratada de modo muito semelhante ao armamento nuclear
como uma questão de segurança nacional) é considerada "injusta" e
antitética à liberdade de os EUA controlarem o comércio e os padrões de
investimento mundiais no seu próprio interesse.
Esta tentativa de promover "mercados livres" e "comércio justo" é
defendida pelas pretensões dos EUA de proteger a democracia contra a
autocracia e de intervir por todo o mundo para promover os membros do
Mundo Livre definidos /ipso facto/ como sendo democráticos simplesmente
em virtude de serem aliados dos EUA. A Nova Guerra Fria de hoje tem tudo
a ver com a manutenção e extensão de um "mercado livre" tão cativo e
orientado para os EUA pela força, desde o golpe de Henry Kissinger no
Chile para impor "mercados livres" ao estilo de Chicago até aos golpes
de Hillary Clinton na Maidan da Ucrânia e nas Honduras e a sua
destruição da Líbia apoiada pela NATO e o assassinato de Qadhafi.
*O que é democracia?*
Aristóteles escreveu que muitas constituições parecem superficialmente
serem democráticas, mas realmente são oligárquicas. A democracia sempre
foi o eufemismo enganoso para a oligarquia transformar-se numa
aristocracia hereditária. As democracias tendem a evoluir para
oligarquias quando credores expropriam devedores (a "regra da lei"
garantindo uma hierarquia dos "direitos de propriedade" com os direitos
do credor no topo da pirâmide legal).
O movimento rumo à reforma política democrática no fim do século XIX e
início do século XX supunha-se que criasse mercados livres de rendas.
Mas a dinâmica da democracia política foi gerida de um modo que impediu
a democracia económica. O próprio significado de "democracia" foi
degradado para significar oposição ao poder do governo de actuar contra
a oligarquia rentista dos Um Porcento em favor dos 99 Porcento. O
resultante travesti de mercado livre democrático serve para impedir
tentativas políticas de utilizar o poder público para promover os
interesses da população assalariada em geral e, na verdade, da própria
economia industrial para um ávido despojamento de activos financeiros e
de deflação da dívida dos mercados.
Na linguagem da diplomacia internacional, "democrático" tornou-se uma
etiqueta para qualquer regime pró-EUA, desde as cleptocracias bálticas
até as ditaduras militares da América Latina. Países que usem o poder do
estado para regular monopólios ou tributar rendimento rentista são
denunciados como "autocráticos", mesmo se tiverem chefes de estado
eleitos. Nesta nova retórica orwelliana da diplomacia internacional, o
regime cleptocrático russo de Boris Yeltsin era democrático e o
movimento natural para travar a corrupção e a despopulação foi chamado
de "autocracia".
*O que é autocracia e "autoritarismo"?*
Movimentos estrangeiros de defesa contra tomadas de controle financeiras
pelos EUA e o patrocínio de oligarquias clientes são denunciados como
autoritários. No vocabulário da diplomacia estado-unidense, "autocracia"
refere-se a um governo proteger os interesses da sua população pela
resistência às tomadas de controle financeiro pelos EUA dos seus
recursos naturais, da infraestrutura básica e dos seus monopólios mais
lucrativos.
Todas as economias com êxito através da história têm sido economias
mixtas público/privadas. O papel adequado do governo é impedir economias
de uma oligarquia rentista de emergirem para polarizar a economia a
expensas da generalidade da população. Esta protecção exige a manutenção
do controle da moeda e do crédito, da terra e dos recursos naturais, da
infraestrutura básica e dos monopólios naturais nas mãos dos governos.
As oligarquias é que são autocráticas ao bloquearem reformas para anular
a sua busca de renda, através da manutenção das necessidades básicas e
das infraestruturas no domínio público. Para confundir a compreensão, a
oligarquia de Roma acusou os reformadores sociais de "buscarem a
realeza", tal como as oligarquias gregas acusaram os reformadores de
buscarem a "tirania" – como se as suas reformas fossem meramente para
benefício pessoal e não para promover a prosperidade geral. O resultante
Duplo Pensamento Orwelliano resultante é tecido na retórica do
neoliberalismo.
*O que é neoliberalismo?*
Neoliberalismo é uma dinâmica financeira em expansão exponencial que
procura concentrar os recursos mais lucrativos do mundo e os recursos
que proporcionam as mais altas rendas nas mãos de gestores financeiros,
principalmente nos Estados Unidos e nas suas oligarquias clientes que
actuam como proconsules sobre economias estrangeiras.
Os meios de comunicação de massas liberais, o meio académico e as
instituições de lobbying "think tank", fundações políticas e ONG
patrocinam a retórica acima descrita dos mercados livres para criar
veículos para a fuga de capitais, lavagem de dinheiro, evasão fiscal,
desregulamentação e privatização (e a corrupção que acompanha as
cleptocracias emergentes). A doutrina neoliberal retrata todos os
movimentos públicos para proteger a prosperidade geral do fardo do
rentista como sendo a autocracia autoritária que "interfere" com
direitos de propriedade.
*O que são direitos de propriedade?*
Nas economias financiarizadas de hoje, "direitos de propriedade"
significa a prioridade dos direitos do credor para arrestar habitação,
terra e outras propriedades de devedores. (Na antiguidade isso incluía a
liberdade pessoal de devedores condenados à servidão da dívida aos seus
credores.)
O Banco Mundial tem promovido tais direitos de propriedade orientados
para os credores a partir da União Soviética e de comunidades indígenas
latino-americanas a fim de privatizar propriedade até então comunal ou
pública, incluindo terra ocupada por invasores /(squatters)/ ou
comunidades locais. A ideia é que propriedade outrora comunal ou pública
seja privatizada como direito individual, que possa ser comprometida
como garantia /(collateral)/ para empréstimos e devidamente confiscada
ou vendida sob constrangimentos económicos.
O efeito é concentrar a propriedade nas mãos do sector financeiro. Isso
leva inevitavelmente a uma economia fracassada e austera.
*O que é uma economia fracassada?*
As economias fracassam devido à ascensão ao poder de interesses escusos
/(vested interests),/ primariamente no sector das Finanças, Seguros e
Imobiliário (FIRE) que controla a maior parte dos activos e da riqueza.
Uma economia fracassada é aquela que não se pode expandir, habitualmente
em consequência de se ter tornado pejada de dívida pela alta das
despesas gerais rentistas na forma de renda da terra, renda dos recursos
naturais e renda monopolista quando o sector financeiro substitui
governos eleitos democraticamente como planeadores e alocadores de recursos.
O sector FIRE é uma simbiose entre finanças e imobiliário, juntamente
com os seguros. O seu plano de negócios O seu plano de negócios envolvia
uma dimensão altamente política procurando centralizar o controlo do
dinheiro e da criação de crédito em mãos privadas hereditárias, e
transformar esta renda económica "livre" de impostos, arrecadação
pública ou regulamentação, num fluxo de juros. O efeito do empréstimo
principalmente para compradores de activos, os quais são dados como
garantia, não é criar novos meios de produção mas sim inflacionar os
preços dos bens imobiliários já existentes.
Os ganhos de capital financeiro resultantes tornaram-se a forma mais
fácil de adquirir fortunas, as quais assumem a forma de direitos para a
extracção de rendas sobre a economia, não de novos meios de produção
para apoiar a prosperidade económica "real" e a elevação dos padrões de
vida.
As economias financiarizadas estão condenadas a tornarem-se estados
fracassados porque a trajectória de expansão exponencialmente crescente
da dívida a acumular-se a juros compostos mais nova criação de crédito e
"flexibilização quantitativa" /("quantitative easing")/ excede em muito
a taxa de crescimento subjacente da economia de produção de bens e
serviços para suportar este fardo. Estas dinâmicas financeiras ameaçam
condenar os EUA e as suas economias satélites a tornarem-se estados
falhados.
A questão subjacente é se a própria civilização ocidental se tornou uma
civilização fracassada, dadas as raízes do seu sistema jurídico e os
conceitos de direitos de propriedade tendo origem na Roma oligárquica. A
economia polarizada de Roma conduziu a uma Idade das Trevas, de que se
recuperou saqueando Bizâncio e, subsequentemente, o Oriente e a nova
conquista do Novo Mundo e da Ásia Oriental e Meridional. Durante os
últimos vinte anos, foi o crescimento socialista da China que
primariamente sustentou a prosperidade ocidental. Mas esta dinâmica está
a ser rejeitada, denunciada como uma ameaça existencial precisamente por
ser um socialismo com êxito, não uma exploração neoliberal.
Em tempos passados houve sempre alguma parte do globo para sobreviver e
continuar. Mas a Super-Decadência ocorre quando o mundo inteiro está a
ser arrastado para baixo em conjunto, sem nenhuma região capaz de
resistir à dinâmica polarizadora e empobrecedora rentista imposta pelo
núcleo imperial militarizado. Seguindo a liderança dos EUA, o Ocidente
está a eliminar a sua possibilidade de sobrevivência. A rejeição do
neoliberalismo por parte da China e de outros membros da Organização de
Cooperação de Xangai (SCO) é enfrentada pelas sanções comerciais e
financeiras dos EUA, cujo efeito auto-derrotante é levá-los em conjunto
a criar um sistema regulador estatal ("autocracia") para resistir à
dolarização, financeirização e privatização. Eis porque estão a ser
isoladas como uma ameaça existencial à dinâmica da decadência rentista
neoliberal.
*A alternativa*
Isto não tem de ser assim, é claro. A China está a defender-se não só
pela economia industrial e agrícola produtiva que o seu governo
socialista tem patrocinado, como também por um conceito orientador de
como as economias funcionam. Os gestores económicos da China têm os
conceitos clássicos de valor, preço e renda económica, que distinguem o
rendimento merecido do rendimento não merecido, e o trabalho produtivo e
a riqueza das fortunas rentistas financeiras dos improdutivos e predadores.
Estes são os conceitos necessários para elevar toda a sociedade, os 99%
em vez de apenas os Um por cento. Mas a reacção neoliberal pós-1980
despiu-se do vocabulário económico ocidental e do currículo académico. A
actual estagnação económica, o fardo da dívida e as taxas de juro
bloqueadas em zero são uma escolha política do Ocidente, não um produto
inevitável do determinismo tecnológico.
[1] George Soros, “BlackRock’s China Blunder,” /Wall Street Journal,/
September 7, 2021.
[2] Helene Cooper, Lara Jukes, Michael D. Shear and Michael Crowley, “In
the Withdrawal from Afghanistan, a Biden Doctrine Surfaces,” /The New
York Times,/ September 5, 2021.
[3] Ron Suskind, “Faith, Certainty and the Presidency of George W.
Bush,” /New York Times Magazine,/ October 17, 2004, quoting Bush-Cheney
strategist Karl Rove.
[NT] Traduções adoptadas: rent = renda; income = rendimento; revenue
= receita; earning = ganhos
13/Setembro/2021
[*] Economista. Muitos dos seus livros estão disponíveis aqui
<https://www.bookdepository.com/search?searchTerm=Michael+Hudson&search=Find+book>.
O original encontra-se em
thesaker.is/the-vocabulary-of-neoliberal-diplomacy-in-todays-new-cold-war/
<https://thesaker.is/the-vocabulary-of-neoliberal-diplomacy-in-todays-new-cold-war/>.
Tradução de JF.
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/m_hudson/vocabulario_13set21.html
16/9/2021
quinta-feira, 16 de setembro de 2021
O vocabulário da diplomacia neoliberal na Nova Guerra Fria de hoje
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