quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Comunismo: um gigantesco processo de emancipação ainda longe de concluído
por Domenico Losurdo [*]
Continuo a julgar correcta a visão da ideologia alemã, segundo a qual o
comunismo é sobretudo "o movimento real que abole o actual estado de
coisas". Observemos as mutações que se verificaram no mundo a partir da
primeira revolução que se reclamou de Marx e Engels. Antes de Outubro de
1917 não havia democracia, mesmo no Ocidente: era o reino das três grandes
discriminações para com as mulheres, as classes subalternas, os povos
coloniais e de origem colonial.
Com Fevereiro e Outubro de 1917, a Rússia revolucionária reconheceu às
mulheres direitos políticos e activos e passivos. A República de Weimar
(nascida da revolução que explodiu na Alemanha um ano após a revolução de
Outubro) tomou o mesmo caminho, seguido pelos Estados Unidos. É certo que
na Itália, Alemanha, Áustria e Inglaterra o sufrágio universal (masculino)
estava mais ou menos afirmado, mas ficava neutralizado por uma Câmara alta
que permanecia o apanágio da nobreza e da grande burguesia.
A discriminação racial apresentava-se sob uma forma dupla: considerados
como indignos de se constituírem como Estado nacional independente, os
povos coloniais eram submetidos à dominação absoluta das grandes
potências. Num país como os EUA, os afro-americanos eram excluídos dos
direitos políticos (e por vezes mesmo dos direitos cívicos). A
ultrapassagem da discriminação racial sob estes dois aspectos não pode ser
pensada sem o capítulo da história aberto por Outubro de 1917. O papel
desempenhado pelos Partidos Comunistas nas revoluções anti-coloniais é
notável. E no que se refere aos Estados Unidos? Em Dezembro de 1952, o
ministro da Justiça enviava o Tribunal Supremo, ocupada a discutir a
questão da integração nas escolas públicas, uma carta eloquente: "A
discriminação racial leva a água ao moinho da propaganda comunista". O
desafio comunista desempenhou um papel essencial igualmente na
ultrapassagem do regime da supremacia branca.
Os direitos sociais e económicos fazem parte da democracia tal como a
esquerda a entende. E foi este patriarca do neoliberalismo, Hayek, que
denunciou o facto de que a teorização e a presença no Ocidente destes
direitos remetiam à influência, por ele considerada nefasta, da "revolução
marxista russa".
Compreende-se portanto que, à atenuação do desafio comunista, corresponda
no Ocidente uma restauração. Não se trata só do desmantelamento do Estado
social. O peso da riqueza é tão forte que, mesmo nas colunas do New York
Times, podem-se ler denúncias considerando que o regime em vigor nos
Estados Unidos assemelha-se mais a uma "plutocracia" do que à democracia.
A contra-revolução é evidente igualmente nos caso do colonialismo,
reavaliada pelo teórico da "sociedade aberta", Karl Popper: "Nós
libertámos estes Estados (as antigas colónias) muito apressadamente e de
modo demasiado simplista".
Vejamos, em sentido contrário, o que se passa num país continente que
ficou sob a direcção do Partido Comunista. Pondo fim à catástrofe
provocada pelas guerras do ópio e a agressão colonialista, a China
devolveu a centenas de milhões de pessoas o primeiro dos direitos do
homem, a saber, o direito à vida. O Estado social começa aqui a dar os
seus primeiros passos, ao passo que doravante ele é renegado no Ocidente,
inclusive no plano teórico.
Mas isto não é tudo: ao reduzir rapidamente seu atraso tecnológico em
relação aos países capitalistas mais avançados, a China põe fim à "era de
Colombo", que havia começado com a descoberta-conquista da América e que
viu o Ocidente sujeitar o planeta inteiro. Vêem-se criar as condições para
frustrar as tentações colonialistas e democratizar as relações
internacionais. O declínio da doutrina Monroe, à qual a revolução cubana
infligiu pela primeira vez um golpe severo, está lá para confirmar.
Como acontecer muitas vezes com revoluções, aquela principiada há
aproximadamente um século seguiu um percurso completamente imprevisto.
Estamos em todo caso na presença de um gigantesco processo de emancipação
que está bem longe de ter chegado à sua conclusão.
[*] Filósofo, professor da Universidade de Urbino, Itália.
O original encontra-se em www.humanite.fr/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
20/Fev/13
http://www.resistir.info/losurdo/losurdo_08fev13.html
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