sexta-feira, 8 de julho de 2016

O Hybris Americano terá fim, ou desaparecerá connosco numa combustão universal?




Coronel Alain Corvez*

Esta comunicação do coronel francês Alain Corvez, proferida na Conferência
Internacional do Instituto Schiller, sobre o tema Guerra, EUA, NATO, é um
daqueles raros textos em que a autoridade do autor, os seus conhecimentos sobre
o que fala, e a serenidade com que os expõe deixam pouca margem às especulações
acusatórias dos servis meios de comunicação que diariamente nos tentam formatar,
excessivas vezes com sucesso.
«É tempo de aquela que é ainda a primeira potencia mundial, em todo o caso
militar pelos seus arsenais e pela importância das suas bases repartidas em todo
o planeta, encontre o seu equilíbrio e pare de recusar ver o mundo que muda, os
equilíbrios que se modificam, os emergentes, que se afirmam, e se decida a
entrar num mundo de cooperação para o bem de todos, os mais poderosos e os mais
ricos ajudando os mais pobres, os progressos da ciência a servir o conjunto da
humanidade».




Preâmbulo

Como preâmbulo à minha proposta, felicitarei os responsáveis do Instituto
Schiller por terem organizado esta conferência internacional no momento critico
em que a ameaça de guerra nuclear que constituiria a destruição da humanidade se
torna cada vez mais clara, devido à concentração no coração da Europa de armas
capazes de destruírem o planeta em meros segundos. Em resposta ao reforço das
forças estratégicas americanas dentro da NATO em solo europeu, a Rússia teve de
criar um arsenal dissuasivo equivalente nas suas fronteiras ocidentais. Há muito
tempo que os estrategas dos vários países, mesmo afastados do teatro europeu,
apelam aos chefes de estado do mundo inteiro por contenção e um pouco mais de
sabedoria. É o objectivo desta iniciativa salutar de Madame Helga Zepp-Larouche,
que felicito pessoalmente.

E como estamos no pensamento humanista de Schiller, quero lembrar como Nietzsche
o descrevia:

«Entre os servidores da indiferença» e os solitários, ficamos, nós, os
lutadores, aqueles que têm esperança, aqueles de que a expressão mais nobre e
sublime é o nosso grande Schiller, o que Goethe descreve no seu epílogo de O
Sino:

Agora o seu rosto inflama-se
Desta juventude que nunca nos foge,
Desta coragem que cedo ou tarde,
Vence a resistência de um mundo inerte, estúpido,
Desta fé que sempre mais alto
Avança com força ou se dobra com leveza,
Para que o bem aja, cresça, sirva,
Para que surja enfim o dia para o nobre.»

Na sua primeira obra «O nascimento da tragédia nos Gregos», Nietzsche escreve a
propósito de Heraclito:
«… Com efeito serve-se para crescer da repetição periódica de um fim de mundo e
do ressurgir sempre renovado de um outro mundo que nascerá da combustão
universal depois de ela tudo ter destruído. O período durante o qual o mundo se
precipita antes desta combustão universal e desta dissolução em fogo puro, é
definida por ele de um modo impressionante, como um desejo e uma necessidade, e
o estado de completa combustão pelo fogo, como o estado de saciedade.»

E mais longe: «a saciedade engendra o crime: o hybris [NdT].»

Com efeito, a superabundância de meios, a desmedida, o orgulho incomensurável
que definem o hybris levam a crimes contra a humanidade que no entanto precisa
de prudência e de justa medida.

Segundo Nietzsche, para Heraclito, «o filósofo da lamentação», como a
Antiguidade tardia lhe chamava «o conjunto do processo universal não bastará
para castigo do hybris?… A culpabilidade não está no fundo no cerne das coisas?
E o mundo do futuro e dos indivíduos que assim se acham aligeirados não está ao
mesmo tempo condenado a sempre suportar novas consequências?

Sabe-se que Heraclito achava que tudo o que tende a contradizer-se converge numa
harmonia, invisível ao olhar do homem comum e que tudo deve nascer da luta dos
contrários, devolvendo-nos um pouco de esperança e prevendo a vitória da justiça
sobre a iniquidade.

O que se afasta da visão niilista de um Schopenhauer: «expiamos o nosso
nascimento uma primeira vez com a nossa vida e uma segunda vez com a nossa
morte.»

Enquanto a esperança cristã de que nos fala S. Mateus, no capítulo 8 do seu
Evangelho, nos convida a não nos preocuparmos com o amanhã nem com os bens
materiais que nos serão dados por acrescento, mas a procurar em primeiro lugar o
reino de Deus e a sua Justiça.

E de concluir com esta verdade implacável:
«Qual de nós pelas suas inquietações pode juntar um sopro à duração da sua
vida?»

A arma atómica factor de guerra ou paz

Estamos num mundo que acumulou gigantescos meios de destruição com o
aparecimento nos arsenais da arma nuclear, arma fatal que, como sublinhava o
general de Gaulle, não é um simples progresso nas técnicas de armamento mas um
salto tecnológico que transgride as regras tradicionais da arte da guerra já
que, pela primeira vez na história da humanidade, os homens inventaram uma arma
impossível de empregar visto vários estados a possuírem. Arma totalmente de
dissuasão, garantia para quem a possui que nenhuma potência hostil poderia
correr o risco de ser destruída ao mesmo tempo que atacava. Assim seria
impossível de utilizar, donde o nome: arma não utilizável.

De Gaulle fazia uma analogia entre o facto nuclear e a invenção do microscópio
electrónico.

«Vejamos, não creio, que o microscópio electrónico seja mais que um enorme par
de óculos: o que ele nos faz descobrir não é o que procuramos. Resolve alguns
dos nossos problemas…; também mostra os seus. Não acabamos com a bomba atómica.
O mais poderoso meio de guerra começou por trazer a paz. Uma paz estranha, mas a
paz. Veremos o que vem a seguir.

O grande antropólogo e filósofo francês, René Girard, recentemente desaparecido,
criador da teoria mimética, na «Voz desconhecida do real» referindo-se a
Nietzsche escrevia:
«A verdadeira vingança (no sentido do ressentimento nietzschiano, Ndt) está de
volta entre nós sob a forma da arma absoluta do nuclear que reduz o nosso
planeta ao tamanho de uma aldeia primitiva, cada vez mais aterrada pela
eventualidade de uma guerra mortal. A verdadeira vingança é tão apavorante que
os seus parceiros mais entusiastas não ousam lançá-la, porque sabem
perfeitamente que todas as atrocidades que podem infligir a seus inimigos, estes
lhe podem fazer o mesmo (1).

Que doutrina teria Heraclito estabelecido se conhecesse a possibilidade para o
homem de soltar a fusão nuclear, ele que falava já de «combustão universal».

Um dos maiores estrategas franceses, o General Pierre-Maris Gallois, que me deu
a honra de me apresentar ao seu círculos de reflexão, falou-me das suas
conversas com o General de Gaulle sobre a arma nuclear que como poucos, mesmo
entre os especialistas, compreendera o conceito, continuando a pensar em termos
de coação militar quando se tratava de dissuadir alguém de nos atacar.

Vou citá-lo:
«Assim, subitamente mergulhada na era do átomo, a opinião manteve-se a pensar
racionalmente no ciclo clássico. Pensava em coarctação, embora se tratasse de
dissuasão. Comparava numericamente as forças quando necessitaria de avaliar as
perdas que o mais forte sofreria, fosse qual fosse o poder, em relação à
existência do mais fraco.» (2)

Inversão dos papéis

Assistimos hoje a um reforço enorme do arsenal militar clássico e nuclear da
NATO na Europa, principalmente nas fronteiras da Rússia, na Polónia e nos
estados bálticos, que vem juntar-se a forças já posicionadas na Roménia, na
Itália, na Alemanha, na Polónia. Não vou alongar-me sobre o pormenor dessas
forças espalhadas pela Organização Atlântica que subentendem forças nucleares
inscrevendo-se no sistema global AEGIS que os Estados Unidos tinham inicialmente
anunciado como destinadas a fazer face à ameaça do Irão, embora todos
entendessem que se tratava já de ameaçar a Rússia que renascia. O sistema que se
alonga assim ao Atlântico e ao Pacífico possui instalações móveis navais, aéreas
e terrestres. Apresentada como defensiva contra uma hipotética ameaça russa e
chinesa, na realidade tornou-se ofensiva, nos mísseis de cruzeiro ou balísticos
podendo ser utilizados num primeiro ataque. A França, infelizmente regressada à
organização militar, sob a presidência de Sarkozy, associa-se assim a este
alargamento guerreiro e tomou recentemente a decisão de abrir o seu território
ao estacionamento de forças da NATO, em principio apenas do Estado-Maior em que
os nossos quadros de oficiais e sub-oficiais se habituaram a ver a sua carreira
a desenvolver-se brilhantemente e que estão portanto pouco inclinados a ver a
NATO como uma ferramenta militar americana, mas antes como uma aliança do mundo
livre virtuoso, defendendo o liberalismo e os direitos humanos, contra um outro
mundo que não o é.

O sistema AEGIS é um sistema mundial pronto a lançar um ataque nuclear em
qualquer ponto do globo. É apresentado de modo enganador como defensivo à
opinião pública mas tem por fim fazer saber a qualquer estado que os Estados
Unidos são os senhores do planeta e que anuncia a qualquer estado qual é a
maneira de viver, que regras obedecer, que costumes conservar e quais os que
devem abandonar, deixar totalmente livre o comércio, suprimindo os direitos
protectores e eventualmente as fronteiras, e querem fazer respeitar o seu modelo
em risco de iniciar uma guerra nuclear, o que será o Apocalipse ou a combustão
final de que falava Heraclito no Sexto Século antes da nossa era. A União
Europeia inscreveu no mármore dos seus tratados fundadores esta regra do
liberalismo desenfreado, do comércio livre e não deformado, da supressão das
suas fronteiras internas, assim como colocou a sua defesa estruturalmente na
organização militar da NATO.

Com um orçamento incomparável de mais de 700 milhares de milhões de dólares
incluído todas as somas destinadas à organizações de defesa ou de informação,
todo o sistema militar americano está assim dirigido contra a China e a Rússia
acusadas de vontades hegemónicas, uma na Europa, a outra na Ásia, invertendo
assim as regras (3). Esta estratégia associa os seus aliados, principalmente a
UE de que a fraca é um turiferário embora tudo pareça indicar que se destina à
implosão, nisso auxiliada pelos nossos amigos britânicos que parecem decidir-se
por abandonar o navio antes do naufrágio. (No momento em que escrevo não conheço
o resultado do referendo de 23 de Junho, mas, qualquer que ele seja, o seu
impacto será enorme sobre o futuro da EU e deve precipitar o seu fim).

A China, por esforços laboriosos e industriais, realizou enormes progressos
económicos que erradicaram a fome e o subdesenvolvimento na maioria da
população, criou uma classe rica numerosa, elevou o nível de via geral da sua
população, e acumulou reservas financeiras consideráveis, mesmo conservando
centralismo do comunismo colectivista que lhe assegura a enorme vantagem de
manter a direcção central de abertura ao comércio mundial dessa população
imensa, e o controle de importantes reformas de adaptação à nossa época, ao
contrário do que sucedeu na União Soviética rapidamente dissolvida pela
perestroika de Gorbatchev, embora animado de boas intenções, por perda do
controle do processo reformista. É encarada pelos Estados Unidos como um rival
que é necessário destruir antes que se torne demasiado poderoso. Trata-se assim
de lhe recusar o direito de defender os seus direitos vitais, principalmente nos
mares que o rodeiam, criando sistemas de alianças hostis com os países que
apreciam a protecção americana. Mas a verdade é que a boa diplomacia chinesa
soube convencer muitos estados da região que ela não é imperial e que pelo
contrário desejava avançar na cooperação internacional para desenvolver em comum
projectos económicos bons para todos. Os projectos imensos incluídos no programa
proposto aos países da Eurásia mas abertos ao resto do mundo intitulado a Nova
Rota e Cintura da Seda já convenceram muitos países que entraram nos organismos
que os imaginam e financiam como o Banco Asiático de Investimento e
Desenvolvimento (BAID) e a Organização de Cooperação de Xangai (OCS): os BRICS,
o ASEAN ao qual o Irão, com o Médio Oriente e a Ásia caucasiana se juntam, com o
peso de 400 milhões de habitantes da sua vizinhança imediata, a ALBA e a UNASUR
na América Latina. Alguns estados continuam a jogar em dois tabuleiros,
conservando a amizade com a América em simultâneo com a China e a Rússia, mas
sente-se que o simples interesse económico e até estratégico os convida
àreaproximação desse sistema que ganha sempre, que já viu antigos inimigos
colocar em surdina as suas reivindicações para serem partes integrantes desta
nova ordem mundial. A Índia e a China são disso exemplo, mas não são o único.

A apresentação da Rússia pela diplomacia americana como uma potencia imperial
que se prepara para invadir a Europa é um mentira tão grande que nem se imagina
como essa ideia pode ser aceite pelos estado europeus, a menos que haja uma
razão qualquer de se unirem aos Estados Unidos para evitar dispensar dinheiro na
sua própria defesa. Parece assim que esta contra verdade esteja em vias de se
dissolver em Bruxelas, que sob a pressão de povos e estados, reconhece que as
sanções são talvez mais nocivas para as economias dos estados membros que para a
própria Rússia que desenvolve replicas para a Ásia e para o interior do seu
imenso território. A 8 de Junho o Senado, depois da Assembleia Nacional francesa
no fim de Abril, votou uma proposição, de as levantar progressivamente e viu-se
o Sr. Juncker, o Presidente da UE ir ao Fórum económico de São Petersburgo, já
não podendo resistir às pressões que vinham das profundezas da verdadeira
Europa, que compreende que o seu futuro está num entendimento e numa cooperação
com a imensa Rússia.

O que não deixa de inquietar Washington que concebeu a Europa ocidental desde
1945 como um tampão protector contra a Rússia soviética. Depois a partir de 1989
com a sua vitória sobre o comunismo soviético e o afundamento da URSS, uma
espécie de hybris, de desmedida, levou-os a desarticular a nova Rússia comprando
políticos e oligarcas e a apoiar o terrorismo checheno por vários
intermediários. Putin, como bom estratega e conhecedor das relações de força,
quis acabar com a decomposição do seu país e entender-se com a primeira potência
mundial, fazendo as concessões que a sua fraqueza lhe recomendava mas
resguardando sempre os interesses vitais da Russia cada vez mais ameaçados pela
histeria imperial americana, que invertendo os papeis, fez do agredido o
agressor.

Finalmente, que estratega a sério é capaz de imaginar as divisões russas a rolar
sobre a Europa de Leste para se apoderarem dos antigos satélites da União
Soviética? Por que razão, para que fim? Para se apoderarem das suas riquezas
mineiras ou industriais ou convertê-los à ortodoxia?

Todos os especialistas sabem que em Agosto de 2008 o golpe da Geórgia teve por
fim mostrar os limites a não ultrapassar na expansão incessante e contrária às
promessas da NATO para o leste após as provocações do governo de Tbilissi,
dirigido de facto pelo Departamento de Estado. O retorno da Crimeia à mãe pátria
em 2014 após um voto unânime dos habitantes, após o «golpe aberto» como afirmou
o estratega americano George Friedman que levou ao poder em Kiev um governo
hostil à sua população oriental e a Moscovo, no respeito das regras da ONU sobre
o direito dos povos a dispor de si próprios.

A Rússia renascida de Putin há muito que tenta entender-se com os Estados Unidos
e comos seus vizinhos europeus, mas a vontade hegemónica de uma parte da
oligarquia de Washington não concebe que o mundo possa ser multipolar e que a
América seja levada a partilhar com as novas potencias a direcção dos projectos
do planeta. Parece que o candidato Donald Trump quer quebrar esse sistema
rapidamente: desejamos que ele consiga para bem do mundo e dos americanos, já
que fala de acabar com a intervenção militar, cooperar com a Rússia e falar com
a China, para se concentrar no desenvolvimento da economia nacional repatriando
os fundos de pensões investidos na globalização, para maior lucro, a fim de os
injectar na economia americana e criar empregos. Por isso é apresentado aos
medias ocidentais, nas mãos da finança mundial, de maneira caricatural como um
truão ridículo embora os cidadãos americanos entendam a sua mensagem e votem
nele.

Acusar a Rússia de colocar um dispositivo militar nas fronteiras da Polónia e
dos estados bálticos para os atacar é mentir, pois se efectivamente Moscovo
reforçou as suas tropas, é apenas como reacção às repetidas ameaças da NATO aos
seus portos, principalmente no Báltico. O antigo secretário de Estado da Defesa
Chuck Hagel declarou recentemente que o reforço da NATO perante a Rússia era um
erro contraproducente.

Por isso falo de hybris, ou histeria dos Estados Unidos pois na realidade
parecem não perceber que esta escalada militar contra a Rússia provoca uma
extrema inquietação no resto do mundo pois é feita por meios nucleares: é
evidente que a Rússia não se deixara esmagar sem reagir a um ataque de tal nível
e não estaríamos na Terceira Guerra Mundial, mas no fim da humanidade. Por essa
razão, o conceito estratégico americano, avançado por alguns especialistas
consiste em saturar a Europa de engenhos nucleares americanos para obrigar a
Rússia a um primeiro ataque no continente que os destruirá automaticamente por
represálias, é uma aberração, sem duvida, e também propaganda pura, para fazer
acreditar numa superioridade nuclear americana totalmente ilusória, mas que faz
pouco caso do continente europeu e mostra ausência de respeito dos Estados
Unidos pelos estados europeus seus aliados.

É tempo de aquela que é ainda a primeira potencia mundial, em todo o caso
militar pelos seus arsenais e pela importância das suas bases repartidas em todo
o planeta, encontre o seu equilíbrio e pare de recusar ver o mundo que muda, os
equilíbrios que se modificam, os emergentes, que se afirmam, e se decida a
entrar num mundo de cooperação para o bem de todos, os mais poderosos e os mais
ricos ajudando os mais pobres, os progressos da ciência a servir o conjunto da
humanidade.

O drama da nossa época é que a desmedida americana e a sua cegueira vêm de um
conceito messiânico que levou ao poder políticos convencidos, desde o
afundamento do comunismo na URSS, que o bem supremo, o liberalismo, o fez vencer
o mal absoluto, o colectivismo totalitário, a missão divina de dirigir o mundo
pertencia assim aos Estados Unidos. A isso junta-se o interesse das potências
financeiras organizadas em redes de influencia em Washington, cujos activos
cobrem uma boa parte do planeta e possuem medias e seus veículos de propaganda,
redes que os verdadeiros decisores da politica americana a ponto de o governo se
ver de repente incapaz de aplicar as suas decisões quando estas não são do seu
agrado. Vemos que se a presidência Obama conseguiu impor-se a eles em algumas
reformas, como o seguro medico e o acordo com o Irão sobre o nuclear, eles não
renunciam. O presidente americano em fim de mandato dá a impressão de ceder ás
suas exigências, principalmente na Síria ou apesar dos anúncios de entendimento
com a Rússia para por fim á carnificina iníqua que aí tem lugar. As acções no
terreno continuam a alimentar os combates. Vimos a direcção americana, perplexa
quando da intervenção militar russa em Setembro de 2015 que obrigava os actores
a deixar cair as máscaras para escolher o campo da luta contra o terrorismo
islâmico, continuar a politica de troca de regimes que não se submetem à sua
politica, para grande benefício de Israel, que aproveita para aumentar a sua
negação aos direitos dos palestinianos e a sua apropriação de territórios seus,
em total desprezo às regras da ONU.

A Rússia mostrou com a sua intervenção na Síria que treinara um exército cuja
tecnologia nada devia à dos Estados Unidos e até a ultrapassava em algumas
matérias. Se é menos poderosa em número, não tem bases externas como o seu
rival, provando assim que não tem fins imperiais, pode enfrentar qualquer ataque
deliberado aos seus interesses vitais. Demonstrou assim que quer colaborar com
os Estados Unidos, com os Europeus, com a China, Índia e Ásia em geral. Este
confronto mantido por um governo americano que recusa ver que a sua supremacia
mundial terminou, mas que pode se quiser, cooperar pacificamente com os outros
países, em vez de manter focos de tensão e guerras como tem feito desde 2001,
não consegue resistir perante o resto do mundo que se organiza. A recusa de
admitir que as novas realidades do mundo, a vontade de manter a qualquer preço
uma ordem antiga ultrapassada, ilustrada por uma moeda de papel que financia as
suas dívidas mas não o seu desenvolvimento, é uma ameaça de fim de mundo num
apocalipse nuclear. Todos os países em que interveio desde o Afeganistão até à
Líbia estão destruídos e o Médio Oriente é um caos dramático. A sua política na
Síria é ambígua, jogando em vários tabuleiros, mantendo ao mesmo tempo forças
rivais, entendendo-se um dia com a Rússia depois recusando no dia seguinte a
possibilidade de uma solução, mantendo incessantemente as rivalidades religiosas
na Arábia Saudita. Essas contradições estão na política contra o Irão, grande
actor incontornável dos equilíbrios no Médio Oriente e na Ásia caucasiana:
conclui o acordo que traz o Irão para o concerto das nações, mas não deixa de o
ameaçar de restabelecer o ostracismo e aproveita para ameaçar simultaneamente
represálias financeiras aos estados que se aproximem muito depressa de Teerão.
Na Síria é claro que a Rússia e o Irão não baixam a guarda perante a politica
americana de mudança de regime, pois os ses interesses estratégicos se
confundem: nem um nem outro podem aceitar perder no conflito que junta todos os
ingredientes do confronto mundial.

Novo Pacto de Varsóvia

Hoje sabemos que uma reunião da NATO se realizará em Varsóvia no início de
Julho, após grandes manobras sob a égide americana chamadas ANAKONDA com a
participação de 24 países europeus (com a Macedónia e a Albânia e claro os
países bálticos, a Turquia, o Canadá, a Finlândia), felizmente sem a França.
Isso é simbólico pois o Pacto de Varsóvia deixou de existir com o
desmantelamento da URSS, e esperemos, com o fim da guerra-fria. Uma tal cimeira
nesse local, ressoa como um desafio inútil e perigoso principalmente quando
conhecemos o reforço de armas nucleares da NATO na Europa. A Rússia não ameaça
ninguém. Organiza apenas as suas cooperações económicas e estratégicas com os
Asiáticos, a Africa e os países da América Latina. Estaria pronta a fazê-lo com
os Estados Unidos e a Europa mas esta ultima está ainda muito enfeudada à
vontade americana para lhe responder, mesmo que sintamos frémitos para erguer o
jugo da vassalagem sob a pressão do bom senso dos povos.

É por isso que embora sendo um patriota francês desejo que a França se retire da
OTAN e não participe nessa cimeira de Varsóvia que tem o fim de provocar a
Rússia.

Classificam-me em diversos sites, em artigos ou em livros como pro-Russia, ou
pró-China, ou pró-Irão ou anti-americano primário: em primeiro lugar sou francês
e convencido de que o interesse do meu país é ver o mundo como ele é, de se
libertar de toda a ideologia de bloco, e de respeitar a soberania dos Estados.
Gostaria que a França encontrasse a sua para retomar a política de independência
que é tradição desde o general de Gaulle, o que não exclui a assinatura de
acordos com os vizinhos. A nossa época marca o regresso ao sentimento nacional
na Europa, os povos sentem que para não desaparecerem num magma informe, devem
defender as nossas riquezas patrimoniais e enriquecer trocas com os outros. Uma
Europa das nações é chamada a substituir uma União Europeia tecnocrática que se
mostra incapaz de fazer face aos grandes desafios da nossa época. Os
turiferários sinceros começam a entender «que não chega saltar no lugar como um
cabrito a gritar Europa, Europa, Europa» para a construir, nem isso chega para
fazer avançar as coisas.

Não acho que Robert F. Kennedy, Jr possa ser classificado como anti-americano ou
traidor; mas ele tem uma opinião idêntica à minha sobre a politica do seu país
num artigo na revista Politico de 24 de Fevereiro de 2016.

Porque os Árabes não nos querem na Síria.

Eles não odeiam as «nossas liberdades». Eles odeiam a nossa traição aos nossos
ideais nos seus países, pelo petróleo.

Aí está a ligação:
http://www.politico.eu.article/why-the-arabs-dont-want-us-in-syria-midesat-conflict-oil-intervention/

Junta igualmente os Iranianos, lembrando que a sublevação de Mossadegh em 1953
pela CIA depois o malogro do MI6 britânico.

Conclusão

É mais que tempo de o hybris americano dar lugar a um espírito de cooperação que
o mundo inteiro receberá com alívio. E que essa cooperação entre todos os
estados se faça na base do respeito mutuo e de interesses partilhados. Num tal
clima tranquilo entre as nações do mundo, o desarmamento nuclear progressivo mas
total deveria estar na ordem do dia, entendendo-se as potencias para o conseguir
simultaneamente. A França, que outrora mostrou a sua grandeza na defesa de
valores universais, poderia dar a sua contribuição a esse processo quando as
outras nações detentoras tiverem renunciado às suas ameaças. Mas a dissuasão,
que até agora impediu uma nova guerra mundial fatal, deve continuar a exercer-se
de uma maneira ou doutra para garantir a paz planetária.

Para terminar cito um grande filósofo francês que foi também um insigne homem de
estado: o general de Gaulle afirmava em 1964, dirigindo-se aos estudantes da
Universidade do México:

«Com efeito, acima das distâncias que se encurtam, das ideologias que se
atenuam, das políticas que enfraquecem, e a menos que a humanidade se aniquile a
si própria numa destruição monstruosa, o facto que dominará o futuro é a unidade
do nosso universo. Uma causa, a do homem; uma necessidade, a do progresso
mundial, e consequentemente, o auxilio a todos os países que o desejem para seu
desenvolvimento; um dever, o da paz, são, para a nossa espécie, as condições
essenciais à vida».

Visão humanista que está contida em São Mateus de procurar primeiro o reino de
Deus e a sua justiça.

Notas:
1) René Girard: «Nietzsche contra o Crucificado» em A Voz Mal conhecida do
Real: uma teoria dos mitos arcaicos e modernos. Grasset, 2002.
2) Intervenção do general de Gaulle no colóquio organizado em Setembro de 1984
em Arc-et-Senans pelo Instituto Charles de Gaulle e a Universidade
deFranche-Comté.
3) Segundo o IISS americano (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos),
os orçamentos de defesa mundiais em 2015 estão avaliados em 597,5 mil milhões de
dólares peara os Estado Unidos: 145,8 para a China, 81,9 para a Arábia Saudita,
65,5 para a Rússia, 56,2 para o Reino Unido, 48 para a India, 45,8 para a França
que se encontra assim em sétimo lugar.

NdT:
[1] Não havia na Grécia antiga a noção de pecado, mas tinham a noção de
exagero, excesso, sem limite, desmedida no comportamento de uma pessoa. Então,
quando alguém agia com esse comportamento excessivo, os Deuses vingavam-se com o
hybris: tudo destruiam e renascia um mundo novo.

Globalização.ca. 28 de Junho de 2016-07-01
Conferencia internacional do Instituto Schiller
Região: Médio Oriente e África do Norte
Tema: Guerra USA OTAN
Análises: nuclear (guerra e energia)

Berlin, 25 e 26 de Junho de 2016. Conferencia internacional do Instituto
Schiller


In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/o-hybris-americano-tera-fim-ou/
7/7/2016

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