terça-feira, 19 de junho de 2018

A Educação está nocauteada


 
Michel Temer completou no mês de maio dois anos à frente do Executivo. Desde que
assumiu, seu governo vem implementando uma agenda de reformas na educação que é
alvo de críticas de educadores. Medidas como a reforma do ensino médio, a Base
Nacional Comum Curricular e também a Emenda Constitucional 95 estão entre as
medidas que mais impactaram a educação no período. Para Gaudêncio Frigotto,
professor do Programa de Pós Graduação de Políticas Públicas e Formação Humana
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o governo Temerrepresenta o
maior retrocesso para as políticas de educação dos últimos 70 anos.
O pesquisador Gaudência Frigotto concedeu entrevista à André Antunes, publicada
por EPSJV/Fiocruz, 15-06-2018.
IHU
Eis a entrevista.
De maneira geral, o que governo Temer representou para a educação nesses dois
anos?
Ele representou o maior retrocesso dos últimos 70 anos ou mais. Por duas razões.
Uma que diz respeito à Emenda Constitucional 95, que visa exatamente não fazer
mais nenhum investimentoalém de repor a inflação em toda a esfera pública por 20
anos. E a gente vê que nesses dois anos as áreas mais atingidas foram a educação
e saúde. E agora mesmo, para subsidiar o diesel, ao invés de criar um imposto
das grandes fortunas, uma auditoria da dívida pública, enfim, aquilo que a
sociedade organizada luta há décadas, ele vai cortar da educação e saúde. É um
retrocesso que tem consequências brutais a médio e longo prazo.
O outro retrocesso é a contrarreforma do ensino médio, que dividiu a formação em
itinerários. Na verdade a maioria absoluta dos 5.570 municípios tem uma escola,
então não é verdade que o aluno vai poder escolher. Vão oferecer uma ou duas
opções de itinerários. Segundo, os estudantes são muito jovens para uma escolha
que vai definir o restante da sua vida acadêmica: 40% daqueles que hoje que
entram em uma universidade desistem do curso que escolheram no primeiro ano.
Você vai mandar um jovem escolher com 14, 15 anos? Isso é um absurdo, uma
falsificação.
Portanto é um retrocesso do ponto de vista da expansão, e é um retrocesso do
ponto de vista da concepção do que seja a educação básica. E é um governo cuja
popularidade está 82% negativa na pesquisa que foi feita essa semana. O que
expressa um fracasso do ponto de vista social e um ganho aos oligopólios, às
oligarquias, hoje especialmente à oligarquia do capital financeiro, e aos seus
testas de ferro no Congresso, no Judiciário, que sustentam este Estado de
exceção.
Quais são os destaques em relação à educação profissional?
A contrarreforma do ensino médio piora o que foi o decreto 2.208 do governo
Fernando Henrique Cardoso, que separava o ensino geral daquele que ia formar
para o trabalho. E ela induz esse jovem que busca a educação profissional a
buscar um curso muito rápido com a promessa que isso vai lhe dar futuro. Então
também é um retrocesso brutal na concepção do ensino técnico e tecnológico. A
educação profissional está reduzida à perspectiva da ‘Senaização’, de tornar as
escolas de educação básicas quase que um Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial]. E veja, o governo permite que as escolas agora contratem
professores práticos sem nível superior de um lado, só pela experiência, e
sobretudo permite ao sistema S e outras instituições privadas fazerem parceira
com as escolas. É nessa perspectiva que eu coloco o retrocesso nesse campo
também.
Pelo que tem acompanhado a implementação do Plano Nacional de Educação nesses
dois anos, qual é a avaliação que o senhor faz?
A Emenda Constitucional 95 de um lado e a reforma do ensino médio de outro
enterraram o Plano Nacional. A única meta que foi mais ou menos cumprida diz
respeito à formação de professores de mestrado e doutorado. É uma meta
importante, mas não é central. A meta fundamental seria a universalização do
ensino médio, da educação básica, os 10% do PIB.Imagina se vai ter 10% do PIB
para a educação! Primeiro que o PIB não está crescendo e, segundo, mesmo que
isso aconteça, o crescimento não vai ser incorporado. Então, curto e grosso, o
golpe simplesmente enterrou o Plano Nacional. Se a gente não consegue reverter
esse quadro agora na eleição e ter força parlamentar e força social que revogue
essas medidas nós vamos chegar no final do PNE sem cumprir praticamente nenhuma
das metas. Então a educação está nocauteada, assim como a saúde.
Um problema historicamente apontado no campo da educação é o subfinanciamento,
que prejudicaria ações em todos os níveis. Como você avalia o financiamento da
educação nesses dois anos?
É interessante registrar que os intelectuais do golpe são muito articulados com
o capital financeiro e, portanto, são funcionários dos grandes intelectuais
coletivos, dentre eles o Banco Mundial. Você deve ter visto o relatório do Banco
Mundial que se chama ‘Um Ajuste Justo’, que prega a austeridade no gasto público
especialmente nas áreas de educação e saúde. Então todas essas reformas estão
lá. São reformas que abocanham a parte do fundo público que era destinada a
garantir direitos universais (que ainda não eram universais na realidade). A
Emenda 95 atinge os mais pobres de várias formas: primeiramente estanca o
aumento do salário mínimo real, um mecanismo que nos últimos 15 anos garantiu
efetiva distribuição de renda. O salário mínimotriplicou praticamente. Hoje o
salário mínimo está estagnado e quem paga o preço? Vai ter menos qualidade de
vida, menos saúde, menos possibilidade de as famílias apoiarem seus filhos na
educação.
Nesse período também tivemos a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, que
segundo seus críticos abre caminho para várias formas de privatização da
educação pública. O que a BNCC representou nesse cenário?
Eles estão avançando, cercando todos os campos. A BNCC, a contrarreforma do
ensino médio, mas também a Emenda 95, permitem que a educação seja ainda mais
negócio do que é hoje. O avanço agora é no ensino médio, porque já eram
hegemônicos na privatização do ensino superior. São os meganegócios da
privataria da educação. O grande investimento também dos grandes grupos, a
Kroton, entre outros, é no ensino médio através de parcerias público-privadas.
Estão tomando de assalto aquilo que era público, aquilo que era minimamente
debatido com a sociedade. E o que vem pela frente é pior. Quem assumiu a
secretaria executiva do MEC foi o Haroldo Corrêa, ex-secretário de educação do
Espírito Santo. O que ele fez lá foi um horror: fechou escolas do campo, salas
de aula, houve um decréscimo de 68% no investimento na educação. Ele vem
completar o trabalho sujo nos meses que faltam a este desgoverno, que é a
palavra mais adequada. Então, o que vem por aí aprofunda o retrocesso.
Tivemos nesse período o crescimento do movimento Escola sem Partido. Existe uma
relação entre esses dois anos de mandato e a ascensão deste e de outros
movimentos conservadores na educação?
Tem toda relação. Tem sido caracterizado o golpe de agosto de 2016 como um golpe
jurídico, parlamentar e midiático, mas eu vi algumas análises, e concordo, que
acrescentam também ‘policial’. Agora sob um governo de exceção, há uma tentativa
de criminalizar todo pensamento crítico e os movimentos que vêm da sociedade que
visam a mudanças coletivas e ampliação de direitos. O Escola sem Partido é a
parte mais fascista, eu diria, do golpe e que, portanto, tem um caráter
policial. É um movimento que sequer leva em conta aquilo que os clássicos da
Revolução Burguesa entendiam como o papel da escola, que era ensinar os
conhecimentos produzidos até então, mas também educar as novas gerações para se
integrar à sociedade. O Escola sem Partidoé a face obscura, é a face
ideologicamente violenta do golpe. No fundo, se está dizendo que o professor é
um entregador de conhecimento e quem vai preparar esse conhecimento são os
institutos reunidos em torno de movimentos como o Todos pela Educação, que reúne
14 grupos financeiros, bancos, empresas industriais e 18 institutos privados que
querem abocanhar o fundo público e dirigir a escola, a educação, no seu conteúdo
e na forma de educar. O Escola sem Partido é a ‘cereja do bolo’ dentro desse
processo de regressão, é dizer que professor não tem direito à opinião. Então,
há uma relação total entre o Estado de exceção e a virulência de caráter
neofacista do movimento Escola sem Partido.
Há algo a comemorar?
Eu acho que há sinais. Um sinal importante foi que eles não conseguiram aprovar
a reforma da Previdência. Foi a única que o povo entendeu, porque as pessoas
veem que vão morrer antes de se aposentar. A maior parte das pessoas vai pagar e
não vai usufruir. Esse é um sinal de que quando as classes populares percebem o
efeito dessas medidas elas se contrapõem e criam forças para resistir. O grande
problema nosso é a barreira da mídia monopolizada. Se a gente explicasse bem o
significado da reforma da Previdência, reforma trabalhista, até pelo bom senso,
as pessoas iriam se organizar. E um ponto positivo que nos dá esperança é a
reprovação massiva do governo golpista. São sinais que nos apontam duas
alternativas: ou retomamos de fato a perspectiva de barrar as contrarreformas e
revertê-las ou o país entra em uma convulsão social dramática. O país não vai
aguentar essas reformas por cinco, dez anos. Então, contraditoriamente a crise
pode ser a possibilidade de dizer que não dá mais para fazer aquilo que a gente
fazia antes.
http://www.ihu.unisinos.br/579997-a-educacao-esta-nocauteada-entrevista-com-gaudencio-frigotto


In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/20030/a-educacao-esta-nocauteada
19/6/2018

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