segunda-feira, 18 de junho de 2018
Trump contra todo o resto
por Prabhat Patnaik [*]
O abandono de Donald Trump da cimeira do G-7 sem que tivesse alterado nem
uma vírgula do seu proteccionismo indica desunião entre os principais
países capitalistas acerca da estratégia para ultrapassar a crise dos
mesmos. Trump decidiu que os EUA seguiriam seu próprio caminho, ampliando
o défice orçamental, não apenas dando concessões fiscais às corporações, o
que teria pouco efeito no estímulo à procura, mas também pelo aumento da
despesa governamental o que teria este efeito e, ao mesmo tempo, o de
proteger o mercado interno.
Estas duas fibras da estratégia de Trump juntaram-se. Na realidade, na
ausência de proteccionismo, qualquer estímulo orçamental no interior da
economia estado-unidense, tal como uma maior despesa governamental
deliberada, extravasaria para fora do país com a criação de maior procura
por importações de bens de outros países, caso em que os EUA estariam a
gerar emprego não dentro de casa mas sim no exterior – e também a
incorrer em dívida para com aqueles mesmos países se assim fizesse. Mas
um maior défice orçamental combinado com o proteccionismo assegura que
sejam criados empregos internos e não se incorra com isso em dívida
externa.
Trump pode permitir-se empreender esta estratégia devido à posição dos
EUA no mundo capitalista. Qualquer outro país que prosseguisse uma tal
estratégia de défice orçamental ampliado juntamente com proteccionismo
testemunharia um fluxo de saída financeiro pois a "confiança do
investidor" naquele país seria minada. Mas os EUA estão numa posição
diferente: a sua divisa ainda é considerada "tão boa quanto o ouro"
apesar de não ser oficialmente tão ordenada (como era sob o Sistema de
Bretton Woods). E isto constitui, por uma variedade de razões, a base
principal das finanças, de onde, a menos que haja fortes provocações, elas
não gostariam de sair. Trump está, assim, a explorar essa posição dos
Estados Unidos como o Grande Senhor do mundo capitalista, junto sem
dúvida com algum aumento na taxa de juros dos EUA, a fim de pressionar uma
estratégia para a revitalização só dos EUA, sem sequer pensar na
revitalização do mundo capitalista como um todo.
O que há de errado com esta estratégia não é a habitual afirmação
destituída de fundamento de que "o proteccionismo é mau", de que "o livre
comércio é bom", ou de que esta estratégia representa um "nacionalismo"
que é reaccionário pois oposto ao "internacionalismo" que é progressista.
O que está errado com esta estratégia é que "não funcionaria mesmo para
os EUA (embora actualmente possa parecer ter êxito), muito menos para o
mundo capitalista como um todo.
Todo este discurso acerca de "nacionalismo" contra "internacionalismo" é
não só analiticamente errado, porque estes termos não podem ser definidos
sem referência ao seu conteúdo de classe ("nacionalismo" por exemplo não é
uma categoria homogénea e o "nacionalismo" de Ho Chi Minh é bastante
diferente do de Hitler); ele é também eticamente não fundamentado: se
níveis mais altos de emprego pudessem ser alcançados por toda a parte,
juntamente com níveis mais altos de despesas sociais, colocar cada país a
seguir uma estratégia "nacionalista", quando comparados a uma situação
onde tentam em vão prosseguir uma estratégia "internacionalista", então
contestar uma tal estratégia "nacionalista" é claramente indefensável.
Actualmente a estratégia de Trump, destaca muita gente, parece estar a
funcionar nos EUA. A taxa de desemprego está oficialmente baixa e em
torno dos 4 por cento. Embora a taxa de participação da força de trabalho
continue a estar abaixo da que estava antes da crise de 2008, de modo que,
na suposição de uma taxa de participação da força de trabalho inalterada,
a taxa de desemprego seria apenas superior a 6 por cento, esta mesma taxa,
sugerem alguns, representa um declínio em comparação com a de alguns anos
atrás. Ao mesmo tempo, embora Trump tenha utilizado o défice orçamental
para agradar os capitalistas através de isenções fiscais, ele não tem,
sugere-se, restringido demasiado os gastos sociais. E ainda assim, apesar
destas supostas condições de boom, a taxa de inflação é bastante baixa e o
dólar continua a estar forte.
Vamos para argumentar assumir que todas estas afirmações acerca do êxito
da estratégia de Trump sejam verdadeiras, embora um momento de reflexão
mostre que todas elas não poderiam ser verdadeiras em simultâneo. Por
outras palavras, é impossível haver uma coexistência, excepto apenas
transitória, das seguintes quatro características: uma baixa taxa de
desemprego; um grande défice orçamental; uma política de proteccionismo e
uma baixa taxa de inflação. As primeiras três delas provocariam excesso de
pressões da procura que fariam subir a taxa de inflação, a qual não mais
permaneceria baixa. Mas ainda assim vamos assumir que todas as quatro
características fossem verdadeiras.
Mas todas estas características são apenas os resultados da primeira fase
da estratégia Trump. Outros países, aqueles atingidos pelo proteccionismo
dos EUA, não ficariam apenas passivos e a aceitar o aumento do desemprego
que a estratégia dos EUA de avançar sozinho lhes exportaria. A breve
trecho começariam a tomar medidas compensatórias através da ampliação dos
seus próprios défices orçamentais, juntamente com o proteccionismo
necessário. No caso deles, no entanto, tais medidas implicariam uma fuga
das finanças, já que lhes falta o status de Grande Senhor que os EUA
desfrutam. Eles teriam, portanto, que aplicar controles sobre os fluxos
financeiros, ou seja, “controles de capitais”; ou elevar suas taxas de
juros a fim de estimular as finanças a não os abandonarem.
Controles de capitais, contudo, atacariam as próprias raízes da actual
globalização. Vale a pena notar que mesmo Trump, com todas as suas medidas
proteccionistas contra as importações de bens e serviços, não aplicou
restrições contra os fluxos financeiros livres. Da mesma forma, os outros
países capitalistas seriam avessos a restringir fluxos de capitais através
das suas fronteiras. Eles portanto recorreriam a altas de taxas de juros
para impedir quaisquer saídas financeiras.
Estas altas nas taxas de juros anulariam numa certa medida seus esforços
para expandir para reduzir o aumento do desemprego devido ao
proteccionismo dos EUA e também provocariam um aumento correspondente nas
taxas de juro dos EUA. O que neste momento parece ser uma "guerra
comercial" iniciada por Trump – e está a ser discutida e ridicularizada
como tal pelos seus oponentes – em breve assumiria a forma de altas
competitivas nas taxas de juro, da qual a presente ascensão nas taxas de
juro dos EUA teria sido o primeiro sintoma. E tais altas para todos os
países capitalistas tomados em conjunto, incluindo os Estados Unidos,
anulariam quaisquer ganhos no emprego que um défice orçamental ampliado e
o proteccionismo pudessem ter causado.
O que a conjuntura actual mostra claramente é que é impossível
ultrapassar a crise capitalista sem impedir fluxos financeiros globais, o
que significa livrar-se da hegemonia da finança globalizada. A estratégia
de Trump não pretende afastar esta hegemonia e muito menos os outros
países capitalistas estão desejosos de se livrarem da mesma, eles iriam
todos empenhar-se numa luta competitiva de altas de taxas de juro as quais
colectivamente não implicaria qualquer melhoria na situação da economia
capitalista mundial.
Só há dois caminhos lógicos possíveis para a economia capitalista mundial
poder sair da sua actual crise prolongada. Um é através de um estímulo
orçamental coordenado de todos os países avançados, da espécie que Keynes
e um grupo de sindicalistas alemães sugeriu durante a Grande Depressão da
década de 1930. Isto naturalmente teria a oposição categórica do capital
financeiro internacional, o qual se opõe a todo activismo directo do
Estado que não passe por seu intermédio. Mas a unidade entre os principais
Estados-nação que pudesse, através da mesma, actuar como um Estado mundial
substituto, poderia concebivelmente ultrapassar esta oposição. Mas ninguém
no G-7 está sequer a falar acerca desta estratégia, o que significa que
ela não faz parte da agenda do mundo capitalista. Qualquer tentativa de
persegui-la, uma vez que teria de superar a oposição do capital financeiro
internacional, o que o capitalismo é incapaz de fazer, teria
necessariamente de implicar uma transição para além do capitalismo, ou
seja, uma transcendência do capitalismo no próprio processo de superação
da sua crise.
O segundo caminho lógico é países particulares decidirem avançar
sozinhos, como Trump está a tentar fazer. Mas para isto ter êxito, teriam
de ser postos em prática controles de capitais pois, de outro modo, a
prevenção de saídas de capital como uma consequência de tal avanço
solitário (que necessariamente exigiria activismo orçamental a que a
finança sempre se opõe) pressionaria o país, e seus rivais, para altas de
taxas de juro competitivas, as quais subvertem – tanto individualmente
para países particulares como colectivamente para o mundo capitalista
como um todo – as perspectivas de revitalização económica.
O êxito aparente de Trump com a economia dos EUA – se é que há algum
êxito, o que é duvidoso – representa portanto apenas a primeira etapa
nesta luta competitiva. Este êxito está destinado a ser eliminado quando
os outros reagirem aos seus movimentos. Uma vez que nem Trump nem os seus
rivais estão sequer a pensar em quaisquer restrições aos fluxos de
capital, o que minaria a hegemonia do capital financeiro internacional e
por isso está descartado, a crise estrutural do capitalismo está fadada a
continuar apesar de todas as aparências em contrário.
17/Junho/2018
[*] Economista, indiano, ver Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/0617_pd/trump-versus-rest . Tradução de JF.
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_17jun18.html
17/6/2018
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