sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
A estratégia perdedora de Trump – Abraçar o Brasil e confrontar a China
por James Petras
Os EUA adotam um regime destinado ao fracasso e ameaçam a economia mais
dinâmica do mundo. O presidente Trump elogia Jair Bolsonaro, o
recém-eleito presidente do Brasil, e promete promover estreitamento dos
laços económicos, políticos, sociais e culturais. Em contraste, o regime
de Trump está empenhado em desmantelar o modelo de crescimento da China,
impondo sanções severas e generalizadas, e fomentar a divisão e
fragmentação duma China maior.
Washington escolhe os seus aliados e inimigos com base num acanhado
conceito de vantagens a curto prazo e de perdas estratégicas.
Neste artigo, vamos analisar as razões por que a relação EUA-Brasil se
encaixa no objetivo de Washington para o domínio global e porque é que
Washington receia o crescimento dinâmico e o desafio de uma China
independente e competitiva.
O Brasil à procura de um patrono
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciou desde o primeiro dia, um
programa de inverter quase um século de crescimento económico orientado
pelo estado. Anunciou a privatização de todo o setor público, incluindo
setores estratégicos, como as finanças, a banca, os minérios, as
infraestruturas, os transportes, a energia e as atividades de manufatura.
Além disso, dá prioridade à centralidade das empresas multinacionais
estrangeiras. Os anteriores regimes autoritários, civis e militares,
protegeram as empresas nacionalizadas que faziam parte de alianças
tripartidas que incluíam empresas privadas estrangeiras, estatais e
nacionais.
Em contraste com os anteriores regimes eleitos que tentaram – nem sempre
com êxito – aumentar as pensões, os salários e o nível de vida e
reconheceram a legislação laboral, o presidente Bolsonaro prometeu
despedir milhares de funcionários do setor público, reduzir as pensões e
aumentar a idade da reforma, ao mesmo tempo que reduzir os salários, a fim
de aumentar os lucros e baixar os custos dos capitalistas.
O presidente Bolsonaro promete inverter a reforma agrária, expulsar,
prender e assaltar as famílias rurais para reinstalar os latifundiários e
encorajar os investidores. A desflorestação da Amazónia e a sua entrega
aos barões da pecuária e aos especuladores de terras incluirá a ocupação
de milhões de hectares de terras indígenas.
Na política externa, o novo regime brasileiro compromete-se a seguir a
política dos EUA em todas as questões estratégicas: o Brasil apoia os
ataques económicos à China, apoia a ocupação de terras de Israel no Médio
Oriente (incluindo a mudança da capital para Jerusalém), defende os
esquemas dos EUA de boicote e políticos para derrubar os governos de Cuba,
da Venezuela e da Nicarágua. Pela primeira vez, o Brasil pôs à disposição
do Pentágono bases militares e forças militares para quaisquer invasões ou
guerras futuras.
A satisfação dos EUA quanto à cedência gratuita do presidente Bolsonaro
de recursos e riquezas e à perda de soberania é apreciada nas páginas do
Financial Times, do Washington Post e do New York Times, que preveem
um período de crescimento, de investimento e de recuperação – se o regime
tiver a "coragem" de impor a venda ao desbarato.
Como já aconteceu em inúmeras experiências recentes com mudanças de
regime para a direita neoliberal na Argentina, no México, na Colômbia e no
Equador, jornalistas e especialistas das páginas financeiras deixaram-se
cegar pelos dogmas ideológicos quanto a possíveis dificuldades e crises.
A política económica do regime de Bolsonaro ignora o facto de que o
Brasil depende das exportações agrominerais para a China e compete com as
exportações dos EUA… as elites da agroindústria brasileira vão
ressentir-se da mudança dos seus parceiros comerciais. Vão opor-se,
derrotar e corroer a campanha anti-China de Bolsonaro, se ele se atrever a
persistir.
Os investidores estrangeiros vão apoderar-se das empresas públicas, mas
tudo indica que não vão expandir a produção, dada a profunda redução do
emprego, dos salários, à medida que o mercado dos consumidores vai
decaindo.
Os bancos podem fazer empréstimos, mas exigirão altas taxas de juro para
'riscos' altos, em especial à medida que o governo for enfrentando uma
oposição social crescente dos sindicatos e dos movimentos sociais, e uma
violência maior da militarização da sociedade.
Bolsonaro não tem a maioria no Congresso que depende do apoio eleitoral
de milhões de funcionários públicos, de trabalhadores assalariados, de
pensionistas e de minorias étnicas. Uma aliança no Congresso será difícil
sem corrupção e sem compromissos… O gabinete de Bolsonaro inclui vários
ministros fundamentais que estão a ser investigados por fraude e lavagem
de dinheiro. A sua retórica anticorrupção irá evaporar-se perante as
investigações judiciais e as denúncias.
O Brasil dificilmente poderá fornecer quaisquer forças militares de
préstimo para aventuras militares, regionais ou internacionais, dos EUA.
Os acordos militares com os EUA terão pouco peso perante o profundo
turbilhão interno.
A política neoliberal de Bolsonaro dependerá das desigualdades, em
especial entre os cinquenta milhões que acabaram de sair da pobreza. O
apoio dos EUA ao Brasil enriquecerá a Wall Street que vai agarrar no
dinheiro e desaparecer, deixando os EUA a enfrentar a ira e a rejeição do
seu aliado frustrado.
O confronto dos EUA com a China
Ao contrário do Brasil, a China não está disposta a sujeitar-se a uma
pilhagem económica e a abdicar da sua soberania. A China está a seguir uma
estratégia a longo prazo, concentrada no desenvolvimento dos setores mais
avançados da economia – incluindo a tecnologia de ponta da eletrónica e
das comunicações.
Os investigadores chineses já produziram mais patentes e artigos
científicos de referência do que os EUA. Formam mais engenheiros, mais
investigadores de ponta e mais cientistas inovadores do que os EUA,
apoiados por altos níveis de financiamento estatal. A China, com uma taxa
de investimento de mais de 44% em 2017, ultrapassa em muito os EUA. A
China passou de um baixo valor acrescentado para um alto valor, nas
exportações, incluindo carros elétricos a preços competitivos. Por
exemplo, os iPhones chineses estão a ser mais competitivos do que a Apple,
tanto no preço como na qualidade.
A China abriu a sua economia às empresas multinacionais dos EUA, em troca
do acesso à tecnologia avançada, uma coisa que Washington classificou como
apreensões "forçadas".
A China tem promovido acordos multilaterais de comércio e investimento,
incluindo mais de sessenta país, em acordos de infraestruturas de grande
escala e a longo prazo, por toda a Ásia e África.
Em vez de seguir o exemplo económico da China, Washington queixa-se de
comércio desleal, roubo tecnológico, restrições de mercado e
constrangimentos estatais aos investimentos privados.
A China oferece oportunidades a longo prazo para Washington atualizar o
seu desempenho económico e social – se Washington reconhecer que a
concorrência chinesa é um incentivo positivo. Em vez de investimentos
públicos de grande escala na melhoria e promoção do setor de exportações,
Washington virou-se para as ameaças militares, as sanções económicas e as
tarifas que protegem os setores industriais de retaguarda dos EUA. Em vez
de negociar os mercados com uma China independente, Washington favorece
regimes vassalos, como o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro do Brasil,
que confia no controlo e nas conquistas económicas dos EUA.
Os EUA têm um caminho fácil para dominar o Brasil em termos de ganhos a
curto prazo – lucros, mercados e recursos – mas o modelo brasileiro não é
viável nem sustentável. Em contraste, os EUA precisam de negociar,
discutir e firmar acordos reciprocamente competitivos com a China. O
resultado final da cooperação com a China permitirá aos EUA aprender e
crescer de modo sustentável.
Conclusão
Porque é que os EUA escolheram a via de apoiar um Brasil retrógrado em
vez de um líder, um país, virado para o futuro?
Basicamente, os EUA estão mergulhados estruturalmente num sistema
político profundamente militarizado que é movido pela ânsia do domínio
mundial – o 'imperialismo'. Os EUA não querem competir com uma China
inovadora, procura coagir a China a desmantelar as instituições, a
política e as prioridades que engrandecem a China.
Washington exige que a China abdique da relativa autonomia do estado,
aumente a penetração dos EUA nos setores estratégicos e confie nos
banqueiros e académicos do mercado livre. A política económica dos EUA é
modelada por banqueiros, especulações corruptas e 'lobbyists' de
interesses regionais especiais, incluindo regimes como Israel. A política
económica da China é modelada por interesses industriais, orientada pelos
objetivos estratégicos da autoridade central do estado, capaz e disposto a
prender centenas de funcionários de altos cargos, se forem corruptos.
Os EUA não podem conter a trajetória ascendente da China com um cerco
militar – porque a estratégia económica de Pequim neutraliza as bases
militares dos EUA e derrota os constrangimentos tarifários através da
diversificação de importantes acordos comerciais. Por exemplo, a China
está a negociar com a Índia um grande aumento de importações de
mercadorias agrícolas, que incluem arroz, açúcar, leite, soja e algodão. A
Índia tem atualmente um grande défice comercial com a China, em especial
em maquinaria e bens industriais e está ansiosa por substituir os
exportadores norte-americanos. A China tem importantes acordos comerciais
e de investimento em todo o sudeste asiático, na Coreia do Sul, no Japão,
no Paquistão, na Rússia e na Austrália, assim como em África, na América
Latina (Brasil e Argentina) e no Médio Oriente (Irão, Iraque e Israel).
Os EUA têm pouca margem de manobra para "espremer" a China, mesmo em
setores de alta tecnologia, à medida que a China é menos dependente do
'know-how' dos EUA. Washington garantiu acordos com a China, aumentando as
exportações de carros e de entretenimento. A China pode facilmente
concordar em reduzir o alegado "roubo de propriedade", especialmente desde
que deixou de ser um fator importante, dado que a maior parte das
inovações da China são criadas internamente. Além disso, o big business
e a Wall Street exigem que o regime de Trump chegue a um acordo de
mercados livres com a China e ignore os seus inimigos autárquicos.
Dada a continuada economia pujante da China (6,5% do PIB em 2018), a
crescente ênfase na expansão dos serviços sociais, no mercado de consumo e
na facilidade de crédito, as políticas de tarifas coercivas de Trump estão
condenadas e as ameaças militares só encorajarão a China a aumentar e
atualizar a sua defesa militar e programas espaciais superiores.
Quaisquer que sejam os acordos comerciais temporários e limitados que
surjam das negociações EUA-China, o regime de Trump continuará a sua
agenda imperial unipolar de apoiar regimes vassalos, como o Brasil, e
confrontar a China.
O futuro pertence à China independente, inovadora e competitiva e não a
regimes vassalos, militarizados e subservientes como o Brasil.
O original encontra-se em www.unz.com/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/petras/petras_08jan19_p.html
29/1/2019
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