domingo, 4 de abril de 2021

A tortura de Gregório Bezerra, dia da vergonha e da covardia

 


    Gilvandro Filho  do **Jornalistas pela Democracia*
<https://catarse.me/jornalistaspelademocracia>

Jornalista e compositor/letrista, tendo passado por veículos como Jornal
do Commercio, O Globo e Jornal do Brasil, pela revista Veja e pela TV
Globo, onde foi comentarista político. Ganhou três Prêmios Esso. Possui
dois livros publicados: Bodas de Frevo e “Onde Está meu filho?”


    
"Gregório Bezerra, o primeiro torturado da ditadura militar brasileira,
ficou preso até 1969, quando foi trocado, junto com outros 13 presos
políticos, pelo embaixador dos Estados Unidos, Charles Burck Elbrick.
Voltou ao Brasil em 1979, com a anistia. Morreu no Recife, aos 83, em
1983", escreve o jornalista Gilvandro Filho edit

*Por Gilvandro Filho,

Em um dia 2 de abril feito hoje, a manhã transcorreu banhada de sangue
no bairro de Casa Forte, no Recife. Dois dias antes, a Democracia
brasileira era estuprada e o Brasil iniciava um período de trevas que
duraria 21 anos e deixaria marcas profundas na vida do País. Eram os
primeiros dias da quartelada que tirou do poder o presidente João
Goulart e entregou o poder aos militares. O golpe militar, que começou
em 31de março de 1964, consolidando-se no dia seguinte,
institucionalizaria o autoritarismo, as prisões sem amparo legal, as
torturas, os assassinatos, os desaparecimentos de políticos e
opositores. Começava a ditadura militar.

Aquela tarde, data seguinte ao “dia da mentira”, ficaria na memória dos
pernambucanos como o “dia da vergonha”.  Era entregue ao Exército o
prisioneiro político mais procurado pelos militares, o líder comunista
Gregório Lourenço Bezerra, ícone do movimento no Nordeste, protagonista,
no Estado, do levante comunista de 1935. Desde então, por sinal, ele era
seguido pelas forças de segurança, mais ainda naqueles dias turbulentos
de 64.

Historiadores sustentam que Gregório tinha seus passos rigidamente
seguidos pelos militares e pelo DOPS-PE, o que o levou a ser uma das
primeiras capturas “importantes” do golpe em Pernambuco, junto com o
governador Miguel Arraes – apeado do Palácio do Campo das Princesas, no
fatídico Primeiro de Abril, Arraes negou-se a qualquer tipo de
negociação e fez questão de deixar o Palácio pela porta da frente,
direto para a Casa de Detenção (hoje Casa da Cultura), de lá para o
presídio de Fernando de Noronha, de onde seguiu para o exílio na
Argélia. Mas, embora igualmente importante, esta é outra história.

Gregório Bezerra foi preso em terras da Usina Pedrosa, próxima do
município de Cortês, zona da mata pernambucana. Liderados por donos das
terras, como o usineiro José Lopes de Siqueira Santos, da Usina
Estreliana (Ribeirão), vários empresários do setor canavieiro,
importante braço armado do golpe militar, queriam fazer justiça com as
próprias mãos. Mas, Gregório teria que ser entregue ao Exército, que não
iria abrir de exibir em público um troféu daqueles, inimigo histórico
número um de vários militares golpistas, desde 1935. Não bastaria
prender, torturar ou até matar. Era importante mostrar, fazer do ato
covarde um circo de horrores.

Foi o que aconteceu. Diante de usineiros desolados por não acabarem ali
mesmo o serviço, Gregório Bezerra foi levado de Cortês pelos militares
até o Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José. De lá, seria
conduzido ao Quartel de Moto-mecanização do Exército, em Casa Forte,
zona norte do Recife, por um oficial do Exército e mais três algozes,
colaboradores voluntários do golpe: um militar reformado em 1951, Artur
Bruno Schwambach, o comerciante Elson Pinto Teixeira Souto e o agente do
DOPS-PE Cristóvão Cavalcanti Moreira.

Os três escalados para a empreitada, os mesmos que serviriam de
testemunhas de acusação do inquérito aberto contra o líder comunista,
entregaram Gregório ao coronel Darcy Ursmar Villocq Vianna, comandante
da unidade e protagonista de uma das cenas de tortura mais cruéis e
funestas ocorridas ao longo do período ditatorial (1964-1985). Gregório
foi amarrado com cordas, pelo pescoço, com três pontas puxadas ao mesmo
tempo, por soldados. Na rua começou o espancamento. Foi agredido com
paus e canos de ferro, inclusive na cabeça. Seus pés foram mergulhados
em ácido e, em seguida, foi obrigado a caminhar sobre britas.

Trecho do depoimento de Gregório, ainda na prisão: “Uns três ou quatro
sargentos do Parque de Moto-mecanização, instrumentos inconscientes
daquele verdugo (Villocq), completavam o espancamento com pontapés e
socos por todos os lugares do meu corpo. As pancadas se sucediam no
estômago, no rosto, nos rins, nos testículos, nas costas, nas pernas. Um
grupo de sargentos e soldados, ao longe do pátio do quartel, assistia
aquele quadro de covardia e sadismo sem precedentes, silenciosamente.”

As sevícias foram assistidas pelos transeuntes e moradores de Casa Forte
e só pararam depois de freiras de um convento próximo fazerem queixa ao
próprio Exército e à esposa do vice-governador Eraldo Gueiros Leite, no
exercício do governo após a queda de Arraes. À noite, as cenas foram
exibidas no noticiário da TV Jornal do Commercio Canal 2, imagens que se
perderam no tempo. Gregório foi trancado em uma cela, muito ferido e
preso a correntes. No xadrez continuou apanhando de Villock e seus
homens. O comandante gritava “Eu sou ibadeano” (do IBAD – Instituto
Brasileiro de Ação Democrática, entidade que atuou no golpe) e seus
soldados repetiam, em coro: “Nós também!”. Cenas inacreditáveis se tudo
não constasse do próprio inquérito policial militar.

Gregório Bezerra, o primeiro torturado da ditadura militar brasileira,
ficou preso até 1969, quando foi trocado, junto com outros 13 presos
políticos, pelo embaixador dos Estados Unidos, Charles Burck Elbrick.
Voltou ao Brasil em 1979, com a anistia. Morreu no Recife, aos 83, em
1983. A ele, o poeta Ferreira Gullar dedicou um poema, chamando de
“homem feito de ferro e de flor”.

Gregório ficou na História. Seus torturadores, não. Ninguém se lembra
deles. Nem mesmo os que hoje “festejam” o “movimento de 31 de março”,
como alguns militares insistem em classificar um ato que inaugurou um
dos mais brutais períodos que o País já viveu.

In
BRASIL 247
https://www.brasil247.com/blog/a-tortura-de-gregorio-bezerra-dia-da-vergonha-e-da-covardia
2/4/2021

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