terça-feira, 11 de julho de 2023

SURGIMENTO DE UM NOVO NÃO-ALINHAMENTO

 

 

Vijay Prashad

* *

    /A palavra "não alinhado" tem sido cada vez mais usada para se
    referir a essa nova tendência na política internacional. O termo tem
    as suas origens na Conferência dos Não-Alinhados, realizada em
    Belgrado (Jugoslávia) em 1961, que foi construída sobre as bases
    lançadas na Conferência Asiático-Africana realizada em Bandung
    (Indonésia) em 1955./

 

 



Da Bolívia ao Sri Lanka, países fartos do ciclo de austeridade da dívida
impulsionado pelo FMI e do/bullying/do bloco liderado pelos EUA começam
a afirmar as suas próprias agendas.

 

Um novo clima de desafio no Sul Global gerou perplexidade nas capitais
da Tríade <https://thetricontinental.org/newsletterissue/triad/>
(Estados Unidos, Europa e Japão), onde as autoridades estão a lutar para
responder à  questão de saber por que os governos do Sul Global não
aceitaram
<https://peoplesdispatch.org/2023/02/24/the-global-south-refuses-pressure-to-side-with-the-west-on-russia/> a visão ocidental do conflito na Ucrânia ou não apoiaram universalmente a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO)  nos seus esforços para "enfraquecer a Rússia <https://www.washingtonpost.com/world/2022/04/25/russia-weakened-lloyd-austin-ukraine-visit/>".

 

Governos que há muito eram flexíveis aos desejos da Tríade, como os
governos de Narendra Modi na Índia e Recep Tayyip Erdogan na Turquia
(apesar da toxicidade dos seus próprios regimes), já não são tão confiáveis.

 

Desde o início da guerra na Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores
da Índia, S. Jaishankar, tem-se feito  ouvir com clareza na defesa da
recusa do seu governo em aceitar a pressão de Washington. Em abril de
2022, numa entrevista coletiva conjunta em Washington, D.C., com o
secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, Jaishankar foi convidado a
explicar a contínua compra de petróleo da Rússia pela Índia. A sua
resposta <https://www.youtube.com/watch?v=PaDWmUKjY1s> foi contundente:

* *

*"Reparei que o senhor se refere à compra de petróleo. Se está a
analisar as compras de energia à Rússia, sugiro que a sua atenção se
concentre na Europa... Compramos alguma energia que é necessária para a
nossa segurança energética. Mas suspeito, olhando para os números,
provavelmente o nosso total de compras para o mês seria menor do que o
que a Europa faz numa tarde."*

 

 

No entanto, tais comentários não impediram os esforços de Washington
para conquistar a Índia para a sua agenda. Em 24 de maio, o Comit
<https://selectcommitteeontheccp.house.gov/>é
<https://selectcommitteeontheccp.house.gov/> Especial
<https://selectcommitteeontheccp.house.gov/>do Congresso dos EUA sobre o
Partido Comunista Chinês <https://selectcommitteeontheccp.house.gov/>
divulgou uma declaração
<https://selectcommitteeontheccp.house.gov/sites/evo-subsites/selectcommitteeontheccp.house.gov/files/evo-media-document/ten-for-taiwan-final-with-cover-page-2.pdf> política sobre Taiwan que afirmava que "os Estados Unidos deveriam fortalecer o acordo NATO Plus para incluir a Índia".

 

Esta declaração política foi divulgada pouco depois da cimeira
<https://thetricontinental.org/newsletterissue/g7-summit/> do G7 em
Hiroshima, no Japão, onde o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi,
se reuniu com os vários líderes do G7, incluindo o Presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden, e o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

 

A resposta do governo indiano a essa formulação "NATO Plus"  fez eco do
sentimento dos seus comentários anteriores sobre a compra de petróleo russo.

 

"Muitos americanos ainda têm essa construção do tratado da  NATO nas
suas cabeças", disse <https://www.youtube.com/watch?v=2TbhwdzwJqY>
Jaishankar numa entrevista coletiva em 9 de junho. "Parece quase que
esse é o único modelo ou ponto de vista com o qual eles olham para o
mundo... Esse não é um modelo que se aplique à Índia."

 

A Índia, disse ele, não está interessada em fazer parte do NATO Plus,
desejando manter um maior grau de flexibilidade geopolítica. "Um dos
desafios de um mundo em mudança", disse Jaishankar, "é como fazer com
que as pessoas aceitem e se ajustem a essas mudanças".

 

Há duas conclusões significativas das declarações de Jaishankar.
Primeiro, o governo indiano – que não se opõe aos Estados Unidos, nem em
termos de programa nem de temperamento – não está interessado em ser
atraído para um sistema de blocos liderado pelos EUA (a "construção do
tratado da NATO", como disse Jaishankar).

 

Em segundo lugar, como muitos governos do Sul Global, reconhece que
vivemos num "mundo em mudança" e que as grandes potências tradicionais –
especialmente os Estados Unidos – precisam se "ajustar a essas mudanças".

No seu relatório "Investment Outlook 2023", o Credit Suisse apontou
<https://www.credit-suisse.com/media/assets/private-banking/docs/uk/investment-outlook-2023-en.pdf> para as "fraturas profundas e persistentes" que se abriram na ordem internacional - outra forma de se referir ao que Jaishankar chamou de "mundo em mudança".

 

O Credit Suisse descreve essas "fraturas" com precisão:

 

*"O Ocidente global (países desenvolvidos ocidentais e aliados)  
afastou-se do Oriente global (China, Rússia e aliados) em termos de
interesses estratégicos centrais, enquanto o Sul Global (Brasil, Rússia,
Índia e China e a maioria dos países em desenvolvimento) está a
reorganizar-se para perseguir os seus próprios interesses."*

* *

Estas palavras finais devem ser repetidas: "o Sul Global... está a
reorganizar-se para perseguir os seus próprios interesses".

 

Em meados de abril, o Ministério das Relações Exteriores do Japão
divulgou o seu "Diplomtic
<https://www.mofa.go.jp/mofaj/files/100488910.pdf> Bluebook
<https://www.mofa.go.jp/mofaj/files/100488910.pdf>2023
<https://www.mofa.go.jp/mofaj/files/100488910.pdf>", no qual observou
que estamos agora no "fim da era pós-Guerra Fria".

 

Após o colapso da União Soviética em 1991, os Estados Unidos afirmaram a
sua primazia sobre a ordem internacional e, juntamente com os seus
vassalos da Tríade, estabeleceram o que chamaram"ordem internacional
baseada em regras
<https://thetricontinental.org/dossier-regionalism-new-international-order/>".

 

Este projeto de 30 anos liderado pelos EUA está agora a fracassar, em
parte devido às fraquezas internas dos países da Tríade (incluindo a sua
posição enfraquecida na economia global) e em parte devido à ascensão
das "locomotivas do Sul
<https://mayday.leftword.com/catalog/product/view/id/16923>" (lideradas
pela China, mas incluindo Brasil, Índia, Indonésia, México e Nigéria).

 

Os nossos cálculos, baseados no map
<https://www.imf.org/external/datamapper/profile/WEOWORLD>a
<https://www.imf.org/external/datamapper/profile/WEOWORLD>de dados do
FMI <https://www.imf.org/external/datamapper/profile/WEOWORLD>, mostram
que, pela primeira vez em séculos, o Produto Interno Bruto dos países do
Sul Global superou o dos países do Norte Global este ano.

 

A ascensão desses países em desenvolvimento — apesar da grande
desigualdade social que existe dentro deles — produziu uma nova atitude
entre as suas classes médias que se reflete no aumento da confiança dos
seus governos: eles já não aceitam as visões paroquiais dos países da
Tríade como verdades universais e têm um desejo maior de exercer os seus
próprios interesses nacionais e regionais.

 

É essa reafirmação dos interesses nacionais e regionais no Sul Global
que tem reavivado um conjunto de processos regionais, incluindo a
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (C
<http://s017.sela.org/celac>ELAC) e o processo BRICS
(Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul).

 

Em 1 de junho, os ministros dos Negócios Estrangeiros do BRICS
reuniram-se na Cidade do Cabo (África do Sul) antes da cimeira entre os
seus chefes de Estado que deve ocorrer em agosto em Joanesburgo. A
declaração conjunta que emitiram é instrutiva: por duas vezes, alertaram
para o impacto negativo de "medidas coercivas económicas unilaterais,
como sanções, boicotes, embargos e bloqueios", que "produziram efeitos
negativos, designadamente no mundo em desenvolvimento".

 

A linguagem nesta declaração representa um sentimento que é
compartilhado por todo o Sul Global. Da Bolívia ao Sri Lanka, esses
países, que compõem a maioria do mundo, estão fartos do ciclo de
austeridade da dívida impulsionado pelo FMI
<https://thetricontinental.org/dossier-63-african-debt-crisis/> e do
/bullying/ da Tríade. Começam a afirmar as suas próprias agendas soberanas.

 

Curiosamente, esse renascimento da política soberana não está a ser
impulsionado por um nacionalismo voltado para dentro, mas por um
internacionalismo não alinhado.

 

A declaração dos ministros do BRICS concentra-se no "fortalecimento do
multilateralismo e na defesa do direito internacional, incluindo os
propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas como sua
pedra angular indispensável" (aliás, tanto a China como a Rússia fazem
parte dos 20 membros do Grupo de Amigos em Defesa da Carta da ONU
<https://www.gof-uncharter.org/>).

 

O argumento implícito que está a ser usado aqui é que os Estados da
Tríade liderados pelos EUA impuseram unilateralmente a sua estreita
visão de mundo, baseada nos interesses das suas elites, aos países do
Sul sob o disfarce da "ordem internacional baseada em regras".

Agora, argumentam os Estados do Sul Global, é hora de voltar à fonte – a
Carta da ONU – e construir uma ordem internacional genuinamente democrática.

 

A palavra "não alinhado" tem sido cada vez mais usada para se referir a
essa nova tendência na política internacional. O termo tem as suas
origens na Conferência dos Não-Alinhados, realizada em Belgrado
(Jugoslávia) em 1961, que foi construída sobre as bases lançadas na
Conferência Asiático-Africana realizada em Bandung (Indonésia) em 1955.

 

Naquela época, o não-alinhamento referia-se a países liderados por
movimentos enraizados no Projeto Terceiro Mundo, profundamente
anticolonial, que buscavam estabelecer a soberania dos novos Estados e a
dignidade dos seus povos.

 

Esse momento de não alinhamento foi morto pela crise da dívida dos anos
1980, que começou com a falência do México em 1982. O que temos agora
não é um retorno do antigo não-alinhamento, mas a emergência de uma nova
atmosfera política e de uma nova constelação política que exige um
estudo cuidadoso.

 

Por enquanto, podemos dizer que esse novo não alinhamento está a ser
exigido pelos maiores Estados do Sul Global, que não estão interessados
em ser subordinados à agenda da Tríade, mas que ainda não estabeleceram
um projeto próprio – um Projeto Sul Global, por exemplo.

 

Como parte dos nossos esforços para entender essa dinâmica emergente, o
Tricontinental Institute for Social Research [Instituto Tricontinental
para a Investigação Social] juntou-se no sábado à campanha No Cold War
<http://nocoldwar.org/> [Não à Guerra Fria], ALBA Movimientos
<https://albamovimientos.net/>, Pan-Africanism Today
<https://www.facebook.com/PanAfricanismToday/>, International Strategy
Center <https://www.goisc.org/home> (Coreia do Sul) e à Assembleia
Internacional dos Povos <https://ipa-aip.org/> para sediar o /webinar/
"O Novo Não-Alinhamento e a Nova Guerra Fria".

 

Os oradores foram Ronnie Kasrils (ex-ministro da Inteligência da África
do Sul), Sevim Dagdelen (vice-líder do partido Die Linke no Bundestag
alemão), Stephanie Weatherbee (Assembleia Internacional dos Povos) e
Srujana Bodapati (Instituto Tricontinental de Pesquisa Social).

 

 

Fonte: Emergence of a New Non-Alignment | MLToday
<https://mltoday.com/emergence-of-a-new-non-alignment/>, publicado e
acedido em 26.06.2023

Em
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/surgimento-de-um-novo-nao-alinhamento-257842
7/7/2023

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