por Luís Nassif
Nos dois casos havia governos reformistas, com plano de modernizar as
relações sociais no país. Em ambos os casos, foram alvo de uma frente
mídia-militares-empresários brandindo as bandeiras de sempre: corrupção
e comunismo.
Jango caiu porque não respeitou a correlação de forças existentes. De um
lado, havia San Thiago Dantas querendo colocar um mínimo de
racionalidade na elite empresarial brasileira. Ele e Afonso Arinos de
Mello Franco, um jurista ligado a Jango, outro udenista, ambos
racionais, tentaram trazer um mínimo de racionalidade à elite
brasileira, e não conseguiram.
Jango balançava entre a conciliação e a radicalização – para a qual era
empurrado por seu cunhado Leonel Brizolla. Há alguns anos com Almino
Affonso – que defendia posições mais agressivas contra o golpe que se
avizinhava – me disse que Jango estava certo em não medir forças com a
direita. O Ministro da Fazenda do parlamentarismo, Walther Moreira
Salles, tinha a mesma opinião. Havia pessoas como San Thiago, Tancredo
Neves, Franco Montoro, capazes de fazer a mediação. Mas havia uma sede
enorme pelos grandes negócios que poderiam ser abertos pela deposição de
Jango.
A grande diferença em relação ao quadro atual, era o grupo de pensadores
que montaram as chamadas reformas de base.
O país iniciara seu processo de industrialização, com a Companhia
Siderúrgica Nacional, Eletrobras, Petrobras e a indústria
automobilística. Começava a se urbanizar. Ainda havia uma enorme miséria
no nordeste e na periferia das cidades.
Em torno de Jango reuniu-se o melhor grupo de pensadores sociais da
época – muitos deles com papel central no desenvolvimento do Banco
Mundial, em sua fase mais social.
Para o nordeste, Celso Furtado pensou um plano de desenvolvimento
espelhado no Tennessee Valley, criado no período do New Deal, de Roosevelt.
Fundava-se na criação de uma autarquia, a Tennessee Valley Authority (TVA).
A TVA foi criada para resolver diversos problemas enfrentados pelo Vale
do Rio Tennessee, região que englobava partes de sete estados
americanos. A área era marcada pela pobreza, erosão do solo, falta de
energia elétrica e enchentes devastadoras.
As reformas de base
Havia muito mais. Desenvolveram um projeto de reforma agrária para
distribuir aos camponeses terras nas margens das ferrovias que estavam
sendo construídas.
Havia um grupo extraordinariamente brilhante de técnicos, como Josué de
Castro, Paulo Freire, Anisio Teixeira, Darcy Ribeiro.
No plano eleitoral, propunha-se e extensão do direito de voto aos
analfabetos. Para a área urbana, planos de ampliação do saneamento
básico, transporte público e habitação popular.
Propunha-e também um imposto progressivo sobre a renda, um aumento da
tributação sobre grandes fortunas e lucros das empresas e redução da
carga tributária dos mais pobres.
Enfim, a urbanização acelerada que se prenunciava encontraria serviços
públicos de qualidade, um orçamento com responsabilidade social, um
ataque direto à pobreza do nordeste, que passava por períodos tremendos
de seca.
Não apenas em Brasília. Esse espírito de combate à pobreza conquistou o
movimento estudantil, o nordeste tornou-se tema prioritário nas semanas
do estudante.
Todo esse processo civilizatório foi interrompido pelo golpe de 1964.
Por exemplo, a fazenda Bodoquena pertencia à Territorial Franco-
Brasileira, da família Rochefoucauld. Os franceses haviam financiado a
Estrada de Ferro Brasil-Bolívia e adquirido um total de 440 mil hectares
de terra, que iam de Miranda a Porto Esperança, em Mato Grosso, ladeando
os 142 quilômetros da estrada. Seriam desapropriadas para reforma
agrária. Em vez disso, foi vendida para o Grupo Moreira Salles, que
trouxe Nelson Rockefeller como sócio.
Matou-se a vida política nos estados e municípios, com fim das eleições
e uma enorme centralização tributária. No lugar de grupos sociais
organizados – desde Rotary, Lions, Maçonaria, Santas Casas de
Misericórdia, associações de negros – tudo foi substituído pelo deputado
despachante, ligado ao governo e com acesso às verbas federais.
Nos anos seguintes, as políticas de estabilização de Roberto Campos
destruíram milhares de pequenas empresas. Houve um aumento desmesurado
do êxodo do nordeste, com levas de miseráveis indo até Belo Horizonte,
pegando um trem para São Paulo, e tentando empregos mal remunerados para
sobreviver.
As cidades incharam, o ensino público deteriorou-se e, à custa de planos
de desenvolvimento, criou-se uma indústria que padeceu sempre da falta
de um mercado de trabalho robusto. E o controle absoluto exercido pelos
militartes – havia necessidade de autorização até para trocar um
computador de lugar – abriu espaço pára uma corrupção generalizada, com
aparecimentos dos chamados coronéis-maçanetas – que abriam as portas do
estado para negócios.
Pode-se afirmar que o futuro do Brasil foi destruído a partir do momento
que um general tresloucado saiu de Minas Gerais e foi para Brasilia. Mas
não apenas ele. Àquela altura, os conspiradores já tinham distribuído
armas para fazendeiros por todo o país.
Tortura, crimes contra a humanidade, os homens do porão saindo para
constituir milícias, o fim de um país do futuro, tudo isso foi resultado
de uma história que Lula não pretende relembrar.
Em
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/coluna-economica/entre-jango-e-lula-60-anos-de-uma-historia-que-nao-pode-ser-esquecida-por-luis-nassif/
2/4/2024
terça-feira, 2 de abril de 2024
Entre Jango e Lula, 60 anos de uma historia que não pode ser esquecida,
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