domingo, 6 de abril de 2025

A Ucrânia é um ativo tóxico

 


Dmitry Orlov 

Prestigie a escrita de Dmitry Orlov em: https://boosty.to/cluborlov

Muita atenção tem sido dada à proposta de acordo sobre terras raras que o governo Trump vem tentando negociar com o regime de Kiev (ou “terra bruta”, como o próprio Trump às vezes diz).

No início, Zelensky propôs que os EUA ajudassem a Ucrânia a desenvolver os depósitos ucranianos de terras raras. Para reforçar sua afirmação de que há muitas terras raras escondidas sob a terra ucraniana, Zelensky produziu um mapa de papel da Ucrânia com depósitos de terras raras delicadamente sombreados com lápis de cor.

Esse mapa, ao que parece, era de uma pesquisa geológica muito antiga da era soviética. Os geólogos russos receberam ordens para procurar terras raras e, vejam só, eles as encontraram. Isso significa que esses depósitos são economicamente viáveis? Não, de forma alguma! Significa apenas que traços de elementos de terras raras podem ser encontrados na sujeira de uma determinada região, talvez em um nível de 1 parte por milhão, o que equivale a 1 grama de terras raras para cada tonelada de sujeira ou rocha escavada, moída, peneirada e submetida a um processo de extração química. Mas a concentração útil pode ser muito menor e a rocha em questão é, em alguns casos, granito, que não é um material fácil de moer em um pó fino.

Além disso, um dos depósitos mais razoáveis – de lítio – está no que hoje é território russo, e fazer um acordo para explorá-lo com os ucranianos é como pedir a um urso que devolva um guarda-chuva que você parece ter esquecido na toca dele em uma caminhada anterior pela floresta.

É claro que os ucranianos e os americanos não reconhecem esse território como russo, mas isso não significa que eles não seriam atacados até a morte se entrassem nele em busca de lítio.

Deixando as metáforas de lado, o sangue sagrado russo foi derramado em defesa dessa terra, e isso a torna sagrada para os russos. Se a expressão “terra sagrada” não fizer sentido para você, basta pegar um mapa-múndi, encontrar a Rússia nele (o que não é nada difícil!) e apreciá-la por seu tamanho impressionante. É lógico que a Rússia não se tornou tão grande porque os russos foram bonzinhos com aqueles que tentaram tomar suas terras. Portanto, entenda que não importa se você acha ou não que um determinado pedaço de terra pertence à Rússia; tudo o que importa é que os russos acham que pertence.

De qualquer forma, os americanos morderam a isca de Zelensky e, no mês passado, Zelensky foi a Washington para uma cerimônia de assinatura de um acordo de “terra bruta” com Trump. A Casa Branca anunciou que tudo estava pronto para a assinatura, mas Zelensky agiu como um idiota durante a coletiva de imprensa antes da assinatura no Salão Oval e foi expulso sem cerimônia da Casa Branca. Foi um escândalo espetacular. Os assessores de Zelensky prontamente o levaram para Londres, onde seus acariciadores europeus, tão gratos por seus serviços como atendente da lavanderia de dinheiro de Biden, acariciaram seu ego esvaziado de volta ao seu tamanho desproporcional habitual, e ele tem agido como um idiota desde então.

Enquanto isso, o governo Trump, talvez após consultar Putin, decidiu seguir a estratégia de negociação usual de Putin. A primeira oferta de Putin é sempre a melhor. Se ela for recusada, a próxima oferta é consideravelmente pior. Se ela também for recusada, as ofertas progressivamente piores levam ao inevitável acordo de uma cláusula: você faz exatamente o que lhe foi pedido. Se isso também for inaceitável, então – bang! – você está morto. Trump, então, tentou algo semelhante, e o esboço atual do acordo de “terra bruta” inclui não apenas a sujeira supostamente mágica, mas também portos, oleodutos, usinas nucleares e muito mais, tudo a ser administrado por um conselho de administração controlado pelos americanos até que as dívidas de guerra ucranianas (que é o que Trump acha que são) tenham sido totalmente pagas. Essencialmente, isso colocaria a antiga Ucrânia sob administração colonial americana por um período indefinido de tempo.

Há vários problemas com essa proposta de acordo. Primeiro, ele faz parecer que uma guerra foi travada entre os EUA e a Ucrânia, que a Ucrânia perdeu, enquanto foram os EUA que lutaram e perderam um conflito por procuração contra a Rússia, com a Ucrânia como nada mais do que um procurador que forneceu seu território como campo de batalha e seus homens como bucha de canhão. Em segundo lugar, o acordo é semelhante ao Tratado de Versalhes no final da Primeira Guerra Mundial, que impôs à Alemanha reparações de guerra onerosas – só que significativamente piores – tornando-o extremamente humilhante. Um acordo que força a Ucrânia a capitular para os EUA é politicamente desagradável para o regime de Kiev e já escandalizou tanto a ponto de Zelensky não poder assiná-lo sem colocar em risco sua própria segurança ali mesmo em Kiev. O acordo ofende suas duas principais contingências: os oligarcas ucranianos (que possuem grande parte daquilo sobre o qual Trump quer reivindicar domínio) e os batalhões nazistas ucranianos (que veem o acordo como uma capitulação em uma guerra que eles, de forma um tanto insana, ainda acham que podem vencer de alguma forma).

A recusa de Zelensky em assinar o acordo é a desculpa que Trump precisa para cortar toda a ajuda à Ucrânia recalcitrante, ingrata e caloteira. Esse pode ser, de fato, o motivo real por trás de toda a palhaçada da “terra bruta”, porque há mais alguns problemas: a alegação de dívida e a alegação de autoridade para assinar são ambas inválidas.

A alegação de dívida se baseia no argumento, sem suporte factual, de que os bilhões de dólares de ajuda que o governo Biden enviou ao regime de Kiev, grande parte dos quais foi roubada ou lavada, sendo que uma boa parte foi parar nos cofres do partido democrata dos EUA, foi emprestada em vez de ser dada gratuitamente. Normalmente, quando alguém aparece, alegando que você deve algo a ele, a não apresentação da nota promissória – um documento com a assinatura do tomador do empréstimo e que especifica os termos do pagamento – resolve a questão. Nesse caso, não há nota promissória, portanto, não há dívida.

A alegação de autoridade para assinar se baseia no argumento juridicamente inválido de que Zelensky e sua administração formam o governo ucraniano real e de boa-fé, de acordo com os termos estabelecidos na constituição ucraniana. O mandato presidencial de Zelensky expirou em maio passado e, com ele, a autoridade de todos que ele nomeou, como o Ministro das Relações Exteriores, que, de acordo com a constituição ucraniana, é o único funcionário autorizado a assinar tratados internacionais, como o que o governo Trump está propondo. De fato, não há ninguém em Kiev que possa assinar esse acordo de “terra bruta” de forma que não seja contestado e considerado inválido.

É claro que, se os EUA decidirem que ter um governo federal ucraniano é totalmente desnecessário, então não importará quem assine para o lado ucraniano, assim como não importará muito quem assina os artigos de capitulação para o lado perdedor em uma guerra. A assinatura dos artigos de rendição incondicional é mais um ritual de humilhação pública do que um procedimento legal, e o signatário pode ser o Imperador Hirohito ou o Mickey Mouse – quem se importa? O que importa é que ninguém do lado derrotado tem a capacidade de contestá-lo, como pode muito bem ser o caso dos ucranianos, embora uma combinação de nazistas e oligarcas ucranianos possa causar o maior mau cheiro do mundo – grande o suficiente para envolver toda a Europa e até mesmo chegar às costas da América.

Outro pequeno problema é que os artigos de rendição incondicional geralmente são escritos em favor do lado vencedor, não do lado perdedor. Mas acontece que essa guerra (ou Operação Militar Especial, se você for russo) não foi de forma alguma entre a antiga Ucrânia e a Rússia. O tempo todo, segundo o New York Times, foi uma guerra por procuração entre a Rússia de um lado e os Estados Unidos do outro. Os ucranianos apenas forneceram seus homens como bucha de canhão e seu território como campo de batalha, enquanto os norte-americanos pagaram os salários do regime de Kiev, até as administrações regionais, forneceram as armas, a inteligência e o direcionamento e, em geral, controlaram toda a ordem da batalha. E, apesar dos esforços do NYT para colocar a culpa nos ucranianos, foram os americanos que perderam. O que o procurador deve ao perdedor em um conflito por procuração? Isso mesmo, absolutamente nada.

Não quero sugerir que a publicação do New York Times seja outra coisa que não uma ficção feita às pressas para encobrir o papel do governo Biden. De acordo com os bajuladores democratas do NYT, foi uma guerra boa e justa para produzir uma derrota estratégica da Rússia e de seu tirano Putin. Mas não saiu de acordo com o planejado por causa dos ucranianos, que são corruptos, negligentes e buscaram vitórias de propaganda em vez de vitórias militares reais. Os americanos forneceram todas as informações sobre os alvos (eufemisticamente chamando os alvos russos de “pontos de interesse”) e, portanto, são cúmplices de uma infinidade de crimes de guerra porque muitos desses pontos de interesse eram escolas, hospitais, shopping centers e outros alvos civis. Portanto, se alguém deve algo a alguém, são os americanos que devem pagar reparações de guerra à Rússia. Mas esse é um ponto secundário; o mais importante é que nada do que eles tentaram funcionou de fato e agora a Rússia será vitoriosa e triunfante.

Se isso sempre foi uma guerra por procuração entre os EUA e a Rússia, então por que o governo Trump está insistindo para que a Rússia concorde com um cessar-fogo com a Ucrânia em vez de concordar com o seu próprio eu magnífico? Fato ou não, o artigo do NYT foi uma rajada de vento forte o suficiente para afastar a folha de figueira da guerra por procuração, fazendo com que nos perguntássemos sobre a inadequação flácida do que estava escondida por baixo dela. E o que estava sendo ocultado era, entre todas as coisas, a incapacidade dos americanos de controlar os ucranianos.

A saber, o cessar-fogo de 30 dias no qual Trump insistiu foi reduzido para apenas a cessação dos ataques à infraestrutura de energia de ambos os lados. Os russos mantiveram imediatamente esse compromisso, chegando ao ponto de abater alguns de seus próprios aviões drones que já estavam no ar e a caminho de explodir algumas das instalações de energia ucranianas restantes. Os ucranianos, por outro lado, ignoraram o cessar-fogo e continuaram seus esforços, em sua maioria ineficazes, para atacar as instalações de energia do lado russo, incluindo, de forma cômica, aquelas de propriedade de empresas americanas! Claramente, ou Trump não controla os ucranianos ou não controla seu próprio pessoal, que diz aos ucranianos o que eles podem ou não fazer.

A conclusão inevitável de tudo isso é que o governo Trump não tem boas opções. Ele não pode forçar os ucranianos a assinar o oneroso acordo de “terra bruta” e, se o fizesse, o acordo seria inválido, a menos que os ucranianos capitulassem aos americanos e aceitassem a administração colonial americana. E que colônia maravilhosa seria essa!

– A infraestrutura não foi atualizada desde os tempos soviéticos e está mais do que decrépita.

– As pessoas são zumbificadas pela propaganda ucraniana a ponto de agirem como membros de um culto suicida.

– Quase metade da população já fugiu e a maior parte do restante fugirá no momento em que as fronteiras forem abertas novamente (o que acontecerá quando o governo central desmoronar)

– E, para completar, haverá um exército muito grande de nazistas muito bem armados e experientes em batalhas, que ficarão extremamente irritados com o que aconteceu e imediatamente brigarão com qualquer um que tentar invadir o que eles consideram seu território, a começar pela administração colonial americana, caso haja uma tentativa de formar uma entidade tão infeliz.

Talvez Trump queira lavar as mãos de toda a bagunça da Ucrânia, chamando-a de “problema de Biden” e vender seu acordo de “terra bruta” aos russos por um dólar simbólico? Bem, isso também não funcionaria, por dois excelentes motivos. Em primeiro lugar, por que a Rússia deveria se sobrecarregar com uma terra enorme, em sua maior parte destruída e despovoada, com a maior parte da população restante zumbificada, hostil, traiçoeira, afligida por queixas incipientes que remontam ao período jurássico e que insiste em falar um idioma que é quase russo, mas não exatamente russo? Por que não se certificar de que eles não representam nenhum risco para a Rússia e deixá-los apodrecer por um ou dois séculos (como já haviam feito algumas vezes antes)? Os russos certamente tentariam salvar o máximo de almas ucranianas que pudessem, mas apenas uma alma de cada vez, e isso somente quando eles começassem a sair das trincheiras em massa, com as mãos para o alto; somente então a cura poderia começar.

A Rússia já tem a maior parte do que queria: cinco regiões industriais e agrícolas importantes habitadas por russos decididos; uma rota terrestre para a Crimeia; um filão de recursos naturais; e a fronteira defensável do poderoso rio Dniepr. Em teoria, a Rússia também poderia se beneficiar da absorção de Odessa e da formação de uma ponte terrestre para a Transnístria e a Gaugazia, ambas de língua russa e que têm clamado pela atenção da Rússia nos últimos 35 anos. Mas esses são detalhes sem importância; o ponto importante é que a Rússia já garantiu uma grande vitória – não sobre a Ucrânia, já que, ao que parece, era apenas uma representação – mas sobre todo o Ocidente!

Atualmente, a Rússia tem o melhor e mais bem treinado exército do planeta, equipado com armas modernas e testadas em batalha, e um complexo militar-industrial extremamente eficiente que causa inveja ao mundo. Para manter a Europa pacificada, a cavalaria russa não precisará entrar em Paris e os tanques russos não precisarão entrar em Berlim. Esses cachorrinhos já se chicotearam e ficarão escondidos debaixo da cama nas próximas décadas. As lamentações patéticas que saem de Paris, Londres e Bruxelas são música para os ouvidos russos.

O que os EUA têm agora, pelo menos no papel e em forma de rascunho, é um ativo tóxico chamado “direitos econômicos exclusivos da antiga Ucrânia”. Ele não valerá nem perto dos US$ 150 bilhões ou dos US$ 500 bilhões que Trump alegou de várias formas. Na verdade, pode acabar sendo extremamente não lucrativo: quente demais para os americanos lidarem, com todos os nazistas raivosos correndo por aí, furiosos como o diabo depois de sua humilhação, e um desastre humanitário para a população remanescente cada vez menor. Do ponto de vista político, Trump não pode se dar ao luxo de fazer o mesmo que fez Biden no Afeganistão e simplesmente sair correndo.

Os esforços de Trump para pressionar os russos fracassarão porque tudo o que isso pode fazer é minar ainda mais a posição do dólar americano no comércio internacional. Suas tentativas de negociação com os russos não estão funcionando porque a delegação americana não consegue dar uma boa resposta nem mesmo à primeira pergunta, perfeitamente razoável: “Quem diabos são vocês e o que diabos estão fazendo em nossa vizinhança?” Trump, veja bem, é o rei da enrolação, mas os russos não enrolam. A Rússia é vizinha da Ucrânia, enquanto os Estados Unidos estão do outro lado do oceano; você consegue perceber a diferença? Em resumo, é tudo uma farsa.

Enquanto isso, Trump está ficando rapidamente sem opções:

– Ele não tem escolha a não ser tentar afundar o navio do globalismo antes que os globalistas afundem o navio dos Estados Unidos. Se tiver alguma dúvida sobre isso, basta olhar para a balança comercial dos EUA com o resto do mundo; ela conta a história toda. Todo esse dinheiro falso, que precisa ser impresso para cobrir o desequilíbrio comercial, volta para a economia dos EUA. Como resultado, cada vez mais americanos não conseguem pagar o aluguel e estão dormindo em carros ou barracas de beira de estrada. Os globalistas são parasitas que infestam os Estados Unidos e estão gradualmente matando-os. Não importa se os Estados Unidos serão grandes novamente; apenas evitar que entrem em colapso já seria uma tarefa difícil.

– Levantar as barreiras comerciais é um bom primeiro passo, mas, ao fazê-lo, corre-se o risco de levar a economia americana a um estado de choque profundo do qual talvez nunca se recupere. Os EUA não têm mais a força de trabalho treinada e disciplinada necessária para executar um programa de substituição de importações. A classe gerencial está totalmente lotada de gerentes financeiros e especuladores. Os industriais já se foram e não há mais ninguém para reconstruir o setor. Mais de 80% da economia dos EUA são serviços, voltados para o consumo, não para a produção, e reverter essa situação, mesmo que isso seja algo que possa ser feito, levaria várias décadas, o que os EUA não têm.

– Trump também precisa cortar o governo federal, mas ele resiste a ser cortado em todos os níveis – burocrático, legislativo e judiciário. O serviço civil permanente faz o possível para frustrar todos os seus esforços de reforma. A legislatura tem uma maioria muito pequena a seu favor, mas com metade dos legisladores trabalhando arduamente para fazê-lo fracassar, grandes avanços legislativos são altamente improváveis. E o judiciário americano é uma lei em si mesmo – um fractal de interesses políticos conflitantes que pode anular qualquer iniciativa do Poder Executivo por meio de complicações e atrasos. O governo federal dos EUA não é um sistema reformável.

– Ele precisa cortar os gastos com defesa em uma quantidade enorme, mas isso destruiria sua base de poder e ele não tem os votos para fazer isso acontecer. Mesmo que tivesse os votos, ele não teria o dinheiro: evacuar e liquidar todas as bases militares no exterior exigiria mais dinheiro, não menos. Os programas de armamentos precisam ser impiedosamente eliminados e isso causaria indignação entre os senadores e deputados cujos estados e distritos se beneficiam desses programas, destruindo sua já muito pequena maioria legislativa.

– Trump precisa cortar o resto do mundo da prensa de impressão de dólares, mas ele não controla o Federal Reserve, que é uma fachada para um consórcio de bancos privados, todos eles globalistas. Ele gostaria muito de se soltar da Europa, mas o fato é que o dólar americano e o euro são moedas gêmeas siamesas unidas pelo quadril: para cada euro que o Banco Central Europeu considera adequado imprimir, um dólar precisa ser emitido para absorver o excesso, ou o desequilíbrio faria com que todo o sistema financeiro se tornasse instável e o fluxo de fundos fosse interrompido. É uma relação perversa que Trump não tem autoridade para romper.

Em resumo, Trump está ferrado. Para fazer seu trabalho, ele teria que se tornar um ditador, mas ele é apenas o presidente da segunda república mais corrupta da história do mundo (a mais corrupta é a Ucrânia). O fim de seus 100 primeiros dias mágicos no cargo está se aproximando rapidamente e, até agora, ele não realizou exatamente nada. Sim, ele fez muito barulho na mídia e Elon Musk, agindo em seu nome, conseguiu matar a USAID, a Voz da América, alguns milhões de beneficiários da Previdência Social já mortos e algumas outras entidades parasitárias relativamente pequenas, mas isso não é suficiente para evitar uma catástrofe fiscal.

Além de tudo, ele terá a “Ucrânia de Trump”, combinando com o “Afeganistão de Biden”. Ou isso, ou ele acabará se tornando o orgulhoso proprietário e possuidor do ativo mais tóxico do mundo. Ele pode acabar tentando vendê-lo a Putin por um dólar, mas duvido que Putin aceite porque, como mencionei, a Rússia já ganhou quase tudo o que queria com o valor de seus soldados no campo de batalha e provavelmente acharia que adquirir o restante por meio de algum tipo de negócio imobiliário americano obscuro seria indigno e não seria do interesse nacional da Rússia.

Em

Sakerlatam

https://sakerlatam.blog/a-ucrania-e-um-ativo-toxico/

2/4/2025



sábado, 5 de abril de 2025

Europe’s Apparently Puzzling Bellicosity


Prabhat Patnaik


ONE of the puzzling phenomena in world capitalism today is the bellicosity displayed by Europe vis-à-vis Russia. The claim that Russia has imperialist designs towards Europe, which the European ruling circles keep repeating, is clearly absurd. It is NATO that moved eastwards, in violation of a promise made by the US administration to Gorbachov, and provoked Russia; and it is NATO members, notably US and UK, that torpedoed the Minsk agreement reached between Russia and Ukraine which would have prevented the war. NATO’s objective clearly was to subjugate Russia and control its rich natural resources, by recreating the relationship that Western imperialism had developed for a while with that country when Boris Yeltsin had been its president. The claim that it is Russia that wants to over-run Europe, like the earlier Cold War claim that it was the Soviet Union that wanted to subjugate Europe, is so absurd that it is almost childish.

The question however is this: after the US has decided to bring the Ukraine war to an end and thereby implicitly denied this claim of Russian aggressiveness, why does Europe still persist in propagating this myth? This question is particularly relevant for Germany whose losses owing to the stand-off vis-à-vis Russia have been quite substantial. Being forced to rely on the import of US energy in lieu of Russian gas that is cheaper, its costs of production have gone up, encouraging firms to shift their production elsewhere and start a process of de-industrialisation of Germany; and high energy prices have also raised the cost of living, bringing greater distress to the workers. The natural thing for Germany should be to welcome an end to the Ukraine war and seek to bring about an improvement in its economic performance. Why is it still persisting with its bellicosity?

This difference between Europe and the US cannot be attributed to a revival of inter-imperialist rivalry; it concerns a divergence in imperialist strategy towards Russia, but that is not the same as inter-imperialist rivalry fuelled by the contradiction between rival financial oligarchies. In a world of globalised finance capital, such rivalry over what Lenin had called “economic territory”, remains muted; besides, as we have just seen, the interests of Germany and Europe should generally dictate peace with Russia rather than confrontation, especially in view of the fact that Russia cannot be defeated (in any sense of the term “defeat”) in the Ukraine war.

Of course it may be argued that even in the absence of any intensification of inter-imperialist rivalry, European ruling circles, faced with the threat of a withdrawal of the American-provided “security” umbrella they have enjoyed until now, are keen on stepping up their armaments expenditure in order not to be “left behind”; this can be financed partly through a larger fiscal deficit and partly by cutting down on welfare expenditure that Europe had been incurring in the post-war period, and both these become easier to achieve by invoking a Russian threat.

Globalised finance is opposed to larger fiscal deficits, and its opposition arises from the fact that government expenditure financed by such deficits for raising the level of activity and employment delegitimises capitalism; this argument however, it is assumed, would not be as compelling when such a larger deficit is used for building up armed might in the face of a perceived external threat (even though it may still enlarge activity and employment). The opposition of finance to a larger deficit in other words may be muted through an invocation of a Russian threat. This is what is hoped by the recent Constitutional amendment enacted in Germany for enabling larger government borrowing. Likewise, the opposition of the people to a reduction of welfare expenditure and a further dismantling of whatever remains of the post-war welfare state, it may be hoped, would get muted if they believe that there is a serious Russian threat. In other words, the Russian threat is invoked to step up arms expenditure deemed necessary by European ruling circles in the new situation.

Even if some validity is recognised in this explanation, it is obviously inadequate. For a start, Europe’s anti-Russian bellicosity long predates Trump’s ascendancy and hence the European ruling circles’ perceived need for re-armament. Besides, the anti-Russian rhetoric is stronger in the centrist liberal-bourgeois political circles, comprising both centre-left and centre-right, than even in the extreme right, neo-fascist, formations. The extreme right German AfD for instance, while it is all in favour of German re-armament (and even favours the acquisition of nuclear weapons) is less strident on the Ukraine war than the ruling coalition of the Social Democrats, the Free democrats and the Greens, or the newly victorious Christian Democrat-Christian Social Union of centre-right. Similarly, Meloni of Italy or Orban of Hungary are not among the most bellicose of European leaders arrayed against Russia, though they would be firmly categorised as extreme right or neo-fascist.

One can therefore discern the following pattern: while the neo-fascist formations create an internal “other”, some hapless ethnic or religious group, and foment hatred against it, in order to bolster the hegemony of big capital in a period of crisis by shifting the discourse away from issues of unemployment and living conditions, the centrist political formations seek to bolster the hegemony of big capital by fomenting hatred against an external “enemy”, which in the European case happens to be Russia.

This of course is a relatively new phenomenon, which has emerged because of the centrist political formations’ utter inability to get the European economies out of the crisis through the standard methods of Keynesian demand stimulation. They have been hamstrung by the objections of globalised finance to both methods of financing larger government expenditure that could stimulate aggregate demand, namely larger taxation of the rich or a larger fiscal deficit. The centrist political formations which have been in power in Europe for decades are losing political ground both because they are held responsible for introducing the neoliberal regime that has brought great distress to the people, and also for being unable to overcome the inevitable crisis that such a regime runs into which brings even greater distress. They obviously would not stand quietly in the face of such loss of electoral support; they would seek to recoup it in some way. And they do so by presenting themselves as the main bulwark against an external “enemy”, Russia. Domestic electoral compulsions in the face of the economic crisis of neo-liberalism thus contribute to the drumming up of Russophobia on the part of centrist political formations in Europe.

In addition there is the pressure of the arms manufacturers’ lobby. The Ukraine war has brought them substantial orders, and large profits. A continuation of the war would mean a continuation of these profits. The leading German arms manufacturing company Rheinmetall, for instance, has had its order books full for quite a while; the recent German decision to amend the Constitution to spend more on arms, while it would not lead to any greater capacity utilisation at Rheinmetall, would entail a continuation of that “happy” state of affairs, while an end to the Ukraine war could end it. Drumming up Russophobia is a way of legitimising its continuation.

There is an irony here. Post-war capitalism had taken pride in the fact that it had re-fashioned itself into a “humane” system. It claimed to have promoted democracy by introducing universal adult franchise over its entire domain (though this had been achieved a little earlier in Britain, in 1928, when women had got the vote); it had witnessed substantial welfare expenditure, especially in Europe, to keep economies close to full employment and provide social security; and it had undertaken decolonisation so that it could no longer be accused of the horrors of colonial exploitation. On the basis of these, it was claimed that capitalism had “changed”.

Contemporary capitalism has witnessed a reversal of every one of these developments; capitalism is back to its horrendous and unadulterated past, with social democracy being actively complicit in this reversal. The repression unleashed by neo-fascism that has characterised much of the capitalist universe now has attenuated democracy; the increase in arms expenditure at the expense of welfare spending in the very heart of Europe is attenuating the welfare state; and the reacquisition of metropolitan control over much of the natural resources of the Global South under the neoliberal regime, which is now buttressed by Donald Trump’s brazen plan to take over the mineral riches of Greenland and Ukraine, and to develop Gaza for real estate and tourism; are all indicative of this reversal. And to believe that capitalism can get back to its so-called “humane” avatar is a chimera.

Peoples Democracy

https://peoplesdemocracy.in/2025/0406_pd/europe%E2%80%99s-apparently-puzzling-bellicosityA

April 6, 2025

 

segunda-feira, 31 de março de 2025

O marxismo neoliberal da USP

 


por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP

Fábio Mascaro Querido acaba de publicar Lugar periférico, ideias modernas, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP” – um grupo de intelectuais que, nos anos 1960, se aproximou do marxismo, que surgira com força na Europa no após-guerra e alcançara o Brasil. Esses intelectuais, principalmente sociólogos, criaram o “Seminário Marx” ou “Grupo do Capital” para estudar Marx, o qual, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, teve duas versões, a primeira, em 1958, puramente acadêmica, e a segunda, de caráter mais político, após o golpe militar de 1964.

Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República em 1995, o seminário se tornou célebre, sempre citado pela imprensa conservadora de maneira simpática, porque os autores envolvidos já haviam abandonado há tempo o marxismo. Fábio Mascaro Querido diz que esse foi o “mito fundador” do grupo.

O núcleo do grupo – aqueles que proponho chamar de “marxistas neoliberais” – foi constituído por Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti e Francisco Weffort. Trata-se de um oximoro que se aplica bem a eles, que se encantaram com o marxismo nos anos 1960, quando ainda estava viva a esperança na revolução socialista. Tornaram esse marxismo menos contraditório e revolucionário, e definiram os dois mais importantes sociólogos dos anos 1950, Gilberto Freyre em Pernambuco e Guerreiro Ramos no Rio de Janeiro como seus adversários.

Um caso clássico de competição universitária. Concentraram seu ataque em Guerreiro Ramos porque era desenvolvimentista, como, aliás, também eram Celso Furtado, Helio Jaguaribe e Ignacio Rangel – todos do ISEB.[1] Em 1963, Fernando Henrique Cardoso defendeu sua livre-docência – um livro escrito especialmente para demonstrar que no Brasil não havia uma burguesia nacional – uma tese central dos desenvolvimentistas que defendiam uma coalizão de classes associando empresários industriais nacionalistas, os trabalhadores urbanos e a burocracia pública moderna.

No final dos anos 1960, Fernando Henrique Cardoso abandonou o marxismo e desenvolveu a “teoria da dependência associada”, que defendia a subordinação do Brasil ao Império, embora não deixasse isto claro.[2] Mas os americanos compreenderam muito bem, o que permitiu que a dependência associada lograsse repercussão internacional, embora muitos dos que a divulgavam não compreendessem seu caráter “associado”. Em síntese, no final dos anos 1960, eles supunham ser marxistas mas já eram quase liberais, e nos anos 1990 tornaram-se de vez neoliberais.  

A denominação marxismo neoliberal naturalmente não se aplica a Roberto Schwarz e Chico de Oliveira, que eram do grupo, nem a Octávio Ianni e Florestan Fernandes, que não eram realmente do grupo. Florestan Fernandes foi o mestre de todos; foi o maior sociólogo que a USP já teve; inicialmente associou-se à sociologia da modernização, e depois, indignado com o que via no Brasil, tornou-se um marxista revolucionário. Fábio Mascaro Querido naturalmente não usa essa expressão porque ele era antes um admirador do que um crítico do marxismo neoliberal.

Fábio Mascaro Querido distingue Roberto Schwarz dos demais, que permaneceu marxista através dos anos, e, como afirma ele, “radicalizou a dimensão ‘negativa’ da crítica.” Como crítico literário e escritor, ele não se preocupou em propor políticas, nem fez concessões para ser aceito no seu entorno. Ao contrário do núcleo duro do grupo, Roberto Schwartz continuou nacionalista como fora antes dele seu grande mestre, Antonio Candido. E se associou a Paulo Arantes, um crítico do marxismo neoliberal. Entre todos, é o único que, no plano teórico, é reconhecido internacionalmente.[3]

Fábio Mascaro Querido usou o pensamento de Roberto Schwarz como uma referência ou fio condutor do livro e dedicou-lhe dois excelentes capítulos. Salientou o amplo papel que teve Theodor Adorno em seu pensamento, como também a crítica da modernização realizada por Robert Kurz em 1991, em um momento em que a União Soviética estava entrando em colapso.[4] Fábio Mascaro Querido deu pouca importância ao nacionalismo do crítico que contradiz a sua perspectiva negativa, mas no final do segundo ensaio citou um texto significativo: “a última palavra não pertence à nação, nem à hegemonia ideológica internacional, mas pertence ao presente conflituado que as atravessa”.[5] Este presente conflituado é o da luta de classes dos grupos de interesse específicos para este ou aquele problema.

Nos anos 1960 e 1970, o núcleo neoliberal-marxista e, mais amplamente, a esquerda antivarguista combateram o desenvolvimentismo nacionalista porque pretendiam ser revolucionários, enquanto o desenvolvimentismo implicava um compromisso da classe trabalhadora e da esquerda social-democrática com a burguesia. O núcleo acadêmico neoliberal-marxista seguiu o mesmo caminho; ao contrário da visão desenvolvimentista, pretendia não fazer concessões; acabou concedendo tudo anos 1990, quando se tornou neoliberal. E a esquerda antivarguista combateu-o porque ela definiu um “culpado interno” pela derrota: haviam sido os desenvolvimentistas, que ao invés de serem revolucionários, haviam apostado em um acordo da classe trabalhadora com a burguesia industrial intermediado pela burocracia pública.

O núcleo só passou a ter alguma relevância a partir do golpe militar de 1964 – da grande derrota da social-democracia desenvolvimentista que aconteceu então. Derrotados os adversários graças ao golpe, estava agora na hora dos sociólogos da USP assumirem o comando intelectual da esquerda. Coisa que fizeram, embora estivessem caminhando para deixar de ser de esquerda. No capítulo 2 “A Revanche dos Paulistas”, Fábio Mascaro Querido relata a nova fase. Na partida anterior, os desenvolvimentistas estavam no poder, os marxistas neoliberais estavam simplesmente fora do jogo. Em 1964, entraram no jogo, tornaram bem conhecidos, lideraram grande parte da esquerda, e esta deixou de ser nacionalista. É preciso, porém, considerar que a esquerda sempre teve dificuldade de adotar posições nacionalistas ou desenvolvimentistas, pois acreditava na possibilidade de uma revolução socialista no curto prazo.

Eles estavam fora do jogo, mas desesperados para entrar, especialmente para derrotar os dois mais importantes sociólogos dos anos 1950, Guerreiro Ramos e Gilberto Freyre. O golpe militar encarregou-se de derrotar Guerreiro ao cassar seu mandato de deputado federal e por dez anos, seu direito de se recanditar. Enquanto Celso Furtado foi exilado, ele e seus companheiros do ISEB, Jaguaribe e Rangel, foram submetidos a intenso ataque pela esquerda alienada para qual o nacional-desenvolvimentismo associado a Getúlio Vargas era inaceitável. Isto, além do ataque pela direita.

O próximo passo foi o livro de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina (1969),[6] no qual a dependência se torna a causa do desenvolvimento ao invés do obstáculo. Era a “teoria da dependência associada” que surgia. A nova verdade, que se espalhou rapidamente por toda a esquerda intelectual, afirmava taxativamente que uma coalizão de classes desenvolvimentista associando os empresários industriais às esquerdas e à classe trabalhadora era impossível. A burguesia não existia nem poderia existir. (Na verdade, a burguesia industrial desenvolvimentista existiu no Brasil em dois breves períodos [1950-1964 e 1967-1980]).

Mas a falta de uma burguesia nacionalista não era problema, porque o chamado Império era na verdade apenas um hegemon benevolente, suas empresas multinacionais estavam contribuindo para o desenvolvimento do país, e bastava que o Brasil se associasse a ele que se desenvolveria. Não foi isto que aconteceu: em 1990 a submissão aconteceu, em 1995, se aprofundou, e o país entrou em quase-estagnação.

Não se imagine, porém, que os intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas escaparam do ataque de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, ainda que esse ataque não fosse perfeitamente claro. Em um primeiro momento, a CEPAL de Raúl Prebisch e Celso Furtado percebeu que estava sob ataque, e não quis publicar o livro através do ILPES; mais tarde, porém, ela se adaptou à crítica, acomodou-se ao Império e perdeu qualquer relevância no plano das ideias. A CEPAL somente existiu como uma ideia – a do desenvolvimentismo estruturalista clássico voltado para a industrialização – entre 1949 e 1960 sob o comando de Raúl Prebisch. Em 1964, os desenvolvimentistas foram derrotados e obrigados a ficar silenciosos. No começo dos anos 1970 a CEPAL abandonou o desenvolvimentismo.

Nos anos 1970, essa mesma esquerda, desprevenida, deixou-se envolver pelas ideias propostas por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. No plano econômico, essas ideias foram aceitas, provavelmente porque a ideia de associação ao Império não estava clara no livro e nos trabalhos que seguiram. E porque a esquerda estava ressentida com o golpe de 1964.

Por outro lado, a versão realmente marxista da teoria da dependência, de André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos também equivocada porque contava com a revolução socialista na América Latina no curto prazo. Essa versão sofreu um ataque violento e injusto em artigo assinado por José Serra e o próprio Fernando Henrique Cardoso.[7] Creio que a iniciativa tenha sido mais de José Serra do que de Fernando Henrique, porque este é um homem da melhor qualidade cuja personalidade é incompatível com uma atitude como aquela.

Em 1970, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, e com apoio da Ford Foundation, o Cebrap foi criado. Logo ele se torna o grande centro de estudos em defesa da democracia e de crítica à desigualdade. É nessa época que sou convidado a ser membro do Conselho da nova entidade de pesquisa, e me junto a eles. Eu estava isolado na Fundação Getúlio Vargas e precisava de diálogo. Percebia que minhas ideias desenvolvimentistas não eram ali bem vistas, mas fui muito bem recebido, comunguei com eles a luta contra a ditadura e pela diminuição da desigualdade, e me senti bem no Cebrap, onde além dos intelectuais já citados, estavam figuras notáveis como Chico de Oliveira e Paul Singer. Lutávamos todos contra o regime militar.

Nessa época, porém, muitas das coisas que eu estou aqui narrando não estavam claras para mim. Entre 1995 e 1999, eu participei do governo Fernando Henrique Cardoso, fui ministro da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e da Tecnologia e, sob influência das ideias que me envolviam, minhas convicções desenvolvimentistas e meu interesse pelo marxismo perderam força (mas apenas por algum tempo).  Fiquei, porém, decepcionado pelo caráter neoliberal que assumiu a direção da economia, e afinal em 2003, afinal revi minha posição em relação a meu amigo Fernando Henrique, voltei a ler seu livro com Enzo Faletto, compreendi seu caráter anti-nacional, e escrevi o ensaio “Do ISEB e da CEPAL à teoria da dependência”, publicado em 2005, cuja primeira cópia eu entreguei a ele. Não era um rompimento pessoal, mas intelectual; afinal eu havia compreendido o sentido de sua obra e de seu pensamento.

Estimulado pelo excelente livro de Fábio Mascaro Querido, decidi nesta resenha voltar agora ao tema da história intelectual. Uma resenha mais crítica do que fora o artigo de 2005 – uma crítica ao marxismo neoliberal. Afinal, eu me pergunto, qual foi a contribuição ao Brasil desse grupo de sociólogos, cientistas políticos e filósofos? Como compará-lo com a contribuição dos desenvolvimentistas social-democráticos? Os desenvolvimentistas associaram-se a Vargas, ainda que ele tenha sido um ditador entre 1937 e 1945; associaram-se porque ele foi o grande estadista que promoveu a industrialização e o grande desenvolvimento econômico do Brasil.

Os principais desenvolvimentistas tiveram uma influência significativa na realização da revolução capitalista brasileira, que aconteceu entre 1930 e 1980. Alguns deles eram socialistas, mas sabiam que a revolução socialista não era uma possibilidade realista. Enquanto isso, nossos marxistas neoliberais flertaram com a revolução sem muito empenho, e mais tarde se associaram ao Império e se tornaram neoliberais.

Na conclusão do livro, Fábio Mascaro Querido afirma que enquanto os intelectuais do ciclo nacional-desenvolvimentista-popular das décadas de 1950 e 1960 estavam interessados em um projeto de modernização nacional (anti-imperialista, eu acrescentaria), “os acadêmicos paulistas expressavam a redefinição entre intelectuais e política ocorrida na esteira das transformações pelas quais passaram tanto a sociedade quanto a universidade brasileira, a partir dos anos 1970 (p. 261)”.

Ou seja, eles lograram se adaptar à realidade social e política que os circundava, ao invés de tentar mudá-la. Algumas vezes eu vi Fernando Henrique, enquanto Presidente da República, agir procurando se adaptar ao que estava acontecendo ao invés procurar moldá-lo. Ele e seus companheiros eram mais sociólogos do que agentes republicanos. O livro de Fábio Mascaro Querido é uma notável contribuição à história intelectual do Brasil.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Editora FGV) [https://amzn.to/4c1Nadj]


Notas


[1] Furtado era associado ao ISEB; os três outros parte do ISEB – o instituto que reuniu os principais intelectuais nacionalistas dos anos 1950.

[2] Não confundir a teoria da dependência associada da teoria da dependência de Andre Gunder Frank e Ruy Mauro Marini, que era realmente marxista.

[3] A teoria da dependência associada teve repercussão internacional, mas além de ser equivocada, não pode ser considerada uma teoria – é apenas uma sofisticada (e pouco clara) justificação de uma subordinação.

[4] Robert Kurz (1991 [1992]) O Colapso da Modernização, São Paulo: Paz e Terra. Original alemão, 1991.

[5] Querido, p. 246. Retirado de “Leituras em competição”, Novos Estudos Cebrap, 75, julho.

[6] Cardoso, Fernando Henrique e Enzo Faletto (1969 [1970]) Dependência e Desenvolvimento na América Latina, São Paulo: Difusão Europeia do Livro. Original em espanhol, 1969.

[7] José Serra e Fernando Henrique Cardoso (1979) “As desventuras da dialética da dependência”, Estudos CEBRAP, n°. 23.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepautaggn@gmail.com. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Em

JORNAL 247

https://jornalggn.com.br/cultura/o-marxismo-neoliberal-da-usp-por-luiz-carlos-bresser-pereira/

31/3/2025

 

domingo, 30 de março de 2025

Armarse para salvar el capitalismo financiero! (La lección de Rosa Luxemburgo, Kalecki, Baran y Sweezy)




/*El verdadero peligro no son los rusos, sino los alemanes con su rearme
de € 500.000 millones y otros € 500.000 millones para infraestructuras*/

MAURIZIO LAZZARATO, SOCIÓLOGO y FILÓSOFO ITALIANO

/«Por grande que sea una nación, si ama la guerra perecerá;
por pacífico que sea el mundo, si olvida la guerra estará en
peligro»(«Wu Zi», antiguo tratado militar chino)./

/«Cuando decimos sistema de guerra nos referimos a un sistema como el
vigente que asume la guerra, aunque sólo sea planeada y no combatida,
como fundamento y vértice del orden político, es decir, de la relación
entre los pueblos y entre los hombres. Un sistema en el que la guerra no
es un acontecimiento sino una institución, no una crisis sino una
función, no una ruptura sino una piedra angular del sistema, una guerra
siempre obsoleta y exorcizada, pero nunca abandonada como posibilidad
real». (Claudio Napoleoni, 1986)./

El advenimiento de Trump es apocalíptico, en el sentido literal que
significa deshacerse de lo que oculta, sacar el velo, desvelar (?!). Su
convulsa agitación tiene el gran mérito de mostrar la naturaleza del
capitalismo, la relación entre guerra, política y beneficio, entre
capital y Estado habitualmente cubierta por la democracia, por los
derechos humanos, por los valores y la misión de la civilización occidental.

La misma hipocresía está en el corazón de la narrativa construida para
legitimar los 840.000 millones de euros para el rearme que la UE le
impone mediante el recurso al estado de excepción a los Estados miembros.

Armarse no significa, como dice Draghi, defender «los valores que han
fundado nuestra sociedad europea» y han «garantizado durante décadas a
sus ciudadanos la paz, la solidaridad y, con el aliado estadounidense,
la seguridad, la soberanía y la independencia», sino salvar el
capitalismo financiero.

Ni siquiera hacen falta grandes discursos ni documentados análisis para
desenmascarar la pobreza de estas narrativas, bastó otra masacre de 400
civiles palestinos para sacar a la luz la verdad de la indecente
cháchara sobre la exclusividad la y supremacía moral y cultural de
Occidente.

Trump no es un pacifista, se limita a reconocer la derrota estratégica
de la OTAN en la guerra de Ucrania, mientras las élites europeas
rechazan la evidencia. La paz para ellos significaría volver al estado
catastrófico al que han reducido a sus naciones.

La guerra debe continuar porque para ellos, como para los demócratas y
el Estado profundo estadounidense, es el modo de salir de la crisis
iniciada en 2008, como ya ocurrió con la gran crisis de 1929.

Trump piensa resolver la cuestión privilegiando la economía sin renegar
de la violencia, del chantaje, de la intimidación, de la guerra. Es muy
probable que ni el uno ni los otros tengan éxito en el intento porque
tienen un enorme problema: el capitalismo, en su forma financiera, está
en profunda crisis y precisamente desde su centro – EEUU – llegan
señales «dramáticas» para las élites que nos gobiernan. En lugar de
converger hacia EEUU, los capitales huyen hacia Europa.

Gran novedad, síntoma de rupturas imprevisibles que corren el riesgo de
ser catastróficas. El capital financiero no produce mercancías, sino
burbujas que se inflan todas en Estados Unidos y estallan en detrimento
del resto del mundo, demostrando ser armas de destrucción masiva.

La finanza estadounidense chupa valor (capital) de todo el mundo, lo
invierte en una burbuja, que tarde o temprano estallará, obligando a los
pueblos del planeta a la austeridad, al sacrificio para pagar sus
fracasos: primero fue la burbuja de internet, luego la burbuja de las
subprimes que provocó una de las mayores crisis financieras de la
historia del capitalismo, abriendo la puerta a la guerra.

Intentaron incluso la burbuja del capitalismo verde que nunca despegó y,
por último, la burbuja incomparablemente mayor de las empresas de alta
tecnología.

Para tapar los agujeros de los desastres de la deuda privada descargada
sobre la deuda pública, la Reserva Federal y la banca europea inundaron
los mercados de liquidez que en lugar de «gotear» en la economía real,
sirvió para alimentar la burbuja de la alta tecnología y el desarrollo
de los fondos de inversión conocidos como los «Tres Grandes», Vanguard,
BlackRock y State Street (el más grande monopolio de la historia del
capitalismo, gestiona 50 billones de dólares, accionista mayoritario de
todas las empresas cotizadas más importantes). Ahora incluso esta
burbuja se está desinflando.

Si dividimos por dos toda la capitalización de la lista de la Bolsa de
Wall Street, todavía estamos muy lejos del valor real de las empresas de
alta tecnología, cuyas acciones han sido infladas por los propios fondos
para mantener altos los dividendos para sus «ahorradores» (los
demócratas contaban incluso con sustituir el bienestar por las finanzas
para todos, como antes habían delirado con la vivienda para todos los
estadounidenses).

Ahora la diversión llega a su fin. La burbuja ha llegado a su límite y
los valores caen con riesgo real de un colapso. Si a esto añadimos la
incertidumbre que las políticas de Trump – representante de unas
finanzas que no son las de los fondos de inversión – introducen en un
sistema que éstos habían conseguido estabilizar con la ayuda de los
demócratas, comprendemos el temor de los «mercados».

El capitalismo occidental necesita otra burbuja porque no conoce sino la
reproducción de lo mismo de siempre (el intento trumpiano de reconstruir
la industria manufacturera en Estados Unidos está destinado a un fracaso
seguro).

*La identidad perfecta de «producción» y destrucción*

Europa, que hoy ya gasta más del 60% que Rusia en armas (la OTAN
representa el 55% del gasto mundial en armas, Rusia el 5%) decidió un
importante plan de inversión de 800.000 millones de euros para seguir
aumentando el gasto militar.

La guerra y la Europa donde siguen activas las redes políticas y
económicas, centros de poder que remiten a la estrategia representada
por Biden, derrotada en las últimas elecciones presidenciales, son la
ocasión para construir una burbuja basada en el armamento para compensar
las crecientes dificultades de los «mercados» estadounidenses.

Desde diciembre, las acciones de las empresas armamentísticas son objeto
de especulación, yendo de subida en subida y fungiendo de refugio seguro
para los capitales que ven la situación estadounidense demasiado riesgosa.

En el centro de la operación están los fondos de inversión, que también
figuran entre los principales accionistas de las grandes empresas
armamentísticas. Poseen participaciones significativas en Boeing,
Lockheed Martin y RTX, influyendo en la gestión y las estrategias de
estas empresas.

También en Europa están presentes en el complejo militar-industrial:
Rheinmetall, empresa alemana que fabrica Leopard y que ha visto subir el
precio de sus acciones un 100% en los últimos meses, tiene como
principales accionistas a Blackrock, Société Générale, Vanguard, etc.

Rheinmetall, el mayor fabricante de municiones de Europa, ha superado en
capitalización al mayor fabricante de automóviles del continente,
Volkswagen, la última señal del creciente apetito de los inversores por
los valores ligados a la defensa.

La Unión Europea quiere recoger y canalizar el ahorro continental hacia
el armamento con consecuencias catastróficas para el proletariado y una
mayor división de la Unión.

La carrera armamentística no podrá funcionar como «keynesianismo de
guerra» porque la inversión en armamento interviene en una economía
financiarizada y ya no industrial. Construida con dinero público
beneficiará a una pequeña minoría de particulares, mientras empeora las
condiciones de la inmensa mayoría de la población.

La burbuja armamentística sólo puede producir los mismos efectos que la
burbuja de alta tecnología estadounidense. Después de 2008, las sumas de
dinero captadas para la inversión en la burbuja de alta tecnología nunca
han «goteado» hacia el proletariado estadounidense.

Por el contrario, han producido una desindustrialización cada vez mayor,
empleos precarios y poco cualificados, salarios bajos, pobreza rampante,
la destrucción del escaso bienestar heredado del New Deal y la posterior
privatización de todos los servicios. Esto es lo que sin duda producirá
en Europa la burbuja financiera europea.

La financiarización conducirá no sólo a la destrucción completa del
Estado del Bienestar y a la privatización a ultranza de los servicios,
sino a una mayor fragmentación política de lo que queda de la Unión
Europea. Las deudas, contraídas por cada Estado por separado, tendrán
que ser reembolsadas y habrá enormes diferencias entre los Estados
europeos en cuanto a su capacidad para honrar las deudas contraídas.

El verdadero peligro no son los rusos, sino los alemanes con su rearme
de € 500.000 millones y otros € 500.000 millones para infraestructuras,
financiación decisiva en la construcción de la burbuja.

La última vez que se armaron combinaron desastres mundiales (25 millones
de muertos sólo en la Rusia soviética, la solución final, etc.), de
donde surgió la famosa declaración de Andreotti contra la unificación
alemana: «Amo tanto a Alemania que prefiero dos».

A la espera de los desarrollos ulteriores del nacionalismo y de la
extrema derecha ya al 21 %, que inevitablemente producirá «Deutschland
ist zurück», Alemania impondrá su habitual hegemonía imperialista a los
demás países europeos.

Los alemanes han abandonado rápidamente el credo ordo-liberal que no
tenía ninguna base económica, sólo política, y abrazan a ultranza la
financiarización angloamericana, con el mismo objetivo, dominar y
explotar Europa.

El Financial Times habla de una decisión tomada por Merz, el hombre de
Blackrock, y Kukies, el ministro del Tesoro, hombre de Goldman Sachs,
con el aval de los partidos de «izquierda» PDS y Die Linke, que, como
sus predecesores en 1914, asumen una vez más la responsabilidad de la
futura carnicería.

Si el anterior imperialismo alemán se fundaba en la austeridad, el
mercantilismo de exportación, la congelación salarial y la destrucción
del Estado del Bienestar, éste se fundará en la gestión de una economía
de guerra europea jerarquizada en los diferenciales de tipos de interés
a pagar para reembolsar la deuda contraída.

Los países ya muy endeudados (Italia, Francia, etc.) tendrán que
encontrar quién compre sus bonos emitidos para pagar su deuda, en un
«mercado» europeo cada vez más competitivo. A los inversionistas les
convendrá más comprar bonos alemanes, bonos emitidos por empresas
armamentísticas sobre los que jugará la especulación al alza, y títulos
de deuda pública europea, sin duda más seguros y rentables que los bonos
de los países super-endeudados.

El famoso «diferencial» (spread) seguirá desempeñando su papel como en
2011. Los miles de millones necesarios para pagar a los mercados no
dejarán de estar a disposición de los Estados del Bienestar. El objetivo
estratégico de todos los gobiernos y oligarquías desde hace cincuenta
años, la destrucción de los gastos sociales para la reproducción del
proletariado y su privatización, será alcanzado.

Veintisiete egoísmos nacionales lucharán entre sí sin nada en juego,
porque la historia, que «somos los únicos que sabemos lo que es», nos ha
arrinconado, inútiles e irrelevantes tras siglos de colonialismo,
guerras y genocidios.

La carrera armamentística va acompañada de una machacona justificación
de «estamos en guerra» contra todo el mundo (Rusia, China, Corea del
Norte, Irán, los Brics) que no puede abandonarse y que corre el riesgo
de llegar a buen puerto porque esta delirante cantidad de armas aún debe
«consumirse».

*La lección de Rosa Luxemburgo, Kalecki, Baran y Sweezy*

Sólo los ingenuos pueden asombrarse de lo que está ocurriendo. Todo se
repite, sólo que dentro de un capitalismo financiero y ya no industrial
como en el siglo XX.

La guerra y el armamento estén en el centro de la economía y de la
política desde que el capitalismo se hizo imperialista. Y son también el
centro del proceso de reproducción del capital y del proletariado, en
feroz competencia entre sí.

Reconstruyamos rápidamente el marco teórico proporcionado por Rosa
Luxemburgo, Kalecki, Baran y Sweezy, firmemente plantado, – en contraste
con las inútiles teorías críticas contemporáneas –, sobre las categorías
de imperialismo, monopolio y guerra, que nos ofrece un espejo de la
situación contemporánea.

Empecemos por la crisis de 1929, que tuvo sus raíces en la Primera
Guerra Mundial y en el intento de salir de ella activando el gasto
público mediante la intervención del Estado. Según Baran y Sweezy (en
adelante, B&S) el inconveniente del gasto público en los años 30 era su
volumen, incapaz de contrarrestar las fuerzas depresivas de la economía
privada.

«Visto como una operación de rescate de la economía estadounidense en su
conjunto, el New Deal fue, por tanto, un fracaso estrepitoso. Incluso
Galbraith, el profeta de la prosperidad sin compras bélicas, reconoció
que en la década 1930 – 1940, ‘la gran crisis’ nunca terminaba».

Saldrá solo con la Segunda Guerra Mundial: «Luego vino la guerra, y con
la guerra la salvación (…) el gasto militar hizo lo que el gasto social
no había conseguido hacer», porque el gasto público pasó de 17.500
millones de dólares a 103.100 millones.

B&S demuestran que el gasto público no dio los resultados que dio el
gasto militar porque estaba limitado por un problema político que sigue
siendo el nuestro. ¿Por qué el New Deal y su gasto no consiguieron un
objetivo que /«estaba al alcance de la mano, como demostró más tarde la
guerra»?/

Porque sobre la naturaleza y composición del gasto público, es decir, la
reproducción del sistema y del proletariado, se desata la lucha de clases.

/«Dada la estructura de poder del capitalismo monopolista
estadounidense, el aumento del gasto civil casi había alcanzado sus
límites extremos. Las fuerzas que se oponían a una mayor expansión eran
demasiado poderosas para ser superadas»./

El gasto social competía o perjudicaba a las corporaciones y
oligarquías, arrebatándoles poder económico y político.

/«Como los intereses privados controlan el poder político, los límites
del gasto público se fijan rígidamente sin preocuparse de las
necesidades sociales, por vergonzosamente evidentes que sean»./

Y estos límites valían también para el gasto, la sanidad y la educación,
que en aquella época, a diferencia de hoy, no competían directamente con
los intereses privados de las oligarquías.

La carrera armamentística permite aumentar el gasto público del Estado,
sin que esto se transforme en un aumento de los salarios y del consumo
del proletariado.

¿Cómo se puede gastar el dinero público para evitar la depresión
económica que conlleva el monopolio, evitando al mismo tiempo el
fortalecimiento del proletariado? /«Con armamento, con más armamento,
con más y más armamento/».

Michael Kalecki, trabajando sobre el mismo periodo pero sobre la
Alemania nazi, consigue dilucidar otros aspectos del problema. Contra
todo economicismo que amenaza siempre la comprensión del capitalismo
incluso por las teorías críticas marxistas, pone en evidencia la
naturaleza política del ciclo del capital: «/La disciplina en las
fábricas y la estabilidad política son más importantes para los
capitalistas que los beneficios corrientes»./

El ciclo político del capital, que ahora sólo puede ser garantido por la
intervención del Estado, debe recurrir al gasto armamentístico y al
fascismo. Para Kalecki, el problema político también se manifiesta en la
«dirección y los fines del gasto público». La aversión a la «subvención
del consumo de masas» está motivada por la destrucción que provoca /«de
los fundamentos de la ética capitalista ‘ganarás el pan con el sudor de
tu frente’ (a menos que vivas de las rentas del capital)»./

¿Cómo conseguir que el gasto estatal no se convierta en aumento del
empleo, del consumo y de los salarios y, por tanto, en fuerza política
del proletariado?

El inconveniente para las oligarquías se supera con el fascismo porque
la maquinaria estatal está entonces bajo el control del gran capital y
de la dirección fascista, con «la concentración del gasto estatal en
armamento», mientras que «la disciplina de fábrica y la estabilidad
política se garantizan mediante la disolución de los sindicatos y los
campos de concentración. La presión política sustituye aquí a la presión
económica del desempleo».

De ahí el inmenso éxito de los nazis entre la mayoría de los liberales
británicos y estadounidenses.

La guerra y el gasto en armamento ocupan un lugar central en la política
estadounidense, incluso después del fin de la Segunda Guerra Mundial,
porque es inconcebible una estructura política sin una fuerza armada, es
decir, sin el monopolio de su ejercicio.

El volumen del aparato militar de una nación depende de su posición en
la jerarquía mundial de explotación. /«Las naciones más importantes
serán siempre las que más necesiten, y la magnitud de sus necesidades
(de fuerza armada) variará en función de que entre ellas haya o no una
lucha encarnizada por el primer puesto»./

Por lo tanto, el gasto militar sigue creciendo en el centro del
imperialismo: «/Naturalmente, la mayor parte de la expansión del gasto
público tuvo lugar en el sector militar, que pasó de menos del 1% a más
del 10% del PNB, y que representó alrededor de dos tercios del aumento
total del gasto público desde 1920. Esta absorción masiva del excedente
en preparativos militares ha sido el hecho central de la historia
estadounidense de posguerra»./

Kalecki señala que en 1966 «/más de la mitad del crecimiento de la renta
nacional se traduce en el crecimiento de los gastos militares»./

Ahora, en la posguerra, el capitalismo ya no puede contar con el
fascismo para controlar el gasto social. El economista polaco, «alumno»
de Rosa Luxemburgo, señala: «/Una de las funciones fundamentales del
hitlerismo fue superar la aversión del gran capital a la política
anticoyuntural a gran escala. La gran burguesía había dado su
asentimiento al abandono del laisser-faire y al aumento radical del
papel del Estado en la economía nacional, a condición de que el aparato
estatal estuviera bajo el control directo de su alianza con la
«dirección fascista» y de que el destino y el contenido del gasto
público estuvieran determinados por el armamento.
/

En los Treinta Gloriosos, sin el fascismo asegurando la dirección del
gasto público, los Estados y los capitalistas se vieron forzados a un
compromiso político. Relaciones de poder determinadas por el siglo de
las revoluciones obligan al Estado y a los capitalistas a concesiones
que, en cualquier caso, son compatibles con beneficios que alcanzan
tasas de crecimiento desconocidas hasta entonces.

Pero incluso este compromiso es demasiado porque, a pesar de los grandes
beneficios, /«en tal situación los trabajadores se vuelven
‘recalcitrantes’ y los ‘capitanes de la industria’ se muestran ansiosos
por ‘darles una lección’»/.

La contrarrevolución, desplegada a partir de finales de los años 60,
tendrá en su centro la destrucción del gasto social y la feroz voluntad
de orientar el gasto público hacia los intereses únicos y exclusivos de
las oligarquías.

El problema, a partir de la República de Weimar, nunca fue una
intervención genérica del Estado en la economía, sino el hecho de que el
Estado haya sido investido por la lucha de clases y haya sido obligado a
ceder a las exigencias de las luchas obreras y proletarias.

En los tiempos «pacíficos» de la Guerra Fría, sin la ayuda del fascismo,
la explosión del gasto militar necesita una legitimación, asegurada por
una propaganda capaz de evocar continuamente la amenaza de una guerra
inminente, de un enemigo a las puertas dispuesto a destruir los valores
occidentales:

/«Los creadores oficiosos y oficiales de la opinión pública tienen
preparada la respuesta: los Estados Unidos deben defender el mundo libre
de la amenaza de agresión soviética (o china)»./

Kalecki, para el mismo período, precisa:

/«Los periódicos, el cine, la radio y la televisión que trabajan bajo la
égida de la clase dominante crean una atmósfera que favorece la
militarización de la economía»./

El gasto en armamento no sólo tiene una función económica, sino también
de producción de subjetividades sometidas. La guerra, al exaltar la
subordinación y el mando, «contribuye a crear una mentalidad conservadora».

/«Mientras que el masivo gasto público en educación y bienestar tiende a
socavar la posición privilegiada de la oligarquía, el gasto militar hace
lo contrario. La militarización favorece a todas las fuerzas
reaccionarias (…) se determina un respeto ciego a la autoridad; se
enseña y se impone una conducta de conformidad y sumisión; y la opinión
contraria se considera un acto antipatriótico o directamente una traición.»/

El capitalismo produce un capitalista que, precisamente por la forma
política de su ciclo, es un sembrador de muerte y destrucción, más que
un promotor del progreso.

Richard B. Russell, un senador conservador del sur de EEUU en los años
60 citado por B&S, nos dice:

/«Hay algo en los preparativos para la destrucción que induce a los
hombres a gastar el dinero más descuidadamente que si fuera para fines
constructivos. No sé por qué ocurre esto; pero durante los treinta años
que llevo en el Senado, más o menos, comprendí que al comprar armas para
matar, destruir, borrar ciudades de la faz de la tierra y eliminar
grandes sistemas de transporte, hay algo que hace que los hombres no
calculen los gastos con el mismo cuidado que cuando se trata de pensar
en una vivienda digna y en la atención sanitaria para los seres humanos»./

La reproducción del capital y del proletariado se politizó con las
revoluciones del siglo XX. La lucha de clases, ocupando también esta
realidad hizo emerger una oposición radical entre la reproducción de la
vida y la reproducción de su destrucción que desde los años 1930 no ha
hecho sino profundizarse.

*¿Cómo funciona el capitalismo ?*

La guerra y el armamento, prácticamente excluidos de todas las teorías
críticas del capitalismo, funcionan como discriminadores en el análisis
del capital y del Estado. Es muy difícil definir el capitalismo como un
“modo de producción”, como hizo Marx, porque la economía, la guerra, la
política, el Estado y la tecnología son elementos estrechamente
entrelazados e inseparables.

La “crítica de la economía” no basta para producir una teoría
revolucionaria. Ya con el advenimiento del imperialismo se produjo un
cambio radical en el funcionamiento del capitalismo y del Estado, puesto
de manifiesto claramente por Rosa Luxemburgo para quien la acumulación
tiene dos aspectos.

El primero /«se refiere a la producción de plusvalía – en la fábrica, en
la mina, en la explotación agrícola – y a la circulación de mercancías
en el mercado. Considerada desde este punto de vista, la acumulación es
un proceso económico cuya fase más importante es una transacción entre
el capitalista y el asalariado»./

El segundo aspecto tiene como teatro el mundo entero, una dimensión
mundial irreductible al concepto de «mercado» y a sus leyes económicas.

/«Aquí los métodos empleados son la política colonial, el sistema
internacional de créditos, la política de esferas de interés, la guerra.
La violencia, el engaño, la opresión, la depredación se desarrollan
abiertamente, sin máscara, y es difícil reconocer las estrictas leyes
del proceso económico en el entrelazamiento de la violencia económica y
la brutalidad política»./

La guerra no es una continuación de la política, sino que siempre
coexiste con ella, como muestra el funcionamiento del mercado mundial.
Aquí, donde la guerra, el fraude y la depredación coexisten con la
economía, la ley del valor nunca ha funcionado realmente. El mercado
mundial tiene un aspecto muy diferente del esbozado por Marx. Sus
consideraciones parecen ya no ser válidas, o mejor dicho, son
precisadas: sólo en el mercado mundial el dinero y el trabajo devendrían
adecuados a su concepto, haciendo realidad su abstracción y su
universalidad.

A contrario, lo que podemos constatar es que el dinero, la forma más
abstracta y universal del capital, es siempre la moneda de un Estado.

El dólar es la moneda de Estados Unidos y reina sólo en cuanto tal.

La abstracción del dinero y su universalidad (y sus automatismos) se los
apropia una «fuerza subjetiva» y son gestionados según una estrategia
que no está contenida en el dinero.

Incluso la finanza, como la tecnología, parece ser objeto de apropiación
por parte de fuerzas subjetivas «nacionales», muy poco universales.

En el mercado mundial, ni siquiera el trabajo abstracto triunfa como
tal, sino encontrando en su lugar otros trabajos radicalmente diversos
(trabajo servil, trabajo esclavo, etc.) y es objeto de estrategias.

La acción de Trump, – caído el velo hipócrita del capitalismo
democrático –, nos revela el secreto de la economía: sólo puede
funcionar a partir de una división internacional de la producción y la
reproducción definida e impuesta políticamente, es decir, mediante el
uso de la fuerza, que implica también la guerra.

La voluntad de explotar y dominar, gestionando simultáneamente las
relaciones políticas, económicas y militares, construye una totalidad
que nunca puede cerrarse sobre sí misma, sino que siempre permanece
abierta, escindida por los conflictos, las guerras, las depredaciones.
En esta totalidad escindida, convergen y se gobiernan todas las
relaciones de poder.

Trump interviene sobre el uso de las palabras, pero también sobre las
teorías de género, al mismo tiempo que quiere imponer un nuevo
posicionamiento global, político y económico, de los Estados Unidos.

De lo micro a lo macro, acción política que los movimientos
contemporáneos están lejos sólo de pensar.

La construcción de la burbuja financiera, proceso que podemos seguir
paso a paso, tiene lugar del mismo modo. Los actores que intervienen en
su producción son múltiples: la Unión Europea, los Estados que deben
endeudarse, la Banca Europea, el Banco de Inversiones europeas, los
partidos políticos, los medios de comunicación y la opinión pública, los
grandes fondos de inversión (todos estadounidenses) que organizan el
trasiego de capitales de una Bolsa a otra, y las grandes empresas.

Sólo después de que el choque/cooperación entre estos centros de poder
haya dado su veredicto, la burbuja económica y sus automatismos podrán
funcionar.

Hay toda una ideología sobre el funcionamiento automático que hay que
desmentir. El «piloto automático», sobre todo a nivel financiero, existe
y funciona sólo después de que ha sido instituido políticamente. No
existía en los 30 gloriosos porque se decidió políticamente en ese
sentido. Funciona desde finales de los 70 por voluntad política explícita.

Esta multiplicidad de actores que llevan meses agitándose se mantiene
unida por una estrategia. Hay, pues, un elemento subjetivo que
interviene de manera fundamental. De hecho, dos. Desde el punto de vista
capitalista, hay una lucha feroz entre el «factor subjetivo» Trump y el
«factor subjetivo» de las élites que fueron derrotadas en las elecciones
presidenciales, pero que todavía tienen una fuerte presencia en los
centros de poder en los EEUU y Europa.

Pero para que el capitalismo funcione debemos tomar en consideración
también un factor subjetivo proletario.

Éste desempeña un papel decisivo porque, o bien se convertirá en el
portador pasivo del nuevo proceso de producción/reproducción del
capital, o bien tenderá a rechazarlo y destruirlo.

Constatada la incapacidad del proletariado contemporáneo, el más débil,
el más desorientado, el menos autónomo e independiente de la historia
del capitalismo, la primera opción parece la más probable.

Pero si no logra oponer su propia estrategia a las continuas
innovaciones estratégicas del enemigo, capaces de renovarse
continuamente, caeremos en una asimetría de las relaciones de poder que
nos retrotraerá a antes de la revolución francesa, a un nuevo/ya visto
«ancien régime».

Notas

*Apocalipsis*
Aquellos que saben, pretenden que la palabra “apocalipsis” – en el
griego cristiano antiguo – evoca una revelación. Es el sentido utilizado
en el texto. Para este modesto editor la significación conocida es la de
la RAE, es decir Fin del mundo, una Situación catastrófica, ocasionada
por agentes naturales o humanos, que evoca la imagen de la destrucción
total.

*Capital financiero
*El capital financiero suele ser un espejismo, como el dinero que se
supone lo constituye. Desde la elección de Trump, la “riqueza” de media
docena de oligarcas (Musk, Bezos, Zuckerberg…) se incrementó en varios
centenares de miles de millones de dólares (sin que se hubiese creado un
céntimo de valor añadido…), para luego desaparecer tan rápidamente como
había llegado (sin que se destruyese ni un céntimo de valor…). El autor
de la nota se refiere a este moderno fantasma que, a su vez, recorre en
mundo. El capital financiero es, efectivamente, un arma de destrucción
masiva, en la medida en que muchos líderes contemporáneos y los países
que regentan son sensibles a los espejismos…

*Deuda pública
*O deuda soberana. Proviene del derecho de cada Estado a emitir dinero
sin contrapartida real. El dólar es la moneda de todos los récords, y de
la más gigantesca irresponsabilidad monetaria desde que Richard Nixon
decidiera abandonar el respaldo oro (15-08-1971). De ahí en adelante los
EEUU han emitido dólares sin límites y sin respaldo, exportando
inflación a todo el planeta. Se trata de la llamada “liquidez” que no es
sino un “pase mágico”. Emitir dinero sin respaldo significa aumentar la
cantidad de dinero en circulación sin incrementar la cantidad de bienes
y servicios disponibles en la economía. Los EEUU pagan con papelitos
verdes que no valen la tinta con la que fueron impresos. La deuda
pública yanqui supera el 120% del PIB de los EEUU. Y subiendo… Expresar
el “valor” de una empresa en dólares truchos (monnaie de singe), es una
forma (otra forma) de estafa.

*Gasto militar
*El autor se enreda en las verdes mallas del camuflaje. Lo que hay que
retener es que la OTAN gasta el 55% de lo que el planeta gasta en
instrumentos de destrucción. Rusia gasta un 5% de ese monto. En el año
2024 el gasto militar de la Unión Europea, más el Reino Unido, alcanzó
U$ 457 mil millones. El gasto militar ruso fue estimado en U$ 462.000
millones de dólares (según el Instituto Internacional de Estudios
Estratégicos, cuya confiabilidad es vecina a la de las previsiones
meteorológicas). Para equilibrar las cosas, la UE se propone gastar €
850.000 millones más (o sea U$ 914.000 millones). EEUU, solito, gasta
esa suma cada año.

*Financiación del rearme
*Hasta antes de ayer en la UE no había dinero para financiar la Salud
(sólo en Francia se han suprimido 48 mil camas en los hospitales), ni
para financiar la Educación (miles de clases no tienen todos sus
profesores y sus salarios son miserables). Y he aquí que en 48 horas
cronometradas la UE enconttó € 850 mil millones para financiar la compra
de armamento. Digan lo que digan, el modelo social pagará las habas que
se comerá el burro.

*Consecuencias del rearme
*Gastar la enorme suma de € 850 mil millones en armas generará empleos
bien pagados, y la colaboración de parte del proletariado (amén de
ganancias extraordinarias para el gran capital). La industria
armamentística tiene un detalle: para crecer requiere el consumo de lo
ya producido, o sea… una guerra lo más destructiva posible. En ese
sentido se trata de la peor corrupción en extensión, volumen y
profundidad. La propaganda que debe convencer a los europeos de la
necesidad de la guerra ya está entre nosotros, día y noche… Heil!

Publicado en: Artículos <https://observatoriocrisis.com/category/
articulos/>, Inicio <https://observatoriocrisis.com/category/inicio/>


      NOTA IMPORTANTE

/*Observatorio Crisis no necesariamente comparte todas las opiniones
expresadas en los artículos republicados. Nuestro objetivo es compartir
las reflexiones de aquellos analistas que creemos que nuestros lectores
encontrarán interesantes Eds.*/

Em
OBSERVATORIO DE LA CRISIS
https://observatoriocrisis.com/2025/03/30/armarse-para-salvar-el-capitalismo-financiero-la-leccion-de-rosa-luxemburgo-kalecki-baran-y-sweezy/
30/3/2025