quinta-feira, 11 de agosto de 2016
A longa depressão
por Michael Roberts [*]
entrevistado por Mark Kilian [**]
MK: Nosso governo diz que a economia se recupera. Ao mesmo tempo, vemos
que a Grécia precisa continuamente de "pacotes de resgate" e agora há
problemas na Itália. Qual é o estado da economia mundial?
MR: O desenvolvimento da economia mundial desde 1945 não tem sido
harmonioso, não vai em linha recta para cima. Tem havido uma série de
booms e recessões. Com isso, quero dizer que um declínio no rendimento
nacional ou no produto nacional de um país durante pelo menos seis meses,
antes da recuperação e retomada do crescimento.
Mas o que é diferente acerca do período recente é que tivemos um
afundamento muito grande em 2008-9 após o crash bancário internacional. A
Grande Recessão, a qual perdurou durante 18 meses, foi a maior desde a
década de 1930. Em consequência, todas as grandes economias do mundo,
incluindo a Holanda, assistiram a um declínio drástico do seu rendimento
nacional e produto nacional. Toda vez que acontece milhões de pessoas
terem suas vidas arruinadas, elas perdem seus empregos e possivelmente
seus lares porque não podem pagar a renda ou a hipoteca. Para culminar
tudo isto, governos aprovaram toda espécie de medidas, de cortes nos
serviços públicos e de bem-estar, os quais também prejudicaram a
população. Todo esse período de declínio é uma perda permanente. Se não
tivesse havido o afundamento, o produto e o rendimento teriam sido mais
elevados, os empregos teriam sido melhores. Isso nunca poderá ser
recuperado.
A diferença desta vez, em comparação com outras crises, é que a
recuperação da Grande Recessão tem sido incrivelmente fraca. É a mais
fraca recuperação económica desde a década de 1930. A partir do fim da
Grande Recessão, após sete anos, a maior parte das economias dificilmente
recuperou para o nível em que estavam em 2007. Isso mostra quão lenta tem
sido.
Observe-se a Itália: o FMI apresentou um relatório que é realmente
chocante . Não só a Itália tem uma importante crise bancária que em breve
poderia vir a provocar o crash da banca a menos que o governo a salve
(bails out), como o FMI considerou que o PIB e o produto da Itália não
retomariam o nível de 2007 senão em 2025! São duas décadas perdidas de
produto, rendimento, empregos e melhores condições para o povo italiano.
Isto mostra quão má tem sido a recuperação na Itália.
O produto, o emprego e os rendimentos do povo na maior parte das
economias e para a maior parte do povo não recuperam o nível de 2007.
Segundo um novo relatório da McKinsey , os consultores em gestão, dois
terços das famílias nas 26 economias da OCDE em 2015 têm padrões de vida
mais baixos do que em 2005!
Assim, esta é uma recuperação realmente muito fraca e, na minha opinião,
há todo o perigo, antes de retornarmos aos níveis anteriores, se é que o
faremos, de que a economia mundial deslize para dentro de um outro
afundamento dentro de um ano ou dois.
MK: No seu novo livro descreve três depressões: a dos anos 1873-1897,
1929-39 e a presente. Haverá algo que possamos aprender com isto?
MR: Na minha óptica não se trata de uma recessão normal, mas sim de uma
depressão. Esta é diferente dos afundamentos (slumps) normais. Isso não
acontece muito frequentemente. Na história do capitalismo moderno, do
século XIX até agora, houve apenas três grandes depressões. Numa
depressão, a recuperação é tão fraca que as economias não retornam à
mesmas taxas de crescimento ou mesmo ao nível de produção que existia
anteriormente, excepto durante um período muito longo.
Houve um grande afundamento em 1873 na Grã-Bretanha, Alemanha e EUA,
então as principais economias capitalistas. Não houve recuperação forte
depois disso. Houve uma série de afundamentos os quais perduraram durante
os 20 anos seguintes. Aquilo foi uma depressão: um baixo nível de
crescimento e uma série de afundamentos. Foi preciso realmente um longo
tempo antes de uma recuperação sustentada se tornar possível.
A segunda depressão é chamada a Grande Depressão. Esta começou com o
colapso dos mercados de acções nos EUA em 1929, semelhante ao colapso do
mercado habitacional nos EUA em 2007. Após o crash de 1929 os EUA, a maior
economia capitalista do mundo, entrou na mais severa depressão. Houve
desemprego em massa prolongado e não houve recuperação real durante a
década de 1930. A única coisa que acabou com ela foi a entrada dos EUA na
Segunda Guerra Mundial, juntamente com a Grã-Bretanha, contra as chamadas
potências do Eixo. A produção governamental foi aumentada, a qual levou
ao crescimento económico e à recuperação. Assim, só a guerra provocou a
recuperação na década de 1930. Na minha óptica, estamos num período
semelhante. Serão precisas algumas mudanças drásticas a fim de o
capitalismo recuperar-se de todo.
MK: Sua escolha de palavras sugere que a produção conduzida pelo estado
pode ser diferente da produção capitalista?
Penso que há uma distinção a fazer aqui. Economistas keynesianos
consideram que a solução para estes afundamentos é que o governo deveria
gastar mais dinheiro no bem-estar social, ou dar dinheiro aos negócios
para investirem, ou executarem seus próprios programas de produção por si
mesmo e portanto por pessoas a trabalhar. Isto promoverá a economia
capitalista e a colocará em andamento outra vez. Esta é a solução
keynesiana para estas crises.
Isto foi tentado por curto tempo e sem muito entusiasmo na década de 1930
por Roosevelt sob o chamado New Deal . Mas não foi realmente tentado na
actual recuperação. A maior parte do governo operou cortes nos gastos
governamentais. Não estou a advogar a solução keynesiana. Ela pode ajudar
por algum tempo, mas finalmente também cortaria a lucratividade do sector
dos negócios poderia, sob certas circunstâncias, tornar as coisas piores.
Quando falo acerca da produção pelo governo quero dizer a tomada de
controle pelo governo da maior parte do programa de investimento da
economia. Assim as grandes companhias tornar-se-iam parte de uma operação
conduzida pelo estado, idealmente possuídas pelo estado. Na Segunda Guerra
Mundial, com efeito, foi o que aconteceu. Disseram às grandes companhias:
"Vocês não podem mais produzir carros, agora têm de construir tanques".
Era o controle directo do governo para o esforço de guerra. De certo modo,
acabou a produção capitalista para lucro e foi substituída pela produção
conduzida pelo governo. Os capitalistas ainda ganharam dinheiro e lucros,
mas eles estavam completamente controlados e dirigidos pelo estado militar
a fim de realizar uma guerra. A analogia aqui é que o capitalismo já não
opera mais na base dos interesses do sector capitalista, mas naquele tempo
isso foi encarado como nos interesses da sociedade.
Mas uma resposta socialista, ao invés de uma keynesiana , é que
precisamos que governos tomem o comando dos principais sectores da
economia a fim de produzir para necessidades sociais ao invés de
produzirem para lucro. Isso significa controlar o investimento e a
propriedade de todos os bancos principais e outras grandes companhias.
Isso é drasticamente diferente do que os keynesianos propõem agora e vai
mesmo mais além do que no tempo da guerra.
MK: Muitas pessoas vêem o longo boom após 1945 como uma situação
"normal". Mas como explicamos o boom?
Essa é uma parte importante do meu livro; porque há booms e afundamentos.
O período de 1945 a meados dos anos 60 foi excepcional; é chamado a "idade
de ouro" do capitalismo. Houve crescimento bastante bom, mais ou menos
pleno emprego, muitos países desenvolveram um melhor estado de bem-estar
social, educação gratuita mesmo ao nível de universidade, serviços de
saúde gratuito, programas de habitação social, melhores pensões, etc.
Mas foi um período excepcional. Por que? O que conduz ao crescimento sob
o capitalismo é a capacidade para fazer lucros. A saúde da economia
capitalista depende do que acontece à lucratividade do capital, a taxa de
lucro sobre todo investimento feito por capitalista. No fim da II Guerra
Mundial, em consequência da destruição física da Europa, da maior parte da
maquinaria, fábricas, etc e de uma quantidade maciça de trabalho
disponível a níveis baixos, a lucratividade disparou na Europa para os
capitalistas quando recomeçaram. E eles obtiveram crédito barato (mesmo
gratuito) dos EUA. Nos EUA houve uma desvalorização do capital velho,
assim o novo capital veio com nova tecnologia que era extremamente
lucrativo e houve uma enorme expansão da força de trabalho. O mesmo se
passou com o Japão. Por toda a parte o capitalismo mundial teve um alto
nível de lucratividade para o investimento.
Mas nos meados dos anos 60 a lucratividade começou a cair, bastante
agudamente a partir do princípio dos anos 80. Este período é chamado a
crise da lucratividade. A teoria das crises do capitalismo de Marx é que,
apesar de a lucratividade ser a força condutora por trás do crescimento,
ela não se pode manter em ascensão. Quando o capitalismo se expande e
acumula capital, há uma tendência para a lucratividade cair. Isto é uma
lei chave da economia política que Marx detectou. E nesse processo da
queda da taxa de lucro o capitalismo entra em perturbação e as crises
desenvolvem-se mais frequentemente.
A "era dourada" das décadas de 1950 e 1960 deu lugar a crises. Eu era
jovem então e recordo que aquele tempo foi um período de grandes lutas do
movimento trabalhistas pois a lucratividade caía e o capitalismo tentava
conduzir os trabalhadores para o retrocesso. Os trabalhadores combatiam
porque tinham um bocado de ganhos de que não queriam abrir mão e os
sindicatos eram relativamente fortes. Finalmente os sindicatos foram
esmagados nas recessões do princípio da década de 1980 e o movimento
trabalhista foi agrilhoado e derrotado em muitas batalhas. O capitalismo
tentou então elevar a lucratividade através de cortes nos gastos públicos,
privatizações, na exploração da força de trabalho, removendo todas as
protecções da força de trabalho, com a globalização, etc. Este período
neoliberal foi o dos últimos 20 anos do século XX.
Assim, a "era dourada" foi um período especial quando a lucratividade era
muito alto devido a uma guerra mundial, seguindo-se então um grande
declínio na lucratividade e então pelo fim do século grandes esforços do
capitalismo – com algum êxito – para aumentar as taxas de lucro outra vez.
MK: Então o que está realmente a dizer é que a crise dos meados dos anos
60 validaram a teoria da queda da taxa de lucro de Marx e a seguir o
neoliberalismo mobilizou algumas das contra-tendências, que Marx também
descreveu, a fim de restaurar as taxas de lucro?
MR: É um bom modo de colocar isso. A lei da lucratividade de Marx diz que
quando o capitalismo se expande há uma tendência da taxa de lucro para
cair. Mas há meios de neutralizar isso, por algum tempo. Sob uma sociedade
capitalista o valor decorre só da exploração do trabalho, do povo que
trabalha sob o controle de proprietários capitalistas de modo a que possam
vender as commodities no mercado e possam ganhar um lucro. Eles utilizarão
mais maquinaria e fábricas e nova tecnologia para manter baixo o custo do
trabalho, mas ao assim fazer reduzem o montante de lucro por investimento.
O lucro, e o valor em geral, de acordo com Marx vem só dos trabalhadores,
ele não vem das máquinas. As máquinas não produzem valor a menos que você
as ponha a trabalhar. Isso exige trabalho humano, a menos que você tenha
uma sociedade só com robots – mas isso é uma outra estoria.
Assim, há uma contradição entre elevar a produtividade do trabalho
através de mais investimento em tecnologia e lucratividade sustentada.
Isto pode ser ultrapassado por um algum tempo pela exploração
intensificada dos trabalhadores, durante mais horas, fazendo-os trabalhar
mais intensamente, introduzindo nova tecnologia, expandindo o comércio,
tentando ocupar países mais pobres e utilizar seus recursos – há vários
meios pelos quais a acção contrária se pode verificar. Estes factores de
contra-actuação operaram fortemente durante as décadas de 1980 e 1990,
para reverter a taxa de lucro muito baixo a que o capitalismo havia
chegado.
A lucratividade recuperou-se, mas de forma alguma próxima do nível da
"era dourada". Desde o fim da década de 1990 a lei marxista da
lucratividade começou a operar outra vez e, apesar de todas as tentativas
dos capitalistas, começou a deslizar para trás nas economias mais
importantes. Isso criou as condições para as novas crises e afundamentos
do século XXI. Os capitalistas tentaram evitar isso por um enorme boom de
crédito, pela injecção de grande quantidade de crédito, inventando novos
meios para especular nos mercados financeiros e manter lucros altos para
uma secção dos capitalistas. Mas a lucratividade subjacente não se
recuperou. Você pode especular nos mercados de acções mas não cria nada
com isso. Você apenas tenta espremer dinheiro de outros, por assim dizer,
e criar uma melhoria aparente.
CAPITAL FICTÍCIO
Veja-se o momento actual. O mercado estado-unidense de acções atingiu a
maior altura de todos os tempos (em termos nominais). Mas quando olhamos
para o estado de crescimento e da produção nas economias principais
verifica-se que estão realmente a desacelerar. Os lucros estão a estagnar
e ainda assim o mercado de acções esta florescente. Isso mostra a divisão
entre o que Marx chamou "capital fictício" e o que realmente se passa no
processo capitalista. Esta divisão atingiu um extremo em 2007, um fosso
entre preços no mercado de acções, preços habitacionais, especulação em
mercados financeiros e o que estava realmente a acontecer com a
lucratividade do capital. Então veio o crash.
Este é o processo que tento descrever no livro. O livro tenta apresentar
alguns indicadores para os leitores examinarem. Alguns economistas
centram-se na financiarização: o aumento deste sector em relação aos
sectores produtivos. Um argumento popular é que o sector financeiro e o
bancos deveriam ser regulados e restringidos. Mas não é suficiente, é como
tentar controlar um tigre numa jaula só com uma folha de papel. Não é
seguro que os bancos se comportem conforme a regulação. Só recentemente,
os reguladores financeiros dos EUA investigaram as actividades do HSBC, o
grande banco britânico, o qual durante anos lavou dinheiro para cartéis
mexicanos da droga. Eles ganharam milhares de milhões de libras com isto.
Foi descoberto, mas disseram às autoridades para não intervier e não
multar o HSBC porque isto poderia deitar abaixo o sistema bancário. Isso
mostra que regular os bancos é totalmente inútil. Não muda nada, eles
continuarão no mesmo caminho.
O único meio de tratar disto é assumir o comando dos bancos , trazê-los à
propriedade pública através do controle pelos trabalhadores da banca e por
um controle democrático mais vasto da sociedade como um todo, de modo a
que os bancos se tornem um serviço: para providenciar empréstimos às
pessoas para o que precisem, para pequenos negócios e conceder empréstimos
para melhorar o potencial produtivo da economia, não para especular em
mercados financeiros e em activos, ou envolver-se em escândalos em
paraísos fiscais e lavagens de dinheiro, como eles têm estado a fazer nas
últimas décadas – e continuarão a fazer, mesmo com reguladores por perto.
O outro ponto acerca disto é que o crash financeiro não foi apenas uma
crise bancária. Uma crise financeira não está isolada do que acontece no
sector produtivo da economia: a manufactura, a tecnologia, que realmente
fazem coisas que circulam, sobre as quais então os bancos especulam.
Bancos não fazem dinheiro excepto entre si próprios, o valor deve vir de
algum lado. O crash bancário foi realmente um sintoma do facto que os
sectores produtivos da economia capitalista já não eram bastante
lucrativos para suportar este castelo de cartas. Aqueles que argumentam
que foi apenas uma crise financeira e que a solução jaz no controle do
sector financeiro ignoram a verdadeira natureza da crise e, assim, não
podem realmente resolvê-la.
MK: Pode afirmar que o sector financeiro aumenta a instabilidade do
sistema?
Claramente, pois esta torna-se cada vez mais grave. Como a lucratividade
caiu nas décadas de 1960 e 1970 e permaneceu relativamente baixa nos
sectores produtivos durante o período neoliberal, um dos factores para
contrariá-la foi comutar investimento para dentro do sector financeiro,
bancos e outras instituições, para fazer lucros a expensas do
investimento no sector produtivo. O investimento produtivo como
percentagem do produto declinou na maior parte das economias nas décadas
de 1980 e 1990. Isto é uma indicação da fraqueza da economia capitalista
no fim do século XX, a necessidade de desviar para a finança e alhures.
Assim, é uma parte importante do processo da crise. Mas ao mesmo tempo é
um sintoma da incapacidade de fazer subir a lucratividade.
MK: A Grande Recessão de 2007-2009 não foi prevista pelos economistas?
O livro tem uma secção que seria divertida se não fosse trágica. A
profissão económica, as instituições económicas e outros "peritos" não
viram a aproximação da Grande Recessão, muito pelo contrário. Banqueiros
centrais e governos estavam convencidos de que tudo estava bem e que se
houvesse algum problema este poderia ser resolvido facilmente.
Quando o crash chegou, eles foram incapazes de explicar o que havia
acontecido. Permaneciam em negação e pensavam que acabaria rapidamente, o
que não aconteceu. Eles eram incapazes de explicar porque aquilo acontecia
e mesmo agora não podem realmente saber para obter a retomada. As
instituições, bancos centrais e governos ainda estão a lutar para
conseguir que a recuperação suba acima do nível fraco em que está, porque
não entendem o que aconteceu e o que fazer acerca disso.
Houve uma ou duas pessoas que reconheceram os perigos no princípio dos
anos 2000. Elas viram a enorme bolha habitacional nos EUA e que aquilo
não podia perdurar: alguns viram um enorme aumento em créditos privados,
um sector financeiro que também consideraram como perigoso. Assim, um ou
dois economistas radicais, no exterior do consenso, reconheceram os
perigos reais. E um ou dois marxistas levantaram a ideia de que, apesar do
enorme boom nos preços habitacionais e no crédito, por baixo a situação
da lucratividade estava a piorar e havia contradições que produziriam um
crash.
Um deles foi Anwar Shaikh [1] . Ele previu um grande crash e como
consequência uma depressão. Eu fiz uma previsão semelhante em 2005-6.
Argumentei que havia uma conjunção de ciclos concomitantes: declínio dos
lucros, um pico do mercado habitacional e um ciclo depressivo geral
baptizado com o nome do economista russo Kondratieff. Todos estes ciclos
estavam a juntar-se num período de baixa depressiva. Isso sugeriu-me que
poderia haver um afundamento bastante grave, pensei em 2009-10. Foi um
pouco tarde porque ele veio mais cedo. Assim, um punhado de pessoas viram
a aproximação da crise, 99 por cento dos economistas não.
MK: Comparou a posição dos EUA hoje com a da Grã-Bretanha durante a
última crise dos anos 1930: detendo a hegemonia e simultaneamente sendo
economicamente minada. Como é que isso acontece no período que está para
vir? A China, por exemplo, poderia assumir esse papel?
Os EUA, a maior economia, teve uma recuperação ligeiramente melhor do que
a Europa ou o Japão, os quais se tem esforçado, e de muitas das economias
emergentes como o Brasil, a Rússia, a África do Sul. Eles estão em
recessão e não se recuperaram de todo. Os EUA estão a sair-se ligeiramente
melhor, mas ainda a crescer só a cerca de 2 por cento ao ano desde 2009.
Costumava ser de na média de 3,5 por cento no período a partir de 1945 e
por vezes mais rápido na era dourada.
Esta é uma recuperação muito fraca e parece estar a esgotar-se. Enquanto
a depressão continua, rivais que se saem melhor ficam em posição de
desafiar a hegemonia que os EUA tiveram economicamente. Seja como for, a
economia estado-unidense declinou relativamente ao longo dos últimos 30
anos. Ela ja não tem a mesma fatia da produção manufactureira do mundo, em
comparação com a Alemanha ou o Japão e, naturalmente, a China, qual tem
sido a economia de crescimento mais rápido durante os últimos 20 anos e
que agora se tornou uma grande potência económica.
Mesmo em outros lados do espectro económico – serviços, tecnologia – os
EUA conseguiram rivais. Os EUA ainda são superiores porque tem um sector
financeiro maciço, o qual controla e fornece capital por todo o mundo.
Isso dá-lhe, juntamente com a Grã-Bretanha – outro grande centro do
capital financeiro – controle, apesar da sua posição produtiva mais fraca,
através da expansão no domínio do crédito. E é o poder militar muito
maior, maior do que todos os outros poderes militares tomados em conjunto,
que lhe dá uma forte posição. Você pode utilizar a analogia do Império
Romano, o qual também começou um declínio relativo em comparação com os
dos seus rivais fora do império, mas continuou a ter hegemonia durante
centenas de anos porque havia um exército romano e enormes recursos
financeiros. A América está numa posição semelhante, mas está a conseguir
rivais.
O capitalismo enfrentará alguns desafios chave ao longo dos próximos 20
anos. O primeiro é a alteração climática e o aquecimento global , o qual
é um problema sério acerca do qual o capitalismo nada faz. Isto realmente
ameaça o futuro da raça humana e do planeta, a menos que algo se faça. [1]
Também há enormes desigualdades de riqueza e rendimento no mundo , as
quais criam enormes tensões sociais. Ao longo dos últimos 25 anos, a
desigualdades de rendimento e riqueza provavelmente atingiram um nível
nunca visto em 150 anos.
Há também a desaceleração na produtividade : o fracasso do capitalismo
em expandir as forças produtivas para proporcionar o que o povo precisa. A
tecnologia não se expandiu ao nível do que é possível e o crescimento da
produtividade é muito fraco.
Todos estes factores ameaçam o futuro do capitalismo de atender as
necessidades dos povos e de manter a capacidade dos EUA em manter a sua
posição hegemónica. Assim, as rivalidades entre as grandes potências
capitalistas aumentarão e também entre os EUA e a China, porque a China é
uma importante ameaça no comércio e na produção, bem como no futuro
provavelmente também na finança e na tecnologia. Estas são as contradições
crescentes que existem no capitalismo, ameaçando mesmo a existência do
planeta.
A EUROZONA
MK: Dedicou um capítulo separado à eurozona. Isto é particularmente
relevante desde o Brexit. Durante os últimos 15 anos vimos um agravamento
da contradição entre o Norte e o Sul, em particular a Alemanha por um lado
e a Grécia, Espanha e Irlanda por outro. Como extrapolaria isso?
O projecto da União Europeia foi um plano dos principais estrategas do
capital europeu depois de 1945. Eles não queriam outra guerra, não mais
divisões da Europa. Eles quiseram desenvolver a base capitalista dentro da
Europa, como uma força unidade que pudesse rivalizar numa escala mundial
com os EUA [2] e a Ásia, particularmente o Japão naquele tempo. Eles
queriam acabar com pequenas guerras entre países que se tornassem guerras
mundiais e união para utilizar os recursos do trabalho e do capital por
toda a Europa e desenvolver um vasto capital europeu para rivalizar o
resto do mundo. Esse era o plano.
Primeiro introduziram a união aduaneira, deitando abaixo as tarifas entre
as três ou quatro maiores economias, incluindo a Holanda. Mais tarde
desenvolveram o Mercado Comum (CEE), de modo que o comércio foi expandido
a todas as outras áreas, não só com tarifas mas regulações comuns, taxas e
condições para o comércio dentro da Europa. E então a própria União
Europeia, a qual significou que instituições políticas foram
estabelecidas para integrar a Europa numa força única.
O maior passo avante foi introduzir uma divisa única pelo menos para
aquelas partes nucleares da UE preparadas e capazes de aderir. Os alemães
concordaram em que o poderoso D-Mark fosse integrado numa divisa euro, com
a França, Itália e outras economias, incluindo a Holanda. Isto era
considerado um passo necessário para integrar a Europa como uma força no
mundo.
Mas é muito difícil desenvolver uma divisa sob o capitalismo, uma união,
quando o capitalismo, ao expandir suas forças produtivas, também as conduz
à separação. Assim as economias mais fracas numa união capitalista
realmente ficam mais fracas relativamente às mais fortes. É assim que o
capitalismo funciona. Ele não ajuda realmente o fraco a tornar-se forte.
Assim as economias mais fracas dentro daquele bloco, especialmente no
bloco euro, ficaram em estado relativo ainda pior do que antes após a
formação do euro. Elas retrocederam relativamente enquanto o principal
ganhador do euro foi o núcleo, a Alemanha em particular.
A Grande Recessão revelou estas fissuras na eurozona. O projecto euro
foi como um comboio que é descarrilado pela crise económica . É muito
difícil colocar o comboio outra vez sobre os carris porque muitos dos
países mais fracos declinaram e os países mais fortes não estavam
preparados para salvá-los.
O projecto só funcionaria se houvesse uma união orçamental plena, uma
união federal completa, como nos EUA. Mas recordem que os EUA alcançaram
isso só após uma terrível guerra civil que esmagou a oposição dos
escravocratas do Sul. A ideia de uma união orçamental plena onde todos
pagam os mesmos impostos, onde há um governo, uma divisa aplicada a todos:
isso não é possível na Europa neste momento, particularmente após a Grande
Recessão. De facto, o caso é o oposto: o risco é de que o projecto do
euro e o projecto da UE poderiam romper-se, particularmente se houver
outro afundamento no futuro.
O Brexit é um exemplo desta tensão. Os estrategas capitalistas
britânicos nunca foram entusiastas quanto à ideia da integração europeia .
Ainda tinha ilusões de que a Grã-Bretanha era bastante poderosa para
avançar por si própria, ou que podia ser um parceiro júnior do capitalismo
americano e assim não tinha necessidade de ser integrada na Europa para
progredir. A classe dominante britânica estava dividida entre aqueles que
pensavam que a Europa era a resposta e aqueles que pensavam era melhor
estar só ou com os EUA.
Essa divisão chegou ao máximo com a Grande Recessão, quando a Europa
tinha uma enorme crise da dívida em euros, a Grécia, a Espanha e a Itália
caiam em depressão profunda e a liderança franco-germânica fracassou em
proporcionar apoio a estes países no âmbito do projecto da UE. Assim,
alguns capitalistas britânicos disseram: "Bem, a Europa não é realmente o
lugar onde possamos obter um lucro; estamos melhor situação sozinhos".
Esta divisão política veio à tona com o referendo. De muitas maneiras,
isto será um desastre completo para o capitalismo britânico; com os seus
estrategas sem saberem qual o caminho por onde estão a ir.
MK: Sugere no livro que nenhuma depressão é permanente. Então há uma
saída para o capitalismo?
Alguns marxistas dizem que estamos numa estagnação ou depressão
permanente. Não concordo. No passado, o capitalismo mostrou que pode
encontrar uma saída, se puder restaurar as condições para uma taxa de
lucro mais alta, como fez após a II Guerra Mundial e no fim da depressão
do século XIX.
Como fazê-lo? O único meio é restaurar a lucratividade. Isso significa
destruir o valor do velho capital que não é mais produtivo. Significa
ficar "magro", extirpar velhas plantas más do seu jardim e permitir que
cresçam novas. Naturalmente, isto será a expensas dos empregos e do
sustento de toda a gente, porque estamos a falar acerca de seres humanos a
perderem seus empregos em consequência do encerramento de fábricas e
negócios, fusões, liquidação de activos, deslocação de trabalhadores e
redução do nível geral de produção para alcançar lucratividade mais alta.
Um afundamento, talvez uma série de afundamentos, pode fazer isso. Até
então continuaremos com esta depressão. O sistema precisa livrar-se de um
bocado de dívida, estraçalhar um bocado de bancos, encerrar um bocado de
indústrias e companhias velhas. Isso é horrível, mas é o que o capitalismo
faz para ressuscitar a si próprio.
Então o capitalismo poderia obter um novo sopro de vida e utilizar todas
as novas tecnologias de que toda a gente está a falar – robots,
automação, a Internet das coisas; toda estas espécies de tecnologias que
podem ser expandidas – e explorar também novas áreas do mundo nas quais
ainda há grandes quantidades de trabalho barato que podem ser utilizadas
em conjunto com esta tecnologia.
Talvez as condições políticas e económicas para um tal novo sopro de vida
para o capitalismo possam acontecer, digamos, na próxima década em
consequência de novos afundamentos, mas só se os trabalhadores nos países
que sofrerão com isto forem incapazes de mudar a situação por algum meio e
os capitalistas e seus estrategas e representantes políticos permanecerem
no poder.
Mas mesmo que isto aconteça, o capitalismo não está em vias de resolver
os seus problemas indefinidamente. De facto, está a ficar cada vez mais
difícil para eles terem um novo sopro de vida e expansão, com aquecimento
global [1] , baixa produtividade, desigualdade crescente e com cada vez
menos áreas do mundo a explorar que já não estejam proletarizadas,
urbanizadas e façam parte do sistema capitalista global. Há menos espaço
para o capitalismo expandir-se. Está a ficar próximo da sua data de
validade em termos históricos. Mas mesmo assim poderia haver outro período
de expansão nos próximos 20 anos.
NR
[1] Ver Capitalismo: competição, conflito, crise , Anwar Shaikh
[2] O autor é economista, não climatologista. Ele deixou-se convencer
pela campanha maciça dos aquecimentistas, promovida pela UE, pelo capital
financeiro e pelo IPCC da ONU. Teria sido melhor dizer que o capitalismo
inventa falsos problemas a fim de ocultar os verdadeiros.
[3] A criação da CEE (actual UE) foi estimulada pelo governo dos EUA –
ainda que muitos tenham apregoado a intenção de "rivalizar" com os EUA.
[*] Economista, autor de The Long Depression
[**] Da publicação holandesa de Socialist
A versão em inglês encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/...
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/crise/longa_depressao_02ago16.htmlhttp://resistir.info/crise/longa_depressao_02ago16.html
10/8/2016
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