quarta-feira, 31 de maio de 2017
Como os media inventam a "repressão" na Venezuela
por Thierry Deronne
Enfiemo-nos na pele de uma pessoa que apenas dispusesse dos media para se
informar sobre a Venezuela e que dia após dia se falasse de
'manifestantes' e " ;repressão" ;. Como não entender que essa pessoa
acreditasse que a população está na rua e que o governo a reprime?
Porém, não há nenhuma revolta popular na Venezuela. Apesar da guerra
económica a grande maioria da população vai para as suas ocupações,
trabalha, estuda, sobrevive. É por isso que a direita organiza as suas
marchas com início nos bairros ricos. É por isso que recorre à violência,
ao terrorismo e se localiza nos municípios de direita. Os bairros
venezuelanos são em 90%, bairros populares. Compreende-se a enorme lacuna:
os media transformam as ilhas sociológicas das camadas ricas (alguns % do
território) em "Venezuela". E 2% da população em "população". [1]
A ex-presidente argentina Cristina Fernandez, depois de Evo Morales,
denunciou: "a violência é utilizada na Venezuela como metodologia para
alcançar o poder e derrubar um governo" [2] . Do Equador, o ex-presidente
Rafael Correa recordou que "a Venezuela é uma democracia. É através do
diálogo, com eleições, que devem ser resolvidas as diferenças. Muitos
casos de violência vêm claramente dos partidos da oposição [3] . Esta
também é a posição do Caricom, que inclui os países do Caribe [4] . O papa
Francisco teve que incitar os bispos da Venezuela que, como no Chile em
1973, arrastavam os pés face ao diálogo nacional proposto pelo Presidente
Maduro [5] . Este lançou o processo participativo para a Assembleia
Constituinte, e confirmou a eleição presidencial legalmente prevista para
2018.
Desde o desaparecimento de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela é vítima de
uma guerra económica que visa privar a população de bens essenciais,
principalmente alimentos e medicamentos. A direita local reúne certos
elementos da estratégia implementada no Chile pelo par Nixon-Pinochet,
claramente para causar a exasperação dos sectores populares e legitimar a
própria violência. De acordo com o relatório do orçamento 2017 colocado
no site do Departamento de Estado [6] , Foram entregues 5,5 milhões de
dólares à "sociedade civil" da Venezuela. O jornalista venezuelano Eleazar
Diaz Rangel, editor do diário Últimas Notícias (centro-direita) revelou
trechos do relatório que o Almirante Kurt Tidd, chefe do comando Sul,
enviou para o Senado dos EUA: "com a política do MUD (coligação da
oposição venezuelana) estabelecemos uma agenda comum, que inclui um
cenário duro, combinando acções de rua e dosificando o emprego da
violência a partir da perspectiva de cerco e asfixia." [7]
A fase insurreccional implica atacar os serviços públicos, escolas,
maternidades (El Valle, El Carrizal), instituições de saúde, bloquear
ruas e artérias principais para bloquear a distribuição de alimentos e
paralisar a economia. Através dos media privados, a direita apela
abertamente aos militares para realizarem um golpe de Estado contra o
Presidente eleito [8] . Mais recentemente os bandos paramilitares
colombianos passaram do papel de formadores para um papel mais activo: o
corpo sem vida de Pedro Josué Carrillo, militante chavista, acaba de ser
encontrado no Estado de Lara, com marcas de tortura típicas do país de
Uribe [9] .
Apesar dos morteiros, armas, granadas ou coquetéis Molotov usados por
manifestantes " ;pacíficos" ; (sem esquecer as efígies de chavistas
enforcadas em pontes, assinatura dos paramilitares colombianos), a lei
proíbe a polícia ou a guarda nacional de usar as armas de fogo.
Manifestantes da direita aproveitam a oportunidade para forçar a sua
vantagem e evidenciam o seu ódio sobre guardas ou polícia, provocá-los com
jactos de urina, excrementos e disparos com balas reais, observando a
reacção das câmaras da CNN.
Elementos das forças de segurança que desobedeceram e foram culpados de
ferimentos ou mortes de manifestantes foram presos e processados [10] . O
facto é que a grande maioria das vítimas são trabalhadores que iam para o
trabalho ou voltavam, activistas chavistas ou elementos das forças da
ordem [11] . É por isso que os media falam de mortes em geral – para que
se acredite que se trata de "mortos pelo regime." A lista dos "mortos"
serve para aumentar o apoio global à desestabilização: há nestes
assassinatos, é terrível constatá-lo, o efeito de uma encomenda para os
media.
Qualquer manifestante que mata, destrói, agride, tortura, sabota sabe que
será santificado pelos media internacionais. Estes tornaram-se um
incentivo para perseguir o terrorismo. Todos os mortos, todas as
sabotagens económicas serão atribuídas ao "regime", incluindo dentro da
Venezuela, onde os media, como a economia, é na sua maioria privada. Que a
democracia participativa que é a da Venezuela tente defender-se como
compete a todo o Estado de direito, vai ser imediatamente denunciada como
"repressiva". Quem ouse punir um terrorista, e isto o tornará de
imediato um "preso político". Para o jornalista e sociólogo argentino
Marco Teruggi " ; uma intervenção na Venezuela, o governo dos Estados
Unidos tem condições mais favoráveis do que tinha para bombardear a Líbia,
tendo em conta o facto de que a União Africana tinha condenado essa
intervenção quase por unanimidade. (..) Tudo depende da capacidade da
direita manter mais tempo o braço de ferro na rua como espaço político.
Donde a importância de manter a caixa de ressonância mediática". [12]
Exemplo sórdido desta ligação: em 5 de Maio de 2017, usando uma foto
digna de um fotograma de Hollywood (mas que não é a da vítima) Le Monde
denuncia "a morte de um líder estudantil morto durante os protestos
contra o projecto do Presidente Maduro convocar uma Assembleia
Constituinte". Ora a vítima, Juan (e não José como escreveu Le Monde
) Bautista Lopez Manjarres é um jovem líder estudantil revolucionário,
assassinado por um comando da direita quando participava numa reunião em
apoio do processo da Assembleia Constituinte.
Le Monde menciona também a reacção do maestro Gustavo Dudamel, em
digressão no estrangeiro, pedindo para que "cesse a repressão" após a
morte do jovem violista Armando Canizales. No entanto, este músico não foi
vítima da repressão, mas também ele de um projéctil disparado das fileiras
da direita.
O jornal espanhol La Vanguardia, virulentamente oposicionista da
Revolução Bolivariana, admite excepcionalmente pelo texto do seu enviado
especial Andy Robinson: "Tal como em outros momentos da crise, a
narrativa de uma juventude heróica, morta pela ditadura Bolivariana não
cola no caso de Armando Canizales. (..) É quase certo que o projéctil não
foi disparado pela polícia, mas pelos próprios manifestantes. É sabido
que alguns deles fizeram armas artesanais para os choques diários a
polícia." [13] .
A reacção rápida do Sr. Dudamel é representativa das numerosas
personalidades artísticas submetidos a forte pressão mediática nos seus
países, obrigados a fazer declarações para satisfazer a opinião pública,
99% convencida pelos media, para denunciarem a "repressão na Venezuela" ;.
A 16 de Maio, o Le Monde denunciou " ;a morte de um jovem de 17 anos,
baleado num comício contra o Presidente Maduro" ;. Não é verdade. A
pesquisa mostra que Yeison Natanael Mora Castillo foi morto por um
projéctil idêntico ao usado para assassinar o violista Canizales. Ele não
participava numa reunião anti-Maduro. Seus pais são membros de uma
cooperativa em luta para recuperar um latifúndio de sete mil hectares,
suportando desde há muito ataques do grande proprietário. Eles
apresentaram uma queixa contra os organizadores da marcha da oposição, e
numa entrevista ao jornal local Ciudad Barinas denunciaram a manipulação
que falsamente atribuía ao governo Maduro o assassinato de seu filho. [14]
Imputar sistematicamente ao governo bolivariano os assassinatos cometidos
pela direita, é todo o "jornalismo" de Paulo Paranaguá no Le Monde. Em
21 de Abril, atribui aos colectivos chavistas a morte de um estudante de
17 anos, Carlos Moreno, morto por uma bala na cabeça, bem como de Paola
Ramírez Gómez, de 23. Dupla mentira. De acordo com a família de Carlos
Moreno, o adolescente não participava em qualquer manifestação e
dirigia-se para um torneio de desportivo. O assassino foi preso: é um
membro da polícia de Oscar Oscariz, presidente da Câmara Municipal de
Sucre. O jornal da oposição Tal Cual assim relata. [15] . Quanto à
segunda vítima referida por Paranaguá, Paola Rodríguez, o seu assassino
foi preso pelas autoridades: é Ivan Aleisis Pernia, um militante da
direita.
O "diário dos mercados" ; não é o único a mentir de forma assim tão
sórdida nesta 'luta pela liberdade'. O La Libre Belgique, New York Times,
France-Culture, El Pais, Le Figaro, ou mesmo Mediapart são robôs da
vulgata global. Esta invenção da "repressão" é tanto mais fácil quanto a
imagem típica do manifestante maltratado por um polícia tem vantagem
quando se é privado do contexto relativo à imagem. Longe da Venezuela,
apenas alguns poderão dispor dos cenários onde jovens são treinados,
armados, pagos para provocar as forças de segurança e produzir a "
;imagem" ; necessária. A concentração global dos meios de comunicação e a
crescente convergência de redes sociais com os grandes media fazem o
resto, fixando o imaginário tanto à esquerda como à direita. Vêem-se
assim os politicamente " ;insubmissos" ; submeterem-se aos media e
acrescentarem sem dar por isso a sua pedrinha para a campanha global:
Os que retransmitem na internet este poster provavelmente não imaginam a
falsidade que se esconde por trás do " ;Anonymous Venezuela" ;. A
capacidade da extrema-direita de se servir de alguns símbolos do
movimento alternativo global e capitalizar apoios é revelada aqui: Quando
cai a máscara de Guy Fawkes da oposição venezuelana". [15]
Em suma, como se da história da propaganda e das guerras nada se tivesse
aprendido, caímos sem cessar na armadilha. Malcolm X tinha prevenido: "se
não tivermos cuidado, os media vão fazer que as vítimas sejam consideradas
os torturadores e os carrascos as vítimas" ;. Transformando a violência da
extrema-direita em "revolta popular", travestindo de " ;combatentes da
liberdade" ; assassinos nostálgicos do apartheid dos anos 90, é em
primeiro lugar contra os cidadãos da Europa, que a uniformização mediática
se volta: a maioria dos telespectadores, leitores e ouvintes apoiam sem
saber uma agressão para derrubar um governo democraticamente eleito. Sem a
democratização em profundidade da propriedade dos media, a profecia de
Orwell acaba por ser tímida. A Venezuela é suficientemente forte para
evitar um golpe como aquele que acabou com a unidade popular de Salvador
Allende, mas a crescente desconexão da população de ocidente com o mundo
voltar-se-á contra ela própria.
Micromanual de autodefesa perante a vaga mediática
"A Venezuela é um "regime ditatorial" . Falso. Desde 1999, a Venezuela
bolivariana organizou um número recorde de votos (25), reconhecidos como
transparentes por observadores internacionais. De acordo com o antigo
presidente do Brasil Lula da Silva, é um "excesso de democracia". Por
Jimmy Carter, que observou 98 eleições em todo o mundo, a Venezuela tem o
melhor sistema eleitoral no mundo. Em Maio de 2011, o relatório da
canadiana Fondation pour l'Avancée de la Démocratie (FDA) colocou o
sistema eleitoral da Venezuela no primeiro lugar do mundo pelo respeito
das normas de base da democracia. A ONG chilena Latinobarómetro
estabeleceu no seu relatório de 2013 que a Venezuela bate registos da
confiança dos cidadãos na democracia na América Latina (87%), seguidos
por Equador (62%) e México (21%). O Presidente Nicolás Maduro acaba de
lançar um processo participativo para a Assembleia Constituinte que
permite que todos os sectores sociais façam as suas propostas, o que vai
resultar num novo escrutínio, tendo também reafirmado que as eleições
presidenciais terão lugar em 2018, conforme estipulado na lei.
"Não há liberdade de expressão para a Venezuela" Falso. Das mais de 1000
estações de rádio e televisão, a que o Estado concedeu permissão para
emitir, 67% são privadas (a grande maioria opostas à Revolução
Bolivariana), 28% estão nas mãos das comunidades, mas transmitem apenas a
um nível estritamente local e 5% são Propriedade do Estado. Em 108 jornais
que existem, 97 são privados, 11 públicos; 67% da população venezuelana
tem acesso à internet. Esta plataforma é dominada pelos media privados,
reforçada pela rede das transnacionais desempenha um papel crucial na
desinformação e no serviço de desestabilização. Para um dossier
pormenorizado e quantificado desta paisagem mediática ver "François
Cluzel ou l'interdiction d'informer sur France-Culture". [17]
"Existem prisioneiros políticos na Venezuela". Falso. A menos que se
considere "presos políticos" assassinos de extrema-direita do partido
Aurora Dourada presos na Grécia. No Estado de direito, quer se chame
França ou Venezuela, ser de direita não significa estar acima da lei, nem
poder cometer impunemente crimes como assassinatos, ataques à bomba ou ser
corrupto. Não é pelas suas políticas, mas por este tipo de crimes que as
pessoas têm sido julgadas e aprisionadas. [18] Na prática, observa-se
também um certo laxismo da justiça. De acordo com pesquisas da empresa
privada Hinterlaces , 61% dos venezuelanos consideram que os promotores
da violência e actos de terrorismo devem responder pelos seus actos
perante um tribunal. [19]
Lembremos que os actuais líderes da direita nunca respeitaram as
instituições democráticas: estes são os mesmos que, em Abril de 2002,
lideraram um sangrento golpe de Estado contra o Presidente Chavez, com a
ajuda da confederação patronal local e soldados treinados na School of
Americas. Estes são os mesmos que organizaram a violência de 2013 a 2016.
Observe-se a identidade de um dos seus mentores
Alvaro Uribe, um dos maiores criminosos contra a humanidade da América
Latina, antigo presidente de um país governado pelo paramilitarismo e os
cartéis de drogas, que tem as maiores valas comuns do mundo, o que conta
9 500 prisioneiros políticos, 60 630 pessoas desaparecidas nos últimos 45
anos e que desde a assinatura dos acordos de paz retomou uma política
selectiva de assassinato de líderes sociais e defensores dos direitos
humanos. Para informações completas e fotos destas ligações dos heróis do
Le Monde com o paramilitarismo colombiano, leia-se Venezuela: la presse
française lâchée par sa source?
Venezuela, 20 de maio de 2017.
Notas
[1] Ver venezuelainfos.wordpress.com/...
[2] Entrevista integral de Cristina Kirschner com Jorge Gestoso
www.youtube.com/watch?v=-WM6nD6hPu0
[3]
ambito.com/883274-tras-reunirse-con-michetti-correa-defendio-a-venezuela
Ver também www.telesurtv.net/...
[4] correodelorinoco.gob.ve/...
[5] www.ultimasnoticias.com.ve/...
[6] www.state.gov/documents/organization/252179.pdf , (pág. 96)
[7] www.southcom.mil/...
[8] Como reconhece Julio Borges, líder do partido de extrema-direita
Primero Justicia e atual presidente da Asembleia Nacional, numa
entrevista não complacente que lhe fez o jornalista da BBC Stephen Sackur,
em 19 maio de 2017: bbc.co.uk/programmes/p052nsxd
[9] /tatuytv.org/...
[10] Detalhes de vários casos no site Parquet bit.ly/2ro4iXE ;
bit.ly/2qE9MNb ; bit.ly/2q5RsbU ; bit.ly/2rnNT5s
[11]
albaciudad.org/2017/05/lista-fallecidos-protestas-venezuela-abril-2017/
[12] hastaelnocau.wordpress.com/2017/05/09/radiografia-de-la-violencia
[13] www.lavanguardia.com/...
[14]
www.desdelaplaza.com/poder/yeison-lo-mataron-manifestantes-la-mud-destacado/
[15] www.talcualdigital.com/Nota/...
[16] venezuelainfos.wordpress.com/...
[17] venezuelainfos.wordpress.com/...
[18] venezuelainfos.wordpress.com/...
[19] hinterlaces.com/...
O original encontra-se em
www.legrandsoir.info/comment-le-monde-invente-la-repression-au-venezuela.html
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/venezuela/como_os_media_inventam_repressao_na_venezuela.html
31/5/2017
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