sábado, 24 de julho de 2021

Desintegração: indicadores do próximo colapso do império americano (1)

 
  Desintegração: indicadores do próximo colapso do império americano (1)

*por Daniel Vaz de Carvalho *

*  *     
*"Quando era cadete, qual era o lema em West Point?   Não mentir, não
enganar, não roubar nem tolerar que outros o fizessem.   Fui diretor da
CIA, mentimos, enganámos, roubámos.  Tivemos completos cursos de treino.
  Isto deve recordar-vos a glória da experiência americana".
Mike Pompeu, a gabar-se enquanto o público ria e aplaudia a declaração.
Citado por AM (p.230) *

'Disintegration'. *1 - Para além da propaganda *

/Disintegration, / o novo livro de Andrei Martyanov (AM) [1] <#notas>
constitui uma aprofundada análise ao império a que, quer se tenha disso
consciência ou não, estamos submetidos. Um império em declínio ao qual
AM torna evidente o próximo colapso e desintegração, se o seu povo não
se mobilizar em defesa de outras políticas. Uma evidência que, para além
da propaganda e subserviência de "comentadores" e jornalistas formatados
pelas mediáticas máquinas de mentir imperialistas, transparece nos
resultados obtidos, sistematicamente deturpados ou escamoteados. De
facto, nos últimos 30 anos, os EUA produziram um recorde de falhanços em
termos de resultados práticos, porém, diz AM, os falhanços são apontados
como êxitos!

As intervenções dos EUA, deixaram países no caos, mereceram a apropriada
designação de "império do caos". A retirada do Afeganistão é um exemplo
mais próximo: um país nAMiséria e em que a produção de ópio para heroína
cresceu 40 vezes desde a intervenção da NATO em nome da defesa dos
direitos humanos (p.2). Na contabilização das mortes associadas a esta
intervenção, no seguimento das ações para derrubar um governo popular e
progressista, há que incluir as mortes pela heroína e pelas ações
terroristas levadas a cabo pelos grupos do fundamentalismo islâmico,
criados para serem mercenários ao serviço do império e espalhados por
múltiplos locais.

Conteúdo de 'Disintegration'. Como AM prudentemente adverte, no seu
declínio os EUA tudo farão para preservar o poder, embora dêem sinais de
estarem a tornar-se um país instável, comparável aos do terceiro mundo,
mas com armas nucleares. (p.4)

As suas elites dispõem de um imenso poder mediático, mas a acentuada
quebra da sua qualidade resulta de uma crise que evolui de mal para
pior. Claro que estas elites são um reflexo e um produto de outras
forças: a oligarquia dominante. (p.5)

Os "fazedores de opinião", professores, especialistas em todas as áreas
e nenhuma, continuam a depender dos políticos do sistema e vice-versa,
todos eles dependendo da boa vontade das oligarquias, dizendo apenas o
que estas querem ouvir. É normal advogados, atores, gente do desporto,
pronunciarem-se sobre assuntos militares e geopolíticos sem que tenham
nenhuma competência nestas matérias e um muito baixo nível de
conhecimento em relação ao resto do mundo. Porém a ideia de os EUA
deixarem de ser o líder mundial não entra na imaginação destas ditas
elites para as quais as ilusões da sua propaganda podem alterar a
realidade.

O imperialismo age a coberto de "direitos de proteção" e moralismo. Um
pretenso moralismo que tem conduzido a catástrofes humanitárias é à
morte de milhões de pessoas. Ousam mesmo falar em "bombardeamentos
humanitários" como em 1999 sobre a República Federal da Jugoslávia. (p.138)

Para AM, o modelo liberal, a dita "democracia liberal", é um termo
completamente contraditório com a realidade social: uma ideologia
totalitária e fascizante que procura destruir tudo o que de positivo foi
conseguido desde o iluminismo. Uma ideologia moribunda saída da
arrogância de elites Americanas cuja ignorância foi tornada modelo
virtuoso e verdade absoluta.

Os EUA falham miseravelmente na capacidade de lidar com os factos,
exibindo uma rigidez ideológica que se tornou uma fanática crença
religiosa. (p.42) O resultado final só poderá ser a desintegração,
independentemente de quem seja o próximo presidente ou o partido que vá
prosseguir as desastrosas políticas económicas e culturais atuais.

Os EUA estão organizados numa ditadura de partido único, na tentativa de
dominar o mundo, baseado em "valores" económicos e culturais por eles
definidos, mas que são antitéticos para a maioria dos povos. Uma
tentativa que contamina os media e os sistemas educativos, conduzindo a
sociedade à distopia e não pode sobreviver perante a realidade de uma
América economicamente em declínio, intelectualmente estéril e em que a
decadência moral se torna evidente nas taxas de criminalidade e de
presos. (p.212)

Imaginam que a propaganda obvia os problemas que enfrentam e um
inevitável colapso. Assim, eliminar o pensamento livre tornou-se o
objetivo número um dos donos do discurso, produzindo gerações sujeitas a
lavagem ao cérebro.

A violência interétnica, o abrandamento da produtividade, a vulgaridade
universitária são realidades da desintegração dos EUA. Porém, tudo o que
AM nos apresenta relativamente aos EUA tem que ver com a UE e outros
aliados colocados na condição de vassalos relativamente ao suserano.
Como não é visível qualquer intenção de, designadamente na UE, mudar de
política é inevitável serem arrastados no declínio e colapso do império.

O esclarecimento quanto à real situação em que estamos envolvidos é, ou
devia ser, tarefa prioritária de todos os sectores realmente progressistas.

*2 – O Consumo *

AM aborda a questão do consumo. Uma das principais bandeiras da suposta
superioridade do capitalismo, com que seduziu e seduz multidões em
particular de jovens, mas não só, para os quais consumir representaria
liberdade. O que finalmente encontram, tanto nos EUA como em qualquer
outro país sujeito ao sistema, é insegurança nas suas vidas,
instabilidade pessoal e social, marginalidade, prostituição, mesmo
escravatura sexual. Estima-se que 2,5 milhões de estudantes
universitários
<https://www.rt.com/op-ed/469443-college-sugar-babies-debt-prostitution/> recorram
à prostituição para pagar as suas dívidas. Em 2019, haveria 100 a 150
mil crianças
<https://www.rutherford.org/publications_resources/john_whiteheads_commentary/the_essence_of_evil_sex_with_children_has_become_big_business_in_america?fbclid=IwAR1R3cRGX-00DIB8U2Tfv_EJldJlXMzq34e6SW6ENcFoGxIPsX9ZT9HkjMo>
como "trabalhadoras e trabalhadores sexuais".

A "liberdade de escolha" para consumir não passa de uma falácia, que
raros ousam denunciar. Nos EUA, segundo uma sondagem, a insegurança
alimentar atinge 40,9% das mães com filhos de 12 anos ou menos, valor
que tem aumentado dramaticamente. (p.9) Não se trata aqui de padrões de
consumo, mas de não ter o suficiente para comer. O que põe em causa o
sistema de distribuição de bens em termos capitalistas. Num Estado dos
mais pobres como o Colorado, 30% da população tem dificuldade em
satisfazer as necessidades alimentares. (p.11)

Dezenas de milhões de trabalhadores dos EUA viram os seus salários
reduzirem-se ou mesmo desaparecerem, incluindo os que entretanto
perderam direito a subsídio de desemprego. Mesmo entre a classe média
branca a esperança média de vida vai-se reduzindo devido à falta de
apoios médicos, suicídios, toxicodependência. Situações que apontam para
problemas mais profundos como salariais, insegurança de existência,
dessocialização, entre outros, mostrando muitas pessoas a perderem a
vontade de viver. (p.17)

O consumo nos países capitalistas ricos levando parte da população a
consumir não por precisar, mas para evitar uma marca de inferioridade e
pouco mérito, era uma montra contra o socialismo. (p.17) Um desejo de
consumir que transforma as pessoas de cidadãos em "consumidores", um
objetivo do fascizante "fim das ideologias". Um consumo que tinha e tem
como contrapartida exploração, fome e opressão nos países dominados
noutras partes do mundo. Eis que agora situação semelhante enfrentam os
cidadãos do designado Ocidente – para além do que a propaganda exiba.

Em 1985 o salário médio pagava em 32 semanas as despesas básicas de um
casal como habitação, saúde, carro, educação. Em 2020 são 52 semanas
para os mesmos itens. Os EUA tornaram-se um país pobre – e de pessoas
endividadas - e nada mais fazem senão imprimir dólares, o que torna o
problema ainda pior. (p.35)

*3 – Prosperidade *

A riqueza é medida em dólares, porém o dólar em relação ao ouro vale
apenas 19 cêntimos do que valia em 1971, quando se desligou daquela
referência. O sistema permite aos EUA gerir os seus défices simplesmente
pela venda de dólares aos bancos centrais de outros países. Esta é a
base da riqueza dos EUA permitindo-lhes manter a ilusão de ter "canhões
e manteiga". (p.24) Uma riqueza fictícia que Michael Hudson designa como
o sistema FIRE (Finanças, Seguros e Imobiliário).

De acordo com o Bank of America os intangíveis das empresas, isto é,
ativos que não têm natureza física, passaram de 17% dos ativos das
S&P500 em 1975, para 84%, 20 milhões de milhões de dólares no início de
2020. A valorização da economia dos EUA, afirma AM, é geralmente uma
fraude, uma maneira de dar cobertura aos jogos de especulação dos
"estrategistas" da Wall Street e à eliminação de indústrias produtivas.
A ideia de os EUA serem o país mais rico vem da forma como o PIB é
contabilizado, em que a financeirização, a especulação financeira e as
dívidas, isto é, o sector não produtivo da economia aparece como valor e
poder económico. (p.91)

O PIB cresce ao mesmo tempo que se produzem cada vez menos bens
materiais. Outra razão pelo qual está grandemente inflacionado é o
estatuto do dólar como moeda de reserva, permitindo aos EUA pela sua
proliferação e constante emissão pela Reserva Federal, viver acima dos
seus meios. Contudo o dólar enfrenta uma dramática desvalorização e a
desdolarização da economia mundial que a Rússia e a China lideram. (p.92)

A riqueza dos EUA é, pois, em grande parte fictícia, um eufemismo para o
seu afogamento em dívidas. A dívida federal atinge 28,5 milhões de
milhões de dólares, 128,26% do PIB. Se incluirmos as dívidas dos Estados
e locais atinge 143,4%, mas a dívida total incluindo empresas e cidadãos
vai aos 85,5 milhões de milhões dos quais 1,75 milhões de milhões dívida
estudantil, e quase 989 mil milhões em cartões de crédito. O desemprego
real anda pelos 16,35 milhões de trabalhadores, além de 25,6 milhões que
sobrevivem em part-time. ( U.S. National Debt Clock: Real Time
<https://usdebtclock.org/> (usdebtclock.org)

Há de facto no país 18,6 milhões de milionários, mas no final de 2019,
mais de 50 milhões de pessoas
<http://www.informationclearinghouse.info/52733.htm> recorriam a
assistência alimentar. Entre os quais 25% de todas as crianças nos EUA.
Cerca de 25% da população americana não pode comprar comida suficiente
para se manter saudável.

Os sem abrigo eram em 2019, 3,5 milhões ou 7,5 milhões se considerarmos
os que não têm casa própria vivendo com outros devido aos altos custos
de habitação. (p.32) Cidades antes apresentadas como centros de
prosperidade tornaram-se autenticas lixeiras. A polícia é impotente para
conter protestos e a violência desencadeia-se em áreas que parecem zonas
de guerra. Numerosas comunidades assemelham-se a favelas do terceiro
mundo, incrivelmente pobres e sujas, sem lei, onde proliferam drogas e
gente sem abrigo. (p.34) O próprio governo reconhece o estado deplorável
das infraestruturas do país.

O mercado de ações continua em alta, mas também as filas para ajuda
alimentar. Na realidade, nos EUA a prosperidade só tem significado para
10% da população ou ainda mais para o 1% cujo extravagante consumo como
modo de vida prossegue.

*4 – Produção *

Os EUA deixaram de produzir riqueza real. Em 1960 a indústria
representava 25% do PIB, em 2020 uns escassos 11%. A fanática crença na
finança, na dívida e no seu excecionalismo conduzem os EUA a um suicídio
económico. (p.45) Foram perdidos 5 milhões de postos de trabalho na
indústria, em que 1 posto de trabalho na indústria origina 3 ou 4
noutros sectores. A escala deste desastre revela-se no défice da BC de 1
milhão de milhões de dólares, um terço do qual com a China. (
usdebtclock.org/ <https://usdebtclock.org/> )

Na realidade os EUA são cada vez menos competitivos internacionalmente.
Podem impor sanções à China e à Rússia, mas não impedem o
desenvolvimento das suas industrias e da sua tecnologia. A perda de
capacidade inovadora e competitiva dos EUA no sector automóvel, na
aeronáutica (casos Boeing) atrás de indústria aeronáutica da UE ou da
Rússia, na construção naval, nas máquinas ferramentas, é analisada por A
M. (p.50-51)

Relatórios apontam para que a "segurança nacional exige uma base
industrial segura, resiliente e preparada" "o decréscimo na capacidade
de produções chave e a redução do emprego industrial representa uma
fraqueza primordial que ameaça a nação." (p.48) Os EUA são em 90%
dependentes da China para a produção de telemóveis, computadores
portáteis, videojogos, etc. O facto de reivindicarem ser a mais
importante economia mundial apresenta-se como um mistério... (p.93)

As contradições entre as suas ambições hegemónicas e a necessária base
industrial são evidentes. Algo que nem nos EUA nem na UE é discutido. Os
"comentadores", os "fazedores de opinião" e académicos adotaram como
ciência provada as teses da oligarquia americana. Estão tão longe das
questões objetivas que afetam os seus países, como na Bizâncio cercada
pelos otomanos os que se ocupavam a discutir "o sexo dos anjos", neste
caso as "reformas estruturais" para que o parasitismo neoliberal
financeiro e monopolista seja mantido a todo o custo.

Em janeiro de 2020 o "valor" em dólares dos sectores de serviços nos EUA
era seis vezes superior ao da indústria transformadora. O constante
declínio do capitalismo industrial, pode já ter passado o ponto de não
retorno, não se vendo esforços de reindustrialização que possam ser bem
sucedidos. Assim é-se levado a crer num desenvolvimento industrial
acelerado na Eurásia, conduzido em especial pela China e pela Rússia.
(p.103)

Os EUA formam tantos quadros científicos e técnicos como a Rússia
(metade da população) mas um terço daqueles são estrangeiros. A
diminuição da capacidade produtiva conduz também a um declínio cultural
e político. O desaparecimento e a atomização do proletariado industrial
corresponde à desintegração dos sectores socialmente mais avançados de
um país.

Fazer coisas requer mais que tecnologia, requer mão-de-obra qualificada,
requer uma visão lúcida das realidades, uma verdadeira preocupação com o
bem estar das pessoas, temas que são blasfémias para as elites
globalistas, há muito alojadas na bolha ilusória da financeirização,
completamente desligadas das realidades. (p.104)

Os evangelistas "verdes" parece também não entenderem que os telemóveis
não crescem nas árvores, que o mundo opera baseado em energia, máquinas,
produção real, física básica e engenharia. Necessita de gigantescos
recursos de extração mineira, enormes navios metálicos, redes elétricas,
milhares de engenheiros e professores. A América esqueceu como tudo isto
funciona e a UE vai atrás. Uma cultura assim está destinada a colapsar,
incapaz de uma atribuição correta ao valor trabalho enquanto se foca em
discursos sobre igualdade de raças e géneros. (p.231)

Na UE, o pensamento dominante, totalmente alinhado com os EUA, não
entende que o mundo da Conferência de Berlim para desenhar fronteiras
entre povos coloniais ou o da guerra do ópio para submeter povos aos
seus interesses comerciais já não existe.

23/Julho/2021
(continua)

*[1] /Disintegration, Indicators of the Coming American Collapse/
<https://www.bookdepository.com/Disintegration-Andrei-Martyanov/9781949762341?ref=pd_gw_1_pd_gateway_1_1>
, Clarity Press, 2021.
A trilogia de Martyanov pode ser descarregada na secção livros
<https://resistir.info/livros/livros.html> .
O capítulo 4 de /Disintegration, / sobre energia, está traduzido e
publicado em resistir.info/energia/martyanov_energia.html
<https://resistir.info/energia/martyanov_energia.html> . *

In
RESISTIR.INFO
https://resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_1.html
24/7/2021

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