*por Daniel Vaz de Carvalho [*]
* *
*As elites dos EUA e seus seguidores europeus consideraram que podiam
ser livres em relação à sociedade, em especial àquela que traíram. É
altura de deixarem o palco da História.
Andrei Martyanov (p. 146) [1] <#notas> *
'Disintegration', de Andrei Martyanov. *5 - Geopolítica *
Geopolítica num sentido abrangente tem que ver com expansão económica,
conquista de mercados, acompanhada frequentemente de extrema violência.
(p.42) Não pode deixar de se reconhecer que efetivamente os objetivos
geopolíticos dos EUA têm sido acompanhados de morte e destruição, não
tendo apenas uma motivação militar, mas também económica.
Trata-se de um termo inventado pelos EUA para polir todo um conjunto de
instrumentos que usam na política internacional, meios regulares e
irregulares, desde massivas operações militares a sabotagem económica,
guerra psicológica, etc. (p.155) Em resumo, geopolítica é um eufemismo
para mascarar os processos usados para travar o seu óbvio declínio.
Como diz o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia
<https://www.mid.ru/en/foreign_policy/news/-/asset_publisher/cKNonkJE02Bw/content/id/4801890>
, quando alguém age contra a vontade do Ocidente imediatamente respondem
com a alegação de que "as regras foram violadas" (sem se preocuparem em
apresentar qualquer evidência) e declaram ser seu "direito
responsabilizar os perpetradores". "A Carta da ONU é um conjunto de
regras, mas essas regras foram aprovadas por todos os países do mundo e
não – como neste caso – por um grupo fechado de amigos numa reunião
intima".
A arrogância dos EUA atinge o nível do ridículo, protegida pelo controlo
mediático, como Obama a declarar que a economia da Rússia "ficaria em
farrapos" após as sanções americanas. Não apenas a Rússia desenvolveu
com êxito um programa de substituição de importações, como contra-atacou
sancionando o Ocidente e desenvolveu tecnologias próprias. O /Financial
Times / escrevia: "A Rússia, adaptando-se às sanções, conseguiu uma
economia robusta. Analistas dizem que Moscovo tem agora mais medo do fim
das sanções que o contrário". (p.100) O que, diga-se deita por terra as
teses neoliberais do "mercado livre"…
As ilusões geoestratégicas baseiam-se num poder irreal e em teorias
económicas totalmente falseadas. A forma como lidam com a Rússia mostra
a extrema ignorância e incompetência para com o único país que pode
varrer os EUA do mapa. (p.127) Estabelecem, por exemplo, comparações
absurdas do PIB da Rússia com o da Itália ou da Espanha, como se estes
países, mesmo a Alemanha, possuíssem as capacidades científicas e
tecnológicas no sector aeroespacial, aeronáutica, informática, indústria
petrolífera, armamento sofisticado, da Rússia.
Do desastre no Iraque, à guerra perdida no Afeganistão, à Líbia, à
Síria, etc., tudo tem sido um desastroso registo de incompetência
geopolítica nos domínios diplomático, militar e de informações. (p.114)
Em 2007, Putin tornou evidente a irrelevância da geopolítica americana
ao rejeitar o comportamento supranacional dos EUA: "É inadmissível que
um país estenda a sua jurisdição para além das suas fronteiras." (p.116)
Estas e outras declarações, como as revelações sobre o armamento russo,
foram recebidas com desdém e objeto de censura para que a opinião
pública não chegasse a apreender o seu significado. As pessoas são desta
forma conduzidas para situações que põem os seus países à beira de
confrontos militares de incalculáveis consequências na perfeita
ignorância das opções tomadas. É esta a democracia da geopolítica vigente.
Gastos militares, 2019. *6 - Armamento [2] <#notas> *
Os EUA perderam todas as guerras do século XXI e a superioridade em
armamentos. AM salienta que o poder militar dos EUA é suportado pela
hegemonia do dólar e não por qualquer mítica competitividade da sua
economia. O dólar e o poder militar estão de facto numa relação
simbiótica, alimentando uma hipotética superioridade que as produções de
Hollywood se encarregam de difundir. (p.152)
Apesar dos enormes montantes do orçamento militar o seu poder reduz-se
drasticamente. Os misseis Tomahawk foram em 70% derrubados no ataque à
Síria em 2018, sem que este país sequer dispusesse dos mais avançados
mísseis defensivos russos. Na Arábia Saudita os sistemas defensivos dos
EUA não puderam evitar os ataques a refinarias por parte de drones dos
Houtis do Iémen.
Novas armas russas como o míssil Buresvestnik (Petrel) com alcance
ilimitado colocam os EUA num atraso de dezenas de anos. O Kinzhal com
alcance de 2 000 km, Mach 9, não é interceptável por qualquer sistema
antimíssil dos EUA. Os 3M22 Zircon excedem significativamente o alcance
da aviação dos porta-aviões. Os P800 ONIKS
<http://www.military-today.com/missiles/p800_oniks.htm> são considerados
dos mísseis anti-navio mais versáteis e perigosos da atualidade. Com
velocidade supersónica têm excelente resistência a contra-medidas
eletrónicas e podem voar pouco acima do mar, tornando-se praticamente
invisíveis ao radar. A Rússia dispõe também do míssil intercontinental
(alcance 18 000 km) RS-28 Sarmat
<https://en.wikipedia.org/wiki/RS-28_Sarmat> , Mach 20, e dos Avangard
<https://missilethreat.csis.org/missile/avangard/> Mach 20, míssil
planador com alcance de 6 000 km.
Os super porta-aviões morreram como instrumento militar viável para a
guerra moderna. Seriam destruídos antes de poderem concretizar qualquer
impacto sério à Rússia ou à China. Note-se que já nos anos 1980 aqueles
navios poderiam não sobreviver num combate real convencional com a União
Soviética. (p.162)
Os modernos S-400 e os revolucionários S-500
<https://www.rt.com/russia/529705-anti-aircraft-system-display/> de
defesa aérea fecham o espaço aéreo russo e de seus aliados a quaisquer
ataques aéreos, balísticos e armas colocadas no espaço. Os EUA não têm
meios contra o caça SU-35C russo, ou o novo SU-57. O radar do SU-35C
pode detetar aviões ditos invisíveis ao radar a 100 km, dispondo de uma
inultrapassável capacidade de manobra. A nova tecnologia radiofotónica
tornou os aviões "invisíveis" F-35 (em que os EUA gastaram cerca de 1,5
milhões de milhões de dólares) obsoletos.
Não apenas a Rússia, também a China tem capacidade contra alvos dos EUA
ou NATO. O Irão, com armamento próprio, da China e da Rússia pode fechar
completamente o Golfo Pérsico e o Estreito de Ormuz. Atacar o Irão seria
um suicídio para os países ocidentais, mas apesar disto é um objetivo
incentivado pelos corruptos promotores de guerras. (p.169)
Nos EUA a produção de armamento é um negócio. A capacidade militar dos
EUA tem pouco a ver com a defesa do seu território – ao contrário da
Rússia e da China –, são forças armadas concebidas para policiamento
colonial. (p.182)
Sem dúvida que os EUA são capazes de desencadear uma guerra contra a
Rússia, mas se isto acontecer significa que os EUA deixarão de existir,
tal como a maior parte da civilização humana. Este horror é algo que
para alguns nos EUA representa um preço pequeno a pagar para satisfizer
o seu vício de poder. (p.229)
*7 – Elites *
As elites dos EUA deixaram de ter gente verdadeiramente competente,
capaz de prever mesmo ao nível mais geral as consequências das ações,
militares ou outras, que promovem. (p.140) São incultas,
insuficientemente preparadas e hipnotizadas por décadas de propaganda.
Também são arrogantes e corruptas. (p.228)
Estas elites escondem-se atrás de uma retórica escolástica, incapazes de
reconhecer a catastrófica situação económica, militar, política e
cultural, cujas raízes estão na crise sistémica do liberalismo. (p.43)
Em geral estão em completa negação do facto de que a crise capitalista
atingiu uma tendência muito mais profunda e perigosa, a nível económico
e político, que os meros ciclos capitalistas. (p.82)
Defendem uma economia baseada em teorias que resultam de abstrações do
real. Uma economia gerida pela elite financeira à qual comentadores e
políticos se prostram em patética admiração. Vários deles foram
responsáveis por estrondosas falências e fraudes, alguns apanhados nas
malhas da justiça, apesar de muito largas nestes casos.
As teorias da "vitória na guerra fria", do "fim da História" ou do
"choque de civilizações" mostram claramente as severas limitações da
ciência política dos EUA. Estes trabalhos provaram ser falsos nos seus
principais pontos de vista e mesmo no seu conjunto idiotas. (p.115) Não
deixaram por isso de ser propagandeados como súmulas da sabedoria
liberal, orientar a mentalidade de milhões de pessoas e acalentar as
ilusões dos belicistas dos EUA e seguidores deste lado do Atlântico.
Os intelectuais dos EUA aparecem como pouco convincentes se confrontados
com os factos, mesmo risíveis, incompetentes e vulgares. A degeneração
moral e intelectual da elite ocidental não é acidental ou episódica, é
sistémica, do mesmo modo que a crise liberal é sistémica. (p.145)
Por exemplo, no caso da Ucrânia a agitação fomentada pelos EUA e UE
resultou numa guerra civil, regiões que se desligaram de Kiev, a Crimeia
em referendo preferindo integrar-se na Rússia. A Ucrânia tornou-se um
Estado disfuncional dominado por grupelhos neonazis, atolado na pobreza
e na corrupção. "O facto das elites não reconhecerem as consequências do
que faziam e o que se iria desde logo desencadear mostra o seu completo
colapso intelectual." (p.121)
A objetividade deriva de bases científicas baseadas na realidade, não
pode operar em narrativas opostas à evidência empírica, mas isto está
dramaticamente em falta nos EUA. Aquilo que nos EUA se designa de
esquerda é apenas revolta e anarquia; tal como o conservadorismo é
revolta e anarquia. (p.133)
A democracia americana revela-se como um espetáculo político financiado
pela oligarquia que procura legitimar o seu poder enquanto evita por
todos os meios quaisquer reformas ao sistema económico. Apesar de muito
rica a oligarquia não percebe que os EUA já não são o superpoder global.
Podem aqui e ali ameaçar e chantagear políticos, estrangeiros, enviar
porta-aviões, mas ninguém no terceiro mundo está a tremer nas suas botas.
Tudo isto devia ser ponderado pelos políticos europeus, que pelo
contrário seguem os EUA, cegos arrastados por outros cegos, como no
quadro de Brugel, para o pântano das crises insolúveis e da insegurança
coletiva.
*8 – Colapso e desintegração *
Atualmente os EUA são confrontados com forças de desintegração. A
questão é quantos dos interesses vitais dos EUA são de facto verdadeiros
interesses nacionais. Quem define esses interesses são os lóbis do
complexo militar industrial, de Israel e outros. (200) O seu exército
tem estado envolvido em tarefas, imprudentes, mesmo miseráveis e
impossíveis de levar a cabo. É usado como instrumento de agressão e não
de defesa. A questão que se coloca é se representa a nação ou é um mero
instrumento das transnacionais. (p.192)
Como dizia um veterano da guerra do Vietname: "O procedimento normal nos
EUA é sobrestimar o poder americano, subestimar o inimigo e não
entenderem o tipo de guerra em que se metem". (p.160)
AM afirma que os EUA são cada vez mais vistos como um fanfarrão,
provocador e agressor, do qual há cada vez menos receio. As habituais
mentiras de espalhar a democracia não passam qualquer análise factual.
As suas análises são meras câmaras de ecos, que as grandes agências
mediáticas espalham pelo mundo, não deixando por isso de ser menos
perigosas. (p.125)
A hegemonia dos EUA baseia-se na convicção que outros países tenham da
sua capacidade de punir aqueles que duvidem da sua omnipotência militar
ou tenham visões alternativas sobre a economia e a finança dos seus
países e do mundo, nas quais o dólar não seja a única medida do valor do
trabalho humano. (p.156)
Esta agenda global colapsa porque são incapazes de vencer guerras. Isto
não quer dizer que não tentem e usem todos os meios: sanções, sabotagem,
bombardeamentos, mesmo invasões. Milhões de pessoas poderão ser mortas,
perecerem pela fome ou tornarem-se refugiados para satisfazer as elites
dos EUA e a ilusão de serem a nação mais poderosa do mundo. (p.157) E
tudo isto vale a pena, como disse Madeleine Allbright sobre as mortes de
crianças no Iraque devido às sanções.
Esta insensibilidade, ignorância e incapacidade de aprender fundamentam
a política dos EUA e leva-os ao seu dramático declínio. O debate sobre
política externa diz apenas respeito a conservarem a hegemonia, referida
como os seus interesses e a sua segurança, sem se aperceberem de quão
perigosa é esta falácia. (p.191)
A estrutura da ordem liberal global colapsa ante os nossos olhos.
Enquanto os EUA continuam a proclamar-se o poder hegemónico a sua
economia e a de outros países ocidentais afunda-se e amplas regiões da
Eurásia saem da sua influencia. (p.119)
Quando "comentadores" falam de Cuba como "uma das últimas ditaduras
comunistas" ou apoiam o Estado fantoche e nazificado da Ucrânia contra a
Rússia, vemos a que ponto a UE se afunda, dominada pela mentira e
ilusões do império, incapaz de uma atitude e um pensamento racional,
mesmo na defesa dos mais evidentes interesses dos seus países. O facto
dos mesmos nunca por nunca questionarem as atrocidades direta ou
indiretamente cometidas pelo império, em agressões militares,
conspirações, sanções sobre pequenos países, mostra a degeneração moral
e intelectual atingida pela elite ocidental.
Atualmente os EUA são confrontados com forças históricas e
antropológicas de desintegração. AM expõe as razões pelas quais os EUA
estão num processo que pode levar à sua desintegração como Estado
Federal por credos políticos, raciais, religiosos, fragmentação social e
desigualdades gritantes. Na base deste processo verifica-se porém que os
interesses a que a sua política está sujeita, pouco têm a ver com os
interesses da nação americana. (p.201)
Os EUA não são nem uma democracia nem uma república, são governados por
uma oligarquia, representada por dois clãs dirigentes. O perigo reside
em que têm capacidade para desencadear um conflito termonuclear global
na sua desesperada tentativa de preservar um imaginário estatuto de
excecionalismo. E se isto não assusta as pessoas, nada o fará. (p.113)
No "colapso da URSS", à parte fatores internos, as suas forças armadas
não eram inferiores às da NATO, nem a educação inferior e a população
soviética estava (pelo menos antes da perestroika) a viver melhor que em
qualquer outra época da sua História, no entanto grandes massas do povo
foram seduzidas pela riqueza exibida no Ocidente. (p.20) A Rússia sofreu
então os horrores da sombria experiência liberal e de um revisionismo
histórico que custou milhões de vidas. Paradoxalmente os EUA parecem
encaminhar-se para uma experiência semelhante. (p.235) E não é o seu
discurso de ilusória hegemonia global que pode travar a desintegração.
A UE é arrastada neste desastre e está a desintegrar-se ainda mais
rapidamente que os EUA. (p.214) Em todas as ações do império nem uma
única se pode dizer que beneficiou de alguma forma a Europa no seu
conjunto a começar pelo que realmente importa ao seu povo.
No final, conclui AM, é espírito da nação que decide o resultado quando
tudo parece perdido. Se a América vai encontrar este espírito para se
preservar como um país unido e inverter a sua desintegração, é o que se
espera para ver. E tudo decorrerá daqui. (p.235)
25/Julho/2021
A primeira parte encontra-se em
resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_1.html
<https://resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_1.html>
[1] /Disintegration, Indicators of the Coming American Collapse,/
<https://www.bookdepository.com/Disintegration-Andrei-Martyanov/9781949762341?ref=pd_gw_1_pd_gateway_1_1>
Clarity Press, 2021.
Esta e outras obras de Martyanov podem ser descarregadas na secção
livros <https://resistir.info/livros/livros.html> .
O capítulo 4 de /Disintegration, / sobre energia, está traduzido e
publicado em resistir.info/energia/martyanov_energia.html
<https://resistir.info/energia/martyanov_energia.html> .
[2] Sobre este tema ver: A perda da supremacia militar e a miopia do
planeamento estratégico dos EUA, aqui
<https://resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_1> e aqui
<https://resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_2> , bem como A
revolução nos assuntos militares
<https://resistir.info/v_carvalho/rev_militar_resenha.html>
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_2.html
25/7/2021
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