Christoph Heusgen, antigo representante permanente da Alemanha nas Nações Unidas e actual presidente da Conferência sobre a Segurança de Munique, chora ao descobrir o divórcio entre os Estados Unidos e os Europeus.

Nas duas últimas semanas, experimentamos uma viragem na História comparável à da Batalha de Berlim, em Abril a 1945, quando o Exército Vermelho tomou Berlim e derrubou o IIIº Reich : desta vez, foi a Administração Trump que atirou definitivamente a União Europeia às cordas.

Neste momento, o G7 , o G20 e a UE ainda não foram dissolvidas, mas estas três estruturas estão já mortas. Poderiam seguir-se o Banco Mundial e as Nações Unidas.

Regressemos a estes acontecimentos, que se desenrolaram tão depressa, que quase nenhum de nós os seguiu e compreendeu as consequências.

Quarta-feira 12 de Fevereiro

As principais potências europeias (ou seja, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, a Polónia, o Reino Unido e a União Europeia), que temiam aquilo que a Administração Trump poderia decidir, reuniram-se em Paris, em 12 de Fevereiro, para elaborar uma posição comum sobre o conflito ucraniano. No caso, elas acordaram prosseguir aquilo que fazem desde há três anos :
• negar ter violado os compromissos assumidos aquando da reunificação alemã de não estender a OTAN-NATO para Leste,
• negar que a Ucrânia está nas mãos dos « nacionalistas integralistas » (quer dizer, do partido dos colaboracionistas dos nazis)
• e prosseguir a Segunda Guerra mundial, já não contra os nazis, mas agora contra os Russos.

Enquanto isso, em Kiev, o Secretário do Tesouro, Scott Bessent, apresentava a factura da ajuda dos EUA : US $ 500 mil milhões (bilhões-br) de dólares e propunha resolvê-la explorando as terras raras de que o país se orgulhava. Já expliquei que esta proposta não passava de uma história da carochinha : a Ucrânia a fingir falsamente oferecer, a prazo, aos Ocidentais a exploração dessas riquezas que não existem. No entanto, de um ponto de vista Europeu, aquilo que se tramava era assustador : se os Estados Unidos se apoderassem destas supostas riquezas, eles excluíam os Europeus de aproveitarem a partilha que haviam acordado. Ora, sem revelar aos seus concidadãos, eles tinham divido a Ucrânia quanto à sua reconstrução : para os Britânicos, os portos, para os Alemães, as minas etc. Já tinham procedido do mesmo modo durante as invasões do Iraque e da Líbia e durante a guerra contra a Síria.

Mas, acima de tudo, enquanto Washington e Moscovo trocavam prisioneiros, os Presidentes norte-americano, Donald Trump, e russo, Vladimir Putin, falavam por telefone, durante uma hora e meia. Esta cimeira havia sido precedida por uma conversa, no Kremlin, entre o Presidente Putin e Steve Wilkoff, o enviado especial do Presidente Trump, que veio organizar a troca de prisioneiros. Wilkoff entregou ao seu Presidente um balanço da sua missão que deitava abaixo tudo aquilo que a OTAN alegava saber sobre a Ucrânia.
Os dois chefes tinham agora as mesmas informações.
A linha directa entre a Casa Branca e o Kremlin acabava de ser restabelecida.

Quinta-feira 14 de Fevereiro

Em 14 de Fevereiro, o Vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, dirigiu-se à nata diplomática e militar da UE na Conferência de Segurança em Munique. Lançou uma diatribe contra o autismo dos líderes europeus : eles recusam-se a responder às preocupações dos seus cidadãos em matéria de liberdade de expressão e de imigração. Ora, se têm medo dos seus povos, os Estados Unidos nada poderão fazer por eles, afirmou, levando às lágrimas o presidente da Conferência, o embaixador Christoph Heusgen.

Segunda-feira 17 de Fevereiro

Uma segunda reunião teve lugar, em 17 de Fevereiro, em Paris, com os mesmos participantes mais Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, e Mark Rutte, Secretário-Geral da OTAN. Eles acordaram em fazer frente a Donald Trump e não aceitar a mudança da política ocidental face à Rússia.

Olaf Scholz, Chanceler alemão demissionário, declarou a seguir à reunião : «Não deve haver divisão na segurança e na responsabilidade entre a Europa e os Estados Unidos. A OTAN assenta no base de que nós agimos sempre juntos e que nós partilhamos os riscos […]. Isso não deve ser posto em questão ».

Donald Tusk, o Primeiro-Ministro polaco, declarou : « Pouco importa aquilo que cada um possa dizer, mesmo que por vezes em linguagem rude […], não há nenhuma razão para que os Aliados não encontrem uma linguagem comum entre si sobre as questões mais importantes. [É] do interesse da Europa e dos Estados Unidos cooperar o mais estreitamente possível ».

Ainda em 17 de Fevereiro, o Exército ucraniano atacou os interesses norte-americanos, israelitas e italianos na Rússia. Ele bombardeou instalações parcialmente detidas pela Chevron (15%), ExxonMobil (7,5%) e Eni (2%). Uma vintena de drones causaram graves danos ao Caspian Pipeline Consortium (CPC), que, nomeadamente, abastece Israel com petróleo russo.
Os Europeus reagiram tanto a esta operação como quando a CIA sabotou o gasoduto Nord Stream (26 de Setembro de 2022), portanto propriedade não só da russa Gazprom russa (50%), mas também das alemãs BASF/Wintershall e Uniper, da francesa Engie, da austríaca OMV e da britânica Royal Dutch Shell. Esta sabotagem atirou a Alemanha para uma recessão económica, que não deixa de alastrar para o resto da UE, sem falar do aumento dos preços da energia para todas as famílias da UE.
Nos dois casos (a sabotagem do Nord Stream e o ataque do CPC), os Europeus não foram capazes de defender seus interesses. Eles deixaram, continuamente, o seu principal aliado prejudicá-los, e depois os seus aliados baterem-se um contra o outro.

Terça-feira 18 de Fevereiro

As potências europeias ficaram a saber com espanto que, desde o seu primeiro encontro em Riade (Arábia Saudita), em 18 de Fevereiro, as delegações norte-americana e russa concordaram :
– desnazificar e neutralizar a Ucrânia,
– respeitar os compromissos subscritos aquando da reunificação alemã e retirar as tropas da OTAN de todos os países que aderiram à Aliança Atlântica depois de 1990.

O Presidente Trump abandonara de repente o plano do General Keith Kellog, seu enviado especial para a Ucrânia, tal como havia sido publicado pela America First Foundation, em Abril de 2024. Pelo contrário, ele tinha utilizado o plano do seu amigo Steve Witkoff, enviado especial para o Médio-Oriente, que se havia reunido com Vladimir Putin em Moscovo, graças à intermediação do Príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salmane (dito «MBS»), e daí a escolha de Riade para estas negociações. Kellog pensava com as ideias da OTAN, enquanto Witkoff ouviu, percebeu e verificou o bom fundamento da posição russa.

As potências europeias puderam verificar rapidamente que a ordem de retirada havia sido transmitida a certas tropas dos EUA, nos países Bálticos e na Polónia. A arquitectura de segurança na Europa, ou seja, o sistema que garantia a paz fora destruído. Claro, não há nenhuma ameaça imediata de invasão, russa ou chinesa, mas, a prazo, e tendo em conta o tempo que exige um rearmamento, todos devem, imediatamente, se preparar para o melhor ou para o pior.

Quarta-feira 19 de Fevereiro

Os embaixadores dos Estados membros junto da UE aprovaram, em 19 de Fevereiro, o 16º pacote de medidas coercivas unilaterais (abusivamente qualificadas de «sanções» pela propaganda atlântica) contra a Rússia. Ele devia ter sido oficialmente aprovado, em 24 de Fevereiro, pelo Conselho dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), por ocasião do terceiro aniversário da “operação militar especial” russa na Ucrânia. Além disso, a UE decidiu desconectar 13 bancos do sistema SWIFT e proibir transações a três instituições financeiras. E mais, 73 navios russos da «frota fantasma» foram sancionados e 11 portos e aeroportos russos contornando o tecto do preço do petróleo foram alvo da proibição de transações. Por fim, 8 médias russos viram também a sua licença de difusão na UE suspensa.

Enquanto isso, no mesmo dia, 19 de Fevereiro, o Presidente Donald Trump deixara explodir a sua cólera contra o seu homólogo não-eleito ucraniano, qualificando-o de «comediante de sucesso modesto» e «ditador sem eleições», depois acusando-o de ter provocado a guerra. Por seu lado, o General Kellogg, enviado especial da Casa Branca a Kiev, cancelava a sua conferência de imprensa com Volodymyr Zelensky.

A Administração Trump rompera com o governo de Kiev que a Administração Biden havia incensado sem parar.

Quinta-feira 20 de Fevereiro

O Senador libertário Mike Lee (Utah) apresentou, em 20 de Fevereiro, uma proposta de lei ao Senado sobre a retirada completa dos Estados Unidos da Organização das Nações Unidas. O deputado Chip Roy (Texas) apresentou o mesmo texto à Câmara dos Representantes, no dia seguinte.

Se o Presidente Donald Trump é um «jacksoniano» (ou seja, um discípulo de Andrew Jackson —7º Presidente dos EUA, que queria substituir a guerra pelos negócios), Washington está agora virada para «o excepcionalismo americano». Trata-se de uma teologia política segundo a qual os Estados Unidos são uma nação eleita que devem levar a luz, que eles receberam, ao resto do mundo. Por isso, não têm que negociar seja o que for com os outros e sobretudo não tem que lhes dar explicações.

« O excepcionalismo americano» não deve ser confundido com « o isolacionismo» o qual levouo Senado, em 1920, a recusar aderir à Sociedade das Nações (SDN). Essa organização, ao contrário da ONU que lhe sucedeu, havia previsto uma solidariedade militar entre os Estados que reconheciam o Direito Internacional. Por conseguinte, os Estados Unidos deveriam possuir tropas para manter a paz na Europa e os Europeus deveriam poder intervir na América Latina (o quintal de Washington segundo a « Doutrina Monroe ») para aí manter a paz.

Sábado 22 de Fevereiro

Sem esperar, o Presidente polaco, Andrzej Duda, dirigiu-se sem convite a Washington, em 22 de Fevereiro. Conseguiu estar com o Presidente Donald Trump durante dez minutos, não na Casa Branca, mas à margem da Conferência de Acção Política Conservadora (CPAC). Ele pediu-lhe para não retirar as tropas dos EUA do seu país, pelo tempo suficiente para a Polónia terminar a sua reestruturação militar. Como Varsóvia já desencadeara uma profunda revolução interna, restabelecendo o serviço militar geral e formando um Exército muito numeroso, ele conseguiu levá-lo, não a anular, mas a adiar a sua ordem.

Andrzej Duda é o Presidente polaco, pelo menos até às eleições de Maio. Constitucionalmente, não é ele que exerce o Poder executivo, mas, ele não deixa de ser o Chefe das Forças Armadas. O seu Primeiro-Ministro, Donald Tusk, comprometera-se, em Paris, a não negociar separadamente com os Estados Unidos.

Portanto, diga-se o que se disser, a frente unida dos Europeus foi quebrada. Ela não durou mais do que dez dias.

Segunda-feira 24 de Fevereiro

Pelo terceiro aniversário da “operação militar especial” russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro, Roberta Metsola, Presidente do Parlamento Europeu, António Costa, Presidente do Conselho Europeu e Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, publicaram uma declaração conjunta totalmente desequilibrada. Nela, eles pronunciavam-se por «uma paz completa, justa e duradoura, baseada na fórmula de paz ucraniana », quer dizer, agarravam-se à antiga narrativa : não há nazis na Ucrânia e a Rússia é o agressor. Ao fazer isso, eles contradiziam não apenas os factos, mas também as recentes declarações de seu suserano económico e militar, os Estados Unidos.

No mesmo dia, o Presidente francês, Emmanuel Macron, dirigiu-se a Washington, em nome de todos os Europeus atlântistas. Antes de o receber, o Presidente Donald Trump fê-lo encaminhar, pela sua chefe de gabinete, para uma ala da Casa Branca a fim de participar numa vídeo-conferência do G7 que ele presidia ... a partir de uma outra sala.

Durante duas horas, os Chefes de Estado e de Governo do G7, mais o Primeiro-Ministro espanhol e o Presidente não-eleito ucraniano, tentaram em vão fazer flectir o seu suserano. Este não vergou : o conflito ucraniano não foi lançado pela Rússia, antes unicamente pelos “nacionalistas integralistas” ucranianos, que se escondem por trás de Zelensky. De qualquer maneira, por princípio, não é possível defender pessoas que acabavam de atacar os interesses norte-americanos, mesmo que localizados na Rússia. Para deixar claro, Donald Trump recusou assinar o comunicado final preparado pelos Europeus e anunciou-lhes que, se esse texto fosse publicado (ele já havia sido distribuído sob embargo a jornalistas), ele desmenti-lo-ia e o seu país deixaria o G7.

Foi só após esta escaramuça que ele recebeu o Presidente Emmanuel Macron. Este escolheu não o afrontar, antes celebrar a amizade transatlântica. Durante a conferência de imprensa conjunta, interrompeu o seu anfitrião quando este repetiu que a Ucrânia, e não a Rússia, havia provocado a guerra, mas, definitivamente, ele não ousou contradizê-lo.

Enquanto isso, em Nova Iorque, a Assembleia Geral da ONU debatia uma Resolução proposta pela Ucrânia. Esta denunciava «a invasão total da Ucrânia pela Federação da Rússia» e exigia que ela retirasse «imediata, completamente e sem condições todas as suas forças militares do território ucraniano, no interior das fronteiras internacionalmente reconhecidas do país, e que cessassem imediatamente as hostilidades levadas a cabo pela Federação da Rússia contra a Ucrânia, em particular todos os ataques contra civis e os bens de carácter civil».

Pela primeira vez na história desde a Segunda Guerra Mundial, a delegação norte-americana votou contra um texto, junto com a da Rússia, contra as do Canadá, dos Europeus e do Japão que o aprovaram.

Depois, os próprios Estados Unidos apresentaram uma segunda Resolução a fim de que fosse «posto fim ao conflito no mais breve prazo». Este texto visava alinhar a Assembleia Geral com a posição dos negociadores norte-americanos em Riade. Mas a Rússia votou contra porque o texto «intercede por uma paz duradoura entre a Ucrânia e a Federação da Rússia» e não por uma «paz duradoura no interior da Ucrânia». De repente, os Estados Unidos, considerando que haviam redigido mal a sua proposta, abstiveram-se no seu próprio texto, enquanto o Canadá, os Europeus e o Japão o condenavam.

Terça-feira 25 de Fevereiro

Kaja Kallas, Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, foi a Washington a fim de se encontrar com o Secretário de Estado, Marco Rubio. A reunião, anunciada desde longa data, foi anulada no último minuto pelo secretariado de Rubio, oficialmente por razões de agenda sobrecarregada. Kallas fez saber que, em substituição, ela se encontraria com « senadores e (...) (...) membros do Congresso para discutir a guerra da Rússia contra a Ucrânia e as relações transatlânticas ». Depois dos membros da UE terem votado contra os Estados Unidos na ONU, o Secretário de Estado recusava agora reunir-se com o seu homólogo europeu.

Quarta-Feira 26 de Fevereiro

Durante uma conferência de imprensa em Kiev, Volodymyr Zelensky garante, em 26 de Fevereiro, que sem garantias de segurança dos Estados Unidos e da OTAN, qualquer acordo de paz será injusto e que não haverá verdadeiro cessar-fogo.

Quinta-Feira 27 de Fevereiro

Antes de deixar Washington, Kaja Kallas, Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, deu uma conferência no Hudson Institut, em 27 de Fevereiro. Aí, ela declarou : « É preciso fazer pressão sobre a Rússia para que ela queira também a paz. Ela está numa posição em que não quer a paz ».

Keir Starmer, Primeiro-Ministro britânico, esse, dirigiu-se à Casa Branca levando um convite do Rei Carlos III para uma segunda visita de Estado ao Reino Unido. Os diplomatas de Sua Majestade acreditam que o Presidente Trump apreciara muito a primeira e que, dado a sua vaidade, ele seria sensível aos faustos da Coroa.

Durante a conferência de imprensa dos dois dirigentes, o Presidente Trump alegou não se lembrar de ter qualificado Volodymyr Zelensky de « ditador » («Eu disse isso? Não consigo acreditar que o tenha dito !»). Além disso, ele mostrou-se aberto à ideia que o aumento das taxas aduaneiras de 25% não envolvia o Reino Unido e à devolução por Londres das Ilhas Chagos (incluindo a base de Diego Garcia) às Maurícias.

Neste cenário, Keir Starmer conseguiu renovar a «relação especial» do seu país com os Estados Unidos. Essa inclui o sistema de intercepção e de espionagem global dos «Cinco Olhos» e a delegação da Força de “golpe estratégico” (lembremos que a bomba atómica britânica não poderá funcionar sem o apoio dos cientistas militares norte-americanos).

Enquanto isso, os negociadores norte-americanos e russos reuniram-se durante seis horas e meia no Consulado Geral dos Estados Unidos em Istambul para uma segunda volta de negociações, a « nível técnico ». Não se tratava de avançar a fundo, mas de regular problemas que haviam sido abordados pelos ministros em Riade. A saber, as condições de funcionamento das embaixadas respectivas em Washington e em Moscovo, que o Presidente Joe Biden havia consideravelmente apertado e às quais Moscovo respondera de forma idêntica.

Sexta-feira 28 de Fevereiro

O Presidente ucraniano não-eleito, Volodymyr Zelensky, foi à Casa Branca, em 28 de Fevereiro. O Presidente Trump e o Vice-presidente Vance receberam-no, não para escutar a sua versão dos factos, mas para assinar um acordo sobre as “terras raras” que a Ucrânia afirma ter. É claro, não pôde ser, uma vez que elas não existem, mas foi um meio para a Administração Trump mostrar a este que já não se sabe se ela o considera como um «democrata» ou um «ditador» e que ele já não tinha mais nenhum trunfo nas mãos.

O brífingue de imprensa da recepção permanecerá gravado nas memórias. A imprensa ocidental ficou chocada pela barracada entre o Presidente Trump e o seu convidado. Aqui, deve-se ter cuidado com as imagens : elas não mostram a mesma coisa se nos resumirmos a um extracto escolhido ou se escutarmos a reunião inteira. Num extracto, apenas se fixa os argumentos enunciados, enquanto na totalidade se percebe porque é que eles são enunciados.

Durante os cinquenta minutos deste brífingue, o Presidente Donald Trump não cessou de lembrar que ele não estava alinhado com nenhuma das duas partes, russa ou ucraniana, mas que negociava com a Rússia para defender o interesse do seu país e, definitivamente, por toda a Humanidade. Como Presidente dos Estados Unidos, fala com todos, preocupa-se em não ofender ninguém e tenta reconhecer os pontos positivos de cada um. Pelo contrário, Volodymyr Zelensky não parou de acusar a Rússia de agressão, desde 2014, de mortes, de sequestros e de torturas. Chegou mesmo a afirmar que o Presidente Vladimir Putin havia violado 15 vezes a sua própria assinatura.

Contrariamente ao que viu a imprensa ocidental, este resumo de imprensa não se focou na ajuda militar, nem nas terras raras e ainda menos na partilha de territórios. Ele degenerou quando o Vice-presidente Vance observou que a narrativa do seu hóspede era « a da propaganda », depois voltou à carga declarando a propósito das duas versões dos factos : « Nós sabemos que você está errado! ». Por fim, o Presidente Trump salientou que a Ucrânia estava em mau estado e que o seu convidado, não apenas não se mostrava agradecido pelo apoio dos EUA, mas não queria o cessar-fogo. Exasperado, observou que Vladimir Putin jamais havia violado a sua assinatura, nem com Barack Obama, nem com ele, mas apenas com Joe Biden por causa daquilo que este último lhe tinha feito. Então lembrou as repetidas acusações mentirosas lançadas contra a Rússia pelo Presidente Biden.

Domingo 2 de Março

Keir Starmer, Primeiro-Ministro britânico, declarou : A Europa está «na encruzilhada da história», ao acolher em Downing Street os dirigentes da Ucrânia, da França, da Alemanha, da Dinamarca, da Itália, dos Países Baixos, da Noruega, da Polónia, da Espanha, do Canadá, da Finlândia, da Suécia, da Checa e da Roménia, bem como o Ministro turco dos Negócios Estrangeiros, o Secretário Geral da OTAN e os Presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu.

O Reino Unido e a França competem para substituir os Estados Unidos e garantir a paz no continente europeu. Os dois países estariam prontos a garantir a segurança dos outros graças às suas armas nucleares. No entanto, ninguém pensa seriamente que essas chegariam para garantir a paz na ausência de forças convencionais a sério, das quais nem Londres, nem Paris dispõem. Quanto muito Varsóvia começou, há já mais de dois anos, a reorganização das suas Forças Armadas e a generalização do serviço militar dos jovens, mas ainda não dispõe de armas em quantidade.

No seguimento da reunião, que visava criar uma «coligação de voluntários», Keir Starmer declarou em nome de todos os participantes :
«Hoje, acolhi em Londres homólogos de toda a Europa, incluindo a Turquia, bem como o Secretário-Geral da OTAN e os Presidentes da Comissão Europeia, do Conselho da UE e do Canadá, para debater o nosso apoio à Ucrânia.
Juntos, reafirmamos a nossa determinação de trabalhar em favor de uma paz permanente na Ucrânia, em conjunção com os Estados Unidos. A segurança da Europa é antes de mais nossa responsabilidade. Nós vamos consagrar-nos a esta tarefa histórica e iremos aumentar os nossos investimentos na nossa própria defesa.
Não devemos repetir erros do passado quando acordos fracos permitiram ao Presidente Putin invadir de novo. Iremos trabalhar com o Presidente Trump para garantir uma paz forte, justa e duradoura que garanta a soberania e a segurança futuras da Ucrânia. A Ucrânia deve estar à altura de se defender contra futuros ataques russos. Não deve haver conversações sobre a Ucrânia sem a Ucrânia. Concordamos que o Reino Unido, a França e outros trabalharão com a Ucrânia num plano visando pôr um termo aos combates, o qual discutiremos mais à frente com os Estados Unidos e que avançaremos juntos (...) Além disso, muitos de nós declararam-se prontos a contribuir para a segurança da Ucrânia, inclusive através de uma força composta por parceiros europeus e outros, e intensificaremos o nosso planeamento.
Iremos continuar a trabalhar em estreita colaboração para fazer avançar as próxima etapas e tomar decisões nas próximas semanas ».

Os participantes nesta reunião não evoluiram absolutamente nada quanto às suas análises do conflito ucraniano. Permanecem surdos aos Estados Unidos e, por isso, já não os compreendem. Eles conseguiram se unir não para colocar uma força de estabilização de paz na Ucrânia, mas para proteger as infraestruturas críticas no Oeste da Ucrânia, ou em domínios estratégicos similares. Eles acordaram em não realizar esforços nacionais fragmentados, mas em tirar partido do poder económico da União Europeia (UE), redirecionando os seus fundos de recuperação. Eles convocaram, pois, um Conselho Europeu Especial, em 6 de Março. Ora, para transformar a UE de um mercado comum numa aliança militar, precisarão de conseguir não uma maioria, mas a unanimidade dos 27 Estados membros, Hungria e Eslováquia incluídas.

Ora, desde logo, Viktor Orbán, Primeiro-Ministro húngaro, respondeu ao projecto de declaração final do Conselho Europeu, sublinhando que há «diferenças estratégicas» entre os Estados da UE. Ele pugnou pois que não houvesse conclusões escritas, porque « qualquer tentativa de lá chegar projectaria a imagem de uma União Europeia dividida ».

Tradução
Alva
https://www.voltairenet.org/article221888.html
 6/3/2025