sábado, 27 de fevereiro de 2016

Tirar a Petrobras do pré-sal é rifar o futuro do País




Lindbergh Farias

Projeto aprovado pelo Senado comprometerá investimentos cruciais em saúde e
educação










Plataforma de exploração da Petrobras: a estatal é parte fundamental da economia
nacional


O Senado pode se enganar, mas o povo brasileiro não pode ser enganado. O que
aconteceu na noite de quarta-feira 24 foi lamentável. O projeto do senador José
Serra (PSDB-SP) pretendia retirar da Petrobras a condição de operadora única do
pré-sal. O “substitutivo” do senador Romero Jucá (PMDB-RR), aprovado pelo
Senado, fez exatamente isso: retirou da Petrobras a sua condição de operadora
única. Assim, o “substitutivo” substituiu seis por meia dúzia.

Além de substituir seis por meia dúzia, o texto aprovado foi adornado com
algumas miçangas retóricas para edulcorar o presente de grego, que falam da
“preferência” que será oferecida obrigatoriamente à Petrobras. Ora, tal
preferência dependerá, pelo próprio texto aprovado, das autoridades de plantão.
Se elas forem favoráveis, a Petrobras poderá operar o pré-sal. Se elas não forem
favoráveis, a Petrobras será excluída.

Se o objetivo era acelerar os investimentos no pré-sal, bastava flexibilizar o
percentual de participação mínima da Petrobras (30%), como defendeu a emenda
apresentada pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).

Aparentemente, isso não bastava. O fato é que a garantia legal esfumou-se. Era
isso que se queria. Esse objetivo maior foi alcançado.

E isso é trágico. Ter a nossa empresa estatal, um orgulho nacional, como
operadora única do pré-sal não é apenas importante para a Petrobras. É
fundamental para o Brasil.

O domínio estratégico que os países produtores e exportadores exercem sobre o
petróleo se assenta, além da nacionalização das jazidas, em dois grandes pilares
complementares: o regime de partilha e grandes operadoras nacionais.

No regime de concessão, que impera ainda no pós-sal, o petróleo deixa de ser
propriedade do país, assim que ele entra na broca da empresa concessionária, que
faz com ele o que quiser. No regime de partilha, o país mantém a propriedade do
óleo, mesmo depois de ele ser extraído.

Assim, é o Estado quem decide o que será feito e em quais proporções. O Estado
dita o ritmo da produção e decide que quantidade estocar, exportar, refinar no
país e irrigar uma vasta cadeia produtiva. A empresa é simplesmente remunerada
pelos serviços prestados.

Isso é fácil de entender. O que aparentemente não é muito fácil de entender é
que esse domínio estratégico do petróleo não funciona, ou não funciona bem, sem
uma grande operadora nacional.

Quando os países produtores decidiram nacionalizar as suas jazidas,
revolucionando o mercado mundial de petróleo, que antes era inteiramente
dominado pelas multinacionais dos países desenvolvidos, eles se preocuparam
também em constituir grandes operadoras nacionais. Por quê?

Porque eles sabiam que, sem uma grande operadora, eles não teriam efetivo acesso
às informações cruciais sobre as suas jazidas, como as relacionadas aos custos
efetivos de produção, às remunerações devidas, ao verdadeiro potencial das áreas
prospectadas. Ora, não se tem domínio estratégico do petróleo sem o domínio
dessa informação.

Ademais, sem operar é impossível desenvolver tecnologia própria. Também não se
tem domínio estratégico do petróleo sem domínio mínimo de tecnologia. Não
bastasse, sem operadora local é impossível se estimular cadeias nacionais de
produção, gerando renda e emprego para população.

O resultado é que, hoje, ao contrário do que acontecia até a década de 60, as
maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais. São as chamadas
national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia
Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia),
a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia),
a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.

Em uma estimativa bem conservadora, feita em 2008, antes de o pré-sal ser bem
conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e
respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de
Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção
adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.

Essa é a realidade do mercado mundial do petróleo. Realidade que a maioria dos
senadores desconheceu na votação. Tal maioria de senadores parece ter
desconhecido também princípios de lógica e aritmética básica. Os argumentos
utilizados foram inacreditáveis.

Argumentaram, por exemplo, que a Petrobras não pode explorar o pré-sal a
contento porque está endividada. Ora, todas as empresas de petróleo e gás estão
atualmente, em maior ou menor grau, endividadas e passando por crises. A dívida
da Petrobras foi ocasionada pelos investimentos que ela teve de fazer no pré-sal
e por fatores cambiais amplamente conhecidos. Não tem nada a ver com corrupção,
que deve ser um assunto a ser tratado em delegacias de polícia, não nas
estratégias econômicas do País.

A dívida é de fato volumosa, mas isso não impede a Petrobras de ser a operadora
única do pré-sal. Além de ser uma empresa operacionalmente muito eficiente e
lucrativa, por ter excelência reconhecida internacionalmente no desenvolvimento
de tecnologia, a Petrobras tem um lastro patrimonial que a protege: o pré-sal.

Segundo as últimas estimativas feitas pelo Instituto Nacional de Óleo e Gás da
UERJ, o pré-sal contém 176 bilhões de barris, óleo suficiente para cobrir,
sozinho, cinco anos de consumo mundial de hidrocarbonetos. Mesmo com o barril
com preço artificialmente baixo de 30 dólares, basta fazer uma continha simples
para ver que a atual dívida da Petrobras não é problema incontornável, como
afirmam os desinformados.

A dívida poderá ser incontornável, contudo, se a legislação for efetivamente
modificada. A lei atual, que se quer revisar, assegura à nossa operadora, além
da remuneração imediata de todos os seus custos e investimentos, participação
mínima obrigatória de 30% nessa riqueza extraordinária. Essa é uma garantia
essencial para a Petrobras.

Porém, ao se retirar da Petrobras a condição de operadora única, se retira
também essa garantia fundamental e se investe em sua fragilização e em sua
possível privatização.

Mas a questão essencial aqui não é simplesmente proteger a Petrobras. É proteger
os interesses do Brasil. A participação da Petrobras no pré-sal deve ser
assegurada e protegida porque isso é crucial para o desenvolvimento brasileiro.

A cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva
do País, responsável por cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos
gerados.

Tal cadeia é sustentada por uma política de conteúdo nacional, implantada no
primeiro governo Lula, que gera demanda robusta em setores-chave como o da
construção civil pesada e a indústria naval, só para citar alguns poucos. Em
2000, a indústria náutica e os estaleiros empregavam no Brasil somente 1.910
pessoas. Em 2014, mesmo com a crise, esse setor já empregava mais de 82.000
pessoas.

Pois bem, tal cadeia produtiva não se sustentará e não se desenvolverá sem a
Petrobras como operadora do pré-sal. Por quê?

Porque empresas multinacionais demandam insumos e serviços fundamentalmente em
seus países de origem. A Chevron ou a Shell não comprarão navios, plataformas,
sondas, ou qualquer outra coisa no Brasil.

Sem a Petrobras como grande operadora não se sustentará também o desenvolvimento
de tecnologia nacional nessa área estratégica. A tecnologia se desenvolve na
operação e para a operação. Foi operando que a Petrobras se transformou na
empresa que detém a mais avançada tecnologia de prospecção e exploração de
petróleo em águas profundas e ultraprofundas, ganhadora, por três vezes, do OTC
Distinguished Achievement Award, maior prêmio internacional concedido às
empresas de petróleo que se distinguem em desenvolvimento tecnológico. Todo esse
capital estratégico poderá se esfumar, caso a Petrobras seja retirada do
pré-sal.

Sem a Petrobras como grande operadora, não se sustentará a alavancagem de nosso
desenvolvimento com a riqueza desse recurso extraordinário que é o pré-sal.
Poderemos até vender mais rapidamente petróleo cru. Mas isso não contribuirá
para o nosso desenvolvimento.

Ao contrário, essa lógica imediatista e predatória poderá nos conduzir à temível
doença holandesa, caracterizada pelo consumo perdulário de bens de consumo
importados e pela apreciação artificial da moeda que extermina a produção local.

Sem a Petrobras como grande operadora, o financiamento da Educação e da Saúde
com os royalties do petróleo fica também parcialmente comprometido. Em suma, sem
a Petrobras como grande operadora, nosso futuro fica comprometido.

Ainda há tempo de se corrigir esse erro, na Câmara, nas ruas e no debate
público. Mas é preciso se apressar: o futuro do Brasil está se decidindo agora,
em projetos como esse.

A restauração neoliberal já está em curso. Precisamos, todos nós, escolher nosso
lado. E o povo brasileiro precisa saber o que estão decidindo em seu nome. O
povo brasileiro precisa saber que estão rifando seu futuro.


In
CARTA CAPITAL
http://www.cartacapital.com.br/politica/tirar-a-petrobras-do-pre-sal-e-rifar-o-futuro-do-pais?ref=yfp
25/2/2016

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