quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
"Chafaricas"
Pânico geral entre os euro-atlantistas
– As elites mundializadas diante da ascensão de Trump à Casa Branca
por Pierre Lévy [*]
Alarmados, angustiados, traumatizados, confusos, petrificados, lívidos...
É difícil encontrar um qualificativo que reflicta o estado de espírito dos
dirigentes euro-atlânticos e da imprensa que lhe é fiel no momento em que
Donald Trump acede à Casa Branca .
E que dizer dos punhados de "idiotas úteis" (conforme a fórmula outrora
atribuída a Lenine) que, em Berlim, Paris ou Londres, desfilaram com o
delicioso slogan: "este não é meu presidente"... O que dizer se isto não é
o apontar de uma linha de fractura fundamental que se esboça
progressivamente tanto em numerosos países europeus quanto nos Estados
Unidos, assim como em outros lados do mundo: entre camadas médias mais
abastadas, urbanas, intelectuais e almejando a mundialização, e uma classe
operária que sofre desprezo e atomização desde há décadas.
Entre os primeiros que pensam em "valores" e os segundos em "interesses",
mesmo na sobrevivência social pura e simples. Entre de um lado aqueles que
se mobilizam "contra o ódio" (!) e do outro aqueles que se mobilizam pelo
emprego. Simplificação excessiva? Talvez. Mas esta polarização de classe
que emerge não está senão no princípio. E tanto melhor se os segundos
recuperam esta dignidade, esta existência e estes papéis colectivos que
lhes foram negados pelos cantores da globalização económica e também
ideológica.
Ouçamos estes últimos. "É o fim do mundo", lamentou-se Manuel Valls
(BFMTV 16/01/17), que não se referia aos resultados da primária socialista
e sim à perspectiva de uma "aliança entre Trump e Putin". "Donald Trump
[está] decidido a destruir o projecto europeu", espantava-se o editorial
de Libération (18/01/17). E Le Monde (19/01/17) tocava o sinal de
alarme: "o presidente dos Estados Unidos lançou-se numa operação
deliberada de desestabilização da Alemanha (...) é toda a Europa que é
atacada".
A Europa está confrontada com uma dos "maiores desafios destas últimas
décadas" alerta por sua vez Angela Merkel. O comissário europeu Pierre
Moscovici choca-se: "tem-se uma administração americana que deseja o
desmantelamento da União Europeia, isto não é possível!". Quanto ao
secretário de Estado americano cessante, ele exortou a nata das elites
mundializadas reunida em Davos a "recordar porque fizemos juntos esta
viagem de 70 anos". John Kerry parece assim evocar o eixo
euro-atlântico... no passado.
Este pânico geral – que não se pode deixar de saborear – é compreensível.
Pois, numa entrevista publicada alguns dias antes da sua posse, Donald
Trump confirmou os elementos que já faziam tremer tanto Bruxelas como o
establishment de Washington durante a sua campanha eleitoral. Ora, como
observou o senhor Valls, decididamente inspirado, "esqueceu-se que um
populista pode querer por em acção o seu programa".
Será este o caso com o novo hóspede da Casa Branca? Por enquanto, deve-se
manter a prudência. Mas se o senhor Trump passa, ainda que apenas
parcialmente, das palavras aos actos , então sim, isto será mesmo o fim
de um mundo, o início de uma mudança de era histórica.
Pois o que disse o miliardário na entrevista publicada pelos diário
alemão Bild e pelo inglês TheTimes ? Que o Reino Unido foi
"inteligente" ao abandonar a UE; que este não era senão o "veículo da
potência alemã"; que esperava que muitos outros Estados imitassem o
Brexit; que se rejubilava em preparar um acordo comercial separado com
Londres; que o livre comércio mundial (portanto o TTIP, nomeadamente) era
doravante caduco; que à indústria automobilística alemão poderia muito bem
serem impostos importantes direitos alfandegários se isso encorajasse o
emprego nos Estados Unidos; e que a chanceler havia cometido um "erro
catastrófico" com a sua política de portas abertas aos refugiados.
Pior – ou melhor: o novo presidente americano confirmou que considerava a
NATO "obsoleta", que um grande acordo com Moscovo tendo em vista o
desarmamento nuclear "seria no interesse de muita gente"; e que,
consequentemente, as sanções contra a Rússia poderiam ser postas em
causa. Mobilizando todo o seu sentido da retórica, o secretário-geral da
Aliança Atlântica diz-se "preocupado". Le Monde enraivecia-se já no fim
de Dezembro (22/12/16): o senhor Trump "quer ser o homem da renovação
industrial americana, não o xerife de uma ordem democrática ocidental para
manter e propagar". Imperdoável! Em Davos, Joseph Biden, ainda
vice-presidente americano durante dois dias, lançou um apelo desesperado
para "salvar a ordem liberal internacional"...
Dezasseis antigos chefes de Estado ou de governo e ministros –
essencialmente dos países da Europa do Nordeste – haviam, pouco antes,
alertado contra o perigo maior de um reaquecimento das relações com a
Rússia: "a confiança e a amizade seriam um grave erro", escreviam sem
piscar.
Será preciso então estranhar a histeria crescente contra a Rússia?
Moscovo é confusamente acusada de promover (com êxito crescente) seus
media públicos destinados ao ocidente, de invadir as redes sociais com
falsas notícias e piratear os computadores das instituições ocidentais.
Segundo a CIA, a NSA e o FBI – e Deus sabe que estas nobres chafaricas não
podem dizer senão a verdade – Vladimir Putin teria assim influenciado a
eleição americana em favor do seu favorito e certamente aberto o
champanhe. Retransmitido por Arte (06/01/13), o grande chefe (de partida)
da informação, James Clapper, fez uma declaração assim: "os russos têm uma
longa experiência de ingerência eleitoral, quer se trate dos seus próprios
escrutínios ou os dos outros". Humor involuntário?
E assim, o hóspede do Kremlin preparar-se-ia para levar pela mão os
eleitores holandeses, franceses, depois os alemães, que comparecerão às
urnas em 2017 para que tantos uns como outros escolhessem formações
anti-UE (ou consideradas como tal).
Pois, evidentemente, sem estas sombrias manobras, os cidadãos estariam
entusiastas para plebiscitar uma União Europeia cada vez mais popular e
legítima.
Mas um golpe, Vladimir Vladimirovitch?
23/Janeiro/2017
Do mesmo autor:
Le complot de Moscou
[*] Especialista em questões europeias, dirige a redacção da publicação
mensal Ruptures . Anteriormente foi jornalista do diário L'Humanité,
engenheiro e sindicalista. É autor de dois ensaios e um romance.
O original encontra-se em
https://francais.rt.com/opinions/32868-panique-generale-chez-euro-atlantistes
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/europa/panico_euroatlantista_23jan17.html
26/1/2017
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