quarta-feira, 15 de março de 2017

'Os grandes meios de comunicação só transmitem o que interessa para os seus donos', diz pesquisadora



Eduardo Vasco


Conforme dados de 2012, oito grupos concentram 70% da verba de publicidade
federal destinada aos meios de comunicação no Brasil. Seis conglomerados
privados controlam mais de mil veículos, sendo 340 da Rede Globo, 195 do SBT,
166 da Rede Bandeirantes e 142 da Record, segundo o projeto Donos da Mídia.+
Em 2015, a Rede Globo, principal grupo de comunicação do país, recebeu um terço
de toda a publicidade federal, sem contar as empresas estatais. Essa mesma
distribuição de verba federal sem as estatais aumentou vertiginosamente para os
veículos impressos entre 2015 e 2016. Ao jornal O Estado de S. Paulo foi
destinada uma publicidade de 210% a mais em comparação com 2015. À Folha de S.
Paulo, o aumento foi de 84%. As revistas foram as mais beneficiadas: Veja
(186%), IstoÉ (850%) e Época (1088%). Por outro lado, a EBC, empresa pública de
comunicação, sofreu uma diminuição de 73%.+

Esses números demonstram a concentração da verba destinado pelo governo aos
meios de comunicação nas mãos de poucas empresas, que também concentram a
esmagadora maioria da audiência e do controle da comunicação de massa. Boa parte
dessas empresas é de propriedade das famílias mais ricas do Brasil.+
Os irmãos Roberto Irineu, José Roberto e João Roberto Marinho, donos da Rede
Globo, aparecem na lista da revista Forbes de pessoas mais ricas do país desde
1987. Em 2016, ficaram, com a mesma fortuna, em sexto lugar. O mesmo vale para
Edir Macedo (Record) e Silvio Santos (SBT).+
O artigo 220 da Constituição Federal, no entanto, diz que "os meios de
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio
ou oligopólio". Do mesmo modo, não podem pertencer a políticos. Porém, 32
deputados e oito senadores são proprietários, sócios ou associados de emissoras
de rádio e TV, de acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).+
Para falar sobre a concentração da mídia e os interesses envolvidos na
veiculação das notícias, a Pravda conversou com Cláudia Nonato, doutora em
Ciências da Comunicação pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora da
mesma instituição.+
De que lado estão os grandes meios de comunicação?
No Brasil, eles estão nas mãos dos poderosos, de poucas famílias que monopolizam
os meios de comunicação. Também estão nas mãos dos políticos, dos
latifundiários. Então, o conteúdo do seu noticiário está do lado dessas
pessoas.+
O objetivo dos grandes meios de comunicação é difundir informações que
beneficiam o povo ou existem outros interesses por trás?
Claro que o interesse não está do lado da população, mas sempre do lado do
capital. As empresas privadas de comunicação buscam o lucro, então pensam sempre
no lucro e no lado dos capitalistas.+
Por que os meios de comunicação no Brasil são monopólio de poucas famílias
milionárias?
Esse é um processo histórico que vem desde o século XIX e ocorre mundialmente. A
comunicação de massa, hoje, está nas mãos de poucos grupos no mundo todo - no
México, nos Estados Unidos, na Venezuela, na Itália. E no Brasil não é
diferente. Aqui isso começou com Assis Chateaubriand, depois passou para a Rede
Globo. Depois vieram os Saad (Rede Bandeirantes), os Abravanel (SBT) e a
comunicação de massa acabou ficando nas mãos dessas famílias até hoje, não só na
TV e no rádio, como também nos jornais impressos.+
Mas essas famílias têm algum vínculo com o Estado para terem tantos benefícios?
Existe um problema da legislação brasileira. É necessário ter uma concessão para
adquirir uma emissora de TV ou de rádio, e essa concessão é dada para o governo.
Só que, no Brasil, ela é utilizada como moeda de troca: o governo utiliza os
meios de comunicação como troca com os políticos e assim os meios de comunicação
acabam ficando nas mãos dos políticos.+
Os empresários da comunicação atuam junto com o Estado para receberem esses
benefícios também?
Sim. Hoje o povo brasileiro ainda se informa basicamente pela televisão. A
informação, e até um certo conhecimento, chega até as famílias por meio da
televisão. Esses grupos, visando seus interesses, só transmitem o que lhes
interessa. Não só na televisão, como também no rádio, nos jornais, nas revistas.
E a população, se informando apenas com o que interessa a esses grupos
empresariais, acaba não se conscientizando do que realmente acontece no mundo,
no Brasil, quais os problemas e dificuldades que enfrentamos.+
Você acha que, para haver outros tipos de informações, de notícias que
interessem realmente à população, se precisaria democratizar o acesso às
concessões públicas?
Sim, pois democratizando a mídia nós teríamos mais meios de comunicação, mais
programas de rádio, mais emissoras de TV. Porque, por exemplo, atualmente a
pessoa que está em Manaus assiste à programação do Rio de Janeiro e de São
Paulo, vê a praia, vê a Avenida Paulista, etc. Isso não interessa a um cidadão
de Manaus. Ao democratizar a mídia, cada região teria o seu veículo de
comunicação próprio que transmitiria a programação regional. Logo, se eu moro em
Manaus, vou saber como está o clima, o que está acontecendo, quais os problemas
que eu tenho aqui. O que me interessa saber o que acontece em uma outra região
no dia a dia? Então, a democratização da mídia traria mais alternativas, daria
força aos veículos alternativos. Nós sairíamos um pouco da esfera desse poder de
manipulação que as grandes empresas de comunicação têm hoje.+
Outros atores sociais teriam espaço na mídia com a democratização dos meios de
comunicação?
Sim. Hoje a internet já trouxe um pouco esse espaço que as pessoas já estão
conquistando, por meio dos blogs, dos seus veículos - até rádio e TV via web.
Com a democratização da mídia, esses espaços ficariam muito maior, porque teriam
apoio financeiro do governo, que, hoje, 70% vai para as grandes emissoras de TV.
E é justo isso? Não é.+
E como você acredita que poderia se dar esse processo de democratização da
mídia?
É um longo processo. Precisaria começar por uma reforma política, precisaria ter
todo um movimento popular, aquela grande manifestação que tivemos em junho de
2013... Teria que dali pra frente, porque tem que incentivar, tem que forçar,
tem que reclamar. E as pessoas, muitas vezes, não têm consciência disso, de que
há esse controle todo da comunicação e a importância que a comunicação tem hoje,
o poder que ela tem. Conscientizar as pessoas eu acho que é um caminho, mas
ainda muito longo.+
E a grande mídia tenta abafar essa discussão, dizendo que é censura, etc. O que
você acha disso?
Logicamente não interessa para as grandes empresas de mídia perder o poder que
elas têm hoje, esse monopólio, essa hegemonia. Então elas fazem o possível para
dificultar esse tipo de reforma. O próprio governo tem muita dificuldade para
implementá-la. Desde o governo Lula tentou-se essa democratização e não se
conseguiu. A [ex-presidenta] Dilma ficou um tempo sem lutar por isso, depois
retomou uma tímida conversa. Nós vemos um movimento vindo da sociedade, mas do
governo não vemos. Porque seria uma briga, é lógico que as empresas de mídia não
querem perder esse poder. Então é um processo bem difícil para encarar.+
Então somente com uma mobilização popular que esse movimento vai pra frente?
Só com uma grande mobilização popular, do nível das "Diretas Já". Tem que ser
gigantesca, porque se não tudo vai continuar do mesmo jeito.+
In
PORT.PRAVDA.RU
http://port.pravda.ru/busines/15-03-2017/42870-comunicacao-0/
15/3/2017

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