terça-feira, 19 de dezembro de 2017
A eleição ilegítima
por Mino Carta
Lula resiste e promete um governo capaz de enfrentar a Casa-grande
O juiz Victor Laus, acostumado a aprontar seus votos em câmera lenta, sentado à
sua mesa de trabalho passará as férias do Judiciário, com a inclusão das
natalinas e ano-novo, para condenar Lula, provavelmente em sessão única, a 24 de
janeiro próximo.
A não ser que já tenha pronta a sua decisão, como se deu com o juiz Leandro
Paulsen, que em seis dias úteis deu seu voto e agendou o julgamento. Será o
começo do golpe dentro do golpe, a partir da realização do primeiro objetivo do
golpe de 2016, tornar o ex-presidente inelegível.
Não é crível que a segunda instância deixe de confirmar a pena imposta ao
ex-presidente pelo Tribunal do Santo Ofício de Curitiba, ou mesmo não a dilate.
Como esclarece o advogado de Lula, Cristiano Zanin, defensor no processo
criminal, cabe recurso ao STJ, mas terá de passar pelo presidente do TRF-4,
Thompson Flores, a quem compete dar parecer a respeito, e que já definiu a
sentença de Curitiba “tecnicamente e historicamente irrepreensível”, a provocar
o espanto de Luigi Ferrajoli, um dos mais respeitados juristas do mundo,
conforme será contado mais adiante.
Leia mais:
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O PT anuncia que, em caso de condenação, recorrerá a instâncias superiores para
manter a validade da candidatura de Lula às eleições de 2018. Oportuno lembrar
que o ministro Luiz Fux em fevereiro assumirá a presidência do STE e julgará a
legalidade das candidaturas.
Conforme hábito da (in)justiça nativa, Fux antecipou em novembro a sua decisão
final: quem foi denunciado e responde a processo não haveria de ser candidato e
tampouco empossado em caso de vitória. E, com a devida pompa, apela à
Constituição que o golpe rasgou.
Leandro Paulsen, junto com Victor Laus e Gebran Neto, os juízes velocistas
(Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4) Qual é o país do mundo dito civilizado onde os
próprios Poderes da República se unem na ação golpista, com o apoio
incondicional da mídia dita grande e de largos setores da Polícia Federal?
Na Argentina apenas ensaia-se algo parecido, com a demonização do peronismo e da
ex-presidente Cristina Kirchner, mas o povo argentino, ao contrário do
brasileiro, tem uma história de resistência, rebeldia e sangue na calçada.
Na sua medievalidade, a terra da casa-grande e da senzala é absolutamente única.
A sintonia finíssima entre os quadrilheiros assume uma evidência assombrosa,
haja vista a rapidez de pés alados, obedientes, dos juízes da segunda instância
gaúcha, a desmentir de súbito toda uma tradição de insuportável lentidão, para
não dizer torpor.
Prestam-se, também eles, a perpetrar a enésima exceção, ao legalizar a
ilegalidade, conforme a rota iniciada pelo impeachment de Dilma Rousseff,
inexoravelmente ilegal, assim como o processo contra Lula, conduzido ao sabor
das chamadas delações premiadas, de verdade extorquidas por obra de uma forma
inédita de tortura.
Os acusados pela Lava Jato são divididos em duas detenções no Paraná. Os
delatores ficam na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Recebem regalias,
são bem tratados, têm direito a visitas. Quem ainda não aceitou colaborar é
enviado ao Complexo Médico Penal, em Pinhais, nos arredores de Curitiba, a cerca
de 15 quilômetros do Centro da capital, destinado a detentos com problemas
mentais.
Victor Laus (Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4)Lá os presos da Lava Jato são
submetidos a constantes ameaças, de prender mulher e filhos em nome de suspeitas
inventadas com a fantasia dos contos de horror, ou prometer penas dantescas. E
não basta qualquer delação.
É necessário seguir um roteiro, escolher uma opção de alvos a serem delatados
conforme um cardápio preestabelecido pela força-tarefa da operação.
O ex-ministro Antonio Palocci queria delatar a Globo, por conta de uma operação
que livrou a empresa de 1 bilhão de reais em impostos.
Esse ponto da delação nunca prosperou, pois só interessa incriminar Lula.
Em compensação, o doleiro Alberto Youssef ganhou notáveis vantagens por ter
atendido prontamente aos propósitos dos procuradores.
Diz Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo:
“Apesar de não ser possível afirmar com total certeza o resultado do julgamento,
a celeridade dos desembargadores do Tribunal Regional Federal, sem paralelos na
história, revela a intenção não de cumprir com o dever de prover justiça, mas de
influir no processo eleitoral. É mais uma prova dos atos de exceção que se
tornaram praxe no Brasil e que precisariam de uma intervenção das instâncias
superiores, o STJ e o STF, para garantir o direito de Lula de disputar as
eleições de 2018”.
É certo que Lula pode recorrer ao STF. Contudo, que esperar dos supremos togados
se, como sabemos, são mais do que coniventes com o Estado de Exceção, são mesmo
parceiros no golpe?
O já citado Luigi Ferrajoli, muito admirado, aliás, por Serrano, que nele
enxerga um mestre, declara a ilegalidade do processo contra Lula, define Sergio
Moro como “despótico inquisidor”, exibe a conivência dos juízes e procuradores e
clama contra “o desrespeito pelos princípios elementares do justo processo”.
Gebran Neto (Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4) Repetita juvant, diziam os antigos
romanos, as repetições ajudam.
Ao se referir ao presidente do TRF-4, que disse em entrevista ao Estadão ser
“tecnicamente e historicamente irrepreensível” a sentença da primeira instância,
a condenar Lula sem prova a nove anos e meio de reclusão, escreve Ferrajoli com
exclusividade para CartaCapital: “Semelhantes antecipações de juízo, segundo os
códigos de processo de todos os países civilizados (...) são motivos óbvios e
indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz”.
E quanto à pretensão de apresentar a Lava Jato como a Mani Pulite, Ferrajoli
fulmina: “Nenhuma das deformações perpetradas no Brasil pode ser encontrada no
processo italiano: uma investigação que nenhum juiz ou membro do Ministério
Público italiano que nela atuaram gostaria que fosse identificada com a
brasileira”.
Sentença definitiva do jurista italiano: no Brasil não existem garantias do
devido processo legal. De todo modo, não se cala o tonitruante Darth Vader do
STF, Gilmar Mendes. Na sua qualidade de atual presidente do STE avisa: quer
Lula, quer Bolsonaro já estão em campanha antes do tempo, de sorte que esta
antecipação deverá ser levada em conta. Para ser punida como convém, a julgar
pela expressão e pelo tom do infatigável ministro.
A empáfia, a hipocrisia e a prepotência dos quadrilheiros se esbaldam diante da
ausência de reação popular. O Brasil vive aparentemente dias normais, e a
chamada classe média, até franjas da população espezinhada, acredita na Globo,
nos jornalões e no resto da mídia nativa quando desinformam.
O País, propalam, está a se recuperar, quando de fato está em plena demolição.
Deste ponto de vista, as responsabilidades do PT, e de quantos insistem em se
declarar de esquerda, são transparentes.
Darth Vader sempre ameaça (Foto: Carlos Humberto/STF)É do conhecimento até do
mundo mineral que o povo brasileiro não saiu do limbo precipitado por três
séculos e meio de escravidão, cuja cultura a Abolição não extinguiu, como
escrevia Joaquim Nabuco mais de cem anos atrás.
Certo é que, neste período, nunca enfrentamos momentos tão sombrios, de retorno
ao passado remoto.
Em qual país do mundo dito civilizado o povo humilhado e ofendido, inclusive por
reformas trabalhistas medievais, não reage?
Em Honduras, vitimado há oito anos por um golpe similar ao de 2016, o povo está
hoje nas ruas a desafiar a violência da repressão, armada para matar.
É doloroso ter de reconhecer que o PT, os sindicatos e a pretensa esquerda não
chegaram ao povo, não souberam levá-lo pela mão à consciência da cidadania e do
monstruoso desequilíbrio social, que agora se acentua em um dos países mais
desiguais do mundo. Antes da reeleição de Dilma Rousseff, quando a manobra
golpista se desenhou com total nitidez à sombra da Lava Jato, o PT portou-se
como um bicho acuado, e assim continuou depois do impeachment, tíbio e inseguro
diante do golpe.
O próprio Lula, com quem mantenho há 40 anos uma amizade inoxidável, cometeu
enganos graves que CartaCapital não deixou de verberar. Tenho a granítica
certeza de que tivesse assumido a chefia da Casa Civil na hora da formação do
novo governo, não haveria impeachment.
Também não se daria se, no primeiro semestre de 2015, Lula partisse com o mesmo
discurso para as caravanas que realiza hoje, na clara visão dos propósitos do
golpe em marcha. Ainda haveria tempo, sem contar com a covardia crônica dos
quadrilheiros a serviço da casa-grande. Massa nas ruas, mesmo pacífica, põe
medo.
Palocci pretendia delatar uma tramoia global. Não foi ouvido (Foto: Heuler
Andrey/AFP) Naquela situação, teria precedido as manifestações dos beócios de
camiseta canarinho e dos panelaços do alto dos espigões.
Lula disse que perdoa os protagonistas daqueles dias porque sabe que muitos
deles hoje lhe dariam seu voto.
Convém acentuar agora a validade do esforço do ex-presidente, por mais tardio, e
a qualidade do seu discurso, ao perceber a impossibilidade da conciliação e de
qualquer entendimento entre Capital e Trabalho e ao anunciar aquele que seria
seu programa de governo, com ênfase na taxação dos ricos.
Desassombrado desafio do grande líder popular brasileiro, impavidamente alheio à
perspectiva da condenação iminente.
Lula foi o melhor presidente da chamada redemocratização, de longe, muito de
longe. Neste instante, promete, porém, ir muito além para ser o reformador que
enfrenta a casa-grande de peito aberto, e desde já parte para a luta.
A condenação do ex-presidente ao torná-lo inelegível deságua na ilegalidade do
pleito. Resta, porém, a dúvida: haverá eleições? Os quadrilheiros engolfam-se na
busca vã de um candidato potável, enquanto Lula engorda seu favoritismo para
enfrentar Bolsonaro, medalha de prata nas pesquisas, muito afastado, entretanto,
do inevitável vencedor.
Moro surge em uma cena para uma palestra. Mais uma surtida ilegalHá tempo, a
dúvida paira a inquietar quem raciocina com os dados da realidade. Os golpistas
conseguiram alcançar todos os seus intentos na demolição do Brasil e com a
condenação de Lula dão o primeiro passo na direção do golpe dentro do golpe.
Que serão capazes de excogitar quando o candidato sustentado pelo ex-presidente
está bem à frente na corrida presidencial? Sabe-se que um “Lulinha” conta de
saída com 30% dos votos, perspectiva aterrorizante para as quadrilhas enraizadas
no poder. Das duas, uma: ou produzem mais uma exceção ao legalizar qualquer
tramoia destinada a liquidar sem o mais tênue risco, ou deixam as eleições
inexoravelmente para lá.
In
CARTA CAPITAL
https://www.cartacapital.com.br/revista/983/a-eleicao-ilegitima
18/12/2017
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