domingo, 13 de junho de 2021

Aposta do Brasil no agronegócio é um desastre econômico e ambiental, diz Ladislau Dowbor

 

   
Em entrevista ao programa Ecologizando 247, o economista, professor e
escritor Ladislau Dowbor discorre sobre a economia brasileira, sua
relação com o meio ambiente e o impacto do agronegócio na
descapitalização do país. Assista edit


*Por Victor Castanho


– * Em entrevista ao programa *Ecologizando 247* da
_*TV 247*_ <https://www.youtube.com/channel/UCRuy5PigeeBuecKnwqhM4yg> no
último domingo (06/06), o economista Ladislau Dowbor, professor titular
de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
consultor de diversas agências das Nações Unidas, enfrentou com coragem
um problema central da economia brasileira: a sua dependência em relação
ao agronegócio voltado para a exportação nos moldes atuais. “A
orientação do Brasil à agroexportação é um desastre ambiental, que não
rende nada para o País e entrega a política para o interesse global de
multinacionais de commodities”, diz o economista.

 

*Circuito do agronegócio e interesses de grandes empresas*

O também professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo aponta que o agronegócio atualmente depende de um circuito
insustentável que se perpetua nas bordas da Amazônia. O professor
detalha o passo-a-passo:

 1. “Inicialmente o garimpo se instaura em um local e promove a
    desagregação do sistema legal abrindo as portas para o
    desmatamento”, diz Ladislau. Nessa etapa, o professor afirma que a
    grilagem e o garimpo forçam a expansão ilegal dentro de áreas
    protegidas.
 2. A segunda etapa consiste na retirada de madeira e queimada da
    floresta: “Depois da extração ilegal da madeira, realiza-se uma
    queimada para que as cinzas sejam incorporadas ao solo, permitindo
    algumas safras muito boas de soja”, diz Ladislau. “Isso interessa
    aos grupos do agro e da comercialização da commodity de grãos
    internacional porque é um processo barato mas que esteriliza o solo
    pois se tem erosão hídrica, erosão eólica e erosão química e a
    formação dos solos amazônicos é frágil”, afirma Ladislau.
 3. Após as colheitas, recomeça-se o ciclo com o garimpo e “vai-se
    desmatando e queimando mais e mais”, diz o economista.

Os danos ambientais são claros e o crescimento do PIB é ínfimo. Por quê?
“No Brasil existe a _lei Kandir,_
<https://www.brasil247.com/blog/lei-kandir-revogar-em-nome-do-pacto-federativo-e-da-industria-nacional>
[que faz com que] a agroexportação não gere impostos”, responde o
professor. Ainda acrescenta: “Você precisa de 200 hectares de soja para
gerar um emprego. Ou seja, geram-se pouquíssimos empregos. Porém, são
gerados desastres ambientais, tanto pelo desmatamento quanto pela
contaminação por agrotóxicos”. Além disso, essa ênfase na primarização
da economia previne um projeto de industrialização que poderia ocorrer
no próprio agronegócio.

O professor aponta os maiores beneficiados por esse processo: “São 16
grupos que controlam no mundo o sistema de comercialização de
commodities”. Entre eles está o grupo BlackRock que vem investindo
fortemente no Brasil nos últimos anos. “Os ativos [desse grupo]
totalizam 8,7 trilhões de dólares, segundo dados de 2021. Isso é 5 vezes
o PIB do Brasil em uma empresa!”, aponta Ladislau.

Nesse contexto de exploração insustentável, o economista, que já
orientou setores da ONU, afirma: “Em termos propriamente econômicos, o
que a gente está fazendo é uma descapitalização”.

 

*Descapitalização do Brasil e os moldes atuais do agronegócio*
**“Quando perdemos, só nas regiões do semiárido, 73 mil quilômetros
quadrados de solo por ano, o está se perdendo? O capital. Estamos
reduzindo nossa capacidade de produção”, cauciona. Ao tratar da economia
como subsistema de um todo ecológico, o economista demonstra que é
impensável falar do campo econômico sem levar em conta a capacidade do
meio ambiente de recuperação. Como exemplo cita a sobrepesca: “quando
liquidamos a vida nos mares (os recursos haliêuticos) pescando mais do
que a capacidade de reprodução das espécies, estamos descapitalizando,
deixando de produzir no futuro”. Se continuarmos nesse ritmo, o
professor afirma que estaremos “comendo nosso futuro”. O economista cita
o livro _/Killing the Host: how financial parasites and debt destroy the
global economy/_
<https://dowbor.org/2017/04/hudson-michael-killing-the-host-how-financial-parasites-and-debt-destroy-the-global-economy-islet-baskerville-2015.html>
de Michael Hudson e traça um paralelo com a situação ambiental do País.
Embora o livro trate sobretudo da financeirização da economia, a ideia
the “killing the host”, ou seja, de morte do hospedeiro através de sua
exploração insustentável, exemplifica o processo insustentável do
agronegócio: estamos matando o solo, nossa maior fonte de capital
tentando extrair seus recursos.Segundo um _estudo_
<https://science.sciencemag.org/content/267/5201/1117> publicado no
periódico científico *Science* por pesquisadores da Universidade de
Cornell, cerca de 12 milhões de hectares são destruídos e abandonados
anualmente por causa de práticas agrícolas insustentáveis. A
esterilização do solo em escala frenética previne o crescimento de
lavouras, florestas e outros sistemas bióticos e descapitaliza o
território. Ainda, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura, a produção per capita de grãos, que é
responsável pela alimentação de 80% do mundo, vem diminuindo desde 1984
devido à erosão insustentável do solo e, segundo o livro _/Land
Degradation/_
<https://www.cambridge.org/br/academic/subjects/life-sciences/ecology-and-conservation/land-degradation-development-and-breakdown-terrestrial-environments?format=PB&isbn=9780521466158>
de Christopher J. Barrow, só na América do Sul, entre 30 e 40 toneladas
de solo por hectare são erodidas por ano. Ladislau denuncia esse
processo e afirma: “isso aqui está indo para o brejo. É uma catástrofe
para os nossos filhos e nossos netos”.

*“A agroexportação em si não é ruim”*

Apesar das duras críticas ao atual /modus operandi/ do agronegócio, o
economista sustenta: “A agroexportação em si não é ruim”. “[No mundo],
estamos saindo da era da agroindústria nos moldes da Revolução Verde e
entrando na era da agricultura de precisão que leva em conta os impactos
sobre a água, os impactos ambientais e coisa do gênero”, acrescenta o
professor. A _Revolução Verde_
<https://www.brasil247.com/blog/a-revolucao-verde-ia-acabar-com-a-fome-no-mundo-mas>
a qual o professor se refere é o conjunto de inovações científicas dos
anos 1960 que permitiram o aumento na produtividade agrícola através do
uso intensivo de produtos químicos, modificação genética de sementes e
massificação de lavouras. Embora tenha permitido a diminuição do preço
de muitos alimentos, esse modelo causa uma exacerbada degradação
ambiental e desgasta exageradamente recursos hídricos.

“Os agricultores estão buscando outros rumos. Vale a pena refletir sobre
essa discussão que está se dando no planeta a respeito dos sistemas de
produção” diz Ladislau. Otimista, ainda diz: “Há, nesse setor, a
consciência de que nós estamos destruindo a principal base da economia”.

Ladislau pontua a alternativa para o circuito insustentável: “Uma coisa
é você produzir soja e exportar soja. Agora outra coisa é você produzir
soja [e] internalizar, substituindo importações, todos os insumos da
produção da soja para que sejam produzidos aqui”. O professor enxerga a
agroindústria ecológica como o futuro econômico desse setor: “Ao invés
de se exportar soja, podemos exportar óleo de soja, farelo de soja,
enfim, produtos derivados desse bem primário. É uma forma de nos
industrializarmos”.

O professor ainda cita _a lei Kandir_
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Kandir> e demonstra que, embora
vários países se interessem por nossos grãos, “esse dinheiro não volta
para desenvolver o país, porque se transforma em lucros financeiros que
se podem transformar em mais desmatamento da Amazônia revestindo esse
sistema admnistrativo”.  Dando nome aos bois, o professor diz que “são
16 empresas grupos que controlam no mundo o sistema de comercialização
de commodities” e aponta a BlackRock como um desses. “Os ativos [desse
grupo] totalizam 8,7 trilhões de dólares, dados de 2021. Isso é 5 vezes
o PIB do Brasil em uma empresa”, diz Ladislau.

In
BRASIL 247
https://www.brasil247.com/meioambiente/ladislau-dowbor-priorizar-agroexportacao-como-se-faz-no-brasil-e-nos-entregar-ao-interesse-de-multinacionais-de-commodities
11/6/2021

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