segunda-feira, 15 de maio de 2023

Viagem à China

 
   


Por *JOÃO PEDRO STÉDILE**

/Relatório de viagem realizada de 12 a 24 de abril de 2023/

*Apresentação*

Durante esse período foram realizadas muitas reuniões, com diversos
setores do partido, federação dos sindicatos, universidades e conversas
com pesquisadores e intelectuais da esquerda chinesa. Também realizamos
visitas a fábricas e comunas rurais.

As anotações não têm ordem, nem prioridade, foram feitas a partir das
reuniões e conversas, apenas procurei sistematizar por grandes temas e
agora compartilhadas para que nossa militância popular do Brasil, tenham
alguns elementos sobre a realidade chinesa, ainda pouco conhecida no Brasil.

*Economia*

A economia chinesa foi marcada por diversos períodos na sua história.
Com uma economia baseada na agricultura e no mercado local. O primeiro
período de 49-57 foi marcado pela implantação de uma indústria de base
(energia, siderúrgica, indústrias de base) com a transferência de
tecnologia da URSS, que transpôs fabricas inteiras. O primeiro trator
chinês foi fabricado em 1956, copiando um modelo soviético. O segundo
período de 1957-76 representou uma etapa de economia fechada voltada
apenas para o mercado interno, atendimento as necessidades da população
e início das indústrias de consumo.

No período de pré-reforma e abertura econômica de 29 anos (1949-1978),
sob a liderança do Mao Zedong até 1976, a expectativa de vida da China
aumentou 32 anos. Em outras palavras, para cada ano após a Revolução,
mais de um ano foi adicionado à vida de um chinês médio. Em 1949, a
população do país era 80% analfabeta, e em menos de três décadas o
analfabetismo foi reduzido para 16,4% nas áreas urbanas e 34,7% nas
áreas rurais; a matrícula de crianças em idade escolar aumentou de 20%
para 90%; e o número de hospitais triplicou.

Esse processo incluiu o estabelecimento de escolas de ensino médio para
trabalhadores e camponeses e o envio de milhões de agentes de saúde para
o campo. Avanços significativos foram feitos na participação das
mulheres na sociedade, desde a abolição dos costumes do casamento
patriarcal até o aumento do acesso à educação, cuidados de saúde e
creches. De 1952 a 1977, a taxa média de crescimento anual da produção
industrial foi de 11,3%.

O terceiro período de 1976-2013, foi marcado pela aliança com EUA, e
depois adoção de políticas neoliberais e de buscar de mercado externo.
Foi o período que a China se transformou a fábrica do mundo, com
implantação de alianças com empresas estrangeiras, que traziam suas
máquinas e tecnologia industrial para aproveitar a mão-de-obra barata
chinesa, que transferiu para as cidades mais de 100 milhões de
trabalhadores.

Uma das bases da industrialização foi a indústria automobilística, em
que fizeram parceria com os grandes grupos transnacionais para levar
tecnologia e depois a China ampliou a tecnologia, como a adoção para os
carros e ônibus elétricos. No ano 2000 produziam 1, 3 milhões de carros
por ano. No ano passado produziram 20 milhões de carros. A outra base do
crescimento da economia prolongado foi o investimento em construção
civil, milhões de novas moradias e da infraestrutura urbana. Metros,
estradas, e trens de alta velocidade. A China gastou, em menos de dez
anos, mais cimento e ferro, do que os EUA durante todo século XX!!

De 2000 para cá estão em curso novas mudanças, em que a China está
industrializada, tem 40% de sua economia voltada para o mercado externo,
e agora controla as políticas neoliberais e prioriza os investimentos em
tecnologia, buscando alta produtividade.

Neste último período houve a reativação e fortalecimento de empresas
estatais, o aumento da renda dos trabalhadores (o salário médio na
indústria é hoje superior ao do Brasil e México), e o controle absoluto
do capital financeiro. Todo sistema financeiro que controla as finanças
é formado por grandes bancos estatais, ainda que existam bancos privados.

Hoje a economia é formada por cinco setores de capital: Estatal,
empresas privadas (em especial na construção civil e comercio) empresas
coletivas de trabalhadores, empresas mistas, entre públicas e privadas e
empresas estrangeiras.

O setor privado representa: 60% do PIB da China, 70% da inovação, 80%
dos empregos urbanos e 90% dos novos empregos. Na década de 1990, diante
do declínio dos lucros e da competitividade, o governo central adotou
uma política deixar o capital privado entrar em muitos setores, mais
deixando os setores mais importantes nas mãos do estado (por exemplo,
energia, bancos, mineração, transporte aéreo e ferroviário,
telecomunicações e outros setores estratégicos). Por exemplo, das 109
corporações chinesas na Fortune Global 500, 85% são de propriedade
pública. Os quatro maiores bancos do mundo são chineses – e cinco dos 10
maiores bancos do mundo são chineses (ativos de US$ 5 trilhões), todos
estatais (ICBC, CCB, ABC, BoC, CMB).

Em cada grande cidade tem 20 a 30 empresas estatais que controlam a
produção e a economia. Já o setor privado fica com distribuição,
comércio, serviços e a construção civil.

Em 1991, não havia nenhuma empresa privada na construção civil
(estradas, moradias etc.). Em 1993, com a reforma neoliberal surgiram
553 empresas privadas. E ao longo do processo hoje são 122.706 empresas
privadas, 189 empresas de capital estrangeiro, 3.920 empresas estatais,
e 1928 empresas cooperativas os trabalhadores.

O PIB chinês cresceu 8,4% em 2021 e 3% em 2022, em consequência das
restrições do COVID. Nos próximos anos a previsão é de crescimento anual
de 5%. A China precisa crescer no mínimo 5% ao ano, segundo o governo
para poder gerar os empregos necessários para a população. Cada 1% de
crescimento do PIB gera 2,2 milhões de empregos. E precisam criar 11
milhões de empregos por ano.

A taxa de inflação atual é de 2% ao ano e a taxa de juros de 4% para
qualquer empréstimo, ou seja, uma taxa de 2% ao ano de juros reais.

A jornada de trabalho média é de cerca de 48 horas por semana! Mas há
ainda muitos trabalhadores que trabalham 60 horas por semana. E a renda
das famílias se divide, em 40% de consumo básico e 60% se transforma em
poupança.

Em geral as famílias investiram em moradia (cerca de 65% dos ativos das
famílias estão em imóveis), e agora guardam recursos para garantir
educação de qualidade para os filhos. Mas também estão começando a
investir em ações de empresas estatais, mistas e em ouro.

O maior problema da economia chinesa atualmente é a taxa de desemprego
de 5%, e de 19% entre os jovens de 18 a 24 anos (março de 2023). Outro
desafio da economia chinesa é como absorver o trabalho qualificado,
versus o trabalho manual. Há 9 milhões de jovens que se graduam todos os
anos, nas universidades e não estão sendo absorvidos pelo mercado de
trabalho.

Há falta de mão-de-obra na indústria. Parou a migração do campo, e os
jovens formados nas universidades não querem ir para a fábrica. Mas
também não querem mais ir para o Ocidente, nem estudar. Há muita
expectativa para trabalhar nas grandes empresas estatais. As vagas são
disputadas como verdadeiros concursos (houve uma empresa que ofereceu 20
vagas e apareceram 20 mil jovens se candidatando).

Os planos do governo são de aumentar os investimentos na indústria
(diminuir os investimentos em construção civil e infraestrutura que foi
a marca do crescimento no período anterior. E ao mesmo tempo aumentar o
mercado local, em detrimento da dependência do mercado externo. A maior
parte dos investimentos são de empresas estatais. E o governo está
buscando formas de canalizar a poupança das famílias para investimento
em indústrias (no período anterior as famílias compravam casas…).

A estratégia no plano externo, que une economia a estratégias de
geopolítica é a construção da /Nova Rota da Seda/ (ou /Iniciativa
Cinturão e Rota/) que implica em muitos investimentos em infraestrutura
e transporte pelos países que percorre na Ásia, África, América Latina e
até a Europa. E esses investimentos externos são feitos na moeda local
dos países que ajuda as economias locais.

As conquistas econômicas da China e seus resultados se devem
fundamentalmente ao componente de economia socialista, repartir a
riqueza produzida com os trabalhadores. Se ela abandonasse essa política
de priorizar o bem-estar da população, como querem setores neoliberais e
as empresas privadas chinesas, certamente iria colapsar econômica e
politicamente.

A China vem estimulando inúmeras iniciativas para combater a hegemonia
do dólar. Já fez acordo para comércio e investimento sem uso do dólar
com 25 países e regiões (como recentemente com o Brasil). Ela também
lidera iniciativas importantes de criação de fundos alternativos ao FMI
– como a Iniciativa Chiang Mai, com os países da ASEAN + Japão e Coréia
do Sul – e o Acordo de Reserva Contingente (BRICS). O yuan vem sendo
cada vez mais utilizado como moeda de referência entre diversos países.

O atual governo do Presidente Xi Jinping tem estimulado e fortalecido as
empresas estatais, que atuam em áreas estratégicas, na pesquisa, na
indústria etc., e são as mais poderosas. Procura combater a concentração
da riqueza entre os bilionários, que se formaram no período anterior.
Ainda que no país os ricos paguem relativamente pouco imposto de renda e
não haja imposto sobre propriedade imobiliária. Mas o controle é
político, para impedir – ou minimizar – o oligopólio de setores e
preços. Essa é a política clara para combater o fortalecimento da nova
burguesia e do surgimento de desigualdades sociais.

A atual situação da luta pela geopolítica mundial, trouxe como
contradição que os empresários chineses perderam a confiança nos EUA e
apenas procuram ampliar o comércio.

A sociedade chinesa vive agora a experiência de ter a primeira geração
de capitalistas chineses e por tanto ressurgimento de uma burguesia
industrial, de comercio e de serviços.

A China foi sempre historicamente “exportadora” de mão-de-obra com
muitos chineses que migravam todo ano. Agora sua economia está atraindo
migrantes, 1,5 milhão por ano, vindos das Filipinas e Sudeste Asiático,
para trabalhar em Hong Kong e Xangai, sobretudo, nas indústrias e serviços.

As perspectivas da política de investimentos para o futuro vão na
direção de substituir a atual matriz energética baseada em 60% no
carvão, e nos próximos 20 anos, baixar para 30% e investir em energias
renováveis, como eólica, solar, hidrogênio, e também investirem em novos
formatos de energia nuclear (cuja tecnologia a China dominou em 2021).

Há também muitos investimentos e novas tecnologias, a empresa Huawei vai
apresentar o 6G daqui a alguns anos, por exemplo. Também começa a ter
preocupação com biotecnologias e agroecologia.

*Economia agrária e meio rural*

A base da sociedade chinesa no meio rural foi constituída pela reforma
agrária de 1949-1950 que destruiu o latifúndio, os senhores feudais, e
distribuíram todas as terras para os camponeses. Havia no campo 555
milhões de pessoas, que representavam 88% da sociedade. Cada família
recebeu em média menos de um hectare. E o resultado principal é que
pararam de trabalhar para os fazendeiros locais e resolveram o problema
da fome (a medida popular utilizada no país é o MU = 0,15 hectares, na
literatura agrária chinesa só aparece o MU).

A primeira reforma agrária destruiu a burguesia agrária e garantia
terras a todas as famílias. Porém, nos anos 1960, se forçou a
coletivização do trabalho agrícola. Isso desorganizou a produção, e
trouxe um período inclusive da volta da fome. Na década de 1990 houve
uma nova reforma agrária, em que foi permitido que as comunidades rurais
que tinham a concessão de uso das terras pudessem “vender” a concessão
para as empresas colocarem indústrias. E ao mesmo tempo o plano de
industrialização do país, levou a migração de mais de cem milhões de
jovens do campo para as cidades, atraídos pelos empregos e salários.

Mas o plano de industrialização trouxe também a mecanização do campo,
baseada em pequenas máquinas que os camponeses e suas associações
puderam comprar e utilizar. Há no país mais de 8 mil fábricas de
máquinas agrícolas, distribuídas por todo país, e praticamente por todos
municípios ou distritos.

Esse processo de mecanização do campo, dos últimos trinta anos, levou a
que hoje se tem 21.730.000 tratores utilizados na agricultura, em seus
120 milhões de hectares. (No Brasil temos quase a mesma quantidade de
terras utilizadas na agricultura, e apenas 1,3 milhão de tratores!!). Do
parque de máquinas existentes na agricultura, 16 milhões são de pequenos
tratores, 4 milhões de máquinas medias, em geral utilizadas por
cooperativas e apenas 700 mil máquinas utilizadas em grandes unidades de
produção.

Nos últimos 20 anos, e basicamente no governo de Xi Jinping, houve uma
prioridade de eliminar a pobreza, que aparecia basicamente no campo. E
neste período aplicaram políticas que tiraram da pobreza mais de 100
milhões de pessoas. Foi o maior programa de erradicação da pobreza do mundo.

Para desenhar o plano o governo deslocou para o campo mais de 3 milhões
de militantes do Partido, que foram morar nas comunidades pobres, pagos
pelo governo. Nestas comunidades eles tinham treinamento para fazer um
diagnóstico da situação de pobreza, das principais necessidades
familiares e coletivas. E a partir desse levantamento na sequência,
realizavam debates a nível de partido local, com suas lideranças para
desenhar que políticas o governo deveria aplicar para erradicar a
pobreza. (E pior, entre os militantes enviados, 1.800 deles morreram
durante a missão, em consequência de acidentes ou enfermidades graves!).

Esse foi o trabalho de dois a quatro anos, e em seguida o governo
começou a aplicar as medidas necessárias, que se adequavam a cada
região. Em 25 de fevereiro de 2021, o governo anunciou que a pobreza
extrema havia sido superada na China. Desde a reforma econômica, 850
milhões de chineses foram retirados e se retiraram da pobreza; ou seja,
70% da redução total da pobreza no mundo ocorreu na China.

Na fase “direcionada” mais recente, que começou em 2013, o governo
gastou 1,6 trilhão de yuans (246 bilhões de dólares) para construir e
asfaltar 1,1 milhão de quilômetros de estradas rurais, levar acesso à
internet a 98% dos vilarejos pobres do país, reformar casas para 25,68
milhões de pessoas e construir novas moradias para outras 9,6 milhões.
Desde 2013, milhões de pessoas, empresas estatais e privadas e amplos
setores da sociedade foram mobilizados para garantir que – apesar da
pandemia – os 98,99 milhões de pessoas restantes da China em 832
condados e 128 mil vilarejos saíssem da pobreza absoluta.

O plano de erradicação da pobreza desde a presidência do Xi Jinping
combinou várias iniciativas, como: (a) financiamento especial para as
cooperativas e associações locais aumentarem a produção de alimentos e
de bens (em média aplicavam 2 milhões de reais por cooperativas a juros
subsidiados); (b) empresas estatais de outras regiões foram induzidas a
colocarem fabricas nessas regiões, e ou comprarem seus produtos; (c)
construção e ou melhoria das casas; (d) construção de banheiros
coletivos nas comunidades; (e) garantia de energia elétrica e internet;
(f) organização de aplicativos gratuitos para que as famílias e
comunidades oferecessem seus produtos na sociedade e nas cidades
próximas; (g) estímulo para colocarem indústrias de frutas, verduras, e
moinhos de farinhas; (h) infraestrutura de estradas asfaltadas para
chegar até as comunidades; (i) melhoria no acesso a água potável
coletivo; (j) apoio na construção de escolas secundarias mais próximas
dos povoados.

(l) algumas comunidades as famílias foram induzidas a se mudarem para
distritos e cidades próximas, onde receberam moradias, capacitação para
trabalho urbano e industrial; (k) e trabalho de base. Em 2014, cerca de
3 milhões militantes do Partido foram organizados para visitar e
pesquisar todas as famílias em todo o país, identificando 89,62 milhões
de pessoas pobres em 29,48 milhões de famílias e 128 mil vilarejos. Mais
de dois milhões de pessoas receberam a tarefa de verificar os dados,
removendo posteriormente os casos identificados incorretamente e
adicionando novos. Mais notavelmente, três milhões de quadros
cuidadosamente selecionados foram enviados para os vilarejos pobres,
formando 255 mil equipes que lá residiram. Vivendo em condições humildes
por um a três anos de cada vez, as equipes trabalharam ao lado de
camponeses pobres, autoridades locais e voluntários até que cada família
fosse retirada da pobreza.

Passado esse período de eliminação da pobreza, agora o plano do governo
é garantir que as 550 milhões que vivem em comunidades rurais,
permaneçam no campo e tenham as mesmas condições de vida da cidade. Para
isso estão organizando um plano que chamaram de revitalização rural. A
taxa de urbanização da China era de 64% em 2020, e espera-se que chegue
a 70% até 2030.

As principais linhas do plano governamental de revitalização rural são:

Dar mais incentivos para novas agroindústrias; aplicar um plano de
reflorestamento. Estão plantando arvores em toda parte. A China foi
líder global em reflorestamento e foi responsável por 25% do crescimento
total da área foliar do mundo entre 1990 e 2020, impulsionada por 15
anos de política de “águas claras, montanhas verdes”; garantir o fomento
de novas tecnologias para agricultura, que aumentem a produtividade do
trabalho e das áreas; redução de impostos e mais incentivos do governo
em investimentos necessários.

Maior treinamento para adoção de mais mecanização agrícola; utilizar as
tecnologias para controle de desempenho dos tratores, consumo etc. 1,5
milhão de tratores já são monitorados em tempo real por satélite, sobre
como estão trabalhando, desempenho, consumo etc.; estimular o potencial
do trabalho das mulheres, em diversas atividades produtivas; estimular
atividades de turismo rural interno (com melhoria de instalações para
receber visitantes); criaram um plano por aplicativo de que os operários
migrantes podem investir sua poupança em investimentos produtivos das
cooperativas do campo; reformar as casas vazias no campo, para alugá-las
a visitantes; programa de proteção de rios e lagos para melhorias do
meio ambiente, financiando essas atividades para as comunidades.

Estímulo à produção de ervas medicinais; houve um crescimento
vertiginoso, nos últimos anos, da prática de venda de produtos agrícolas
(muitas vezes, orgânicos) para os habitantes das cidades mais próximas,
através de lives (o Tik Tok na China, chamado Douyin, tem a maior parte
do seu faturamento aí); estímulo à produção de bens que podem ser
vendidos na Rota da Seda. Estão treinando todos os líderes locais do
partido, para que se preparem melhor para aplicar essas políticas.

Para implementar esse plano, mudaram o método. Antes todas as políticas
eram coordenadas e repassadas para os presidentes das cooperativas e
associações das comunas. Eles centralizavam e muitas vezes tinha
corrupção. Agora, é o coletivo do partido na comuna que é o responsável
pela aplicação da política de revitalização rural. Ou seja, a política
agrária saiu do ministério da agricultura e agora é coordenada pelo
partido, a nível nacional e geral.

 Eles têm apelidado essa política no campo de “como dançar com o lobo!
Ou seja, como estimular maior investimento em capital, maior capital
orgânico, sem, no entanto, desempregar as pessoas, para que permaneçam
no campo.

Já a política de reflorestamento e defesa do meio ambiente, eles têm
adotado o lema, de “Montanha verde e águas claras” que parece utilizar a
cultura chinesa, das frases e poesias, que refletem o espírito dos
objetivos políticos.

*Sociedade e política*

A sociedade chinesa está formada por classes e fracções de classe que
levam a ter ainda uma luta de classes permanentes. Hoje, a maioria da
população pertence à classe trabalhadora urbana, que atua nas fábricas,
comércio, serviços, e serviço público. E se mantem no campo 500 milhões
de pessoas que vivem como camponeses, organizados em comunas,
associações e cooperativas. Mas há uma nova burguesia industrial e
comercial, ainda que muito concentrada em bilionários (o que seria fácil
controlá-los!!!); e há uma pequena burguesia nas cidades formadas por
pequenos comerciantes e a juventude egressa das Universidades que no
passado recebeu muita influência do neoliberalismo americano, que levou
a um individualismo exacerbado. E há nove milhões de funcionários
públicos, que embora sejam filiados ao partido, muitos deles se
comportam como pequena burguesia.

Em 2022 a China tem 65% da população morando nas cidades e 35% no campo,
onde vivem ainda 550 milhões de pessoas. Tem 167 cidades com mais de um
milhão de habitantes cada uma, e mais de 30 cidades tem mais de 10
milhões de habitantes cada. Xangai é a sua maior cidade com 28 milhões
de habitantes e Pequim tem mais de 20 milhões de habitantes.

No campo todos são proprietários de suas casas.  Em geral as pessoas
trabalham em empresas da cidade com aproximadamente 100 trabalhadores,
são raras as empresas que têm mais de mil operários.

Nos tempos da revolução e de Mao, havia 40 milhões de pessoas
organizadas no partido, sendo que quatro milhões eram soldados e atuavam
no exército. De uma população total de 500 milhões de pessoas. Hoje a
sociedade chinesa tem 1,4 bilhão de pessoas, e o partido organiza e tem
como filiados 97 milhões de membros. Destes apenas 10 milhões seriam
militantes e com formação marxista. Nos últimos anos foram expurgados
quatro milhões de filiados por desvios e corrupção, muitos deles foram
presos.

Há 40 mil quadros do partido que dirigem os cargos chaves nas empresas
estatais, e no controle das instâncias governamentais, das províncias.

A sociedade chinesa é hegemonizada pelas ideias de Confúcio (551- 479
a.C.) que como filósofo ordenou uma série de valores que são adotados
pela sociedade e até hoje orientam comportamento das pessoas e do
coletivo. Não é uma religião, são normas e valores de comportamento.

As ideias do socialismo foram muito atacadas desde trinta anos atrás
quando as ideias ocidentais e do neoliberalismo influenciaram amplos
setores da sociedade, em especial as universidades, a mídia e a
juventude. Hoje, o presidente Xi Jinping diz claramente que se deve
fazer um esforço para recuperar o espírito socialista na sociedade
chinesa, e que o partido deve ser o exemplo e zelador desta política.

A direção política do partido pelo Presidente Xi Jinping representa uma
retomada dos ideais socialistas e do papel do partido. Frente a
degeneração do partido, da corrupção e da influência dos americanos,
foram as bases sociais do campo, que recuperaram o partido.

Na China quem controla as forças armadas é o partido. E a linha política
do presidente Xi Jinping tem total hegemonia nos quadros que atuam nas
forças armadas, que são milhões de oficiais e soldados nas três armas e
na pesquisa tecnológica militar.

No congresso do partido de 1990 cerca de 50% dos delegados se
consideravam capitalistas. A partir da eleição do presidente Xi Jinping
e das mudanças e expurgos do partido, no último congresso estima-se que
apenas 15% se consideravam capitalistas. Antigamente havia a presença de
empresários capitalistas inclusive no comitê central.

O presidente Xi Jinping tem defendido que o partido precisa melhorar
muito seu funcionamento e apreender com o povo, e voltar a ser humilde
para se fortalecer seguir dirigindo o estado e o governo na direção do
bem-estar de todo povo.

Recuperou-se o método de direção coletiva das instancias do partido. E o
fortalecimento das quatro grandes escolas de formação de quadros do
partido. O processo de promoções é feito a cada quatro anos, e segue
critérios rigorosos, de avaliação de cada militante. E há uma política
de aposentadoria compulsória dos cargos aos 65 anos.

A classe trabalhadora está satisfeita com a melhoria das suas condições
de vida que melhorou muito nos últimos dez anos. Ainda que a saúde não
seja ainda totalmente socializada, mas a educação é mais de 90% pública,
inclusive as universidades.

O governo e o partido tiveram ótimo desempenho no combate à poluição nas
cidades, que já era insuportável há dez anos, e ao tratamento e proteção
na COVID. Com isso, a população em 90% apoia ao partido e ao governo.

Há ainda muitos casos de desvios e corrupção sobretudo nas instancias de
governos das províncias, que, no entanto, são denunciados pela própria
população. Há alguns anos, as redes sociais difundiam e combatiam o
partido e geravam divisionismo dentro do governo. Mas isso fracassou.
Hoje com a política do partido sob comando do Presidente Xi Jinping, de
eliminação da pobreza, aumento dos salários e melhoria das condições
devida nas cidades, levou a que a classe trabalhadora e amplos setores
da juventude passassem a defender essa política e o partido.

No período do neoliberalismo e das reformas pró-ocidentais, cerca de
90%da mídia chinesa, incluindo a oficial, eram de ideias de direita. Os
quadros do partido ainda estão aquém das necessidades de realizar de
forma eficiente os programas de agitação e propaganda dos resultados da
China, tanto para o povo chinês, quanto e mais ainda para a classe
trabalhadora a nível internacional, que poderia ser aliada, dessas
políticas.

Há ainda uma luta de classes no campo ideológico. Uma elite minoritária
formada por grandes empresários, parte de professores universitários e
parte da juventude, criticam a linha atual e sonham com o modelo
americano. Mas são amplamente minoritários.

Há também um conflito geracional entre a militância do partido. Os que
tem entre 40 e 55 são frutos da reforma e continuam a maioria
neoliberais e burocratas, em sua maioria. A atual geração que conduz o
processo para revitalização do socialismo está entre quadros com mais de
60 anos e os quadros mais jovens. E a esperança dos socialistas é que a
gestão do Presidente Xi Jinping vá até ser substituído na presidência e
no comitê central por essa geração mais jovem. Para muitos, o ideal
seria Presidente Xi Jinping permanecer por mais um mandato além do
atual, até 2032.

O papel dos sindicatos na China é diferente do mundo ocidental, onde
sempre tiveram papel atuante na luta de classes. Na China seu papel está
relacionado com a organização no local de trabalho, sobretudo
organizando atividades culturais, de lazer e cultura, e espaços de
atuação coletiva, social.

Desde a revolução de 1949 se adotou um método de trabalho político que
persiste até hoje, em todas as unidades de trabalho. No primeiro horário
antes de começar o turno, todos os trabalhadores da sessão, se reúnem,
de pé, e em reuniões que vão até 30 minutos, diariamente, analisam o que
há de errado e o que devemos melhorar. É um método de crítica e
autocritica muito interessante, e esse processo é seguido de forma
disciplinar e coordenado pelo dirigente no partido na sessão laboral (Vi
algumas dessas reuniões e é impressionante!).

A atual direção do partido está recuperando a política da “linha de
massas”. Ou seja, de fortalecer as organizações do povo e a luta das
massas, e convocá-las sempre que necessário para as disputas da luta de
classe. O Partido tem recuperado também um método histórico do trabalho,
quando querem fazer uma mudança na política econômica, na organização da
produção e na aplicação política, primeiro aplicam numa região ou
distrito como projeto piloto. Analisam os pros e contras e aí passam a
aplicar a nível nacional.

*Geopolítica*

A China está no centro da disputa da luta de classes mundial. Passou
pelos cem anos de humilhação (1840- 1949) dedicou-se a superar a pobreza
de 1949-2020; e agora sendo a maior potência econômica mundial, ascendeu
na disputa pela nova ordem mundial. As bases da atual ordem mundial,
hegemonizada pelos EUA e pela Europa, como resultado da segunda guerra
mundial e da derrota da URSS, chegaram ao seu fim.

Os EUA tiveram uma vitória estratégica, histórica e fantástica ao
derrotarem e destruírem a URSS. Primeiro a derrotaram economicamente
induzindo a corrida armamentista que implicou em priorizar gastos
militares em detrimento das melhorias das condições de vida da população
soviética, dos avanços na tecnologia industrial, que melhoraria a
produtividade da produção em geral. Depois atacaram politicamente nas
alianças e cooptação de Gorbachev, que apesar das boas intenções de
combater os desvios do partido e da democratização da sociedade, se
rendeu a cantilena ocidental.

Agora os EUA estão usando as mesmas táticas para tentar derrotar a
China. Segue atacando na economia, criando bloqueios e impondo condições
no avanço da tecnologia, como tentaram com 5G e com o bloqueio do acesso
de empresas chinesas aos chips de tecnologia mais avançada. Porém, hoje
a economia americana depende mais da China, do que a China deles, e esta
contradição os impede de fazer uma verdadeira guerra econômica.

Na política tentaram criar adeptos entre os membros do Comitê Central do
partido, mas não conseguiram sucesso. Assim como tentaram transformar a
região dos Uigures (Xinjiang) e da dissidência de Hong Kong, como se
fosse um problema política interno grave da China, que poderia construir
um movimento de massas de oposição. Mas como não tinha base social real,
não prosperaram.

Na geopolítica internacional os EUA provocaram a Rússia e utilizaram a
OTAN e o governo títere da Ucrânia, para levar a guerra. Mas seu
objetivo era desgastar economicamente a Rússia, e trazer a China para a
guerra. No entanto, nenhuma das duas situações aconteceu. O povo da
Ucrânia e a economia europeia estão pagando um alto preço pela política
imperialista dos americanos, que certamente trará consequências, como
está visto nas visitas a Pequim, do governo da Alemanha e da França. E
na retaguarda que a China tem dado economicamente à Rússia, sem se
envolver na guerra.

Agora estão tentando criar conflito militar, ao redor de Taiwan. Mas a
China demonstrou que não vai cair em provocações militares e correr o
risco de entrar numa guerra. Os EUA provocaram uma contradição na
política chinesa, quanto mais ele ataca a China a nível internacional,
mais enfraquece seus aliados internos, as elites empresariais e os
setores universitários que antes os apoiavam internamente. Assim,
inviabilizou também uma possível contrarrevolução capitalista na China.

A China tem adotado uma série de iniciativas na política internacional,
que a tem fortalecido, como: (i) fortalecimento dos BRICS como espaço de
articulação econômica e política, formando um bloco econômico, mais
poderoso do que os EUA; (ii) construiu uma aliança entre Irã-Arábia
Saudita, que derrotou politicamente os interesses dos EUA no Oriente
Médio; (iii) A China está organizando diversas cadeias produtivas,
baseadas em alta tecnologia, em aliança com a Rússia; (iv) A China
ampliou seus laços políticos com os países da África.

A China precisa mudar sua política com o Sul global, para fazer
parcerias de mútua ajuda, para reindustrialização da região. Abandonar a
política de apenas comprar commodities agrícolas e minerais. E sobretudo
a china precisa mudar sua política e construir alianças com a classe
trabalhadora e os povos do sul. A verdadeira defesa da China virá do Sul
global e não dos governos do Norte. Esse desafio é visto como um enigma
a ser resolvido, por setores intelectuais do partido, de forma cada mais
acentuada.

Nos próximos anos, ou décadas, assistiremos a construção de uma nova
ordem mundial, agora fundada em outros princípios e certamente será
multipolar, com a participação de muitos países, do Norte e do Sul global.

*Desafios do próximo período*

A Economia chinesa tem uma base de economia mista entre o caminho chinês
ao socialismo e a empresas privadas capitalistas. Esse processo leva
ainda a concentração da riqueza e a desigualdade das classes. A médio
prazo aumentarão as contradições e a luta de classes dentro da sociedade
chinesa.

A “prosperidade comum” refere-se tanto a uma visão quanto a um ciclo de
reformas iniciadas pelo governo que visam conciliar a eficiência
econômica com o fortalecimento dos mecanismos de bem-estar. Também faz
parte do esforço para combater as “três montanhas” de altos custos de
educação, moradia e saúde enfrentados pelos chineses atualmente. O
objetivo é abordar a crescente desigualdade entre o campo e a cidade, as
classes sociais e as regiões por meio do desenvolvimento e da
distribuição de renda, das reformas tributárias e do bem-estar social e
da filantropia.

Em 2022, a riqueza dos bilionários chineses caiu 18%, a maior queda em
24 anos, e houve uma redução de 11% no número de bilionários, em grande
parte devido a medidas governamentais que limitaram os monopólios e o
setor de tecnologia. Mas a China ainda tem mais de 800 bilionários,
superando os Estados Unidos.

A China está se tornando uma sociedade envelhecida, com baixa taxa de
crescimento populacional, e teve o primeiro declínio da população em
números absolutos em 2022 (desde que o censo nacional começou em 1961).
Há 300 milhões de idosos com mais de 60 anos, o que traz problemas de
diminuição da força de trabalho, menos impostos para aposentadorias,
grande déficit previdenciário e pressão sobre a assistência médica.

A China tem se relacionado com o Sul-global em busca de commodities
agrícolas e minerais que sustentam as necessidades de seu
desenvolvimento. Porém, esse modelo representa no sul global uma aliança
e o fortalecimento das burguesias locais. Aumentando a exploração dos
trabalhadores e os crimes ambientais. Por outro lado na luta de classes
internacional e na construção, de uma nova ordem mundial, a China vai
precisar do apoio das populações do Sul global. Já as burguesias do sul
global sempre foram aliadas dos EUA, e assim seguirão, apesar de
venderem para a China.

Os EUA já estão em guerra fria contra a China, embora ela não queira.
Nesta guerra vai adotar todos os métodos possíveis, seja da economia,
comercio, mediático e ideológico. Para a China derrotar os EUA, mesmo
sem cair nas suas provocações, precisara necessariamente adotar uma
linha política anti-imperialista, não poderá mais conviver, dormindo com
o inimigo que quer derrotá-la.

Os EUA sempre usaram o dólar, como arma econômica de exploração de todos
os povos e países. E agora em crise, a moeda tem um papel ainda mais
relevante. A China terá que acelerar sua política de mudança do uso do
dólar, a nível internacional, e criar condições no plano dos BRICS ou
outras alianças para ter outros parâmetros de moeda no comercio
internacional.

O estágio atual da luta de classes a nível local e internacional é
fundamentalmente a luta ideológica, da batalha das ideias, sobre o
futuro da humanidade. Os EUA têm usado os meios de comunicação, a
cultural, as redes sociais nesta guerra ideológica. Porém, parece que a
China não está priorizando esse campo de atuação, em especial na sua
relação com os povos do Sul global.

O modo de produção capitalista em crise tem priorizado com suas empresas
imperialistas, uma verdadeira ofensiva contra os bens da natureza, se
apropriando de forma privada e espoliando as reservas em todo mundo.
Isso tem causado crimes ambientais, com graves consequência que aparecem
nas mudanças climáticas e no desaparecimento de muitas, milhares de
formas de vida vegetal e animal, que podem colocar em risco a vida
humana no planeta. A China deu passos a nível interno para combater a
poluição e buscar fontes de energia alternativa. Mas a China teria
enormes possibilidades de usar seus avanços tecnológicos e ajudar os
povos do Sul, para buscar alternativas de energia, de combater os crimes
ambientais e reconstruir a defesa do meio ambiente em todo planeta. Isso
traria resultados ideológicos fantásticos para um projeto global de
socialismo.

**João Pedro Stédile*/é membro da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST)/.

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Em
A TERRA É REDONDA
https://aterraeredonda.com.br/viagem-a-china/?utm_term=2023-05-14
13/5/2023

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