terça-feira, 5 de março de 2024

A ideologia da guerra na Ucrânia e em Israel

 

 
Thierry Meyssan

As guerras da Ucrânia e de Gaza assemelham-se mais do que se possa
pensar, pelo menos se conhecermos a sua História. A da Ucrânia não
começou com a operação militar russa, mas com os massacres no Donbass,
enquanto a de Gaza não começou com a operação « Torrente de Al-Aqsa »,
mas 75 anos antes com a Nakhba. Com o decorrer do tempo, os responsáveis
pelas duas guerras afinam pela mesma ideologia.


De um maneira geral, qualquer guerra define quem somos « nós » e quem
são« eles ». « Nós » somos o Bem, enquanto « Eles » são o Mal.

Os dirigentes ocidentais, embora declarem que a guerra em si é má,
afirmam que agora ela é indispensável face às agressões da Rússia e do
Hamas. Segundo eles, a Rússia, ou melhor, o seu Presidente Vladimir
Putin, sonha apoderar-se dos nossos bens e destruir o nosso sistema
político. Depois de ter invadido a Ucrânia, ele invadirá a Moldávia e os
países Bálticos; depois continuará para o Ocidente. O Hamas, esse, é uma
seita cheia de ódio que começa por violar e decapitar os judeus por
causa do anti-semitismo e que irá continuar invadindo o Ocidente em nome
da sua religião.

É de notar que Israel e os Estados Unidos foram fundados pelos seus
exércitos, a Haganah e o Exército Continental. Actualmente, a grande
maioria dos seus dirigentes políticos passaram as suas carreiras no
Exército ou nos Serviços Secretos. Mas não são os únicos, já que Xi
Jinping é um militar e Vladimir Putin é um antigo membro dos Serviço
Secreto soviético (KGB).

Pergunta-mo-nos sobre o que alimenta as fantasias do Ocidente político e
como é que elas os impedem de captar a realidade. A Rússia não invadiu a
Ucrânia, tal como a França não invadiu o Ruanda. Moscovo e Paris
impediram o massacre dos Ucranianos do Donbass e dos Ruandeses tutsis.
Ambas foram movidas pela sua «responsabilidade de proteger» e aplicaram
as Resoluções do Conselho de Segurança. Os Palestinianos não violam nem
decapitam ninguém por prazer, embora alguns deles pertençam a uma
sociedade secreta que o faz. Eles não lutam contra os judeus por anti-
semitismo, excepto o braço histórico do Hamas, mas sim contra o sistema
de apartheid do qual são vítimas.

Talvez a cegueira colectiva tenha por função principal apagar os nossos
crimes anteriores : foram as «democracias» dos Estados Unidos e de
membros da União Europeia que organizaram o derrube do Presidente
ucraniano eleito, Viktor Yanukovych, em 2014. Foram a Alemanha e a
França que assinaram os Acordos de Minsk para garantir a paz aos
Ucranianos do Donbass (2015), mas que nunca tiveram a intenção de os
aplicar e, segundo as confissões da Chancelerina Angela Merkel e as do
Presidente François Hollande, utilizaram-nos para armar a Ucrânia contra
a Rússia. Esta corrupção da palavra e da assinatura constitui, segundo o
Tribunal de Nuremberga, o mais grave de todos os crimes, aquele que é
cometido « contra a paz ».

Da mesma forma, foi a «maior democracia do Médio-Oriente», Israel, quem
roubou por ocupação, e pela contínua apropriação, metro após metro, a
maior parte dos Territórios palestinianos fixados pela Resolução 181 do
Conselho de Segurança (1947).
A menos que se dê o contrário : a nossa cegueira colectiva talvez tenha
a função de nos permitir perpetrar os nossos próximos crimes. Neste
caso, não nos devemos espantar por estarmos à procura de desfazer a
economia russa e, em última análise, reenviar a Rússia para à Idade da
Pedra. Muito menos nos devemos espantar com discursos apelando à limpeza
étnica da Palestina geográfica e, por fim, à expulsão de um milhão de
Palestinianos.

<https://www.voltairenet.org/IMG/jpg/220512-2.jpg>
*Benjamin Netanyahu e Volodymyr Zelensky prestam homenagem em Babi Yar
onde 33. 000 judeus foram massacrados pelos nazis e seus colaboradores
ucranianos. A hipocrisia da cerimónia nota-se : acede-se ao memorial
pela avenida Stepan Bandera, o nome do "Providnyk" (guia) da Organização
dos nacionalistas [integralistas] ucranianos. *

Estes conflitos não visam a apropriação de recursos, mas sim de
territórios. Os nacionalistas integralistas ucranianos de Dmytro Dontsov
nunca deixaram de reivindicar, desde 1917, a soberania sobre a
Novorossia anarquista de Nestor Makhno e o Donbass e Crimeia
bolcheviques. É claro que estes territórios foram fundidos na Ucrânia
Soviética pelo Ucraniano Nikita Khrushchev, mas Kiev não pode invocar a
história recente para se apropriar deles. De forma idêntica, os
sionistas revisionistas de Vladimir Ze’ev Jabotinsky reivindicam, desde
1920, a soberania sobre toda a Palestina e, a prazo, sobre o Sinai
egípcio, o Líbano, a Jordânia e a Síria, em suma, todos os territórios
que vão do « Nilo ao Eufrates ». É claro que o antigo reino de Jerusalém
era constituído pela cidade e pelos seus arredores, mas isso não lhes
permite invocar a História para reclamar todas estas conquistas.

Diz-se frequentemente que a pirâmide etária determina a agressividade
dos Estados. Estes, tendo uma maioria de jovens entre os 15 e os 30
anos, estariam por natureza virados para a guerra. Ora, não é este o
caso da Ucrânia, nem o de Israel. Mais ainda, é a Palestina e não Israel
que a pirâmide etária poderá empurrar para a guerra.

No fim, é provavelmente a questão ideológica a mais importante. Dmytro
Dontsov e o seu homem de mão, Stepan Bandera, glorificaram os
combatentes ucranianos, supostos “herdeiros” dos Vikings suecos, os
Varenges, que deviam massacrar os «Moscovitas» para poder festejar no
Valhalla. Agora, temos o «Führer Branco», Andriy Biletsky, que comandou
as tropas da Divisão Azov em Mariupol, a 3ª Brigada de Assalto em
Bakhmut/Artemovsk e recentemente em Avdeïevka/Avdiïvka. Da igual forma,
Benjamin Netanyahu, filho do secretário particular de Vladimir
Jabotinsky, não hesitou em comparar os Palestinianos aos antigos
Amalequitas (episódio do Êxodo na Bíblia-ndT). Está sub-entendido, é
preciso exterminá-los a todos tal como Yahweh ordena, caso contrário a
sua raça ressurgirá contra os Hebreus. Da mesma forma, as FDI destruíram
sistematicamente todas as universidades e escolas da Faixa de Gaza e
massacraram 30. 000 civis fingindo estar a lutar contra o Hamas.

Dmytro Dontsov fez uma aliança com Adolf Hitler, em 1923, quer dizer,
antes de este chegar ao Poder, tornando-se depois um dos administradores
do Instituto Reinhard Heydrich encarregue da execução da “solução final”
das questões judaica e cigana. Vladimir Jabotinsky, que tinha feito uma
aliança com Dontsov, em 1922, fundou a escola de quadros do Betar, em
Civitavecchi (Itália), com a ajuda do Duce Benito Mussolini, em 1935.
Ele não teve a possibilidade de jogar um grande papel durante a Segunda
Guerra Mundial, uma vez que morreu em Agosto de 1940. Não há, assim,
nenhuma dúvida possível sobre a adesão dos nacionalistas integralistas
ucranianos ao nazismo e a dos sionistas revisionistas ao fascismo.

Além disso, encontramos a lógica de apropriação territorial dos regimes
fascista e nazi no discurso actual do Presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, e no do Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
Enquanto os Presidentes russo e palestiniano, Vladimir Putin e Mahmud
Abbas, não param de afirmar que defendem os seus respectivos povos.

    • Para saber mais sobre o nacionalismo integralista de Dmytro
    Dontsov, ler :
    « Quem são os nacionalistas integralistas ucranianos ? <https://
    www.voltairenet.org/article218410.html> », por Thierry Meyssan, Rede
    Voltaire, 17 de Novembro de 2022.
    • Para saber mais sobre os sionistas revisionistas de Volodymyr
    Jabotinsky, ler :
    « Rompe-se o véu : as verdades escondidas de Jabotinsky e Netanyahu
    <https://www.voltairenet.org/article220335.html> », por Thierry
    Meyssan, Rede Voltaire, 25 de Janeiro de 2024.
    e « Em Jerusalém, a « Conferência para a Vitória de Israel » ameaça
    Londres e Washington <https://www.voltairenet.org/
    article220428.html> », por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 13 de
    Fevereiro de 2024.

Thierry Meyssan <https://www.voltairenet.org/auteur29.html?lang=pt>
Tradução

Em
VOLTAIRE.NET
https://www.voltairenet.org/article220523.html
5/3/2024

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