Por António Azevedo
O /AbrilAbril/ esteve à conversa com Tiago Oliveira, o novo secretário-
geral da CGTP-IN. Na conversa foi abordado o novo quadro que saiu das
eleições do passado domingo, as repostas que se devem dar e os desafios
que se colocam. Intensificar a luta é o caminho.
Tiago Oliveira foi eleito secretário-geral da CGTP-IN há cerca de duas
semanas. A sua eleição ocorreu num quadro de correlação de forças
diferente do actual, que mudou radicalmente em pouco tempo. O recém-
eleito secretário-geral não nega que a nova composição da Assembleia da
República traduz perigos, mas assinala que é com os trabalhadores,
mesmo com aqueles cujas opções de voto não traduzem a sua situação
social, que se tem que intensificar a luta.
Desde a actual situação política, económica e social, os desafios que
estão colocados à CGTP-IN e as tarefas que se colocam, Tiago Oliveira
vinca que a solução passa pelo desenvolvimento da luta nos locais de
trabalho.
A tarefa não se avizinha fácil, mas é o próprio que relembra todo o
património histórico de luta, intervenção e resistência da central
sindical de classe que é a salvaguarda para todos os embates que se
aproximam.
Foste eleito há duas semanas e entretanto a correlação de forças
na Assembleia da República alterou-se com o resultado das eleições
de dia 10. Consideras que a CGTP-IN está preparada para dar
resposta ao perigo que se coloca?
Se há algo que a CGTP-IN afirmou ao longo dos seus 53 anos de
existência, é uma capacidade de resistência, de intervenção, de
persistência, de mobilização dos trabalhadores nos locais de trabalho,
que atestam que temos todas as condições para continuar a trilhar este
caminho em defesa dos interesses, das justas aspirações dos
trabalhadores. Não é a alteração do quadro político de domingo que irá
alterar a nossa postura, nem a nossa presença nos locais de trabalho,
que isso é que é fundamental.
Temos que fazer aquilo que sabemos, que é a discussão com os
trabalhadores, a mobilização dos trabalhadores, discutir o problema
concreto que aflige cada um no seu local de trabalho, e saber dar as
devidas respostas. E essa resposta dá-se com a participação deles, com a
discussão no coletivo, e no coletivo, encontrando as respostas necessárias.
Num quadro onde as forças reaccionárias ganharam bastante força, a
luta concreta e imediata ganha ainda mais importância nesta fase?
O quadro que saiu das eleições do passado domingo é um quadro
preocupante e a gente não pode escamotear isso, nem pode deixar de fazer
uma avaliação concreta daquilo que foram os resultados eleitorais.
Obviamente, remetendo isto para uma maioria de direita, e analisando
aquilo que foram as políticas de direita, sempre que estiveram no
governo. No período da Troika, aquilo que foi a retirada de direitos aos
trabalhadores, o ataque aos salários, o ataque às pensões, o ataque com
a retirada de feriados e de férias, achar que a direita alterou aquilo
que é o seu objectivo concreto, não alterou. Temos que estar preparados
para dar combate àquilo que são políticas de retirada de direitos,
àquilo que são políticas de ataque aos direitos dos trabalhadores,
àquilo que são políticas de ataque às funções sociais do Estado. Isto
vai exigir muito dos trabalhadores, deste coletivo, daqueles que no
domingo exerceram o seu direito de voto. Contamos com o seu poder para
continuar a trilhar este caminho.
Os votos que a direita conseguiu, a maioria que a direita
conseguiu obter, foi em grande parte também com votos de
trabalhadores. Isto é inegável. Foram os próprios trabalhadores a
dar esta maioria à direita. Como é que encaras este aspecto, até
do ponto de vista da luta, uma vez que, em última análise, é
sempre com ele que nós contamos nas fileiras da luta?
Acho que colocaste as coisas na formulação completamente correcta. Nós
temos que fazer uma avaliação do porquê deste resultado eleitoral e a
primeira avaliação que é feita é que de facto, se olharmos, nós temos
uma viragem à direita proveniente do governo de maioria absoluta do
Partido Socialista. E isto não é pequena esta observação. Não é pequena
porquê? Porque se nós olharmos para aquilo que foi a partir de 2015, com
os avanços que se alcançaram, com a recuperação dos direitos e
rendimentos, houve uma valorização dessa política por parte dos
trabalhadores e do povo português. Portanto, houve uma valorização dessa
política. Não vale a pena agora estar aqui a dar nota se o PS, na
altura, se apoderou de políticas que não eram deles, mas o facto é que o
povo, valorizando uma política de recuperação de rendimentos e de
direitos, soube valorizar aquilo que foi essa política, e por isso é que
o povo, obviamente, no contexto histórico da altura, e valorizando essa
recuperação, votou da forma que votou, dando a maioria absoluta ao
governo do PS.
A questão aqui é: porque é que falhou para agora haver esta viragem à
direita? E a falha tem que estar identificada. E está identificada. Nós
não podemos pensar que o povo não sente na pele aquilo que são as
políticas colocadas em prática. Nós tivemos, neste período, um conjunto
de problemas que recaíram sobre os trabalhadores e aos quais o governo
não deu resposta. A questão da crise da habitação e do aumento das taxas
de juros: como é que é possível termos trabalhadores com aumentos
brutais na sua renda e chegarmos ao fim do mês, vermos que não temos
dinheiro para pagar a casa e termos uma concentração de milhares de
milhões de euros diárias pelo sector da banca?
Como é que é possível estarmos perante um brutal aumento de custos de
vida e aqueles que nos vendem o azeite a 10 euros são os mesmos que
diariamente têm 2 milhões de euros de lucro? A Jerónimo Martins tem um
lucro diário de dois milhões de euros quando há gente que não consegue
comprar o azeite, fazer face às despesas diárias.
Como é que nós vemos uma política de completo desinvestimentos do
Serviço Nacional de Saúde, em que metade do orçamento do SNS vai para os
grupos privados e aquilo que fica para o sector do Estado, muito dele é
cativado pelo Estado? Depois, quer dizer, não há resposta do SNS, não
temos médicos, não temos enfermeiros, não temos equipamentos. Então as
pessoas não sentem isto? Claro que sentem isto.
Achas que é um sentimento de revolta mal direccionado?
Não diria mal direcionado. Sinto que é um sentimento de revolta, é um
sentimento de frustração, é um sentimento daqueles que diariamente
precisam de fazer face às suas dificuldades de vida e precisam de resposta.
Eu queria até dar aqui um exemplo concreto que acho que é importante. Na
empresa em que trabalho, há um mês atrás, estávamos a fazer um plenário
e houve um trabalhador, um jovem trabalhador, que disse que teve quase
400 euros de aumento na prestação da casa. E ele perguntou-me onde é que
se vai buscar esse dinheiro. Eu sou trabalhador e coloco isto assim
diretamente na empresa. Eu sou trabalhador, só posso ir buscar dinheiro
ao meu trabalho. Se eu só tenho como ferramenta o meu trabalho, tenho
que ir buscar dinheiro ao meu trabalho, tenho que ir buscar dinheiro à
empresa, com acção reivindicativa, à luta pelo aumento dos salários.
Quero dizer com isto o quê? Não é que seja mal direccionado. Nós também
não podemos esquecer aquilo que foi uma completa promoção mediática por
parte do capital, como é óbvio, aquilo que foi uma promoção mediática de
um partido como o Chega, que tem uma política completamente de vazio, no
vazio, sem proposta ou com propostas que não passam para fora as reais
intenções e que obviamente com esta promoção capitalizou muito o voto do
descontentamento. Medidas populistas, medidas de combate à corrupção
(obviamente com aquilo que a gente sabe que está por trás deste
partido), mas que acho que há um bocado colocaste as coisas no sentido
certo. São estes trabalhadores que hoje deram este passo, mas que amanhã
vão estar connosco à porta da empresa, na rua, a lutar por melhores
condições de vida e trabalho.
Só virando um bocado a página, ao longo destes últimos tempos, o
capital tem até acentuado uma linha narrativa sobre o movimento
sindical, especialmente a CGTP e o Movimento Sindical Unitário, de
não estar adaptado aos novos tempos. Vem até com o conceito vazio
do «sindicalismo moderno» que ninguém sabe bem descrever o que é.
Mas face a isto, consideras que, apesar de tudo, a CGTP tem de se
reforçar num conjunto de áreas? Pergunto-te isto porque há cada
vez mais trabalhadores em teletrabalho e em plataformas digitais.
Primeiro dizer-te que costuma-se utilizar muito o palavreado da
«cassete». Dizem muitas vezes «a vossa cassete é sempre a mesma». Também
estou à espera que um dia o capital mude de cassete, porque nós temos 40
anos de política de direita e a cassete do capital nunca mudou. Estão
sempre à procura de mais apoios do Estado, sempre à procura de
alterações da legislação laboral que supostamente respondam às
pretensões do patronato. E o que é certo é que passados 40 anos de
política de direita e a cassete é sempre a mesma. Os problemas dos
trabalhadores mantêm-se, nunca se alteraram - baixos salários, mais
precariedade, desregulação dos horários de trabalho, tentativa de
normalização do trabalho ao sábado, domingo e feriado… Com tantas
políticas que supostamente iriam permitir ao país alavancar para a
frente, passados 40 anos estamos exatamente num processo de regressão
naquilo que são os direitos dos trabalhadores.
Quanto às cassetes, a CGTP-IN que mantém a sua, estamos do lado certo.
Não mudaremos nunca a nossa cassete porque entendemos que temos que dar
resposta aos problemas concretos dos trabalhadores.
Relativamente às novas formas de trabalho, também não esquecer quem é
que as promove e com que intuito as promove. Se a gente olha para aquilo
que são as novas formas de trabalho, a questão do teletrabalho ou da
uberização, obviamente isto são ferramentas do capital com um objectivo
muito concreto de fragilização das relações de trabalho. A questão da
tentativa de individualizar a relação de trabalho, a tentativa de
desconstruir o espírito de colectivo e de unidade que está inerente aos
trabalhadores, e obviamente isto seria hipócrita da minha parte dizer
que isto não tem impacto na actuação sindical e no trabalho colectivo
que os sindicatos têm a obrigação de realizar.
Temos que ter a capacidade de chegar a esses trabalhadores e procurar as
melhores formas de chegar a esses trabalhadores, utilizando as mais
variadíssimas ferramentas, mas sempre com um objectivo muito concreto
que não é estarmos apenas a adaptar as novas formas de trabalho, mas sim
discutir com os trabalhadores o porquê que de elas existirem, qual é o
intuito dessas formas de trabalho e procurar, de certa forma, ganhar os
trabalhadores para a luta em prol de um futuro melhor para eles.
Um trabalhador que esteja hoje em dia numa plataforma digital é um
trabalhador que tem muitas mais dificuldades reivindicativas, é um
trabalhador muito mais explorado, que não tem horários de trabalho, não
tem um conjunto de salvaguardas no seu futuro que lhe permitam ter
perspectiva de vida. Aquilo que a gente defende é que esse trabalhador
deve estar integrado na empresa para a qual presta serviço, na empresa
para a qual trabalha. Portanto, há aí um conjunto de manobras do capital
que têm em vista, muito concretamente, a individualização das relações
de trabalho, a destruição do espírito coletivo. Na nossa parte o que
temos que fazer é estarmos presentes.
Estamos a ter esta discussão toda, já abordámos a alteração da
correlação de forças e estes desafios que se colocam. Agora, a
CGTP-IN tem a exigência de Salário Mínimo Nacional de 1000€ para
este ano, uma actualização de 150€ para todos os trabalhadores,
mas paralelamente nós vemos à esquerda um conjunto de cedências,
um recuar nestas reivindicações e até colocam reivindicações
abaixo do que é proposto. Como é que a CGTP vê isto? As exigências
mantêm-se para este ano?
A questão fundamental, deixa-me colocar as coisas assim, só para se ter
a noção da dimensão da responsabilidade da CGTP, foi a CGTP ter sido a
primeira força que avançou com a proposta de salário mínimo para 1000
euros para este ano, o que permitiu que, durante a própria campanha
eleitoral, este tema fosse um tema tangente na discussão entre os
partidos. Logo a partir daí, começaram a surgir diversas discussões em
torno do aumento do salário mínimo, obviamente partidos que avançam com
a sua proposta apenas de concretização para 2028, mas o que é certo é
que quem colocou a questão fundamental do aumento real dos salários foi
a CGTP e isto tem a sua dimensão.
Fundamentalmente a gente tem é que olhar para aquilo que é a realidade
no dia-a-dia das pessoas, da maioria das pessoas, não é olhar para a
realidade daqueles que são os muito poucos que ganham muitos milhões.
Temos que olhar para a realidade dos muitos milhões que têm muito pouco.
As dificuldades do dia-a-dia persistem. As pessoas têm dias a mais no
mês para o dinheiro que recebem, para o salário que recebem. As pessoas
que não têm resposta aos seus problemas concretos. As pessoas têm
dificuldades tremendas para ter uma vida digna.
Dizer que a nossa reivindicação vai mudar de alguma forma? Não, pelo
contrário. Mais razão ganha dela existir. A questão do aumento do
salário mínimo em 1000 euros ainda para este ano e a questão do aumento
geral dos salários de 150 euros para todos os trabalhadores. E isto tem
uma questão social profunda que é de responder aos problemas concretos
que existem.
Basta ir na rua, olhar para a cara das pessoas, falar com as pessoas,
sentir os problemas que são diários para perceber o real problema e a
real dimensão que existe na vida de cada um.
Para finalizar: o que é que se coloca agora? O que é que está em
perspectiva agora e para os próximos meses na agenda da CGTP-IN?
A perspectiva agora e para os próximos meses é a continuação da acção
reivindicativa, concretamente nas empresa e locais de trabalho e local
de trabalho, garantindo que vamos discutir com o máximo de trabalhadores
aquilo que são as linhas orientadoras que saíram do 15.º Congresso, as
reivindicações centrais da CGTP-IN, e impulsionar os trabalhadores para
a luta concreta na empresa. É aí que se dá o verdadeiro confronto de
classes, sem nunca esquecer uma questão fundamental: é na empresa que se
dá o verdadeiro confronto, mas se as empresas praticam o que praticam é
por força de políticas que foram instituídas e são implementadas pelos
governos. Por isso nós temos que ter essa ligação constante entre aquilo
que é a posição de uma empresa e aquilo que permitiu à empresa ter essa
posição.
Mas fundamentalmente é discutir com os trabalhadores a acção
reivindicativa e, no quadro que saiu das eleições do dia 10 e daquilo
que é a previsão da instabilidade futura, garantir que temos um grande
25 de Abril e 1º de Maio. São dois grandes momentos de afirmação dos
trabalhadores, dois grandes momentos de luta. São os 50 anos do 25 de
Abril, com todos os ataques que Abril tem sofrido, o 25 de Abril deste
ano tem que ter uma forte resposta e o 1º de Maio, um dia de luta, ser
de afirmação, não apenas um dia de festa, mas também um dia de luta e de
afirmação.
Os trabalhadores têm que se organizar nas suas empresas, pegar no seu
pano com as reivindicações concretas e têm que vir para a rua para
demonstrar a sua força.
Em
ABRIL ABRIL
https://www.abrilabril.pt/trabalho/e-na-luta-nas-empresas-que-se-da-o-verdadeiro-confronto-de-classes
13/3/2024
quinta-feira, 14 de março de 2024
«É na luta nas empresas que se dá o verdadeiro confronto de classes»
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