terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Presidente Trump: Diplomacia e democracia na América
por James Petras
Decorrido o primeiro mês da administração do presidente Trump estamos em
melhores condições para avaliar as políticas e a direcção do novo
presidente. Um exame da política externa e interna, particularmente de uma
perspectiva histórica e comparativa, proporcionará antevisões sobre se a
América está a avançar para uma catástrofe como afirmam os mass media ou
rumo a maior realismo e racionalidade.
Assim, examinaremos se Trump prefere a diplomacia em relação à guerra.
Avaliaremos os esforços do presidente para reduzir a dívida externa dos
EUA e os seus fardos comerciais com a Europa e a Ásia. Prosseguiremos com
a discussão das suas políticas de imigração e proteccionistas com o
México. Finalmente, abordaremos as perspectivas para a democracia nos
Estados Unidos.
Política externa
As reuniões do presidente Trump efectuadas com os líderes do Japão, Reino
Unido e Canadá em grande medida foram um êxito. A reunião Abe-Trump levou
a laços diplomáticos mais estreitos e a uma promessa de que o Japão
aumentaria seu investimento na indústria automobilística nos EUA. Trump
pode ter melhorado as relações ao reduzir os desequilíbrios comerciais.
Trump e Abe adoptaram uma posição moderada sobre o teste de míssil da
Coreia do Norte no Mar do Japão, rejeitando uma nova acumulação militar
como exigido pelos media liberais-neocon.
A reunião EUA-Reino Unido, no período pós Brexit, prometeu aumentar o
comércio.
Trump propôs melhorar relações com a China, apoiando claramente a
política de "China única" e processos para renegociar e reequilibrar
relações comerciais.
Os EUA apoiaram a votação unânime do Conselho de Segurança da ONU de
condenação do lançamento do míssil da Coreia do Norte. Trump não
considerou que constituísse uma ameaça militar ou aumentar o nível de
sanções adicionais.
A política de Trump de reconciliação com a Rússia a fim de melhorar a
guerra contra o terrorismo islâmico foi frustrada. A caçadora de bruxas
Elizabeth Warren da esquerda liberal, militares neoconservadores e membros
do Partido Democrata declararam a Rússia como a ameaça primária à
segurança nacional dos EUA!
O raivoso e incessante ataque dos mass media forçou a demissão do
Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o general na reserva Michael
Flynn, com base numa lei do século XVIII (o Logan Act ) que proibiu
cidadãos privados de discutirem política com líderes estrangeiros. Esta
lei nunca fora aplicada. Se fosse imposta, centenas de milhares de
cidadãos americanos, especialmente pessoas importantes entre os 51
presidentes das Principais Organizações Judias Americanas, bem como
editores de assuntos externos de todos os grandes e pequenos media dos
EUA, além de académicos especializados em política externa, estariam na
cadeia junto com traficantes de droga condenados. Sem jamais se embaraçar
com o absurdo ou com a banalização da tragédia, esta recente "Tempestade
num copo de água" provocou apelos apaixonados por parte dos media e de
operacionais do Partido Democrata em favor de uma nova Investigação
estilo 11 de Setembro quanto a conversas do general Flynn com os russos.
O revés de Trump quanto ao seu Conselheiro de Segurança Nacional Flynn
pôs em perigo as perspectivas de melhoria nos assuntos externos,
tornando-as menos belicosas. Isto eleva o risco de uma confrontação
nuclear e de repressão interna. Estes perigos, incluindo um expurgo
interno anti-russo, estilo McCarthy, de políticos "realistas", são da
responsabilidade exclusiva dos ultra-militaristas do Partido Democrata em
aliança com os neoconservadores. Nada disto corrige os graves problemas
socio-económicos internos.
Reequilibrar o gasto externo e o comércio
O compromisso público de Trump acerca do reequilíbrio das relações dos
EUA com a NATO, nomeadamente pela redução da fatia do financiamento
estado-unidense, já começou. Actualmente apenas cinco membros da NATO
cumprem a contribuição requerida. A insistência de Trump sobre a
Alemanha, Itália, Espanha, Canadá, França e 18 outros membro para que
cumpram seus compromissos acrescentaria mais de US$100 mil milhões ao
orçamento da NATO – reduzindo desequilíbrios externos dos EUA.
Claro está que seria muito melhor para todos se a NATO fosse desmantelada
e as várias nações redistribuíssem estas muitas centenas de milhares de
milhões de dólares para gastos sociais e desenvolvimento económico
interno.
Trump anunciou um grande esforço para reduzir desequilíbrios comerciais
dos EUA na Ásia. Ao contrário das afirmações, feitas frequentemente por
"peritos" em comércio externo dos mass media, a China não é a único, ou
mesmo o maior, entre os "transgressores" que exploram o comércio
desequilibrado com os EUA.
O actual excedente comercial da China é de 5% do seu PIB, ao passo que o
da Coreia do Sul é de 8%, o de Formosa é de 15% e o de Singapura é de
19%. O objectivo de Trump é reduzir os desequilíbrios comerciais dos EUA
para US$20 mil milhões com cada país ou 3% do PIB. A quota de US$100 mil
milhões de Trump posiciona-se em contraste acentuado com o desequilíbrio
comercial dos "Cinco asiáticos" (Japão, China, Coreia do Sul, Formosa e
Singapura) de US$700 mil milhões em 2015, segundo o FMI.
Em suma, Trump está a mover-se para reduzir desequilíbrios externos em
85% a fim de aumentar a produção interna e criar empregos para indústrias
com base nos EUA.
Trump e a América Latina
A política latino-americana de Trump está centrada primariamente no
México e num grau muito menor no resto do continente.
O maior movimento da Casa Branca foi por a pique a Parceria Comercial
Trans-Pacífico de Obama, a qual favorecia corporações multinacionais que
exploram a força de trabalho do Chile, Peru e México, bem como atraía os
regimes neoliberais na Argentina e no Uruguai. Trump herda do presidente
Obama numerosas bases militares na Colômbia, Guantanamo, Cuba e Argentina.
O Pentágono tem continuado a "guerra fria" de Obama com a Venezuela –
acusando falsamente o vice-presidente venezuelano de tráfico de droga.
Trump prometeu alterar a política comercial e de imigração dos EUA com o
México. Apesar da oposição generalizada da política de imigração de Trump,
ele está muito aquém de Obama na expulsão maciça de imigrantes do México e
da América Central. O campeão da deportação da América foi o presidente
Barack Obama, o qual em oito anos expulsou 2,2 milhões de imigrantes e
membros das suas famílias, ou aproximadamente 275 mil por mês. No seu
primeiro mês no gabinete, o presidente Trump deportou apenas um por cento
da média mensal de Obama.
O presidente Trump promete renegociar a NAFTA [Acordo de Livre Comércio
da América do Norte], impondo uma tarifa sobre importações estimulando
corporações multinacionais dos EUA a retornarem e investirem na América.
Há numerosas vantagens ocultas para o México se responder às políticas de
Trump com as suas próprias medidas económicas de "proteccionismo
recíproco". Sob o NAFTA, dois milhões de agricultores mexicanos foram à
bancarrota e milhares de milhões de dólares foram gastos a importar arroz,
milho (subsidiados) e outros produtos dos EUA. Uma política de "Mexico
First" poderia abrir a porta a um ressuscitar da agricultura mexicana para
consumo interno e exportação. Isto diminuiria a migração para fora de
trabalhadores agrícolas mexicanos. O México poderia renacionalizar sua
indústria petrolífera e investir em refinarias internas ganhando milhares
de milhões de dólares e reduzindo importações de refinados de petróleo dos
EUA. Com uma política obrigatória de substituição de importações, a
manufactura local poderia aumentar o mercado interno e o emprego.
Aumentaria empregos na economia formal e reduziria o número de jovens
desempregados recrutados pelos carteis da droga e outras gangs criminosas.
Ao nacionalizar os bancos e controlar os fluxos de capitais, o México
poderia bloquear a saída anual de cerca de US$50 mil milhões de fundos
ilícitos. Políticas nacionais-populares, via reciprocidade, fortaleceriam
a eleição de novos líderes que poderiam começar a expurgar a corrupta
liderança policial, militar e política.
Em suma, se bem que as políticas de Trump possam causar algumas perdas a
curto prazo, elas podem levar a vantagens substanciais a médio e longo
prazo para o povo mexicano e a nação.
Democracia
A eleição do presidente Trump provocou uma virulenta campanha autoritária
que ameaça nossas liberdades democráticas.
A propaganda altamente coordenada e infindável de todos os media
principais e dos dois partidos políticos falsificou e distorceu
informações e encorajou representantes eleitos a condenar alguns nomeados
de Trump para a política externa, obrigando a demissões e inversões de
política. A demissão forçada do Conselheiro de Segurança Nacional Michael
Flynn esclarece a agenda pró guerra do Partido Democrata contra a Rússia
com armamento nuclear. Senadores liberais que outrora fizeram grandes
discursos contra a "Wall Street" e os "Um por cento", agora pedem que
Trump se recuse a trabalhar com o presidente Putin da Rússia contra a
ameaça real do ISIS ao mesmo tempo que apoiam os neo-nazis na Ucrânia.
Figuras liberais pressionam abertamente pelo envio de mais navios de
guerra dos EUA para a Ásia para provocar a China, enquanto se opõem à
política de Trump de renegociar favoravelmente acordos comerciais com
Pequim.
Há muitos perigos e vantagens ocultos nesta guerra político-partidária.
Trump revelou as mentiras e distorções sistemáticas dos mass media,
confirmando a desconfiança da maioria dos americanos para com as notícias
dos media corporativos. A opinião negativa dos media, especialmente entre
americanos no centro economicamente devastado do país (aqueles descritos
por Hillary Clinton como os "deploráveis" ) é claramente acompanhada
pelo profundo desprezo dos media por esta enorme porção do eleitorado. Na
verdade, a constante tagarelice dos media acerca de como os maus "russos"
hackearam as eleições presidenciais dos EUA dando a vitória a Donald Trump
é, mais provavelmente, um "apito silencioso" [1] para mascarar sua
relutância em denunciar abertamente o "brancos pobres" – incluindo
trabalhadores e rurais americanos – que votaram esmagadoramente por Trump.
Esta classe e elementos regionais explicam em grande medida a constante
histeria acerca da vitória de Trump. Há fúria generalizada entre as
elites, intelectuais e burocratas sobre o facto de que a grande cesta de
deploráveis de Clinton rejeitou o sistema e rejeitou seus porta-vozes
penteadinhos e manicurados dos media.
Pela primeira vez há um debate político sobre liberdade de expressão aos
mais altos níveis do governo. O mesmo debate estende-se ao novo desafio do
presidente em relação ao enorme e não controlado aparelho das polícias
estatais (FBI, NSA, CIA, Homeland Security, etc), o qual se expandiu
maciçamente sob o governo de Barack Obama.
As políticas comerciais e de alianças de Trump despertaram o Congresso
dos EUA para debates sobre questões substantivas ao invés de quezílias
procedimentais internas. Mesmo as políticas retóricas de Trump provocaram
manifestações de massa, algumas das quais são de boa fé, ao passo que
outras são financiadas pelos apoiantes bilionários do Partido Democrata e
da sua agenda expansionista neoliberal, como o "Papai do céu das
revoluções coloridas", George Soros. É uma questão grave se isto pode
proporcionar uma abertura para genuínos movimentos de base
democrático-socialistas organizarem e aproveitarem o fosso entre a elite.
As falsas acusações de comunicação "traiçoeira" com o embaixador russo
feitas ao Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Michael Flynn,
enquanto ainda civil, e o recurso ao Logan Act contra civis a discutirem
política externa com governos estrangeiros, abre a possibilidade de
investigar legisladores, como Charles Schumer e várias centenas de outros,
por discutirem posições de política estratégica com responsáveis
israelenses...
Ganhe ou perca, a administração Trump abriu um debate sobre as
possibilidades de paz com uma super-potência nuclear, um reexame do
enorme défice comercial e a necessidade de defender a democracia contra
ameaças autoritárias da assim chamada "comunidade de inteligência"
contra um presidente eleito.
Trump e a luta de classe
A agenda sócio-económica de Trump já pôs em movimento poderosas correntes
subterrâneas de conflito de classe. A classe média e política tem-se
centrado sobre conflitos relativos a imigração, questões de género e
relações com a Rússia, NATO e Israel bem como política intra-partidária.
Estes conflitos obscurecem antagonismos de classe mais profundos, os quais
resultam de propostas económicas radicais de Trump.
A proposta do presidente Trump de reduzir o poder das agências federais
regulatórias e de investigação, simplificar e reduzir impostos,
restringir gastos com a NATO, renegociar ou sucatear acordos multilaterais
e cortar orçamentos para investigação, saúde e educação ameaçam seriamente
o emprego de milhões de trabalhadores e responsáveis do sector público por
todo o país. Muitas das centenas de milhares dos que protestam em comícios
de mulheres e manifestações pela imigração e educação são funcionários
públicos e membros das suas famílias que estão sob ameaça económica.
Aquilo que superficialmente parece serem protestos sobre questões
culturais específicas, de identidade ou de direitos humanos, são
manifestações de uma luta mais profunda e mais extensa entre empregados do
sector público e a agenda de privatizar o estado, a qual retira seu
apoio de classe de pessoas de pequenos negócios atraídas por impostos mais
baixos e menos sobrecargas regulatórias, bem como responsáveis de escolas
privadas com financiamento governamental ("charter school") e
administradores de hospitais.
As medidas proteccionistas de Trump, incluindo subsídios à exportação,
contrapõem as indústrias manufactureiras internas aos importadores
multi-bilionários de bens de consumo baratos.
As propostas de Trump para a desregulamentação do petróleo, gás, madeira,
mais exportações agro-minerais e grandes investimentos em infraestrutura
são apoiadas não só pelos patrões como também pelos trabalhadores destes
sectores. Isto provocou um conflito agudo com ambientalistas,
trabalhadores e produtores com base na comunidade, povos indígenas e seus
apoiantes.
O esforço inicial de Trump para mobilizar forças de classe internas
opostas à contínua drenagem orçamental para a guerra além-mar e em apoio
da construção do império com base em relações de mercado foi derrotado
pelos esforços combinados do complexo militar-industrial, do aparelho de
inteligência e dos seus apoiantes numa coligação
neoconservadora-militarista com a elite política e seus apoiantes de
massa.
A evolução da luta de classe aprofundou-se e ameaça dilacerar a ordem
constitucional em duas direcções: O conflito pode levar a uma crise
institucional e forçar a saída de um presidente eleito e a instalação de
um regime híbrido, o qual preservará os programas mais reaccionários de
ambos os lados do conflito de classe. Importadores, investidores e
trabalhadores em indústrias extractivas, apoiantes da educação e cuidados
de saúde privatizados, belicistas e membros do politizado aparelho de
segurança podem tomar o controle total do estado.
Por outro lado, se a luta de classe puder mobilizar os trabalhadores do
sector público, os do sector comercial, os desempregados, os democratas
anti-guerra e empresários de TI progressistas e empregadores dependentes
de imigrantes qualificados, bem como cientistas e ambientalistas num
movimento maciço disposto a apoiar um salário digno e a unificar-se em
torno de interesses de classe comuns, torna-se possível uma profunda
mudança sistémica. No médio prazo, a unificação destes movimentos de
classe pode levar a um regime híbrido progressista.
19/Fevereiro/2017
[1] Apito silencioso (dog whistle): tipo de apito que emite som
ultrasónico só captável por alguns animais, como cães e gatos. Foi
inventado por Francis Galton em 1876.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/...
In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/petras/petras_19fev17.html
27/2/2017
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