quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O CORNO DA RUA



(Revista do Brasil) - Se, como dizia Von Clausewitz, a guerra é a continuação da
política por outros meios, na encarniçada guerra em que se transformou a
política, nos dias de hoje, a missão do jornalismo deveria ser a de escrever a
história enquanto ela ocorre e acontece, se a mídia não estivesse, na maioria
das vezes, a serviço de seus próprios interesses e de projetos de poder
mendazes, hipócritas e manipuladores.


Só os ingênuos acreditam em imprensa isenta em uma sociedade capitalista - na
qual ela defende o interesse de seus donos e anunciantes - e mais ainda em um
país como o Brasil, em que praticamente inexistem meios de comunicação públicos,
quanto mais democráticos e de qualidade, como em outros lugares do mundo.


A “história oficial” que tenta contar, ou corrobora, enquanto discurso quase
único, a mídia brasileira hoje, é a de que vivemos em um país subitamente
assaltado, em termos históricos, nos últimos 15 anos, por “quadrilhas” e
organizações criminosas, infiltradas em governos populistas e incompetentes que,
acossado pela corrupção, tenta, por meio de uma justiça corajosa e impoluta,
livrar-se desse flagelo “limpando” a ferro e fogo a Nação, enquanto um governo
que, coitado, não é perfeito, mas foi alçado ao poder pelas “circunstâncias”,
tenta “modernizar” o Brasil, por meio de reformas tão inadiáveis quanto
necessárias, para tirá-lo de uma terrível bancarrota em que o governo anterior o
enfiou.


Mas a história real que ficará registrada nos livros do futuro - queira ou não
quem está a serviço dessa gigantesca mistificação - falará de um Brasil que, no
início do Século XXI, chegou a sair da décima-quarta economia do mundo para o
sexto posto nos últimos 15 anos - e que ainda ocupa o nono lugar entre as nações
mais importantes do mundo.


De uma nação que mais que triplicou seu PIB de 504 bilhões em 2002, para quase 2
trilhões de dólares no ano passado - que pagou - sem aumentar a sua dívida
pública com relação a 2002 - seus débitos com seus principais credores
internacionais - entre eles o FMI - e quadruplicou sua renda per capita em
dólares, além de economizar mais de 340 bilhões de dólares em reservas
internacionais, nesse período, transformando-se no que ainda é, hoje, em 2017, o
quarto maior credor individual externo dos EUA.


Um país que cortou, segundo números do IBGE, o número de pobres pela metade,
duplicou o número de escolas técnicas federais, construiu quase 2 milhões de
casas populares, com qualidade suficiente para atrair até mesmo o interesse de
altos funcionários do Estado, como procuradores da República. .


Um país que tinha voltado a construir refinarias, navios, grandes usinas
hidreléctricas, gigantescas plataformas de petróleo e descoberto, com tecnologia
própria, abaixo do fundo do mar, a maior província petrolífera, em termos
mundiais, dos últimos 50 anos.


Que expandiu o crédito e o consumo, duplicou sua safra agrícola, projetou-se
internacionalmente em seu próprio continente e até o continente africano - como
fazem outros países de sua dimensão e importância - e forjou uma aliança
geopolítica com potências espaciais e atômicas, como Índia, China e Rússia - o
BRICS - montando um banco que foi criado com a missão de transformar-se no
embrião de uma alternativa ao sistema financeiro internacional.


Que estava construindo submersíveis - entre eles o seu primeiro submarino
atômico - tanques, navios de patrulha, cargueiros aéreos, caças-bombardeiros,
radares, novos mísseis ar-ar, sistemas de mísseis de saturação, uma nova família
de rifles de assalto, para suas forças armadas, por meio de forte apoio
governamental a grandes empresas de engenharia de capital majoritariamente
nacional, integrando esses esforços com outros países, também do próprio
continente, para fortalecer a defesa e a soberania regional contra eventuais
agressões externas.


Um Brasil que, por estar fazendo isso, sofreu, nos últimos quatro anos, um
ataque coordenado, ideológico e canalha, de inimigos internos e externos.


Primeiro, com a revelação do escândalo de espionagem do país e do governo, e
empresas que depois seriam, coincidentemente acusadas de corrupção, como a
Petrobras, por parte de governos estrangeiros.,


Depois, por meio de um golpe iniciado com manifestações financiadas de fora do
país, desde a época da Copa do Mundo, e de uma ampla campanha de sabotagem
midiática e de operações de contra-informação permanentes, financiadas e
coordenadas em muitos casos de fora do país, com o deslocamento para cá de
embaixadores que estavam presentes quando do desfecho de golpes semelhantes e
recentes em outros países sul-americanos, como o Paraguai, por exemplo.





Um golpe que, iniciado no ano de 2013, foi finalmente desfechado, politicamente,
em 2016 - baseado em uma tese juridicamente insustentável - para gáudio do que
existe de pior na política brasileira e de nossos concorrentes internacionais.


Concorrentes que, como vimos, pretendiam e desejam não apenas parar o Brasil no
caminho que estava seguindo, de seu fortalecimento econômico, social e
geopolítico, mas destruir a economia brasileira, para se apossar, por meio de
uma segunda onda de destruição e de desnacionalização de nossas empresas, de
nosso mercado interno e de nossos mais importantes ativos públicos e privados a
preço de banana, colocando no poder “governos” de ocasião, entreguistas e dóceis
às suas determinações e desejos.


Para fazer isso, os inimigos do Brasil agiram - e continuam agindo - na frente
política e na econômica, sustentados por paradigmas tão falsos quanto mendazes,
que muitas vezes podem se apresentar como aparentemente contraditórios aos olhos
de certos observadores.


O principal deles, é o que reza que a corrupção é o maior problema brasileiro, e
que trata-se, ela, de um fenômeno recente em nossa história, ou que alcançou
supostamente “gigantescas” proporções, somente a partir de chegada do Partido
dos Trabalhadores ao poder em janeiro de 2003.



Na economia, por outro lado, era e é preciso vender o peixe de que o país está
quebrado, quando no grupo das 10 principais economias do mundo, em que nos
incluímos depois de 2002, pelo menos 7 países - EUA, Japão, Reino Unido, França,
Itália, Canadá - têm uma dívida pública maior que a nossa, o governo encontrou
200 bilhões de reais no caixa do BNDES , “adiantados” em “devolução” ao tesouro
- no lugar de serem investidos em infra-estrutura para a geração de emprego, - e
temos mais 380 bilhões de dólares - ou mais de um trilhão de reais - em reservas
internacionais, acumulados nos últimos 15 anos - boa parte deles, mais de 260
bilhões, emprestados aos EUA, como se pode ver pela página oficial do tesouro
norte-americano: http://ticdata.treasury.gov/Publish/mfh.txt


Ora, como já afirmamos aqui antes, se a situação real da dívida brasileira era e
continua sendo essa, com relação às outras nações que conosco dividem - e
concorrem - no pelotão das maiores economias do mundo, por qual razão isso nunca
foi divulgado de forma clara, ampla, transparente, pelo governo e pela grande
mídia, e seus “especialistas” de plantão, desde a saída de Dilma?


Ora, porque isso quebraria a espinha dorsal da “história oficial”, do discurso
único e do senso comum que imperam na internet, neste momento, que afirmam e
reafirmam, a todo momento:


Que o PT é incompetente e irresponsável e quebrou o Brasil - quando o PIB e a
Renda per capita encolheram e a dívida líquida duplicou nos governos de FHC,
apesar da venda de quase 100 bilhões de patrimônio público, a preço de banana,
quando não com financiamento do BNDES, até mesmo para compradores do exterior.


Que é necessário fazer reformas - injustas, mentirosas, cruéis, inúteis - como a
trabalhista e a previdenciária (vamos ver o que nos reserva a tributária) senão
o Brasil vai quebrar, inexoravelmente, no futuro próximo.


Que precisamos de um teto para os gastos do governo para os próximos 20 anos,
porque o Estado é superdimensionado e perdulário, quando os EUA, por exemplo,
apenas na área de defesa, tem mais funcionários públicos que o Brasil; a maioria
dos grandes países com que concorremos - ainda que marginalmente - devem, como
já viu, mais do que devemos; quando eles se endividaram para se desenvolver e
continuarão a se endividar - e a se armar - livremente, no futuro; enquanto nós
estaremos sendo governados por imbecis - ou espertalhões a serviço de terceiros
- vide os mais de 200 milhões de reais ganhos pelo Ministro da Fazenda no
exterior nos últimos 3 anos - como se fôssemos uma mercearia, preocupados não
com geopolítica, mas apenas, supostamente, com receitas e despesas, sendo
condenados, pelo menos por uma geração, a subir no ringue para disputar, em um
mundo cada vez mais complexo e competitivo, com um olho vendado e um braço e uma
perna amarrados nas costas, com nações sem limite real de endividamento, que
privilegiam a estratégia nacional no lugar dessa estúpida modalidade de suicídio
nacional , ou melhor, de austericídio.


Que, finalmente, diante da supostamente calamitosa situação que o país vive, não
há outra saída a não ser privatizar tudo - quando não entregar de mãos beijadas
até mesmo a empresas estatais estrangeiras - nossas próprias estatais e seus
ativos, na bacia das almas e a toque de caixa, porque elas trabalham mal, dão
prejuízo; e servem como cabides de emprego - como se empresas privadas não
fossem useiras e vezeiras em tráfico de influência, funcionários que conduziram
a privatização da Telebrás não tivessem depois se transformado, durante anos, em
presidentes de multinacionais do setor no Brasil, e o genro do rei da Espanha,
por exemplo - um ex-jogador de handebol - não tivesse ganho milhares de euros
por reunião, em escândalo conhecido, “pendurado” como membro do conselho de
empresas “privatizadas” para capitais espanhóis por estas bandas.


Como seria possível para o governo Temer, entregar o pré-sal por menos de 20
bilhões de reais, o controle da Eletrobras, a empresa líder de nossos sistema
elétrico, por 13 bilhões de reais, e até a Casa da Moeda - país que repassa a
terceiros o direito de imprimir o seu dinheiro não merece ser chamado de Nação -
se ele admitisse que tem, deixados pelo PT - que acusa de ter quebrado o país -
mais de um trilhão de reais em caixa, à disposição do Banco Central, além de uma
quantia superior ao que está querendo arrecadar com privatizações apenas nos
cofres do BNDES?


Da mesma forma que é preciso, na política - e na economia - vender o peixe - tão
falso como o primeiro - de que a corrupção é o maior flagelo do país, para
justificar a morte da engenharia brasileira, a destruição de nossas principais
empresas nas áreas de energia, defesa, indústria naval e infra-estrutura, e a
interrupção judicial de centenas de bilhões de dólares em projetos, obras e
programas - vide o sucateamento e venda para a Gerdau, para derreter, de 80 mil
toneladas de aço em peças de duas mega plataformas da Petrobra, que estavam
prontas para serem montadas - com a eliminação de milhões de empregos e a quebra
de milhares de investidores, acionistas e fornecedores, quando os juros pagos
aos bancos privados e a sonegação - que atinge dois trilhões de reais - além de
uma estrutura tributária perversa e injusta, que faz com que os ricos paguem
muito menos impostos que os mais pobres, desviam do orçamento nacional milhares
de vezes mais recursos do que, supostamente - sem provas e com base no disse me
disse de “delatores” interessados em sair da cadeia a qualquer custo - se alega
que foi genericamente desviado pela corrupção nos últimos anos.


Tanto é assim que a Operação Lava Jato, cantada e decantada como a “maior
operação anticorrupção do mundo”, só conseguiu comprovar até agora, em setembro
de 2017, 520 milhões de reais em “propina” comprovadamente paga - em
financiamento de campanha, caixa 2, etc - a agentes públicos e partidos pelas
construtoras Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa-UTC, Galvão
Engenharia, Mendes Júnior, e OAS, além dos casos que envolvem Palloc, Eduardo
Cunha, e o suposto episódio do tríplex atribuído a Lula, dinheiro autorizado,
pelo Juiz Sérgio Moro, a ser cobrado dessas empresas, pelo Ministério Público.


As outras punições envolvendo dinheiro, de dezenas de bilhões de reais, que
levaram as maiores empresas de engenharia do Brasil para uma situação de quebra
real e para a beira do precipício, foram absurdamente determinadas pelo
Ministério Público de forma absolutamente aleatória e punitivista como condição
para que as empresas pudessem participar de acordos de leniência, que,
comprovou-se depois, não tem nenhuma validade jurídica, já que precisam ser
corroborados, ou avalizados por outros órgãos como o TCU, a CGU, a própria
Polícia Federal, que disputam com o próprio MP e a turminha da “Força Tarefa” da
Operação Lava Jato um lugar ao Sol ou nas brasas da verdadeira Fogueira da
Vaidade, ou casa da Mãe Joana, em que se transformaram a pluto-burocracia e o
Estado brasileiros.


Com tudo isso, o Brasil não apenas perdeu centenas de bilhões de dólares em
obras, empresas, desvalorização de ações, como também entregou - e continua
entregando - de mão beijada, suas prerrogativas e instrumentos de
desenvolvimento ao exterior, apesar de estarmos vivendo, nesta primeira quadra
do século XXI, em um mundo cada vez mais nacionalista, complexo e competitivo.


A doutrina da viralatice, do mais abjeto e abnegado entreguismo, tomou conta das
redes sociais e de sujeitos que desgraçadamente - para a nação - nasceram em
solo brasileiro, e não tem pejo de pedir na internet ao governo Temer que
entregue tudo, nosso petróleo, nossos minerais, nossas terras, nosso mercado,
nossas empresas estatais aos gringos.


Já não basta o desprezo pelo PT e o Nordeste, ou - como se viu nas reações à
morte da turista espanhola morta por um bloqueio da PM no Rio de Janeiro - a
tudo que esteja ligado à periferia das grandes cidades. É preciso bradar,
cinicamente, vestido de verde e amarelo, o ódio que ficou por tanto tempo
represado, dentro dos pulmões de uma gente tão calhorda quanto desprezível,
contra o próprio país e tudo que lembre nacionalismo, brasilidade, soberania,
nestes tempos imbecis e vergonhosos que estamos vivendo.


A desculpa é sempre a mesma. As empresas estatais seriam - contradizendo o
próprio discurso anticorrupção que está acabando com dezenas de empresas e
grupos econômicos privados nacionais - mais “corruptas” e propícias à criação de
“cabides de empregos” que as empresas privadas ou privatizadas, embora sujeitos
que participaram diretamente da privatização da Telebrás tenham pendurado depois
durante anos seu paletó na cadeira de presidente de grandes grupos estrangeiros
que retalharam entre si o mercado brasileiro de telefonia móvel e até mesmo o
genro do Rei da Espanha, especialista em handebol, tenha participado da farra,
ganhando milhares de euros para participar de reuniões do Conselho dessa mesma
empresa na América Latina.


Com a aprovação da PEC do teto dos gastos - que nos obriga a limitar nossos
investimentos estratégicos quando nenhuma das maiores economias do mundo utiliza
um gesso semelhante - a entrega do pré-sal a gigantes internacionais como a
Shell e a Exxon, a “venda” de refinarias e outros ativos da Petrobras a
mexicanos a preço de banana; a propalada “privatização” da Eletrobras, do Banco
do Brasil, e da própria Petrobras, apesar dessas empresas já serem, na verdade,
“privatizadas” por terem ações em bolsa; a defesa da isenção de vistos para
países que não nos oferecem reciprocidade, a crescente, e desigual, “cooperação”
militar entre o Brasil e os EUA; a discussão da entrega da Base Espacial de
Alcântara aos Estados Unidos, e a vitória da mentalidade privatista que afirma
que somos incompetentes, como país ou estado, para cuidar do que é nosso,
estamos nos transformando cada vez mais, de fato e doutrinariamente, naquele
sujeito que, incapaz de administrar sua casa, seus negócios e sua família,
decide resolver o problema chamando o vizinho para colocar, no cinto, moral nos
seus filhos, e dormir na mesma cama que a sua esposa, e, achando que está
fazendo um grande negócio, coloca uma coleira e se muda, de mala e cuia, para a
casa do cachorro.


Com o perdão da imagem e da carapuça - no caso, bem fornida na parte de cima -
estamos correndo o risco de que nos transformem definitivamente, por abjeção
explícita, no corno da rua entre os maiores países em PIB, território e
população do mundo.


A criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, neste
ano, com centenas de deputados e senadores, e sua interação com organizações
dignas e centenárias como o Clube de Engenharia, mostra, no entanto, que a nação
não está entregue, apenas, a uma patética e miserável estirpe de entreguistas
oportunistas e invertebrados.


O recuo do governo em questões como a da RENCA e do trabalho escravo nos diz que
não há luta que seja em vão, quando estão em jogo os direitos do povo brasileiro
e os perenes interesses da Pátria.


É necessário, no entanto, que se amplie urgentemente a resistência e a
mobilização em torno dessa e de outras bandeiras.


O país precisa, mais do que nunca, negociar a estruturação de uma frente ampla,
nacionalista e antifascista, de Defesa da Soberania e da Democracia, neste
momento.   

In
MAURO SANTAYANA
http://www.maurosantayana.com/2017/11/o-corno-da-rua.html
26/11/2017

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