domingo, 15 de dezembro de 2019

Projeto Chicago – o plano econômico em curso, por Andre Motta Araujo



O economicismo não tem amortecedores éticos, políticos, culturais ou
morais, é só economia funcionando sob as regras puras de oferta e
procura, que é a essência do neoliberalismo selvagem

Por
Andre Motta Araujo
   

Há uma percepção errada na esquerda sobre a inexistência de um projeto
econômico no atual governo. É um projeto mais amplo, de natureza
economicista pura, que opera em conexão com plataformas de natureza
ideológica definida.  Vamos a algumas linhas desse PROJETO CHICAGO,
gestado por gente que circulou na escola de economia da Universidade de
Chicago nos anos 1980 e que, como acontece em cérebros sem densidade
cultural anterior, absorvem ensinamentos como pregação religiosa não
sujeitos a reflexão, revisão e reciclagem. As aulas de Friedman nos anos
70 e 80 hoje nos EUA são matéria de arquivo no museu das ideias, depois
da crise de 2008 houve uma completa reversão dos ensinamentos de Chicago
a quem se atribuiu a crise.

O neoliberalismo dos anos 80 foi enterrado pela elite empresarial
americana conforme relatei em artigo anterior sobre o manifesto do
BUSINESS ROUNDTABLE, conclave das 200 maiores corporações globais,
colocando um ponto final na visão ideológica do neoliberalismo dos anos
80, considerado causador de tensões sociais insuperáveis nos próprios
EUA e com reverberação mundial na Europa e na América Latina, não
atingindo a Ásia onde culturas ancestrais criaram uma moldura de
proteção familiar própria e onde ideologias exóticas, como o
neoliberalismo, não tem porta de entrada.

Os pontos principais desse Projeto, já em execução por etapas são:

1.MODELO EXPORTADOR AGROMINERAL – A economia brasileira deve se
concentrar em mineração, agricultura e pecuária de exportação, não
precisa de indústria porque é possível comprar produtos industrializados
mais baratos no exterior. O agronegócio pode absorver com folga preço
mais elevado de fertilizantes e agrotóxicos que passarão a custar mais
em Reais, quem não pode suportar preços mais altos de fertilizantes é a
agricultura familiar, mas essa, segundo o projeto, deve desaparecer, não
tem lugar no projeto porque é possível importar frutas e vegetais do
exterior.

Quando o Presidente Trump disse que o Brasil está manipulando o câmbio
para desvalorizar o Real, ele estava certo porque é disso que se trata e
ele dispunha de informações seguras do Federal Reserve Bank de Nova
York, o braço internacional do banco central americano. Nenhum indicador
da economia brasileira justifica a alta inesperada da moeda americana, o
Boletim FOCUS que é a média dos prognósticos dos economistas do mercado
financeiro, indicava no começo do ano um dólar de fim de ano de R$3,78,
nada se alterou tanto para o dólar chegar a R$4,25, as reservas
internacionais  do País continuam altas, o Banco Central opera
largamente no mercado de câmbio com swaps cambiais e mercado spot,  pode
levar a cotação para onde quiser.

Está clara a manipulação para desvalorizar o Real com objetivo de
remunerar o exportador principal do País, o agronegócio, ao mesmo tempo
que prejudica toda a população pela alta do preço dos combustíveis. Já
na outra via da exportação, o modelo torna mais cara a carne brasileira
que tem que atender preferencialmente ao mercado externo, mais lucrativo
que o doméstico, a população pobre terá dificuldade para comprar carne.

2.ELIMINAÇÃO DE TARIFAS DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – É o sonho da
“economia aberta” embutida no neoliberalismo puro, resgatando a memória
de Eugenio Gudin, avô dessa visão de economia, para quem o Brasil não
deveria ter indústria, “isso é coisa para a Bélgica, nós devemos viver
do café”, que era o agronegócio daquele tempo. O plano de eliminação de
tarifas contraria toda a lógica do governo Trump, que usa tarifas para
defender a indústria e os empregos industriais, a China. A Índia, a
Russia, a França apenas citando alguns, tem claras políticas industriais
que incluem proteção tarifária. Mas os neoliberais puros tem tal fé na
economia aberta que acham que vale a pena eliminar tarifas sem
contrapartida, quer dizer, vamos importar livremente mesmo de países que
impõem tarifas aos produtos brasileiros, o que já acontece hoje com os
EUA, importamos etanol americano com tarifa zero enquanto os produtos
brasileiros para os EUA, inclusive o etanol e o açúcar são tarifados,
assim como o aço e o alumínio, agora Trump ameaça com sobretarifa acima
da taxa normal, já fez isso com importação da China e ameaça a França
com sobretarifa de 100%.

Leia também:  Mais uma compra de banco de dados públicos tendo por trás
o BTG, por Luis Nassif
 <https://jornalggn.com.br/noticia/mais-uma-compra-de-banco-de-dados-publicos-tendo-por-tras-do-btg-por-luis-nassif/>

3.EXTINÇÃO DO SUS E DA SAÚDE PUBLICA – Cortes de verbas na saúde já
estão em curso, na extinção do seguro obrigatório de veículos, só isso,
retira R$6 bilhões do SUS, mas deixa a cargo do SUS o atendimento a
acidentados nas estradas, agora sem seguro. A linha dessa decisão segue
a extinção do seguro saúde nos EUA e no Chile, exemplo muito admirado
pelos formuladores do atual projeto econômico. O sentido econômico é
poupar recursos para atender ao serviço da dívida pública, prioridade
central do projeto econômico, quem quiser atendimento de saúde que
pague, se não puder, fique sem saúde.

O quadro já é bem conhecido, hospitais lotados e sem condições de
atendimento, doentes em macas nos corredores, cirurgias urgentes
agendadas para 6 ou 8 meses à frente, faltam remédios, médicos e
enfermeiros que não recebem em dia, o atendimento em regiões remotas
pelo MAIS MÉDICOS desmontado para não se organizar mais. A precarização
da saúde economiza verba e melhora o ajuste fiscal, o custo humano é
irrelevante para os neoliberais das cavernas, já está precificado e ao
final faz parte do Projeto, como veremos.

4.EXTINÇÃO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA – Já em curso por uma série de
ataques do Ministro da Educação à universidade pública gratuita, o
objetivo final é a extinção desse tipo de instituição, citam os EUA, mas
esquecem que lá existem importantes universidades públicas como a
Universidade da Califórnia.

Assim como no caso do SUS, o fim da universidade pública ou, na primeira
etapa, da gratuidade, economizaria enormes recursos para o resgate da
dívida pública. A ideia é que toda a educação superior seja direcionada
para escolas particulares a preços de mercado, tirando o Estado do
ensino superior e pesquisa, dos programas de bolsa de pós graduação e
mestrado, a ideia é que educação superior deve ser para a elite que
pode  pagar, embora, curiosamente, os autores do Projeto tenham estudado
no exterior à custa do Estado, exatamente o programa que querem extinguir.

5.FIM DO SISTEMA DE APOSENTADORIAS COM RECURSOS DO ESTADO – A Reforma da
Previdência aprovada não é o que o Projeto Chicago pretendia ao final. O
objetivo é a APOSENTADORIA POR CAPITALIZAÇÃO, onde as empresas e o
Estado não investem nada, só o empregado, que deve poupar para se
aposentar. Já está em curso drástica redução de despesa no INSS através
de um “programa de combate à fraude” pelo qual já foram cortados 277.000
benefícios. O número é espantoso porque é inimaginável que se ache
tantas fraudes em menos de três meses, muitos casos são irregularidades
formais ou pessoas que não souberam que precisavam se apresentar,
cortou-se a granel para fazer economia, deixando pobres à míngua, não há
ricos na pista do INSS. A ideia é prosseguir nos cortes de benefícios e
retardar ao máximo a concessão de novas aposentadorias, já está em curso
essa política, tudo com grandes resultados em economia sempre na linha
de cortar do pobre e não no andar de cima, esses são sócios do Projeto.

6.FIM DO PROGRAMA DE MORADIA POPULAR – Outro dreno de recursos públicos,
segundo o Projeto, o Estado não deve gastar recursos nessa área onde a
Caixa é a principal financiadora com dinheiro do FGTS, que deve ser
extinto. Os bancos tampouco têm interesse nesse segmento, financiam
apenas imóveis para o setor de alta renda. Os programas de moradia
popular, segundo o projeto, têm um caráter socialista e devem ser
extintos, o mercado deve atender se quiser e puder o segmento de moradia
popular, considerando-se as “milícias” que controlam territórios como
parte da solução de mercado, elas constroem e alugam moradias em
territórios dominados e a tolerância a essa pratica já indica um roteiro
para a moradia popular sem o Estado.

Leia também:  Weintraub sai do MEC? Não comemore, a razão pode ser nada
educada, por Fernando Brito
 <https://jornalggn.com.br/analise/weintraub-sai-do-mec-nao-comemore-a-razao-pode-ser-nada-educada-por-fernando-brito/>

7.FIM DA AGRICULTURA FAMILIAR E TITULAÇÃO DOS ASSENTADOS DA REFORMA
AGRÁRIA – A agricultura familiar demanda crédito rural subsidiado, o que
é contra a visão de economia de mercado, além do que ocupa áreas em
torno de cidades que poderiam ser usadas para condomínios fechados para
a classe alta, em áreas mais distantes podem ser destinadas ao
agronegócio. Já os assentados da reforma agrária devem ter seus títulos
de propriedade porque assim seria facilitada a venda de suas terras para
o agronegócio, já que sem crédito e sem apoio do Estado esses
assentamentos serão inviáveis.

Para desestímulo da agricultura popular deve-se acabar com a COBAL, os
estoques reguladores, o seguro de safra e todo o tipo de garantias aos
agricultores, o agronegócio não precisa de garantias do Estado porque
opera diretamente com o exterior através das tradings agrícolas e da
Bolsa de Chicago.

8.PRIVATIZAÇÃO TOTAL DE SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS – Rodovias,
aeroportos, metrôs, hospitais públicos, terras públicas inclusive da
Amazônia, todas as estatais, tudo o que o Estado tem como bem com valor
econômico deve ser privatizado com o mínimo de regulação, para dar
retorno para os investidores. Especialmente interessantes para a
privatização deverão ser os serviços de abastecimento de água em todo o
país. A PETROBRAS E a ELETROBRAS obviamente serão privatizadas, depois o
BANCO DO BRASILA e a CAIXA, o BNDES não tem como ser porque não é um
negócio, mas já está sendo esvaziado com transferência de todos seus
recursos para o Tesouro, ao fim restará apenas o edifício-sede.

O Projeto não se impressiona com o fato de que todos esses serviços nos
EUA, Canada e Europa são públicos. Nos EUA, água e esgoto são estatais,
na maior parte da Europa também. A água sendo privatizada vai ter um
preço muito mais alto, o que será bom para que o povo economize água.

9.ELIMINAÇÃO DOS ENCARGOS SOBRE FOLHA DE SALÁRIOS – Com a desativação da
indústria pela abertura irrestrita de importação restam na economia os
empregos no setor de serviços. O projeto considera imprescindível a
eliminação dos encargos que o empregador paga hoje sobre a folha, como
aposentadoria, seguro desemprego, Sistema S, FGTS, etc. O empregador
deve pagar apenas o custo do trabalho a ser negociado livremente com o
trabalhador nas condições de mercado, não devendo existir salário
mínimo. Como há muito desemprego os custos do trabalho deverão cair, o
que vai reduzir custos nas empresas, ajudando a manutenção de uma
inflação baixa e mantendo alta a lucratividade do setor de serviços.

10.Segundo o Projeto, a economia brasileira não precisa de mais de 40
milhões de pessoas para funcionar, os 170 milhões excedentes são
dispensáveis e significam um peso e não um ganho para a economia. São
necessários executivos, secretárias, tratoristas, garçons, babás e
cozinheiras, médicos, portuários, motoristas, atendentes de call
centers, enfermeiras e policiais, sobram os demais que não estão nessas
funções. A economia brasileira seria muito mais eficiente com uma
população estável de 40 milhões de pessoas adequadas à economia de mercado.

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 <https://jornalggn.com.br/ditadura/fantasma-da-ditadura-sobre-a-democracia-ai-5-completa-51-anos/>

O fim do SUS e do atendimento de doenças pelo Estado, o fim do sistema
de aposentadorias pagas com recursos públicos, só vale aposentadoria por
CAPITALIZAÇÃO, o fim dos empregos industriais, a mortalidade por balas
perdidas com cobertura de “exclusão de ilicitude”, devem se encarregar
de diminuir o estoque da população excedente. A inexistência de empregos
viáveis para esse estoque de população vai precarizar a saúde e deve
produzir a mortalidade necessária para o equilíbrio populacional, uma
vez que não há espaço no campo e menos ainda nas grandes cidades para
essa camada sem instrução, sem aptidões, uma economia agrário-mineral e
sem industrias simplesmente não tem ocupação economicamente viável para
essa massa de pessoas irrecuperáveis para o sistema de mercado,
dependentes integralmente da assistência do Estado, quem paga é a
economia sadia dos 40 milhões de brasileiros de classe média e alta que
não tem porque suportar o peso da população excedente, o Projeto é
racional nesse aspecto.

O economicismo não tem amortecedores éticos, políticos, culturais ou
morais, é só economia funcionando sob as regras puras de oferta e
procura, o que é a essência do neoliberalismo selvagem, segue a mesma
lógica dos galeões ibéricos que transportavam escravos da África para as
Américas, quando um cativo ficava doente era jogado ao mar e assim se
economizava comida. É a lógica do Projeto Chicago, sem a população
excedente se economiza na saúde, no saneamento, nas prisões, na polícia,
o Estado fica mais leve e enxuto, o País mais limpo e seguro. Essa é a
essência do Projeto e todas as decisões da área econômica já em curso
levam a seus objetivos claros e bem formulados, mas ainda tem muita
gente que não entendeu a lógica.

Soluções extraordinárias já estão sendo aplicadas ao meio ambiente, com
autorização na prática das queimadas, extração de madeira, plantação de
cana na Amazônia e no Pantanal, garimpos e mineração em terras
indígenas, na área de educação com a campanha contra universidades
públicas, na área da cultura com nomeações anti-culturais  nos órgãos de
promoção e apoio à cultura, na área do trabalho com a retirada gradual
de direitos e amparos aos trabalhadores, na área da saúde com diminuição
programada dos recursos do SUS, na área de segurança pública com licença
para tiro livre em zonas densamente povoadas, provocando mortes em série
no meio da população excedente. O Projeto é um todo organizado e
racional, operado em etapas.

Os pontos mais polêmicos do Projeto Chicago são embutidos e disfarçados
em decretos, medidas provisórias e atos administrativos simples, não são
explicitados e, por isso, existe a impressão de que não há plano
econômico em curso, que é falso. Há um plano sendo executado com método
e técnica do qual é sócio e parceiro o chamado “mercado financeiro” e
parte do empresariado que será beneficiado pelo Projeto e que se
apresenta com entusiástico apoio de parte da população que, por
intuição, acha que vai se beneficiar com essas soluções. A História já
conheceu cruzadas semelhantes.


In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/artigos/projeto-chicago-o-plano-economico-em-curso-por-andre-motta-araujo/
14/12/2019

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