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BRASIL 247
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12/3/2021
O ex-ministro Roberto Amaral convoca a sociedade a exigir uma CPI da
Lava Jato e pondera: "estamos ainda no início do desvendamento do maior
escândalo judicial moderno."
*Roberto Amaral*
Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
O ministro Edson Fachin descobriu, finalmente, o que todo o mundo
jurídico já sabia e a defesa de Lula reclamava desde 2016: o ex-juiz
Sergio Moro não tinha competência para julgar o ex-presidente.
Comemoro as consequências de sua decisão, não só porque restitui a
liberdade do ex-presidente, mas por representar, dependendo de seus
desdobramentos, um ganho da sociedade na paciente expectativa de um
estado de direito democrático.
Mas não redime o judiciário de seu papel como gendarme da sociedade de
classes. Nem muito menos redime Fachin de seu papel conivente com os
crimes de Curitiba. Se sua decisão livrara o ex-presidente das
condenações infundadas, trazia em seu bojo, talvez até como objetivo
político principal (ou ponto de “compromisso”?), eximir o ex-juiz Moro
da apuração de suas fraudes.
Fachin, guarda pretoriano da Lava-jato, cuidou, no mesmo ato em que
livrava Lula das condenações, de declarar prejudicados, e assim não
susceptíveis de apreciação, os pedidos da defesa que discutiam o cerne
da questão, isto é, a parcialidade do juiz-policial-promotor.
Tanto era esta a obstinação do ministro, proteger o aliado, que, na
última terça-feira, na abertura da sessão da segunda turma do STF,
tentou impedir o julgamento do habeas corpus interposto pelos advogados
de Lula, visando à declaração da suspeição do ex-juiz.
A trampa, porém, esvaziou-se com a decisão da turma de retomá-lo. Mas o
julgamento – que espera pela palavra do STF desde 2018! – foi adiado,
pelo pedido de vistas do ministro recém nomeado pelo capitão.
O pedido de vistas, mais que recurso processual, é expediente político
usado à larga pelos ministros. Não se sabe quando a questão voltará à
baila, muito menos cabe especular sobre a decisão final, mas uma coisa
está garantida, e já começou a ocorrer, com os votos dos ministros
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski: a anatomia da Lava Jato e a
desmontagem moral e profissional do ex-juiz de piso, que passará à
história como responsável por um dos momentos mais ignominiosos da
magistratura brasileira.
Em seu longo e caudaloso voto, dominado pela citação de fatos
incontroversos, o ministro Gilmar Mendes – aquele que, com uma canetada
em cima da divulgação ilegal (pelo ex-juiz) de conversa ilegalmente
grampeada entre o ex-presidente e a presidente Dilma Rousseff, impediu a
posse de Lula na Chefia da Casa Civil, abrindo as comportas para a
engenharia do golpe em andamento – declarou que o julgamento de Lula
configurava o mais grave erro judiciário nosso conhecido.
Engano: não houve erro, senão absoluta má-fé. O juiz e seus associados
sabiam – e as transcrições de diálogos trazidos à luz pelo Intercept
comprovam – que cometiam uma sequência de crimes com o deliberado
objetivo de liquidar com Lula e, no embalo, com a esquerda brasileira,
mandando às favas a Constituição e o processo democrático. Sua
parcialidade, seu partidarismo, seu comprometimento com o processo
eleitoral eram por demais evidentes para não serem vistos e conhecidos.
Criminosos que se julgavam acima de qualquer suspeita, o ex-juiz e os
procuradores (ainda intocados) jamais se preocuparam em esconder seus
métodos, ou ocultar infrações.
O ministro Gilmar Mendes, oferecendo o lombo ao cajado do Jornal
Nacional, denunciou, na trama da Lava Jato, o papel espúrio da imprensa,
que precisa ser esmiuçado, e exposto à execração, especialmente no que
diz respeito àqueles veículos cuja exploração deriva de concessão do
poder público, a cujos interesses deveriam estar submetidos nos termos
ditados pela Constituição.
A imprensa – refiro-me aos grandes meios – deve ao país, para que volte
a merecer um mínimo de respeito, o seu mea culpa e o pedido de
desculpas, dever, porém, que, neste caso, não se restringe aos
empresários donos das empresas, pois alcança profissionais – editores,
articulistas e repórteres– movidos pelos mais variados estímulos,
inclusive o primarismo político e a indigência moral, mas principalmente
por arraigado profissionalismo golpista. Muita coisa está por ser
revelada e espero que, pelo bem da democracia, tenhamos forças para
exigir que as apurações não fiquem nas aparências. Há uma questão de
valor no seio de tudo isso.
Mas o ministro esqueceu-se de mencionar o papel central desempenhado,
nesse conúbio antirrepublicano, pelo Judiciário, a começar pelo próprio
STF, ora omisso e conivente com as falcatruas do ex-juiz e seus
comparsas, ora julgando contra a evidência da lei, mas sempre contra a
defesa de Lula, ora postergando o julgamento de habeas corpus e mandados
de segurança impetrados pelo ex-presidente. Seus advogados batem às
portas da Justiça, caminhando das instâncias de piso até o STF desde
2016. Isso não é irrelevante. O arrazoado de Fachin, desta semana, está
nas iniciais da defesa do presidente! Por que só agora o ministro dele
tomou pé? Lula já padeceu a cadeia, teve seus direitos políticos
suspensos, foi impedido de disputar eleições quando despontava como
favorito nas pesquisas de intenção de votos, o capitão foi eleito e está
destruindo o país. Esperava a justiça por tanta miséria — como os
ataques à democracia e a renuncia à soberana nacional — para finalmente
dar-se ao trabalho de olhar para o direito dos que lhe batiam às portas
apelando pela liberdade?
O pedido de habeas corpus, que discute a escandalosa parcialidade do
ex-juiz, cujo julgamento foi retomado na última terça-feira para ser
adiado em seguida, /sine die/, está no STF desde 2018! Nesse meio tempo
Lula curtiu quase dois anos de cadeia, teve seus bens bloqueados, sua
família incomodada, foi humilhado e agredido pela imprensa, sem direito
de defesa, e, suprema vilania, foi impedido de ir ao velório de seu
irmão e de um neto. O julgamento desse HC – que, se justo, anularia as
condenações que lhe pesavam – foi suspenso há dois anos por um pedido de
vistas do ministro Gilmar Mendes. A infame sentença cerceadora da
liberdade de Lula foi lavrada pelo ex-juiz, mas foi o STF quem a
convalidou, ao evitar seu julgamento, por corporativismo tacanho,
covardia ou concupiscência.
É evidente que há o que comemorar. Há questões concretas, como a
liberdade de Lula e a restauração de seus direitos políticos, o que
altera a cena política brasileira sugerindo o fim da pasmaceira. Há a
esperança e o desejo de que os dois movimentos do STF, que para o bem do
direito deve concluir com a decretação da parcialidade do ex-juiz,
estejam a assinalar que finalmente furaram o teto do poder judiciário e
um arquiteto subversivo lá instalou uma telha de vidro, pela qual, com o
sol do planalto, pode perpassar uma réstia de luz; que outro subversivo
abra uma janela, por menor que seja, para que por ela entre a voz do
povo, esse eterno excedente na história de nosso país. Não custa sonhar
com um poder judiciário menos conservador, menos reacionário.
A reforma do judiciário – que depende de uma alteração radical na
correlação de forças de hoje – é, para a democracia, a mais importante
de quantas possamos enumerar. Está à frente mesmo da reforma política e
da reforma agrária, que nada operarão enquanto dependermos de um
judiciário composto por representantes dos interesses privados, do
latifúndio, do dito “mercado” e do sistema financeiro
nacional-internacional especulativo. Procuradores daquela minoria mínima
do 1% de ricaços brancos que nos governam desde sempre.
Somando o que precisa ser somado, estamos ainda no início do
desvendamento do maior escândalo judicial moderno. Ensejar a punção do
tumor é o que resulta da decisão do ministro Fachin e da retomada do
julgamento da suspeição do ex-juiz, que estimulam essa discussão, até
aqui restrita a poucos segmentos da sociedade brasileira. Não podemos
pensar que tudo está bem porque Lula está livre e, legalmente, com os
dados de hoje, pode até ser candidato ao que desejar em 2020. É muito,
nas circunstâncias, mas está longe de consolar os que ainda aspiram por
uma república democrática.
A restauração da ordem republicana, que se assenta no crédito que os
cidadãos emprestam às suas instituições, exige a apuração dos crimes da
Lava Jato, não só seus notórios crimes contra a constituição e a ordem
jurídica como as condenações sem fundamento, mas seus crimes de
lesa-pátria, a destruição da engenharia brasileira, suas ligações com os
sistemas de segurança de outras nações, o vazamento de dados
privilegiados para instituições estrangeiras, e enfim, a tentativa já
conhecida de um grupo de procuradores assenhorear-se de parte das multas
cobradas à Petrobras, que lhe seria transferida pelo credor
norte-americano. É muito escândalo contribuindo para o justo descrédito
do povo em face das instituições.
A sociedade deve se abalar visando a exigir a instauração de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os crimes da Lava Jato e a
ineficiência de um poder judiciário paquidérmico que foge de seu dever
de julgar – e quando julga o faz pelo viés politico, comprometendo o
sistema democrático — que se omite na defesa dos que precisa amparar e
não se cansa de legislar em causa própria, constituindo-se em uma
verdadeira casta, uma “elite” por força da origem de classe,
desinteressada do povo e dos destinos do país.
sábado, 13 de março de 2021
Sociedade precisa exigir uma CPI da Lava Jato
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