segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Xadrez do renascimento, rumo à civilização do século 21, por Luís Nassif

 


 

O País com potencial para ser a grande civilização do século já existe,
à espera de ser convocado por um estadista, ou pelo Sr. Crise


Peça 1 – Lula, El Campeador

Assim como o mundo, o Brasil vive um fim de ciclo. São curiosos esses
momentos, e precedem o início de um novo ciclo, que pode levar à
restauração ou à destruição de um país.


O início de um novo ciclo sempre é caracterizado por um sentimento
nacional de reconstrução, que faz com que intelectuais deem publicidade
às suas idéias, gestores públicos tirem projetos das gavetas, a vontade
de reconstrução controla os interesses particulares, submete os poderes
a um objetivo maior, nacional. É como uma ordem unida impessoal, um
sentimento unificador que, em geral, aparece somente após grandes
desastres, quando baixa à terra o Sr. Crise e coloca juízo no país.

O Brasil pós-ditadura passou por esse processo no início do governo
Fernando Henrique Cardoso e no primeiro governo Lula. FHC desperdiçou
com a estratégia da teoria do choque, de abrir completamente a economia,
privatizar sem critério e desregulamentar todos os setores, sem
avaliação prévia. Plantou sementes de financeirização que cresceram nos
seus dois governos e nos dois governos de Lula, promovendo um desastre
similar ao do fim da ex-URSS.

Mesmo submetendo-se a essa financeirização, o governo Lula abriu espaço
para experiências de municipalismo e para políticas sociais que ganharam
reputação internacional. Mas não logrou articular um projeto de
desenvolvimento.

Nesse longo trajeto pós-ditadura, houve dois momentos em que parecia que
a maldição da financeirização seria rompida. O primeiro, no período
2008-2010, no qual o Sr. Crise obrigou Lula a romper com dogmas e se
consagrar mundialmente. O segundo, no curto período em que Dilma
trabalhou para redução da taxa Selic e dos spreads bancários – ousadia
que precipitou a campanha de descrédito contra seu governo.

As últimas eleições foram as mais relevantes da história. Nela, um Lula
quase octagenário sai da prisão e, tal e qual El Cid, o Campeador,
conduz as forças democráticas para a batalha decisiva contra a ultradireita.

Peça 2 – o fim de ciclo

O momento atual tem todos os ingredientes de um fim de ciclo, com a
manutenção de vários vícios do ciclo que se encerra e nenhuma
perspectiva sobre o ciclo que virá:

 1. Falta absoluta de uma ideia aglutinadora, uma utopia capaz de
    despertar corações e mentes. É como se o bolsonarismo fosse uma
    página superada – e não é – e se pudesse voltar impunemente às
    velhas práticas que chocaram o ovo da serpente. É resultado do
    período pós-impeachment, em que o objetivo único de políticas
    públicas era abrir possibilidades de negócios.
 2. Uma discussão econômica totalmente mediocrizada, polarizada em torno
    de temas insignificantes, presos à ideologização financeira mais
    tacanha, sem a menor capacidade de se alinhar com a revisão que está
    sendo feito mundialmente dos dogmas financistas..
 3. A incapacidade dos órgãos corregedores nacionais de disciplinar
    abusos de tribunais regionais e ministérios públicos estaduais. Há
    uma multiplicidade de pequenas ditaduras se implantando em
    municípios pelo Brasil afora, com pactos entre prefeitos filhotes de
    Bolsonaro e procuradores filhotes da Lava Jato.
 4. ncapacidade de desenvolver um conjunto mínimo de ideias que
    caracterize uma política de desenvolvimento.
 5. Incapacidade dos partidos políticos de desenvolverem programas
    políticos mínimos ou de recuperarem capacidade mínima de mobilização
    das bases.
 6. O presidente do Supremo Tribunal Federal praticando voltando a
    praticar proselitismo político, mostrando que nem a tragédia
    consegue burilar a vaidade.
 7. Como resultado, incapacidade generalizada de enxergar o potencial do
    país, com a predominância ampla do complexo de vira-lata e da
    síndrome do cada um por si.
 8. Enquanto isso, as grandes empresas nacionais estão sendo massacradas
    pela competição externa, caso das empresas de varejo, siderurgia e
    setor automobilístico, com incapacidade total das representações
    empresariais de enfrentar politicamente os grandes interesses
    financeiros.
 9. Uma transição energética cheia de promessas e sem um plano definido,
    sem que se saibam quais as regras de transição, quais as
    contrapartidas a serem exigidas das empresas estrangeiras (se é que
    haverá).

A rigor, a única medida concreta contra a onda foi a imposição de um
imposto de importação para carros elétricos, como forma de defender a
produção interna e de estimular a vinda de montadoras para cá.

Peça 3 – Lula e o Sr. Crise

Os próximos meses serão de dúvidas e indagações.

Há duas maneiras de romper os impasses e inaugurar um novo ciclo, ambas
dependendo de um choque de realidade e de bom senso, que pode chegar de
duas maneiras.

– A primeira, com o advento da crise sem um norte condutor. Instala-se o
caos e o preço a pagar será extremamente elevado. Seria a eventual
eleição de um candidato bolsonarista em 2026. Aí, se teria que passar
por um novo pesadelo, antes de um novo reinício – se existir ainda Nação
para ser reconstruída.

– A segunda, com a crise, mas com uma liderança capaz de apontar o novo
e colocar ordem na transição.

Em período democrático, só se teve esse momento no governo JK, mas
alicerçado nas grandes reformas e grandes estatais nascidas no período
Vargas.

O país tem um ativo imenso, a liderança de Lula. E uma dúvida enorme:
Lula ainda terá energia, vontade e ideias para apontar o novo. No início
de carreira política, Lula tinha o entorno de sindicatos fortes, uma
Igreja atuante, movimentos sociais embarcando no ônibus PT, e a gana
política. E agora, com os novos tempos, as novas circunstâncias e a
velha idade?

Recentemente, Lula explicou que sua ausência do debate interno se devia
aos problemas na coluna, que exigiriam uma intervenção cirúrgica. E
daqui para a frente? Tem-se, hoje em dia, um Ministério ainda
desconjuntado, um Estado destruído pelos 6 anos de irresponsabilidade de
Michel Temer e Jair Bolsonaro. E Lula cedendo nas três frentes
relevantes: Congresso, mercado e Forças Armadas.

A demora em escolher o novo Ministro do Supremo e o Procurador Geral da
República demonstra medo e falta de bússolas. Aliás, as bússolas que
orientaram as escolhas nos governos anteriores do PT falharam
redondamente. Antes, tinha-se um Lula desarmado nas relações com a
Justiça, por não entender seu poder demolidor; agora, se tem um Lula
temeroso, que não sabe por onde caminhar.

Por enquanto, as apostas de Lula estão no Bolsa Família e na entrega de
obras do PAC. Se for só isso, não preencherá o vácuo político. A crise
exige muito mais, a criação de uma utopia, que mostre do que o país é
capaz, que explicite as potencialidades, que eleve a auto-estima e que
venha acompanhada de um plano abrangente e inclusivo de desenvolvimento.

Peça 4 – a busca do novo ciclo

O período pós-ditadura foi pródigo em novas experiências, muitas que não
tiveram sequência, mas que deixaram boas lições.

Agora, a máquina pública foi destruída. Centros de excelência do
funcionalismo público foram desmontados, casos do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), ENAP (Escola Nacional de
Administração Pública), Conab (Companhia Nacional de Abastecimento),
quadro de gestores públicos, de planejadores.

A reconstrução não pode ser em cima das antigas bases.

Nos anos 90, com a entrada da Internet, houve um grande movimento no
serviço público, de estímulo a novas experiências, com resultados
animadores. Funcionários públicos atuavam como verdadeiros
empreendedores, trazendo soluções que, depois, eram incorporadas ao grupo.

Depois, com os programas de qualidade, houve uma competição inicial
virtuosa entre os diversos atores públicos. Essas experiências eram
compartilhadas nacionalmente em um Conselho Nacional de Secretários de
Planejamento.

A máquina pública tem que ser reconstruída sob os ecos da inovação, da
desburocratização. O gestor define os objetivos a serem alcançados, as
métricas de acompanhamento, e confere autonomia aos executores, para a
busca de melhores soluções. Foi o que ocorreu em momentos brilhantes do
INSS.

O modelo federativo do SUS tem que ser estendido a todas as áreas, com a
recuperação dos Conselhos de Secretários de Educação, de serviço social.

Os bancos públicos têm que recuperar a vocação pública, depois da
lavagem cerebral dos últimos anos. Para tanto, há que se criar
indicadores de participação social, de estímulo, de participação na
criação de arranjos produtivos, de articulação das pequenas empresas em
seus locais de atuação. Têm que recuperar o sentido de público.

Os institutos federais – que permitiram a grande revolução regional do
país – têm que aprofundar a sua vocação de agente da modernização em
suas respectivas regiões, de desenvolvedores de tecnologia para empresas
locais, de identificação das vantagens comparativas.

Enfim, há um exército que poderá ser mobilizado com vozes claras de
comando e um plano de desenvolvimento bem elaborado, com objetivos
claros e pactos a serem firmados com cada setor:

– a rede de instituições acadêmicas;

– o sistema das federações empresariais;

– o cooperativismo;

– a administração pública em suas diversas instâncias;

– o sistema de inovaçãoi com a rede de amparo à pesquisa;

– as associações comerciais;

– os movimentos sociais.

– as associações de prefeitos.

Peça 6 – a civilização do século 21

Ontem, na Igreja de São Domingos, em São Paulo, houve um ato religioso
em defesa da paz na Palestina.

Ali, estava o Brasil: padres católicos, mães de santo, evangélicos,
rabinos, pajés, padres muçulmanos, todos tendo em comum o desejo da paz
e a celebração da grande alma brasileira.

Este é o Brasil da diversidade, da convivência pacífica, da
solidariedade, o país que tem todo o potencial para ser a grande
civilização tropical do século 21. Esse país já existe, à espera de ser
convocado por um estadista, ou pelo Sr. Crise.

Juntos, ajudarão a destruir definitivamente a Hidra de Lerna do
bolsonarismo e da intolerância.

Em
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-renascimento-rumo-a-civilizacao-do-seculo-21-por-luis-nassif/
13/6/2023

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