por Luís Nassif
Xadrez do escândalo do INSS e as saídas para o impasse, por Luís Nassif
Peça 1 – o republicanismo como fator de enfraquecimento
O escândalo do INSS tem o condão de ressuscitar todos os fantasmas da
campanha do impeachment e alimentar definitivamente a volta da ultra-
direita.
Saliente-se que há uma enorme diferença entre as armas dos governantes
democratas e dos autoritários.
Os escândalos do INSS foram gerados no governo Bolsonaro. O que fez o
Ministro da Justiça, Sérgio Moro? Nada. Bolsonaro ordenou que não se
metesse, e ele não se meteu.
|Já o governo Lula permitiu plena liberdade à Polícia Federal. O resultado foi a Operação Cessação, que implodiu o esquema. O que poderia ser o maior feito do governo Lula transformou-se na principal ameaça. Não se surpreenda se, nas próximas semanas, explodirem manifestações contra o governo.
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O escândalo mostrou um amadorismo mortal, a começar da Casa Civil, mas
passando por outros ministérios.
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O governo Lula depende de uma coalizão coalhada de políticos suspeitos.
Se o loteamento é inevitável, o caminho lógico seria mapear as áreas
mais sensíveis e montar um acompanhamento permanente.
Na era da digitalização, caberia à Casa Civil ou ao Ministério do
Planejamento e Gestão a criação de indicadores de monitoramento de todos
os organismos geradores de despesa ou receita.
Mas o problema maior é a falta de familiaridade da Casa Civil com temas
políticos nacionais. Fosse um Ministro experiente, desde o início faria
questão de se informar de todas as operações sensíveis da Polícia
Federal. E providenciaria para que o anúncio da operação fosse feito
pelo próprio Presidente da República.
Um escândalo capaz de decidir as próximas eleições foi deixado ao léu.
Peça 2 – o fator gestão
A maneira de contrabalançar esse escândalo, seria o governo anunciar um
choque de gestão real, concreto, tanto da Previdência quanto nos outros
braços do Estado.
1. Trariam Nelson Machado, conversariam com o Movimento Brasil
Competitivo, envolveriam a ENAP (Escola Nacional de Administração
Pública), a plataforma SISP (Sistema de Informações dos Recursos de
Tecnologia da Informação), montariam um conselho de gestão com
instituições do setor privado e dos movimentos, e apresentariam um
choque de gestão. Revisariam processos, envolveriam as agências do
INSS em competição para a redução de prazos, premiaram as melhores,
instituíram normas de compliance. Tudo tendo como principal objetivo
o segurado.
2. O Ministério da Gestão criaria um Conselho de Gestão pela qualidade,
para espalhar o conceito por todos os órgãos públicos.
3. O Ministério de Orçamento e Planejamento revigoraria sua área de
análise de eficiência, com foco na qualidade da entrega de serviços.
4. O próprio Presidente da República empunharia a bandeira da gestão.
O pior que poderia acontecer seria o governo se contentar com uma troca
burocrática de Ministro.
Peça 3 – o mal estar geral
Não se espante, portanto, com a sensação geral de mal-estar.
Em São Paulo, por onde se anda vê-se a construção de enormes espigões de
escritório e residência. Há muito tempo não via tanta construção no
centro expandido. No último feriado, as estradas coalharam de veículos,
em todas as direções, Fernão Dias, Bandeirantes, Dutra, as estradas para
o litoral.
Ou seja, os sinais de melhora da economia são nítidos. Mas as pesquisas
mostram desalento. Reclamam da alta de preços, que a vida está ruim. Nem
se pense que haja dedo da conspiração das pesquisas, embora tenha
certeza de que há na mídia. O sentimento de desalento é perceptível.
Como é possível esse desacoplamento entre realidade e expectativas?
Primeiro, pelo fato de que não há nenhuma expectativa em relação ao
futuro. Em relação à macroeconomia, o único fator de otimismo é que a
Selic, que já está em indecentes 14,25% provavelmente não irá a 14,75%
na próxima reunião do Copom, mas para 14,50%. Ufa!
O desalento do setor produtivo tem correspondência no campo beneficiado,
o mercado. O primeiro, porque paga a conta. O segundo, porque o
pessimismo é sua principal arma de dominação da política econômica. E a
mídia referenda. Então, todo dia tome editorial contra a gastança,
contra o aumento da dívida pública – cujo principal fator é a taxa de
juros. E se escondam todos os fatos positivos.
Esse mal-estar surge no andar de cima e se espalha pelo andar de baixo
através das redes sociais e da máquina da ultra-direita. Valem-se
preferencialmente de notícias dispersas. Enquanto isto, a frente
progressista não dispõe de uma ideia chave aglutinadora. E sua maior
liderança, Lula, é uma luz até agora sem energia.
Peça 4 – intervalo para recordação pessoal
Não me esqueço de meu encontro com Xixo, Moacir Carvalho Dias, fundador
da Leiteria Poços de Caldas, adquirida depois pela Danone.
Na campanha presidencial de Getúlio, ele desfilava com sua cabriolé pela
cidade, fazendo campanha para Eduardo Gomes – já acossado pela contra-
campanha sobre os marmiteiros. A mineirada brincava: “Cada volta, o
Brigadeiro perde um voto”.
Em plena ascensão da popularidade de Lula, encontrei Xixo,
surpreendentemente conservado para a idade, no estacionamento do
Bradesco, em Poços de Caldas. Ele elogiou Lula e lamentou o que ocorrera
com Getúlio:
* Todo mundo dizia horrores dele. Só muito tempo depois descobri tudo
de bom que ele fez.
Peça 5 – o maior líder contra a ultradireita
Vamos aos exemplos de contra-senso.
Lula tornou-se a esperança civilizatória não apenas no Brasil, mas no
plano mundial. Lula é visto como a maior esperança do mundo civilizado
contra a ditadura da ultradireita. Como Steve Bannon prognosticou tempos
atrás, a maior ameaça à ultradireita é Lula.
Confira-se o artigo “Lula em Perspectiva Global <https://
noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/05/01/lula-em-perspectiva-
global.htm>”, de Chris Thornhill, Professor Titular de Direito
Constitucional Comparado da Universidade de Birmingham, publicado por
Jamil Chade na Uol.
* A democracia brasileira não é frágil, mas sim alvo de reações hostis
justamente por seus avanços. Desde 2003, Lula promoveu mudanças
sociais significativas que colocam o Brasil entre os maiores
exemplos de democracia progressista no mundo. *Nenhum outro líder
eleito da esquerda democrática global teve impacto comparável na
redução da pobreza e na construção de um Estado de bem-estar social
como Lula*.
* Embora traços desse modelo existissem desde Vargas e tenham sido
reforçados pela Constituição de 1988, *foi apenas com Lula, a partir
de 2003, que tais direitos passaram a ser efetivamente garantidos
para a maioria da população*. Isso transformou o Brasil na mais
populosa democracia com um sistema de bem-estar razoavelmente
robusto — um feito sem precedentes na história democrática recente.
* Essa originalidade, no entanto, também traz fragilidades: *as
políticas públicas permanecem instáveis*, sujeitas a retrocessos com
mudanças de governo, e *fortemente dependentes de lideranças
específicas* como Lula.
* O*retorno da agenda progressista em 2022/2023 demonstra a
resiliência das instituições brasileiras*, que resistiram às
tentativas autoritárias e permitiram a retomada da política de
inclusão social. Portanto, ao invés de lamentar uma suposta
fragilidade democrática, o Brasil deveria ser reconhecido por *seu
papel inovador e robusto no avanço da democracia social no século XXI*.
O que faltaria, então? Falta Lula.
Há muita coisa em andamento, muito projeto em construção, só possível em
um governo racional.
Quando se acompanha o noticiário da Presidência, que chega por WhatsApp,
mas nunca transborda para as folhas dos jornais, percebe-se que, apesar
das restrições fiscais, o futuro do país está sendo definido agora:
reconstrução dos setores do Estado destruídas pelo bolsonarismo,
negociações com China e Japão, acordos sendo iniciados e políticas de
longo prazo sendo definidas.
Mas o governo não consegue transformar esse trabalho em um projeto político
Não há um plano de metas, que sintetize para a opinião pública a
construção do futuro. Não há iniciativas de impacto que projetem o
Conselhão como o embrião de um pacto nacional. Não há nem sinal de
reação contra os esbirros autoritários das lideranças do Centrão. Não há
nenhum aproveitamento da inteligência que repousa em vários órgãos
públicos. E, principalmente, não há atuação política de Lula mostrando a
construção do futuro.
Antes da prisão de Lula, palestrei em um evento da Confederação Nacional
dos Metalúrgicos. Lula falou em seguida. Seu discurso foi matador, uma
capacidade única de identificar os fatores efetivamente relevantes de
desenvolvimento e transmiti-los em linguagem popular. Comentei com um
colega: só tiro para parar Lula nas próximas eleições.
Depois, o Supremo Tribunal Federal e uma opinião pública desvairada
lançaram ele na prisão, de onde foi retirado por ser o único apto a
salvar o país do caos.
Peça 5 – os desfechos possíveis
Tem-se, então, um quadro paradoxal.
De um lado, o maior símbolo mundial da resistência progressista: Lula.
De outro, o avanço sistemático da ultradireita nesse antijornalismo
ululante, de tratar Tarcisio de Freitas como um político de direita normal.
Tarcísio está transformando a Polícia Militar em uma milícia. Seu
Secretário de Segurança, Guilherme Derrite, está demitindo todos os
oficiais legalistas, substituindo pelos matadores do ROTA (Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar). Não se trata apenas do planejamento
sistemático de homicídios, mas da transformação nítida em milícias
fascistas com objetivos políticos.
Veja-se o que aconteceu com as manifestações da ROTA de São josé do Rio
Preto, imitando as cerimônias da Klu Klux Kan.
Pergunte se houve alguma punição, ou aos PMS responsáveis por
assassinatos a sangue frio, documentados por vídeos espalhados pela
Internet.
Se não são evidências nítidas de um governador fascista, investindo nas
futuras milícias armadas, seria o quê? O que ocorreria na eventualidade
de Tarcísio presidente?
Certamente repetiria o modelo Bolsonaro, de invasão da administração
pública pelos militares, da abertura indiscriminada de aumento nos
rendimentos militares. E como se comportaria a corporação em um eventual
governo Tarcísio, com ele substituindo o Alto Comando legalista por
filhos dos porões da ditadura, por órfãos de Silvio Frota?
Nada isso importa: Tarcísio é a garantia de privatização da Petrobras,
de invasão das universidades por tutores militares, da revanche final da
ultradireita, espelhado no exemplo do tutor maior: Donald Trump.
Se parasse a história agora, a contribuição de Lula à democracia já
estaria estampada nos livros de história. Não serão necessários muitos
anos para o reconhecimento dos Xixo de hoje. É uma biografia épica, do
político condenado à prisão pela mais alta corte do país, e retirado
dela pela mesma corte, quando viu nele a única alternativa contra a
ditadura bolsonarista.
Mas tem que cair a ficha de Lula para um fato. Não há férias nem
aposentadoria para personagens da história. É hora de, a exemplo de
Charles Laughton em “Testemunha de Acusação”, pegar novamente o chapéu
de metalúrgico e completar seu trabalho maior: a consolidação definitiva
da democracia no país.
Em
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/xadrez-2/xadrez-do-escandalo-do-inss-e-as-saidas-para-o-impasse-por-luis-nassif/
4/5/2025
segunda-feira, 5 de maio de 2025
Xadrez do escândalo do INSS e as saídas para o impass
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