sábado, 7 de setembro de 2019

Arquitetura da destruição






por Ana Araújo e José Martins, da redação.

Aumenta a ingovernabilidade. E a conjuntura política ferve. Nesta
semana, com bem mais desenvoltura, as classes dominantes brasileiras e
seu atual governo jogaram mais fichas em uma radicalização política e
engessamento das instituições.

O presidente da República, Jair Messias Boçalnaro, e seu ministro da
justiça, Sérgio Moro, são os principais protagonistas dentre outros
inúmeros meliantes que povoam atualmente o palácio do Planalto. Aumenta
a possibilidade de paralisação e fechamento do regime.

Este cenário de nova etapa de radicalização do governo aparece com mais
clareza com duas ações simultâneas: a “operação hacker”, da Polícia
Federal, e a edição da portaria nº 666, de 25 de julho 2019, ambas as
ações comandadas pessoalmente pelo ministro da Justiça.

Em seu Art. 1º, a portaria 666 estabelece com toda a clareza e
indisfarçada violência o seguinte: “Esta Portaria regula o impedimento
de ingresso, a repatriação, a deportação sumária, a redução ou
cancelamento do prazo de estada de pessoa perigosa para a segurança do
Brasil ou de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e
objetivos dispostos na Constituição Federal”.

Está sobrando quase nada mais do direito individual à privacidade e a
uma mínima livre expressão, como se vivia até agora. Na democracia,
quando desvanece o poder de governar  a violência potencial do Estado é
substituída pela violência cinética. Um enfraquecimento da capacidade
repressiva do Estado.

Este quadro de nova etapa de radicalização do governo e ruptura com a
ordem institucional foi corretamente evidenciado por alguns poucos
analistas políticos de oposição no país. Como o jornalista *Luis Nassif
<https://jornalggn.com.br/justica/operacao-hacker-marca-a-nova-etapa-de-radicalizacao-do-governo-por-luis-nassif/>*,
que descreve corretamente as recentes ações do governo:

“/A operação da Polícia Federal contra os supostos hackers do interior
paulista indica o início da estratégia Operação Incêndio de Reichstag,
que marcou a ascensão do nazismo na Alemanha. É uma tática recorrente em
governos que caminham para o autoritarismo. Vão sendo testadas armações
que insuflem a malta contra o inimigo comum fabricado. Mantém o clima de
conflito permanente até que se tenha o grau de fervura adequado para o
golpe final…     Enfim, já começou a contagem regressiva para a
radicalização final do governo. Ou as instituições acordam enquanto é
tempo, ou será tarde. O tempo para reagir tornou-se dramaticamente curto/.”

Entretanto, antes que alguma análise mais superficial eleja as grandes
ideias ou os grandes homens (pequeníssimos, no caso brasileiro) como os
demiurgos criadores do processo histórico é muito mais inteligente
considerar que na origem do atual governo e nas suas tentativas atuais
de fechar o regime existe uma base material perfeitamente definida.

Boçalnaro, Moro e demais milicianos atualmente instalados no trono em
Brasília não são um raio no céu azul da democracia. Na base dos
fenômenos políticos brasileiros e no enfraquecimento de governo das
classes proprietárias existe um processo econômico depressivo e um
desemprego crescente que essas classes não conseguirão interromper.

Portanto, para quem está interessado em saber o que está determinando o
tumultuado quotidiano político no Brasil e seus explosivos
desdobramentos é altamente recomendável que se observe mais de perto a
falência da produção industrial do país.

Veja-se, por exemplo, como é reportado pelo *jornal O Estado de São
Paulo
<https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,numero-de-industrias-fechadas-em-sao-paulo-e-o-maior-em-uma-decada,70002930559>*
o que está acontecendo no estado de São Paulo, maior polo industrial do
País, que registrou o fechamento de 2.325 indústrias de transformação e
extrativas nos primeiros cinco meses do ano.

Os índices de óbitos na base mais importante da produção de capital no
Brasil atingem os níveis mais elevados dos últimos dez anos e 12% maior
que o do ano passado, segundo a Junta Comercial de São Paulo. Veja essa
evolução.

No grupo das que fecharam as portas neste ano, há indústrias nacionais e
multinacionais estrangeiras. Algumas transferiram filiais para outras
unidades da mesma companhia para cortar custos e outras encerraram
totalmente a produção.

De uma forma ou de outra deixaram um rastro de grandes contingentes de
desempregados, a maior parte deles sem receber salários atrasados e
indenizações.

A indústria de autopeças Indebrás, por exemplo, na zona oeste de São
Paulo, deixou de operar em abril e colocou na rua cento e cinquenta
funcionários. Com salários atrasados e sem verbas rescisórias, eles
ficaram acampados em frente à fábrica por 48 dias. Após acordo na
Justiça do Trabalho, a empresa propôs fazer o pagamento em 18 parcelas
mensais.

“O receio é que a empresa pague as primeiras parcelas e depois suspenda
o pagamento, como já ocorreu em acordos anteriores fechados por outras
empresas”, diz o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,
Érlon Souza.

A destruição de capacidade produtiva instalada e crescente desemprego da
população trabalhadora aparecem ameaçadoramente para a sociedade civil
como a única perspectiva do regime capitalista brasileiro para a próxima
década.

Os números ainda não tão elevados (em termos absolutos) de fechamento de
indústrias e de desemprego, acima ilustrados com o caso de São Paulo,
devem ser generalizados para todo o país e multiplicados por dez ou
vinte nos próximos anos.

Isso é o mais importante a ser considerado na análise da atual situação
política: os capitalistas nacionais e internacionais que agem
impunemente no Brasil já sabem, como os leitores da Crítica da Economia
há muito mais tempo, que eles serão incapazes de recuperar o crescimento
econômico interno nos próximos dez anos.

Ou mais de dez anos, pois este longo prazo vai depender do fato que no
meio do caminho a economia brasileira será atingida por um choque global
de magnitude inédita nos últimos setenta anos. Por enquanto a economia
mundial continua se segurando, bem ou mal, no ocaso do atual período de
expansão global.

É por isso que se assiste neste momento um aumento do pessimismo dos
economistas do mercado e do governo com a sua manifesta impotência para
fazer qualquer política econômica expansionista. Sabem que sem esta
recuperação seu regime de exploração vai para o vinagre.

A grande mídia do sistema procura festejar ruidosamente qualquer
minúsculo “sinal de recuperação da economia”. Eles sabem que isso é
crucial para a sobrevivência do atual regime de exploração. Mas fica
cada vez mais difícil convencer a assustada opinião pública que sua
propaganda não é enganosa.

É importante salientar que essa impotência burguesa de garantir a
reprodução do capital também existiria em um hipotético novo governo
mais popular (militar ou civil) e mais interessado em aplicar uma
política econômica anticíclica estilo Guido Mantega para recuperar a
governabilidade e evitar a guerra civil.

Acontece que – como a Crítica da Economia vem analisando exaustivamente
em inúmeros boletins nos últimos anos – a causa do travamento da
economia brasileira, como de resto das demais economias da periferia
dominada do sistema imperialista, encontra-se na asfixiante nuvem
deflacionária que cobre o mercado mundial desde o último choque
periódico global (2008/2009).

Frente a este irreversível fenômeno de achatamento dos preços médios no
mercado global e das correspondentes mudanças na divisão internacional
do trabalho as classes dominantes brasileiras jogaram finalmente a toalha.

E confessam, na forma de um vazio de soluções econômicas e na
ingovernabilidade política sem freios, que são incapazes de garantir a
produção e a reprodução das condições de sobrevivência de noventa por
cento da população do país.

Começam, então, a eutanásia da indústria. Uma dolorosa arquitetura de
liquidação de uma incurável economia da periferia imperialista.

O governo atual de Boçalnaros, Moros e demais paus-mandados da desordem
política nacional é a forma burguesa mais adequada para a realização
desta imunda arquitetura da destruição.

Uma arquitetura projetada por classes parasitas e proprietárias de todos
os meios sociais de produção do país que já perderam qualquer
justificativa ou legitimidade moral para continuar governando e
decidindo o que, como, e para quem produzir.

In
CRÍTICA DA ECONOMIAhttps://criticadaeconomia.com/2019/07/ha-algo-no-ar-alem-dos-avioes-de-carreira/
27/7/2019

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