por Carol Proner
In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/editoria/cidadania/a-lava-jato-e-os-11-principios-da-propaganda-nazista-por-carol-proner/
20/2/2021
A Lava Jato não existiria sem uma aliança bem ajustada com setores da
mídia para, por meio de notícias espetaculosas, comprometer a imagem de
acusados antes mesmo da instauração de processos formais. Essa fórmula
obedeceu o modelo importado das “forças-tarefa” dos Estados Unidos,
conforme revelam informações sobre cursos de treinamento em cooperação
internacional de procuradores e agentes da polícia federal.
O Papa Francisco, ao perceber o uso da mídia em processos de perseguição
judicial na América Latina, passou a se insurgir publicamente contra o
que considerou um grave problema da justiça penal. O Pontífice ensaiou
uma explicação para o fenômeno: “O lawfare ocorre quando são imputadas
acusações falsas contra dirigentes políticos, promovidas conjuntamente
pelos meios de comunicação e órgãos judiciais colonizados” (…) “O sempre
necessário combate à corrupção é instrumentalizado, por meio do lawfare,
para combater governos indesejáveis, reduzir direitos sociais e promover
um sentimento de antipolítica do qual se beneficiam os que aspiram a
exercer o poder autoritário: a macro delinquência das corporações”
O jurista argentino Eugenio Zaffaroni também abordou o tema do lawfare
em entrevista na qual comentou a degradação política e institucional que
ocorreu na Argentina. Tendo sido, até recentemente, juiz da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Zaffaroni toma como referência os 11
princípios de Joseph Goebbels para descrever o raciocínio ideológico por
trás do fenômeno das guerras jurídicas. Segundo ele, “o lawfare de hoje
usa as mesmas técnicas, embora com uma tecnologia mais refinada”. Será
que a comparação dos 11 princípios vale para o Brasil?
Alguém diria, que exagero! Comparar o diabólico projeto de propaganda
nazifascista ao raciocínio ideológico subjacente à Lava Jato, é um pouco
demais.
Porém, lembro-me de extravagâncias marcantes na propaganda publicitária
da megaoperação, como a preferência por “camisas negras” no vestuário de
Sérgio Moro. O juiz nega a associação com os “camisas-negras” do
fascismo de Mussolini, mas é inegável a violência real e simbólica de
seus interrogatórios em audiências, os abusos às garantias do processo
penal e outras “licenças” que disse ter trazido da influencia italiana
da Operação Mani Pulite. Isso sem contar a justificativa do “estado de
necessidade”– combater a corrupção sistêmica transnacional – alardeada
com a ajuda da imprensa para justificar exceção ao devido processo, algo
que aproxima a corrompida República de Weimar da República de Curitiba.
Efetivamente, os 11 princípios da propaganda nazista podem nem ser do
conhecimento do bando de procuradores ou do próprio juiz. A camisa negra
pode ser apenas mau gosto, mas há coincidências impressionantes e que
sugerem que na Lava Jato nada acontece por acaso.
Vejamos como se adaptam os princípios de Goebbels à Operação Lava Jato:
1º. Princípio da simplificação e do inimigo único. Apregoa a
simplificação, e não a diversificação, na escolha de um inimigo único.
Deve-se escolher um inimigo por vez: o Nine. Deve-se ignorar o que os
outros fazem e concentre-se em um até acabar com ele: “Depois de ontem,
precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1)” (…)“Vamos
torcer pra esta semana as coisas se acalmarem e conseguirmos mais
elementos contra o infeliz do Lula”.
2º. Princípio do método de contágio: Deve-se reunir diversos adversários
em uma só categoria. Os adversários devem se constituir em uma soma
individualizada, contagiada: lulismo, petismo, lulopetismo, expressões
amplamente difundidas pela imprensa como sinônimos de corrupção tanto no
Mensalão como na Lava Jato.
3º. Princípio da Transposição. Deve-se transladar todos os males sociais
a este inimigo e, se não puder negar más notícias, deve-se inventar
outras que as distraiam. Este mandamento lembra muito a associação que a
mídia fez com o PT como sendo a origem de todo o mal da corrupção no
país, do Mensalão à Lava Jato. Apenas como exemplo, um editorial do
Jornal O Globo de 2015 definiu como título: “O DNA da corrupção no
lulopetismo”.
4º. Princípio da Exageração e desfiguração. Deve-se exagerar as más
notícias até o ponto de desfigurá-las, transformando um delito pequeno
ou menor em ameaça grave, em mil delitos, criando assim um clima de
profunda insegurança e temor. O medo difuso da corrupção associado a
capas de revista e cobertura da imprensa geraram um clima de
agressividade e ódio contra o inimigo número 1. O auge do grotesco foi a
capa da revista Veja – edição 2496 – que trouxe um ataque violento
contra o ex-presidente Lula. A agressão, que também foi um plágio da
revista norte-americana Newsweek, trouxe a imagem da cabeça decapitada
de Lula, com um fundo totalmente vermelho gerando um efeito similar a
sangue escorrendo ou um líquido fluindo como se indicasse um
derretimento. A mesma figura havia sido estampada na capa de uma edição
da Newsweek de 2011, após a morte do presidente líbio Muammar Kadafi.
5º. Princípio da Vulgarização. Toda a propaganda deve ser popular e
adaptada ao nível mais elementar entre os destinatários. Quanto maior
seja a massa a convencer, menor será o esforço mental a realizar. O
objetivo do principio é transformar tudo numa coisa torpe e de má índole
de modo que as ações do inimigo sejam compreendidas como vulgares,
ordinárias, fáceis de descobrir. Aqui, o exemplo mais evidente é o uso
do Power Point em rede nacional para apontar com flechas o inimigo
número 1: “Não temos provas, temos convicção”
6º. Princípio da Orquestração. A propaganda deve limitar-se a um número
pequeno de ideias que devem ser repetidas incansavelmente, apresentadas
uma e outra vez desde diferentes perspectivas, mas sempre convergindo
para um mesmo conceito, sem fissuras nem dúvidas. Deve-se fazer ressonar
os boatos até se transformarem em notícias, sendo estas replicadas pela
“imprensa oficial’. Aqui os exemplos são inúmeros, frases de efeito,
símbolos associativos, pixulecos com roupa de presidiário, verdadeiras
campanhas publicitárias para massacrar a imagem pública de Lula e do PT:
“Lula ladrão. Basta de corrupção. Sua hora chegou corrupto” (pichação no
muro do Instituto Lula em 2016). Cito também uma expressão atribuída ao
jornalista Reinaldo Azevedo e que consagrou a ideia de petista como
corrupto: petralha
7º. Princípio da Renovação. Há sempre que se emitir informações e
argumentos novos a um ritmo tal que, quando o adversário responda o
público, este já está interessado noutra coisa. A respostas ao
adversário nunca devem superar o nível crescente de acusações, um
bombardeamento de notícias (sobre o inimigo escolhido) para que o
receptor não tenha tempo de pensar, pois está sufocado por elas. Aqui
também os exemplos são fartos e a chamada “narrativa da Lava Jato”
prevaleceu muito tempo encobrindo os verdadeiros fatos. Nesta última
leva de diálogos da Spoofing, há um trecho em que Sérgio Moro questiona
os procuradores: “Não é muito tempo sem Operação?”
8º. Princípio do Verossímil. É necessário construir argumentos a partir
de fontes diversas, a partir dos chamados globos sondas ou de
informações fragmentadas para diversificar opiniões por meio de
interpretações de especialistas, mas todas opiniões contra o inimigo
escolhido. Aqui entra em jogo a máquina de propaganda da Lava Jato: de
séries da Netflix a outdoors com a foto da Liga da Justiça contra a
corrupção, incluindo quiosques em aeroportos com dinheiro de mentira
para criar um clima de revolta seletiva . Articulistas em jornais de
grande circulação desenvolveram a fundamentação e a justificativa que
contribuiu para o clima de vale-tudo contra a corrupção.PREMIOS…
9º. Princípio do Silêncio. Deve-se silenciar as informações sobre as
quais não se têm argumentos e dissimular ou ocultar as notícias que
favorecem o adversário. É importante ocultar toda a informação que não
seja conveniente. O principal exemplo aqui é a tentativa de censurar
todo o material que emergiu com os vazamentos tanto na Vaza Jato como na
Spoofing, ao mesmo tempo em que também atua o corporativismo e a
cumplicidade de todos os envolvidos na grande trama da Operação Lava
Jato, incluindo os órgãos correcionais, que engavetaram procedimentos
administrativos e judiciais, e a censura seletiva da mídia.
10º. Princípio da Transferência. A regra geral da propaganda opera
sempre a partir de um substrato preexistente, ou seja, uma mitologia
nacional, um complexo de ódios, de preconceitos tradicionais. Então aqui
o que vale é difundir argumentos que possam arraigar em atitudes
primitivas. Talvez este seja o mais perverso dos princípios, pois que
potencializa o ódio fascista ressignificado nos preconceitos contra a
esquerda, contra os negros e as cotas, contra o nordestino, contra o
petista e tudo o que possa remeter ao projetos de inclusão social das
últimas décadas. Conforme já referido nos exemplos anteriores, como as
odiosas capas de revista, todo o jargão antipetista levou as pessoas ao
ponto de pendurarem pixulecos de Lula enforcados nas janelas das casas,
efetivamente arraigando atitudes primitivas e violentas.
11º. Princípio de Unanimidade. O último princípio funciona como amalgama
aos demais, buscando a convergência em assuntos de interesse geral para
apoderar-se do sentimento de clamor popular contra o inimigo escolhido.
A sensação que se busca é a da unanimidade, a de que “todo mundo pensa
assim”. Aqui atinge-se o senso comum que opera a licença para exercer a
“exceção” contra o inimigo, o “estado de exceção”. Muitos exemplos
poderiam ser lembrados, mas o que melhor ilustra é a própria ascensão de
Jair Bolsonaro, consequência direta da propaganda lavajatista. Lembremos
do discurso odioso que o Capitão proferiu logo após ser eleito em 2018,
projetando um clima de ódio como jamais visto no país.
Muitas outras associações poderiam ser feitas, mas sem dúvida a chegada
da extrema direita ao poder sintetiza o resultado da produção do
sentimento fascista que é alicerce da Lava Jato. A extrema direita
chegou ao poder no embalo do sentimento antipetista que promoveu a
prisão política de Lula com a condescendência dos demais poderes e com a
tutela militar de plantão para qualquer inconveniente.
E a condescendência traz o efeito da normalização das condutas
arbitrárias. Os abusos que, na ditadura civil-militar, transitavam do
general ao guarda da esquina, agora também transitam nos arroubos
autoritários de juízes de piso atuando descontroladamente (Recordemos o
recente episódio do juiz substituto Waldemar Cláudio de Carvalho, da 10ª
Vara Federal Criminal do Distrito Federal, que decidiu simplesmente não
cumprir a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, de garantir ao
ex-presidente Lula acesso a mensagens obtidas na Operação Spoofing).
*Carol Proner* é professora de Direito Internacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Direitos Humanos pela
Universidade Pablo de Olavide na Espanha, é membro da Associação
Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). É autora de artigos e
livros sobre temas de direitos humanos, direitos fundamentais e
democracia, direito internacional público e direito internacional. Veja
todos os posts de Carol Proner
<https://www.prerro.com.br/author/carolineproner/>.
Nenhum comentário:
Postar um comentário