domingo, 26 de fevereiro de 2023

Brasil: a luta de classes em campo aberto

 


    Edmilson Costa [*]


A crise militar, a crise humanitária, a crise econômica, social e
política no Brasil são a expressões concentradas da crise orgânica do
capitalismo brasileiro que envolve o País há cerca de quatro décadas e
que vem esgarçando o tecido social brasileiro e provocando uma série de
fenômenos nunca observados na história brasileira, pelo menos desde o
pós-guerra. Como se trata de uma crise originária de múltiplas
determinações, em algum momento se apresenta como uma crise econômica,
em outro como uma crise militar ou ainda como uma crise política,
humanitária, social e assim por diante. Mas todos esses fenômenos que
emergem da conjuntura tem uma única raiz orgânica – a crise do
capitalismo brasileiro. Em artigo anterior, elenquei alguns elementos
que compõem essa crise orgânica. Portanto não repetirei os argumentos
anteriores, apenas prometo que, em momento oportuno, irei elaborar um
ensaio mais aprofundado sobre esse fenômeno.

Vale compreender que ao longo das quatro décadas de regressão econômica,
os gestores do capital tentaram reorganizar o capitalismo brasileiro, de
forma a repactuar o novo papel da economia na divisão internacional do
trabalho diante da internacionalização da produção, das finanças e da
emergência das novas tecnologias no interior da produção nos países
centrais.[1] <#notas> Mas essa tentativa pode ser considerada um rotundo
fracasso para a economia e o povo brasileiros. O País registrou nas
quatro décadas um processo de estagnação econômica, com um crescimento
medíocre, muito diferente do período decorrido entre 1930 e 1980, quando
o País cresceu a uma média de cerca de 6%, apesar da elevada
concentração de renda no período. Foram praticamente quatro décadas
perdidas, à exceção do moderado crescimento no período Lula.

Essa política também provocou um lento processo de desindustrialização,
com a extinção de vários elos das cadeias produtivas e mesmo de muitos
ramos industriais. Em contrapartida, alavancou a cadeia do agronegócio,
com uma agressiva campanha publicitária /(“O agro é tech, o agro é pop,
o agro é tudo”)/ e colocou o sistema financeiro como instrumento
privilegiado no saque ao fundo público e na formulação da política
econômica a favor dos empresários, banqueiros e especuladores. Além
disso, do ponto de vista social, o resultado desse ciclo neoliberal foi
a redução dos direitos, o confisco dos salários dos trabalhadores, o
encolhimento do mercado interno e aprofundamento da miséria e da fome no
País. Essa é a raiz da crise brasileira. Portanto, só observando esses
elementos de fundo, poderemos compreender a crise, o movimento das
diversas forças sociais, bem como a hierarquia dessas crises a cada
momento da conjuntura.

A vitória eleitoral de Lula abriu espaço para uma mudança na correlação
de forças, especialmente após os episódios de 8 de janeiro, mas não
podemos esquecer que o bolsonarismo ainda mantém apoio em vastas camadas
militares, em setores da burguesia, especialmente no agronegócio, entre
os especuladores financeiros, na institucionalidade, lideranças das
igrejas pentecostais, as milícias, além de importantes apoios em setores
médios conservadores, no lumpesinato e até do proletariado. Em outras
palavras, a vitória eleitoral de Lula foi importante, mas como a
história tem nos ensinado, uma mudança efetiva na conjuntura e na luta
contra o fascismo depende tanto das ações políticas do governo Lula
quanto principalmente da entrada em cena das massas organizadas na luta
por mudanças. Não se derrota o fascismo com bons modos, nem se convence
a burguesia a abrir mão de seus interesses em nome da justiça.

*O tempo quente dos primeiros dias*

Desde que foi anunciada a vitória de Lula, o País passou a viver um
clima permanente de tensão, com ameaça de golpe de Estado pelas forças
de extrema-direita. Bolsonaro, em seu mundo paralelo, acreditava
verdadeiramente que seria reeleito. Afinal, ao longo dos quatro anos o
governo, trabalhou diariamente por sua permanência por mais quatro anos
no governo. E como todos viram, nos momentos finais do pleito, utilizou
da maneira mais escandalosa a máquina pública, prefeitos e governadores
e o empresariado para ganhar a eleição de qualquer forma. Basta lembrar
o episódio da Polícia Rodoviária Federal parando os ônibus no Nordeste,
onde Lula tinha grande maioria dos votos, visando a reduzir a
participação dos eleitores no pleito, bem como os empresários
chantageando os empregados e os prefeitos reunindo os beneficiários do
Bolsa Família para votarem em Bolsonaro.

O ataque bolsonarista de 8 de Janeiro em Brasília.

Como o resultado lhe foi desfavorável, mas muito apertado, Bolsonaro e
sua trupe de velhos generais de extrema-direita e fascistas no interior
do Estado, inconformados com o resultado, buscaram um atalho para
reverter o resultado das eleições. Mas realizaram um atalho desesperado,
porque a maior parte da institucionalidade (Câmara, Senado, STF,
principais meios de comunicação) e as lideranças internacionais
reconheceram o resultado das eleições, isolando a extrema-direita.
Bolsonaro permaneceu várias semanas mudo, sem reconhecer a derrota, mas
na calada da noite conspirava freneticamente para reverter o resultado
das urnas e estimulava seus seguidores a se manterem mobilizados,
insinuando que algo iria acontecer.

Esses fatores explicam os acampamentos em frente aos quartéis, o tumulto
que ocorreu em Brasília no dia da posse de Lula e a tentativa de golpe
de 8 de janeiro. Os golpistas, que há tempos vinham pedindo uma
intervenção militar no País, decidiram se acampar em frente aos quartéis
de todo o País, com a anuência dos comandos dessas unidades militares.
Transformaram esses acampamentos em laboratório de preparação de um
golpe, especialmente em Brasília, onde ficava o Comando Militar. Para
tanto, tinham apoio organizado de financiadores empresariais, que lhes
forneceram toda a infraestrutura para permanecer no local, como barracas
confortáveis, banheiros químicos, colchões, fogões, comida à vontade e
apoio logístico da caserna, com a participação inclusive de esposas e
parentes de militares. Parecia um piquenique verde-amarelo.

No dia da posse de Lula, sob o pretexto de libertar um manifestante que
fora preso, os acampados tentaram invadir a sede da Polícia Federal e,
como não conseguiram, iniciaram um quebra-quebra nos arredores, com a
destruição de vidraças de prédios e lojas e incêndio de vários ônibus e
automóveis que encontravam pelo caminho, espalhando o pânico pela cidade
durante várias horas. Os golpistas tentaram até realizar um atentado
terrorista, ao colocar uma bomba num caminhão carregado de gasolina
próximo ao aeroporto. Felizmente, o motorista, ao revisar a carga,
avistou o artefato e comunicou à polícia. Isso evitou uma catástrofe
humana, porque se tivesse explodido seria uma tragédia, com dezenas de
mortos. O mais incrível é que a Polícia de Brasília (grande parcela
simpatizante do bolsonarismo) assistiu a tudo isso de braços cruzados e
ninguém foi preso, um comportamento muito diferente de sua atuação
diante das manifestações populares, onde a repressão é prática
generalizada. Esse foi o ensaio geral para a tentativa de golpe do
início de janeiro.

Dia 8 de janeiro, domingo. As pessoas ainda estavam se preparando para o
almoço quando foram surpreendidas pelos noticiários informando que
milhares de pessoas, vindas de vários Estados do Brasil, vestindo verde
amarelo e enroladas na bandeira do Brasil, estavam invadindo o Congresso
Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, símbolos
do poder em Brasília. O levante golpista estava em marcha. Para o
público em geral era realmente uma surpresa, mas esse foi um movimento
tramado a partir do acampamento em frente ao quartel militar de
Brasília, onde comandos bolsonaristas organizaram o levante. As
caravanas foram financiadas por empresários de extrema-direita, com
centenas de ônibus fretados saindo de várias partes do País, com tudo
pago e promessas de uma boa estadia em Brasília. Para disfarçar,
elaboraram uma senha para justificar as caravanas – todos vinham para a
“Festa da Selma”.

Os órgãos de inteligência chegaram a identificar o movimento e comunicar
às autoridades de Brasília, mas o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e
então secretário de Segurança da capital federal, Anderson Torres, em
vez de tomar providência para garantir a segurança das instituições,
saiu de férias para os Estados Unidos, colocou em férias vários coronéis
da polícia, e não montou qualquer esquema policial diante das ameaças
identificadas pela inteligência. Sabia perfeitamente dos planos
golpistas, mas espertamente procurava afastar, com a viagem, sua
responsabilidade com o que viesse acontecer. Por isso, quando os
golpistas invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto não
encontraram resistência policial porque os responsáveis colocaram apenas
pequenos contingentes policiais sem a menor condição de conter a invasão
golpista.

Pelas cenas mostradas na TV, foi praticamente um passeio o processo de
invasão, com o agravante de que policiais ajudaram os manifestante
chegar ao Planalto e muitos não só cruzaram os braços diante da invasão,
mas até se confraternizaram com os invasores. Ao longo de mais de três
horas, os vândalos depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e
o Palácio do Planalto, com uma fúria típica dos fascistas, pois não
quebraram apenas móveis e vidros, mas relíquias históricas como o
relógio doado por D. João VI e furaram obras de arte de Di Cavalcanti e
quebraram esculturas históricas. Quando o governo Lula decidiu intervir
na segurança de Brasília e os golpistas foram expulsos, o interior das
instituições invadidas parecia um ambiente de terra arrasada, tamanha a
destruição realizada pelos golpistas.

*Uma invasão nada espontânea*

Apesar da aparente espontaneidade, o movimento não tinha nada de
espontâneo. Grupos organizados, especializados e perfeitamente
conscientes dos objetivos da invasão, comandaram a manifestação
golpista. Sabiam perfeitamente por onde entrar e o que depredar. Seu
objetivo era claro: criar uma situação de caos, de tomada de símbolos do
poder, e provocar uma intervenção do Exército ou mesmo a edição de uma
GLO (Garantia da Lei e da Ordem), uma medida que é operada pelas Forças
Armadas. Se o governo Lula tivesse optado pela GLO se tornaria refém dos
militares e perdia completamente a autoridade que ganhou nas urnas.
Habilmente, Lula optou pela intervenção na Secretaria de Segurança de
Brasília e essa decisão mudou a conjuntura, pois o interventor nomeado
por Lula imediatamente colocou a Polícia sob seu comando e iniciou a
desocupação dos prédios, o que foi concluído algumas horas depois.

Isso demonstra claramente que só ocorreu a invasão porque a polícia e o
batalhão militar que é responsável pela segurança do Planalto
simplesmente deixaram que tudo acontecesse porque também estavam de
acordo com o golpe. Grande parte do que aconteceu pode ter uma
explicação pelo fato de que o governo Lula estava iniciando o mandato e
ainda não tinha trocado a maior parte do pessoal militar do antigo
governo, o que facilitou a conspiração. Para se ter uma ideia da
simpatia de setores das Forças Armadas com Bolsonaro basta dizer que o
então comandante do Exército, general Arruda, quando a polícia foi
desalojar e prender os golpistas que estavam acampados em frente ao
quartel-general, colocou tanques protegendo os acampados e impediu a
polícia de prendê-los, mesmo com a ordem do STF para detê-los, chegando
a ameaçar, segundo noticiou a imprensa, que tinha mais tropas que as
forças policiais que vieram prender os golpistas. Somente no outro dia
pela manhã os golpistas que estavam acampados foram presos.

A decisão rápida do governo em intervir na segurança de Brasília foi
fundamental para a derrota dos golpistas. Mas os meios de comunicação
também tiveram um papel importante nesse processo noticiando os atos e
condenando os golpistas. A tentativa de golpe também foi condenada
internacionalmente pelos dirigentes dos países centrais. Da mesma forma,
os presidentes do Senado e da Câmara também condenaram a invasão. O
Supremo Tribunal Federal também foi rápido no contra-ataque. Ordenou a
prisão dos golpistas, do secretário de segurança por sua omissão (este
voltou dos Estados Unidos e se entregou) e afastou o governador de
Brasília por 90 dias também em função da omissão diante dos
acontecimentos e abriu inquérito para identificar os financiadores.

Quando a polícia realizava um pedido de busca e apreensão na casa do
ex-ministro Anderson Torres, encontrou uma minuta do golpe, um documento
com todas as medidas para realizar o estado de exceção, como a
implantação do Estado de Defesa, a intervenção no Tribunal Superior
Eleitoral, a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, com a
consequente anulação das eleições. Até agora essa é a prova mais
concreta de um golpe em movimento, fracassado possivelmente por falta de
apoio nacional e internacional. As investigações estão em curso e, quem
sabe, mais para frente se ficará sabendo de mais bastidores da trama
golpista.

Mas o acontecimento que mais contribuiu para a perspectiva de mudança na
correlação de forças em favor das forças democráticas foi a demissão do
comandante do Exército. Bolsonaro tinha nomeado seu ajudante-de-ordens
para comando de uma unidade especial do Exército próximo de Brasília, o
que seria uma ameaça constante ao novo governo. Lula queria anular a
nomeação, mas o comandante do Exército se recusava e então o presidente
ordenou sua demissão e nomeou um general que dias antes tinha feito um
discurso de caráter legalista, o que significara um fato raro na
conjuntura que o País estava vivendo. A troca do comando do Exército não
apenas contribui para restaurar a autoridade civil, como também serve
para reduzir as tensões no interior das Forças Armadas. Mas muito ainda
precisa ser feito para desmontar o bolsonarismo na caserna e mudar a
formação dos militares brasileiros.

*Derrota moral e política dos golpistas*

De qualquer forma, a tentativa de golpe de 8 de janeiro, do ponto de
vista político, foi uma derrota moral e política para os bolsonaristas,
que desde 8 de janeiro perderam a iniciativa e estão na defensiva. A
derrota moral vem do fato de que toda a propaganda direitista de que a
esquerda era baderneira, quebrava tudo, era terrorista, foi por água a
baixo. Aconteceu com a extrema-direita exatamente o que eles acusavam
permanentemente a esquerda. Eles ainda tentaram desesperadamente,
através de fake news, dizer que a baderna que ocorreu em Brasília era
coisa de esquerdista infiltrado entre eles. Mas essa mentira foi tão
absurda que se transformou num argumento ridículo e eles tiveram que
recuar e amargar a ressaca do desespero.

A derrota política pode ser vista pelo fato que, a partir da tentativa
de golpe, as forças de extrema-direita ficaram na defensiva,
politicamente enfraquecidas perante a sociedade, especialmente porque os
meios de comunicações continuam revelando detalhes dos atos golpistas e
centenas de bolsonaristas estão presos, inclusive muitos de seus
financiadores. Não se pode esquecer que os próprios bolsonaristas
contribuíram para facilitar seu indiciamento, pois a grande maioria, no
momento da invasão, talvez embriagados pelo senso de impunidade que
grassou durante todo o governo Bolsonaro, filmaram os próprios atos de
vandalismo, produzindo assim provas concretas contra si próprios. Além
disso, as pesquisas de opinião demonstraram uma rejeição da sociedade
aos atos de 8 de janeiro. Isso não significa que o bolsonarismo esteja
morto. Pelo contrário, esse é um movimento que ainda levará tempo para
ser definitivamente derrotado na sociedade brasileira.

Outro elemento importante que tem contribuído para desmoralizar os
bolsonaristas é a crise humanitária. Os quatro anos do governo Bolsonaro
significou para as comunidades indígenas um tempo de terror, doenças,
mortes e fome, pois suas terras foram invadidas pelos donos de garimpos
e garimpeiros, que derrubaram as árvores, envenenaram os rios e o solo
com mercúrio e assassinaram líderes indígenas que realizavam resistência
à devastação. Com a redução da floresta, a caça também ficou reduzida.
Com os rios e o solo envenenado, aumentaram as doenças e a capacidade de
produção da terra indígena. O resultado não poderia ser outro que a
tragédia humana veiculada diariamente pelos meios de comunicação, muito
semelhante ao que ocorria nos campos de concentração nazistas.

O próprio ex-presidente e o ex-ministro do Meio Ambiente estimulavam a
devastação da floresta, a garimpagem de minérios e a invasão das terras
indígenas. Bolsonaro era um inimigo histórico dos povos originários e da
demarcação de suas terras e chegou mesmo a elogiar os Estados Unidos por
ter dizimados os indígenas por lá. “A cavalaria brasileira foi muito
incompetente. Competente sim foi a cavalaria norte-americana, que
dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em
seu País”. Portanto, o que está acontecendo agora com o povo Yanomami
não é nenhuma crise resultado de um drama da natureza, mas um projeto
organizado e desenvolvido meticulosamente pelo governo Bolsonaro para
extinguir os povos indígenas, começando pelos Yanomami, cuja reserva
demarcada era a maior do País.

Bolsonaro também foi conivente e participante da corrupção, tanto que
sua administração, apesar da lorota de que não existia práticas ilícitas
no governo, foi um dos períodos mais corruptos da história moderna
brasileira, envolvendo não só seus ministros e altos funcionários, mas
principalmente a família do presidente. Além disso, foi conivente com a
roubalheira que ocorria entre o grande capital porque praticamente
desmantelou os órgãos de fiscalização. Agora começam a aparecer os
escândalos como o das Lojas Americanas, envolvendo um trio de gatunos
bilionários bolsonaristas, e a dívida astronômica das Lojas Marisa e a
negociata fraudulenta da privatização da Eletrobrás, uma verdadeira
bandidagem, segundo o presidente Lula.

À medida em que for se desvelando os porões da administração
bolsonarista, novos escândalos vão aparecer para provar mais uma vez que
as denúncias contra a corrupção era apenas uma cortina de fumaça para
que os corruptos agissem com a certeza da impunidade. Um dos elementos
que podem colocar a céu aberto a corrupção orgânica do governo Bolsonaro
é quando as autoridades acabarem com o sigilo de 100 anos que Bolsonaro
colocou suas principais ações, como já se pode ver os verdadeiros
absurdos dos gastos do cartão corporativo do governo. As cenas dos
próximos capítulo deverão ser muito emocionantes.

*A luta de classes em campo aberto*

Em termos políticos, o Brasil vive um período de luta de classes em
campo aberto, com uma disputa polarizada entre dois grandes blocos de
classes e frações de classe. Uma primeira luta ocorre entre a
extrema-direita e as forças democráticas e de esquerda: os neofascistas
buscam permanentemente tumultuar a conjuntura, tanto com ações
desesperadas, como o 8 de janeiro, quanto com as fakes news, cujo centro
operacional continua atuando diariamente, muito embora sem a estrutura
institucional do período anterior. De outro, as forças democráticas e de
esquerda buscando tomar a iniciativa, reprimir os responsáveis pela
tentativa de golpe dia 8 de janeiro, denunciar as atrocidades do governo
Bolsonaro, retirar os fascistas do aparelho do Estado e consolidar as
liberdades democráticas.

Manifestante bolsonarista que se assume como nazi.

Mas seria um equívoco grave imaginar que a derrota das forças de
extrema-direita pode ser realizada apenas pela institucionalidade. Essas
forças só serão derrotadas com a pressão organizada das massas nas ruas.
Quanto mais rápido as massas se colocarem em movimento, melhores serão
as condições para uma mudança na correlação de forças, tanto entre
liberdades democráticas e fascismo quanto na perspectiva dos interesses
populares nas ações governamentais. Até agora tem sido positivas as
investigações e prisões dos golpistas, mas é fundamental que o processo
de investigação atinja não apenas os operadores que estiveram em
Brasília no dia 8 de janeiro, mas toda a cadeia de comando, que envolve
os financiadores, os autores intelectuais e inclusive todos os militares
que foram coniventes, apoiaram ou participaram ativamente da aventura
golpista. Sem perdão ou anistia para todos os golpistas,
independentemente da patente ou do poder econômico.

Outra disputa que ocorre no interior da crise brasileira se dá entre a
burguesia e o movimento social e popular. Derrotado e neutralizado o
fascismo, essa será a disputa principal que deverá se estender por todo
o mandato do presidente Lula. Apesar de que a luta entre fascismo e
democracia tinha até agora maior espaço na imprensa, a disputa que vai
definir o caráter do governo Lula será sua política econômica e social.
Essa batalha se expressa em dois vetores: a) na pressão da burguesia
para capturar a agenda econômica do governo e manter intacto o modelo
neoliberal, com apenas algumas migalhas de compensação social para os
trabalhadores e a população; b) e nos interesses populares representados
pelo movimento social e popular que, mesmo ainda fragmentado, votou em
peso em Lula querendo mudanças profundas no modelo econômico.

A burguesia, desde o período eleitoral e, especialmente após a vitória
de Lula, vem procurando de todas as formas manter a velha política
econômica que sangra o País, premia os especuladores, ataca os
trabalhadores e restringe o mercado interno desde o início dos anos 90.
Para tanto, se utiliza de todo o aparato institucional, principalmente
os meios de comunicação e seus porta-vozes como instrumento de pressão,
mediante a velha catilinária da responsabilidade fiscal, o fantasma da
inflação, a fuga de investimento e a continuidade da estagnação
econômica. Se o governo ceder à chantagem e não mudar a política
econômica na perspectiva dos interesses populares deverá ter o mesmo
destino do período anterior, quando a burguesia não só ganhou rios de
dinheiro como acumulou forças até o momento em que se sentiu forte o
suficiente para derrubar o governo e aprofundar o modelo neoliberal.

No outro ponto da disputa está o movimento social e popular, que votou
em Lula na expectativa de mudanças na perspectiva dos interesses
populares, revogação das contrareformas e do teto dos gastos, retomada
do crescimento, do emprego, o fim da miséria e da fome e a recuperação
dos salários, entre outros pontos. Não se pode esquecer que a crise
social brasileira é dramática: são mais de 15 milhões de trabalhadores
desempregados (incluindo o desemprego oficial e o oculto), 33 milhões
nas filas da fome, disputando ossos nos lixões e mendigando pelas
cidades, cerca de 38 milhões na informalidade e a miséria generalizada
entre as massas da periferia, além dos milhões de sem teto e sem terra.

Como temos afirmado, uma situação dessa ordem não pode permanecer
indefinidamente sem que as massas se levantem contra a opressão,
especialmente se levarmos em contra que essa tragédia social ocorre num
País que está entre as 10 maiores economias do mundo e com uma população
vivendo em mais de 80% nas cidades, especialmente nas regiões
metropolitanas. Esse imenso contingente de marginalizados sociais foi o
principal responsável pela vitória de Lula nas recentes eleições e seus
votos representaram a necessidade de rompimento com essa política que
vem massacrando os trabalhadores e a população pobre e que fez o País
voltar ao mapa da fome. Portanto, essa massa de marginalizados e
oprimidos não irá permanecer de braços cruzados se não houver uma
mudança na política econômica e não se contentará apenas com as migalhas
que foram distribuídas no período anterior dos governos do PT. O levante
de 2013 pode ser considerado apenas uma amostra do que poderá acontecer
se essas demandas não foram atendidas.

Nessa perspectiva e diante da nova conjuntura, é importante levarmos em
conta que há espaço para a emergência do movimento social e popular como
protagonista da nova conjuntura. Para as forças que lutam pelas
transformações na sociedade brasileira esse é um momento especial para
se avançar no trabalho de base visando colocar as massas em movimento,
de forma a evitar o que ocorreu no passado, quando o governo substituiu
a luta de massas nas ruas e locais de trabalho pela luta institucional,
cooptou o movimento social, apassivou e despolitizou a sociedade. O
resultado desse processo todos conhecemos e não se pode repetir
novamente, sob pena de amargarmos um longo processo de frustrações e
derrotas como ocorreu recentemente. As lições desse passado amargo são
importantes tanto para termos clareza do que não deve ser feito quanto
para organizarmos o futuro.

*As armadilhas da conjuntura*

Portanto, estamos diante de uma conjuntura complexa, difícil, com
armadilhas variadas, mas com possibilidades para o movimento operário e
popular. Para se navegar num ambiente dessa dimensão é fundamental não
perder de vista o norte estratégico e os elementos de fundo da
conjuntura, de forma a que se possa atuar no sentido de fazer avançar
nas conquistas e na organização popular. Para os comunistas, nosso norte
estratégico foi definido em nosso XVI Congresso e, como a história tem
nos ensinado, a estratégia é a carta náutica que ilumina os movimentos
táticos, tanto para a realização do trabalho político de base junto aos
trabalhadores, a juventude e o povo pobre das periferias, quanto para se
evitar cair no reformismo, sempre levando em conta o ânimo das massas e
sua disposição de participar das lutas.

É importante voltarmos a enfatizar que a crise orgânica do capitalismo
brasileiro não pode ser resolvida com medidas paliativas ou conciliação
com as classes dominantes. Afinal, a burguesia brasileira foi principal
responsável pela implementação desse ciclo devastador neoliberal de mais
de três décadas e não vai abrir mão dos seus interesses se não for
obrigada através da pressão organizada das massas. Querer conciliar os
interesses dessa burguesia, viciada na truculência e na superexploração,
com as necessidades das massas que votaram pelas mudanças, é uma tarefa
praticamente impossível. Se o governo insistir nessa ilusão terá como
resultado não só o fortalecimento das forças conservadoras, inclusive da
extrema-direita, como poderá colher o mesmo resultado do ciclo anterior,
com a captura da política governamental pela burguesia ou mesmo a queda
do governo, além da frustração que ocorrerá no movimento social e
popular. Já vimos esse filme em passado recente.

Portanto, o fenômeno político-social que pode mudar a correlação de
forças e derrotar esse modelo econômico destruidor da economia, dos
direitos e salários dos trabalhadores, da miséria e da fome, e construir
uma nova economia baseada nos interesses populares, é a entrada em
movimento da luta organizada das massas nas ruas, locais de trabalho e
estudo. Essa é a coluna vertebral para qualquer mudança na correlação de
forças, sem a qual o governo dificilmente será capaz de realizar as
transformações que o País necessita. Não existe possibilidade de romper
a armadilha neoliberal das últimas três décadas sem resolver a questão
social, revogar as contrareformas, o teto dos gastos e a lei de
responsabilidade fiscal e a reapropriação pelo Estado das empresas
estratégicas privatizadas na bacia das almas, com o objetivo de resgatar
o interesse público em relação ao privado. Sem essas medidas iniciais a
crise orgânica vai continuar e ressurgirá com mais intensidade em um
futuro não muito distante.

Não podemos também deixar de registrar outro elemento importante da
conjuntura, que é a disputa geopolítica do imperialismo com o eixo
China-Rússia-Eurásia e que terá impactos em toda a periferia
capitalista, inclusive no Brasil. O imperialismo em declínio, próximo a
sofrer uma derrota estratégica na guerra da Ucrânia, está cada vez mais
agressivo e vai buscar de todas as formas enquadrar sua reserva
estratégica, que é o continente americano. Como o governo vem
desenvolvendo uma política externa com autonomia relativa, isso pode
entrar em choque com as pretensões hegemônicas dos Estados Unidos. No
passado isso até foi tolerado porque não existia a crise que agora
estamos testemunhando, mas agora o imperialismo em crise com certeza vai
endurecer sua posição e exigir fidelidade aos interesses de Washington.

As recentes declarações da subsecretária para assuntos políticos do
Departamento de Estado, Victoria Nuland, exigindo que o governo Lula
“calce os sapatos da Ucrânia” e que condene a operação russa de forma
mais firme, é apenas o ensaio das pressões e exigências que virão do
império no futuro, principalmente se o Brasil estreitar os lados
comerciais com a China, principal inimigo dos Estados Unidos. Em caso de
um impasse, as forças burguesas brasileiras e imperialistas (que sempre
estiveram juntas em todos os momentos de nossa história moderna) já têm
o homem certo para uma eventual substituição de Lula, que é o
vice-presidente, Geraldo Alckmin, cujo perfil é diferente de um lumpem
desclassificado como Jair Bolsonaro ou de um corrupto e impopular como
Michel Temer.

Para não se ter ilusões, os comunistas precisam ter claro qual o
ambiente político que o movimento social e popular está atuando no
Brasil. Estamos diante de um governo de conciliação de classes, eleito a
partir de uma frente ampla que envolveu partidos políticos de esquerda,
do centro e de direita, a maior parte do movimento sindical (quase todo
ele dirigido por sociais-liberais e pelegos históricos), além de setores
da burguesia urbana e rural, o que significa uma contradição em processo
diante das necessidades e demandas dos movimentos sociais e populares.
Todos temos consciência de que o País vive uma tragédia social.
Portanto, qualquer medida beneficie a população é benvinda, mesmo
aquelas de compensação social típicas do neoliberalismo. Mas a gravidade
da crise, em função da devastação econômica, social e política,
acumulada ao longo do ciclo neoliberal, exigem mudanças de fundo capaz
de reverter o padrão de acumulação e a distribuição de renda, o que
significa a luta de classes na veia.

As contradições oriundas da própria frente que possibilitou a eleição de
Lula nos levam a acreditar que existe uma margem estreita de manobra por
parte do governo para realizar qualquer tipo de mudança mais avançada
sem a luta social. A burguesia vai continuar lutando para manter o velho
modelo das últimas três décadas e chantagear o governo com o objetivo de
manter os privilégios que obteve ao longo do ciclo neoliberal, enquanto
o movimento social e popular, passado o período de lua de mel com o
governo e diante da expectativa das mudanças que dificilmente virão,
poderá intensificar a luta social, afinal ainda está bem viva na memória
popular os erros cometidos pela administração do PT e a frustração com
relação ao estelionato eleitoral do segundo governo Dilma, que levaram
ao golpe de 2016, às contrareformas, à regressão no mundo do trabalho, à
emergência da extrema-direita e o governo Bolsonaro.

Mesmo com todos os ensinamentos do período anterior, o que se pode
esperar é que o social-liberalismo não deve ter aprendido as lições do
passado e tudo indica que tenderá ao masoquismo na luta política.
Portanto, o que se projeta é uma disputa acirrada no interior do
movimento social e popular e entre as organizações políticas sociais
liberais e revolucionárias, constituindo-se em basicamente duas
vertentes em relação ao futuro da conjuntura. Esses são os elementos da
disputa:

a) os sociais-liberais vão agir da mesma forma que no passado, buscando
transferir a luta nas ruas para a institucionalidade, cooptar as
principais lideranças do movimento popular, refrear a luta das massas,
sob o pretexto de que qualquer crítica ao governo, paralisação das
fábricas ou a luta independente do movimento popular favorecerá ao
golpismo, que a hora é a luta pela democracia, que o governo se
encarregará de realizar o que prometeu;

b) de outro lado está o movimento popular que irá lutar pela
reorganização de nossa classe, no entendimento de que as velhas direções
forjadas no ascenso do final dos anos 70 e 80 se acomodaram, perderam a
combatividade e já estão superadas pela atual conjuntura da luta de
classes no País. Portanto, a crise exige um movimento social combativo,
disposto a disputar nas ruas e locais de trabalho o futuro, em busca de
um novo rumo para o País na perspectiva das transformações sociais. Essa
disputa definirá o futuro da conjuntura no Brasil.

Do ponto de vista político, também haverá uma disputa entre organizações
e partidos políticos pelos rumos da conjuntura. O PT, agora totalmente
dependente do prestígio de Lula, seguirá a mesma política de conciliação
de classes buscando conciliar o inconciliável, sob o argumento de que o
que está sendo feito é o possível, além do fato de que o mais importante
é garantirmos a democracia. O PC do B, em profunda crise orgânica e
ideológica, amarrou o seu destino ao destino do PT para sobreviver
institucionalmente, mesmo que essa política venha reduzindo sua
influência institucional. Uma outra parte da esquerda, especialmente o
Psol, que até pouco tempo caminhávamos juntos, abandonou a independência
de classe e aderiu de malas e bagagens ao governo Lula, muito embora com
a resistência de uma grande parcela de seus militantes e dirigentes. Em
outras palavras, essas organizações, apesar de suas divergências
formais, estão cada vez mais se parecendo um balaio de caranguejos e se
não mudarem sua posição serão engolidas pela crise orgânica.

Por isso, o movimento social e popular não pode dar um cheque em branco
para o governo e muito menos cair na armadilha de que a luta pelas
liberdades democráticas deve ofuscar a batalha pelas mudanças sociais.
Os comunistas têm claro seus objetivos nessa conjuntura: lutamos contra
a extrema-direita e contra o fascismo junto com outras forças, que
inclusive são contra o socialismo, mas manteremos nossa independência
política e orgânica em qualquer situação. Não podemos confundir nossos
interesses estratégicos com os interesses de aliados ocasionais numa
luta específica da conjuntura. Nosso objetivo de médio prazo é construir
a Frente Anticapitalista e Antimperialista, na perspectiva do poder
popular e do socialismo. Portanto, não podemos confundir a luta para
derrotar a extrema-direita com a luta pelas transformações sociais. Ou
seja, quando os objetivos específicos coincidirem estaremos juntos, mas
marcharemos separados na luta pelas transformações sociais no Brasil.

*Que fazer, uma questão atual*

Sabemos perfeitamente que o fascismo sempre se constituiu em alternativa
para a burguesia nos momentos de crise do capital e também nos momentos
de calmaria. Aliás, historicamente o fascismo cumpre três papéis
relevantes para as classes dominantes: a) quando a crise está aguda,
serve como tropa de choque para destruir o movimento operário e popular
e reprimir os comunistas; b) em tempos normais, constitui numa força de
pressão e chantagem para que os governos de conciliação possam rebaixar
sua pauta política e econômica; c) além disso, também é um instrumento
útil para que as forças reformistas do movimento social e popular possam
justificar a luta política com as forças classistas, sob o argumento de
que não se deve radicalizar as demandas dos trabalhadores e as lutas
sociais para evitar o fascismo ou o golpismo, como no caso brasileiro.

Ou seja, esse trabalho útil das forças fascistas para a burguesia
reforça o poder das forças da conciliação de classe para realizar o
“pacto social”, como ocorreu no período anterior do governo do PT. Nessa
nova conjuntura essas forças buscarão incrementar as políticas de
compensação social, de forma a atender as demandas mais urgentes da
população. Essas políticas deverão gerar um grande alívio na parcela
mais pobre do povo e conseguirá no primeiro momento apoio da maioria dos
brasileiros, afinal ninguém pode ser contra combater a miséria e a fome.
Assim, cria-se uma cortina de fumaça para não desmontar a política
neoliberal, para não revogar as contrareformas, nem a política de
austeridade fiscal e muito menos retomar para o setor público as
empresas estatais privatizadas na bacia das almas. Mas o que se precisa
compreender é que as políticas de compensação social são apenas uma
vitrine para que o governo possa manter os interesses básicos das
classes dominantes na economia. Apenas como exemplo, enquanto o governo
vai destinar R$ 53 mil milhões para o Bolsa família em 2023, o gasto com
o pagamento de juros da dívida interna no mesmo período deverá ser cerca
de 15 vezes maior que isso R$ 790 mil milhões.[2] <#notas>

Por isso mesmo, os comunistas terão a tarefa de esclarecer pacientemente
a população sobre as contradições de fundo do projeto de conciliação de
classe e disputar o novo ciclo com esses setores, pois sabemos que
nesses momentos de crise há imensas possibilidades de ascensão do
movimento de massas tanto pela própria necessidade de sobrevivência do
povo quanto pelas demandas não atendidas. Em todos os momentos da
história as massas se levantaram quando a situação chegou a um limite
insuportável e esse limite está na ordem do dia no Brasil. Para tanto, é
fundamental termos confiança nas bases objetivas para um processo de
transformação social no Brasil. Temos em nosso País o segundo maior
contingente do proletariado do continente, constituído por mais de 90
milhões de trabalhadores ocupados, dos quais mais de 36 milhões ligados
à produção do valor. Portanto, esse imenso potencial revolucionário deve
ser organizado e mobilizado no curso desse ciclo que se abriu com a
eleição de Lula para que possamos alcançar os objetivos da revolução
brasileira.

Portanto, é hora de arregaçar as mangas, fazer o trabalho de base nos
bairros, nos locais de trabalho e estudo e transformar essas bases
objetivas das transformações sociais em movimento consciente na
construção do poder popular e do socialismo. Essa não é uma tarefa que
será realizada da noite para o dia, nem os comunistas têm uma varinha
mágica para atingir seus objetivos. Nesse processo de construção a
militância tem que colocar o pé no barro para chegar ao coração das
massas. Um bom exemplo de que o trabalho de base gera bons frutos, é só
observarmos os dois principais movimentos sociais do País atualmente, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST). Precisamos ter humildade e recolher os
ensinamentos da prática dessas organizações junto ao povo pobre e
combiná-los com nossa centenária experiência de trabalho junto ao
proletariado tradicional e buscar alternativas criativas de organização
do novo proletariado, tanto aquele ligado às fronteiras tecnológicas
quanto o precarizado nas plataformas digitais.

Temos convicção de que não se chega às massas com programa máximo, mas
com reivindicações concretas que fale diretamente às necessidades
imediatas da população e só após esse primeiro movimento é que devem ser
colocadas as propostas mais avançadas. Em outros termos, uma vanguarda
não deve ficar atrasada em relação ao movimento das massas porque pode
ser engolida pela institucionalidade e o reformismo mas, ao mesmo tempo,
não pode avançar demasiadamente mais que a subjetividade do sentimento
popular, sob pena de correr o risco de pregar no deserto e ficar
isolada. A arte da política é exatamente encontrar o ponto de
confluência entre essas duas perspectivas. Portanto, os comunistas devem
ser criativos para combinar dialeticamente os objetivos estratégicos com
uma tática que fale diretamente aos interesses objetivos concretos das
massas de forma a colocá-las em movimento para atingir seus objetivos
mais imediatos e realizar a tarefa das transformações sociais.

Nosso Partido obteve um crescimento extraordinário nos três últimos anos
em função de uma linha política correta em relação à luta de classes
nessa conjuntura complexa e difícil. Fomos uma das principais
organizações que convocou as manifestações do dia 29 de maio de 2021, em
plena pandemia, quando as outras organizações, como o PT e o Psol, se
manifestaram contra e somente nos últimos minutos do segundo tempo,
quando suas organizações de base já tinham aderido à manifestação, é que
a direção envergonhadamente resolveu participar. Essa manifestação foi
um grande sucesso e marcou a retomada das lutas nas ruas no Brasil e deu
ao nosso Partido grande autoridade política porque as nossas colunas
vermelhas estavam entre as maiores nas manifestações.

Agora no processo eleitoral lançamos uma candidata a presidente da
República, camarada Sofia Manzano. Apesar das imensas pressões pelo voto
útil no primeiro turno, a nossa candidatura obteve expressiva
repercussão política, especialmente entre a juventude, e muitas das
pautas que apresentamos foram incorporadas por outras candidaturas. No
segundo turno apoiamos Lula, o que foi correto, pois naquele momento a
disputa era realizada entre civilização ou barbárie. Os ganhos políticos
desse processo podem ser constatados pelo fato de que milhares de
lutadores sociais em todo o País estejam batendo às portas do Partido e
dos nossos Coletivos para lutar de forma organizada.[3] <#notas>

O programa que defendemos nesse processo eleitoral tem uma atualidade
extraordinária e deve nortear nossa ação nesse novo ciclo da luta social
e política no Brasil. Devemos realizar nosso trabalho nos bairros e
locais de trabalho a partir das reivindicações concretas das massas,
como uma política contra o desemprego, a miséria e a fome, construção
dos restaurantes populares a preços simbólicos em todas as cidades e,
particularmente nos bairros das grandes metrópoles, redução da jornada
de 30 horas sem redução dos salários, reajuste dos salários acima da
inflação e recomposição das perdas dos últimos anos, moradia para todos,
fortalecimento do SUS 100% estatal, ensino público e gratuito de
qualidade, revogação do teto dos gastos, da Lei de Responsabilidade
Fiscal e instituição da Lei de Responsabilidade Social, como forme de
vincular o orçamento às demandas da população, entre outros pontos.

À medida em que as massas foram se incorporando às lutas por
reivindicações concretas, é hora de começar a colocar propostas mais
avançadas, entre outros pontos, como a estatização do sistema
financeiro; o resgate para o setor público das empresas estratégicas que
foram privadas em meio a um escandaloso processo de corrupção; tornar a
Petrobrás 100% estatal e indutora do desenvolvimento econômico;
estatização do sistema educacional e de saúde; uma política de
industrialização que incorpore o País nas fronteiras tecnológicas e que
esteja voltada aos interesses populares; uma política para o meio
ambiente que proteja o ecossistema e, inclusive, induza a construção de
polos avançados de biotecnologia; uma reforma tributária progressiva que
taxe dividendos, grandes fortunas, heranças e patrimônio; reforma
agrária e urbana; democratização dos meios de comunicações, com a quebra
dos monopólios e criação de uma poderosa rede pública de comunicações,
inclusive possibilitando a que as organizações sindicais e políticas
possam ter canais de informação.

Esses são pontos importante para colocarmos em debate com as outras
forças de esquerda que estejam de acordo com o princípio de que só a
luta de massas é capaz de mudar o País na perspectiva dos interesses
populares, de forma a que possamos construir no processo de luta um
programa contra-hegemônico capaz de superar a fragmentação atual e dar
uma nova direção ao movimento social e popular. As lutas que emergirão
nessa conjuntura terão um papel importante para forjar a unidade do
campo classista e abrir caminhos para a reorganização do movimento
sindical, popular e da juventude, instrumento fundamental para
realizamos as tarefas das transformações sociais no Brasil. Os
comunistas devem realizar todos os esforços para contribuir com essa
perspectiva. Tenho certeza de que cumpriremos essa tarefa.

[1] São mais de três décadas de neoliberalismo, desde o governo Collor,
mais os anos 80 que foi uma década perdida em função das políticas do FMI.
[2] Dados projetados pelo Banco Inter – Apud Jeferson Miola.
[2] Os Coletivos do Partido são os seguintes: União da Juventude
Comunista (UJC), que atua junto à juventude; Unidade Classista (UC), que
realiza o trabalho junto ao movimento operário e popular; Coletivo
Feminista Classista Ana Montenegro (Cefcam), que faz o trabalho junto às
mulheres; Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO), que realiza o
trabalho entre a população negra e a luta contra o racismo; Coletivo
LGBT Comunista, que faz a luta de gênero e contra as opressões; temos
ainda a Fração Nacional Indígena, que trabalha junto aos povos originários.


        25/Fevereiro/2023


    [*] Doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto
    de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre
    outros, de /A política salarial no Brasi/l (Boitempo Editorial), /A
    globalização e o capitalismo contemporâneo/ (Expressão Popular), /A
    crise econômica mundial, a globalização e o Brasil/ (edições ICP), e
    /Reflexões sobre a crise brasileira/ (edições ICP). É
    secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro.

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/brasil/edmilson_25fev23.html
25/2/2023

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