– O centésimo aniversário da morte de Lenine, completado a 21 de
Janeiro deste ano, foi ocasião para recordar a importância teórica
e política do tema Imperialismo. Tanto mais quanto o estado de
guerra permanente em que o mundo está envolvido se agrava a olhos
vistos – na Ucrânia, na Palestina, no Oriente Próximo ou no
Extremo Oriente. Esta análise de /O imperialismo,/ obra publicada
em 1916, tem um duplo mérito: recorda de forma concisa o inovador
contributo de Lenine e, do mesmo passo, alerta para as mudanças
entretanto ocorridas no mundo – exorta-nos a desbravar terrenos
que são cruciais para a afirmação do socialismo no nosso tempo.
Prabhat Patnaik [*]
A importância de /O imperialismo/ [NT] <#nt> de Lenine está no facto de
ter revolucionado a percepção da revolução. Marx e Engels já haviam
admitido a possibilidade de países coloniais e dependentes terem
revoluções próprias antes mesmo da revolução proletária nas metrópoles,
mas esses dois conjuntos de revoluções eram vistos como desarticulados;
e tanto a trajetória da revolução na periferia como a sua relação com a
revolução socialista nas metrópoles permaneceram obscuras.
/O imperialismo/ de Lenine não apenas ligou os dois conjuntos de
revoluções, mas também considerou a revolução nos países periféricos
como parte do processo de transição da humanidade para o socialismo.
Ele via, portanto, o processo revolucionário como um todo integrado.
Visualizou um único processo revolucionário mundial que, a partir de uma
ruptura no elo mais fraco da cadeia, não importando onde esse elo
estivesse localizado, derrubaria todo o sistema.
E afirmava também que chegara o tempo de tal revolução mundial, pois o
capitalismo atingira um estágio em que enredara a humanidade em guerras
catastróficas: tinha “coberto” o mundo inteiro sem deixar “espaços
vazios”, dividindo-o completamente em esferas de influência de
diferentes potências metropolitanas, de modo que só poderia agora
ocorrer uma nova repartição; e essa redivisão só poderia ocorrer por
meio de guerras interimperialistas, das quais a Primeira Guerra Mundial
foi um clássico.
A posição teórica que informa /O imperialismo/ ampliou o marxismo em
pelo menos cinco direcções principais.
*Primeiro*, trouxe as “regiões periféricas” do mundo, países que Hegel
havia descartado como não tendo história, para o âmbito da revolução
mundial. De facto, com o passar do tempo e com o desaparecimento das
esperanças de uma revolução na Europa após a Revolução Bolchevique,
esses países passaram para o centro da revolução mundial.
Num dos seus últimos escritos, Lenine não apenas depositou as suas
esperanças numa revolução na China e na Índia para suceder à Revolução
Russa, mas sublinhou mesmo o facto de a Rússia, a China e a Índia em
conjunto representarem quase metade da humanidade, de modo que as
revoluções nesses três países mudariam decisivamente a balança em favor
do socialismo. Não por acaso, a Internacional Comunista que ele ajudou a
criar era diferente de tudo o que o mundo já tinha visto até então, onde
delegados da Índia, China, México e Indochina ombreavam com os da
França, Alemanha e Estados Unidos.
Em *segundo* lugar, e paralelamente, ampliou o escopo do marxismo de uma
teoria da revolução proletária nos países capitalistas avançados para
uma teoria da revolução mundial. É claro que reconhecer o alcance muito
mais amplo do marxismo – uma reflexão acerca da dominação mundial do
capital que /O imperialismo/ enfatizou – ainda exigia que a tarefa
específica de analisar a história das sociedades não europeias com base
na teoria marxista tivesse que ser realizada.
Mas a extensão e o florescimento do marxismo no terceiro mundo
forneceram a base para tais análises, estimuladas pelo Comintern mesmo
quando as leituras políticas específicas deste último se mostravam
erradas. /O imperialismo/ deu, assim, ao marxismo uma vitalidade sem
precedentes.
Na verdade, Lenine não foi o primeiro a falar de imperialismo. Antes
dele, Rosa Luxemburgo havia feito uma análise extremamente aguda e
perspicaz explicando por que razão o capitalismo precisava de usurpar os
mercados pré-capitalistas. Mas a análise de Luxemburgo sofreu com o
facto de considerar que tal usurpação resultaria numa assimilação do
segmento pré-capitalista pelo capitalismo. O segmento pré-capitalista
não permaneceria como uma entidade devastada: passaria a fazer parte
do segmento capitalista.
O foco da análise de Luxemburgo continuou, portanto, a ser a revolução
proletária europeia. Apesar de observações dispersas em contrário, não
via um mundo permanentemente segmentado a ser criado pelo capitalismo
metropolitano. /O imperialismo/ de Lenine, no entanto, visualizou um
mundo permanentemente segmentado e é aí que reside a sua força.
Em *terceiro* lugar, a teoria de Lenine proporcionou uma interpretação
radicalmente nova do conceito de “obsolescência histórica” do
capitalismo. Até então, com base nas breves observações de Marx no
prefácio de /Contribuição para a Crítica da Economia Política,/ o
entendimento era que um modo de produção se tornava historicamente
obsoleto e, portanto, maduro para ser derrubado, apenas quando o espaço
para qualquer desenvolvimento adicional das forças produtivas dentro
dele se esgotasse; e tal esgotamento deveria manifestar-se tipicamente
na forma de uma crise.
A ausência de qualquer crise desse tipo, de facto, levou à exigência de
Bernstein de “rever” o marxismo, colocando como desiderato do
proletariado não o derrube, mas uma reforma do sistema capitalista.
Aqueles que aderiram à tradição revolucionária, contra Bernstein,
procuraram provar que uma tal crise terminal, que talvez ainda não
tivesse surgido, era, no entanto, inevitável.
A teoria do imperialismo de Lenine abriu aqui caminhos completamente
novos. A manifestação da obsolescência histórica do capitalismo, a sua
maturidade para ser derrubado, não estava em qualquer crise económica,
mas no facto de ter entrado numa fase em que envolveu a humanidade em
guerras devastadoras, guerras em que os trabalhadores de um país foram
obrigados a lutar contra os trabalhadores de outro país, de trincheira
para trincheira. Quando isto se verificou, chegou o momento de converter
a guerra imperialista em guerras civis, de desviar as armas dos
camaradas de trabalho e apontá-las aos capitalistas de cada país.
*Quarto*, o socialismo seria agora o objectivo de todas as revoluções,
independentemente do local onde ocorressem. A ideia de a revolução
democrática não ser levada avante pela burguesia (que historicamente
desempenhou o papel de seu arauto) nos países que chegaram tarde ao
capitalismo tinha já aparecido na obra de Lenine /Duas táticas da
socialdemocracia./ Em tais sociedades, a tarefa de levar adiante a
revolução democrática cabia ao proletariado, que entraria em aliança com
o campesinato e, tendo liderado a revolução democrática, não pararia por
aí, mas continuaria no sentido de construir o socialismo.
Mas agora esta perspectiva de uma revolução numa sociedade periférica –
inicialmente contra o imperialismo e baseada numa ampla aliança de
classe de operários e camponeses no seu núcleo, e depois passando para a
fase socialista – tornou-se generalizada. Em suma, a tarefa de construir
o socialismo já não era uma preocupação apenas dos trabalhadores dos
países avançados: era uma tarefa /a ser alcançada através de etapas/
que tinha entrado na agenda de todas as sociedades.
*Finalmente*, surgiu uma questão fundamental: porque é que houve um tal
crescimento do “reformismo” no movimento da classe operária europeia a
ponto de tantos líderes da Segunda Internacional adoptarem posições
oportunistas ou completamente social-chauvinistas durante a guerra?
Lenine forneceu uma resposta a esta questão, com base numa sugestão
anterior de Engels, ao desenvolver o conceito de uma “aristocracia
operária” que tinha sido “subornada” pelos superlucros imperiais.
/O imperialismo/ foi uma grande conquista teórica. Lenine observou certa
vez que a força do marxismo reside em ser verdadeiro. Pode-se fazer uma
afirmação semelhante também sobre a teoria do imperialismo de Lenine.
Constituindo um notável avanço, forneceu respostas, com extraordinário
brilhantismo, a toda uma série de questões que tinham surgido na nova
conjuntura e clamavam por respostas. Poder-se-á discordar deste ou
daquele detalhe da argumentação de Lenine, mas a sua orientação geral
foi quase esmagadoramente correcta. E um indício da sua correcção é a
forma quase estranha como antecipou os desenvolvimentos no mundo no
período entre 1914 e 1939.
O mundo de hoje, porém, afastou-se daquilo que Lenine tinha escrito em /
O imperialismo/.
Uma característica importante desta diferença é que a centralização do
capital avançou muito mais do que no tempo de Lenine, dando origem a
um /capital financeiro internacional,/ no lugar dos /capitais
financeiros nacionais/ que então dominavam. Consequentemente, as
rivalidades inter-imperialistas foram abafadas, uma vez que o capital
financeiro internacional não quer que o mundo seja dividido em
diferentes esferas de influência. Quer, em vez disso, um mundo não
dividido para o seu movimento irrestrito. A questão das guerras causadas
pela rivalidade interimperialista já não se coloca.
Isto, porém, não significa o início de uma era de paz. A ofensiva
implacável do capital financeiro internacional contra todos os esforços
nacionais no terceiro mundo que vão no sentido da independência
económica e da auto-suficiência económica (incluindo a alimentação) deu
origem a uma onda de conflitos locais, opondo um imperialismo unido a
determinados países.
Ao mesmo tempo, a exploração dos trabalhadores do terceiro mundo
intensificou-se enormemente, assim como a oligarquia empresarial-
financeira dentro dele se integrou com o capital financeiro
internacional. O resultado é um crescimento maciço da desigualdade no
terceiro mundo, a tal ponto que grandes sectores da população
testemunharam um aumento da pobreza absoluta em termos nutricionais.
Ao mesmo tempo, a maior disponibilidade do capital metropolitano para
deslocalizar actividades para o sul global enfraqueceu os sindicatos nas
metrópoles e levou a um aumento da desigualdade dentro das próprias
metrópoles. A hegemonia do capital financeiro internacional, expressa
numa ordem neoliberal, implicou, portanto, um agravamento significativo
em termos relativos, e mesmo absolutos, nas condições dos trabalhadores
do mundo.
Isto deu origem a uma crise de superprodução para a qual não há solução
dentro da ordem global neoliberal. E esta crise deu origem a um
recrudescimento do fascismo e do neofascismo em todo o mundo, com as
oligarquias corporativas-financeiras em vários países a entrarem em
alianças com grupos fascistas para manter a sua hegemonia.
A luta pelos direitos democráticos, a luta contra o desemprego e a luta
pelas liberdades civis passaram assim para a linha da frente, e esta
luta está ligada à luta pelo socialismo. O revolucionamento trazido por
Lenine à perspectiva da revolução mundial continua válido, embora o foco
imediato da revolução tenha mudado com o tempo.
21/Janeiro/2024
Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_21jan24.html
21/1/2024
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024
A importância teórica de /O imperialismo/ de Lenine
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