por Juan Pablo Cárdenas S.
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![]() É compreensível. Sebastián Piñera deve a Pinochet a oportunidade de se ter convertido num multimilionário durante esses fatídicos anos de ditadura, assim como na sua hora final o ex-governante deve ter agradecido ao actual mandatário por ir visitá-lo a Londres e advogar pela sua impunidade, quando o Tribunal Internacional de Haia poderia tê-lo condenado exemplarmente perante a história pelos seus crimes de lesa humanidade. Não há dúvida: Piñera é parte do legado de Pinochet, da sua Constituição e regime neoliberal, os quais têm por fim seus dias contados. Hoje é a imensa e sustentada rebelião popular que exige à política uma Assembleia Constituinte e o fim dos horrores cometidos pelo capitalismo ultra desapiedado. Advertindo ao mundo para que nunca mais possa impor-se um regime económico de tantas iniquidades como o que adoptou o Regime cívico militar e recebeu o beneplácito dos governos "democráticos" que o seguiram. Tal como o seu mentor, Piñera diz que está "mais firme que nunca", que ninguém o moverá de La Moneda até completar os anos que lhe faltam na sua administração. Contudo, os factos obstinados indicam-nos que a explosão social não retrocede, que os chilenos não se conformam com as migalhas que lhe querem dar as desesperadas iniciativas de um governo cujos ministros de estado, parlamentares e partidários já sabem que está cambaleante. Pela mesma razão que as contradições entre uns e outros se tornam evidentes todos os dias, como o facto de que há algumas horas o próprio Piñera ter implorado a lealdade do centro-direita. ![]() Mas tão pouco poderíamos estar seguros de que Piñera sinta alguma compaixão pelo país e por aquilo que se manifesta nestes novos protestos. Que possa realmente ruborizar-se diante das pensões miseráveis que condenam os chilenos da Terceira idade já nos seus últimos dias, depois de trabalharem por 30 ou 40 anos. Que possa sensibilizar-se sinceramente frente ao miserável rendimento médio dos trabalhadores chilenos e que, a olhos vistos, não chega para cobrir os gastos de primeira necessidade das suas famílias. Tanto é assim que uma alta de apenas 30 pesos na tarifa do metro pôde despertar tanta dor e raiva contidas. Também não cremos que pudesse avaliar o impacto que significa para os lares chilenos que seus doentes, sobretudo as crianças e os anciões, morram todos os dias à espera de entrar no edifício dos hospitais ou receber os medicamentos necessários. Porque para Piñera e seus semelhantes, a saúde é um serviço pelo qual há que pagar, e caro, assim como a educação e as habitações básicas. Tal como se concede às empresas privadas estrangeiras a [exploração da] água ou as portagens por circular pelas auto-estradas, cujos valores aumentam todos os anos acima do índice de preços no consumidor. Segundo o que foi pactuado vergonhosa e servilmente pelos governos e parlamentos da pós-ditadura com os investidores estrangeiros. Ao concederem-lhes propriedades e privilégios que agora causam rubor a eles próprios, quando se inteiram da severa angústia dos pobres e das graves carências da classe média. Porque, sem qualquer lei ou pressão estatal, eles já prometem reajustar os salários dos seus empregados e cumprir suas obrigações fiscais burladas durante longos anos. ![]() Não, certamente não. Piñera só entende de números macroeconómicos e continua convencido que o melhor estímulo para o crescimento é que os ricos sejam cada vez mais ricos e a mão-de-obra seja cada vez mais barata a fim de que nossos produtos de exportação sejam "competitivos" no mercado internacional. Para que, além disso, as oportunidades da nossa geografia, jazidas, bosques e mares atraiam cada vez mais capitais para o Chile, onde os dividendos dos "empreendedores", como costumam qualificar-se, não chegam nunca ao bolso dos que trabalham ou dos que se aposentaram depois de 30 ou 40 anos de esforço e esperanças frustradas. Devido à sua enorme megalomania, Piñera acredita que vai contar sempre com o apoio dos grandes empresários e do governo da Casa Branca, onde compareceu para oferecer a estrela do nosso emblema nacional a Trump e prendê-la à bandeira estado-unidense. Esquece-se que até há muito poucos anos seus próprios colegas da classe empresarial chilena envergonhavam-se da sua cobiça e falta de probidade descarada. Ao que parece, esqueceu-se dessa série de artigos e colunas que os seus pares políticos o fustigavam. Como esses lúcidos escritos de quem foi seu companheiro de lista senatorial, o reaccionário jornalista Hermógenes Pérez de Arce. Ou o seu próprio irmão, o economista ultra-neoliberal que agora tem que o seu sistema previsional esteja em perigo. ![]() Nesta altura já não sabemos se comparar Piñera com Pinochet será igualmente lesivo para ambos, especialmente para este último ainda que pelo visto se tenha convertido no seu emulo. Mas o que temos claro é que, como àquele, a este outro só pode derrubá-lo o povo e seu protesto activo. Com a diferença de que o actual usurpador de La Moneda já não está em condições de negociar a sua saída e, menos ainda, de impor o seu legado. Porque se algo temos muito claro que é se se propusesse a negociar a sua saída com o Parlamento, os partidos e os poderosos grémios empresariais, certamente os arrastaria todos pelo seu mesmo despenhadeiro. Se considerarmos que seus níveis de desprestígio verdadeiramente são compartilhados com todos eles. É hora de o povo não procurar salvadores. Que sejam os milhões de chilenos mobilizados aqueles que o encarem e o expulsem de La Moneda. Que por motivo algum endossemos nossos direitos e obrigações cidadãs aos oportunistas do momento, que já oferecem seus serviços de intermediação. Porque já sabemos o que acontece quando se negocia o futuro nas costas dos cidadãos. Sem Assembleia Constituinte, por exemplo, a qual deve constituir-se no primeiro passo para recuperar a dignidade nacional avassalada.
10/Novembro/2019
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Jornalista, chileno.
O original encontra-se em juanpablocardenas.cl Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ . |
12/Nov/19
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