quinta-feira, 17 de setembro de 2020

O agro negócio é incapaz de produzir arroz

 
 

por José Martins, da redação


Já observamos em _recente boletim
<https://criticadaeconomia.com/2018/02/as-fantasiosas-virtudes-do-agronegocio-brasileiro/>_
que as classes dominantes brasileiras são notoriamente conhecidas por
ser uma das mais mentirosas em todo o mundo. E todo mundo sabe disso.

Mas qual é a sua principal mentira? Disparadamente, imbativelmente, a
fantasiosa ideia que o Brasil é um grande produtor de cereais. De grãos.
Do arroz, do trigo e do milho. Destes três alimentos de base que
correspondem a aproximadamente 80% da produção agrícola mundial e da
área agriculturável (ocupada) do globo terrestre.

Portanto, no imaginário nacional o Brasil seria “uma grande potência
agrícola mundial” na produção destes alimentos. Pouca gente discorda
disso. Principalmente os economistas. Mas nem todos. Há notáveis exceções.

Existem alguns poucos economistas que são capazes de fugir desta
ideologização da produção de alimentos no Brasil. Podem assim explicar
de maneira correta e direta fenômenos aparentemente complexos como a
atual elevação de preços do arroz e de outros alimentos necessários à
reprodução da imensa maioria da população que trabalha neste país.

É o caso do ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
Sílvio Porto, estudioso e profundo conhecedor da realidade agrícola
nacional. Em_entrevista
<https://www.brasildefato.com.br/2020/09/14/preco-da-comida-brasil-perdeu-30-de-area-de-cultivo-de-alimentos-para-o-agronegocio>_,
nesta semana, ele indica o fato de o cultivo de arroz e feijão ter
perdido 30% de sua área para a soja na última década como a principal
razão da elevação dos preços do arroz que se vive atualmente.

O método de Silvio Porto é aquele corretamente aplicado pela boa teoria
econômica para explicar a origem e as variações dos preços em geral.
Partir das condições produtivas do arroz para se explicar as variações
dos seus preços na produção propriamente dita, no atacado, no varejo e,
finalmente, nas prateleiras dos supermercados.

Observemos os fatos. Ninguém pode negar que o Brasil possui
potencialmente todas as condições naturais, populacionais e tecnológicas
para realmente ser um grande produtor mundial de arroz. E que, com esta
potencialidade já existente, real, poderia oferecer ao mercado interno
uma quantidade de arroz mais do que suficiente para alimentar a
totalidade da população brasileira.

Ninguém pode negar também que no cardápio do brasileiro o consumo do
arroz é tão importante quanto no dos japoneses, chineses, indianos e
todos os demais grandes produtores e consumidores deste grão.

Mas a realidade é outra totalmente oposta às necessidades da economia e
da reprodução da força de trabalho. Em primeiro lugar, a produção anual
de arroz no Brasil é uma coisa desprezível de 7, 21 milhões de
toneladas. Nunca passou disso. Mas precisaria produzir pelo menos 50
milhões de toneladas para satisfazer as necessidades básicas de
reprodução da população, comparando-se com outras grandes economias
produtoras deste alimento de base, que veremos a seguir.

A “grande potência agrícola mundial” produz apenas 1,44% da produção
mundial de 500,05 milhões de toneladas deste importante alimento de
base. A produção anual de arroz na China, maior produtora mundial (149,9
milhões toneladas) deste cereal, representa 30% do total mundial. A
produção indiana, segunda maior produtora (118,4 mi toneladas)
representa 24% do total mundial.

Utilizamos aqui os dados do mais recente relatório do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos sobre a produção agrícola mundial (World
Agricultural Production U.S. Department of Agriculture – setembro 2020
<https://apps.fas.usda.gov/psdonline/circulars/production.pdf>)

A “grande potência agrícola mundial” produz pouco e ocupa uma área
minúscula comparada com o resto do mundo. No mundo são ocupados 162,37
milhões de hectares para a produção do arroz. Nos dois maiores
produtores mundiais, a China ocupa 29,8 mi de hectares, e a Índia ocupa
44,5 mi de hectares. No Brasil é ocupado minúsculo 1,70 milhão de hectares.

Confirma-se aqui a afirmação de Sílvio Porto, acima, sobre a fragilidade
produtiva do arroz no Brasil. Enquanto a produção de arroz ocupa 1,7 mi
de hectares, neste mesmo imenso país a produção de soja ocupa 38,6 mi de
hectares.

Irresponsavelmente, em uma especialização desastrosa para a economia e
para a reprodução da população trabalhadora, os capitalistas do
agronegócio centralizam todo seu capital na produção desta oleaginosa
que melhor materializa a inócua agro exportação de uma economia dominada
na ordem imperialista mundial.

Uma simbiose econômica desastrosa entre fazendeiros capitalistas e
proprietários fundiários. Santa aliança dos parasitas e clássica
especialização ricardiana de economia e burguesias dominadas que
encarece já na produção os preços dos alimentos de base e provoca um
impacto altamente negativo na produtividade do trabalho e pressiona por
elevado valor da força de trabalho nacional.

No quadro do desenvolvimento desigual e combinado do capital global o
agro negócio brasileiro produz muita soja barata para ser enviada para o
exterior – mas é incapaz de produzir alimentos de base em quantidade e
preços adequados a eliminar a crescente fome e miséria da população
trabalhadora brasileira. Isso é característico de economias onde
predomina a mais-valia absoluta na produção do capital.

Celso Furtado foi talvez o único economista brasileiro que teorizava
este processo histórico de subdesenvolvimento com outras palavras mas
conceitualmente muito próximo destas nossas observações.

Veremos no próximo boletim mais dados deste massacre imperialista de uma
extravagante oleaginosa sobre a produção dos alimentos de base no
Brasil. Mais dados muito importantes sobre a verdadeira identidade desta
“grande potência agrícola mundial” no quadro mais amplo da produção mundial.

In
CRÍTICA DA ECONOMIA
https://criticadaeconomia.com/2020/09/o-agro-negocio-e-incapaz-de-produzir-arroz/
16/9/2020

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