quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Taxa de lucro mundial: uma nova abordagem

 In

RESISTIR.INFO

https://www.resistir.info/crise/roberts_20set20.html 

24/9/2020

por Michael Roberts [*]

O modelo de capitalismo de Marx assume uma economia mundial e principia com o "capital em geral". Foi a este nível de abstracção que Marx desenvolveu o seu modelo das leis de movimento do capitalismo e, em particular, o que ele considerou ser a mais importante lei de movimento no processo de produção capitalista, a lei da tendência da taxa de lucro para a queda.

A taxa de lucro é o melhor indicador da "saúde" de uma economia capitalista. Ela apresenta um valor previsional significativo sobre o investimento futuro e a probabilidade de recessão ou desmoronamento (slump). De modo que o nível e a direcção de uma taxa de lucro mundial pode ser um guia importante para o desenvolvimento futuro da economia capitalista mundial.

Contudo, no mundo real, há muitos capitais; e não apenas um estado capitalista mundial mas sim muitos estados capitalistas nacionais. Assim, há barreiras para o estabelecimento de uma economia mundial e de uma taxa de lucro mundial devido a restrições ao trabalho, comércio e capital concebidas para preservar e proteger mercados nacionais e regionais do fluxo do capital global. Mesmo assim, o modo de produção capitalista agora propagou-se para todos os cantos do globo e a "globalização" do comércio e fluxos de capitais torna o conceito de medida de uma taxa de lucro mundial mais realista e perceptível.

Minha primeira tentativa de medir uma taxa de lucro mundial foi num documento de 2012 . Uma medida adequada da taxa de lucro mundial teria de considerar todo o capital constante e variável do mundo e estimar o valor excedente total apropriado por este capital global. Naquele tempo, isto parecia uma tarefa impossível. Assim, uma média ponderada de taxas de lucro nacionais era o único caminho factível de obter um número.

Tentei desenvolver uma taxa de lucro mundial que incluísse todas as economias do G7 mais as quatro economias do acrónimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China). Isto cobriu 11 economias de topo e constituía uma fatia significativa do PIB global. A seguir utilizou as Extended Penn World Tables tais como construídas pelo Professor Adalmir Marquetti do Brasil. Ponderei as taxas nacional pela dimensão do PIB, embora a taxa média bruta não parecesse divergir significativamente da média ponderada.

Gráfico 1

Descobri que: 1) houve uma queda na taxa de lucro mundial desde o ponto de partida daqueles dados em 1963 e que até 2013 a taxa mundial nunca se recuperou para o nível de 1913; 2) a taxa de lucro atingiu uma baixa em 1975 e a seguir ascendeu para um pico nos meados da década de 1990; 3) depois disso, a taxa de lucro mundial foi estática ou ligeiramente cadente.

Em 2015 revisitei a mensuração da uma taxa de lucro mundial. No período intercalar, Esteban Maito havia feito algum trabalho pioneiro utilizando um método de medição semelhante (taxas nacionais ponderadas pelo PIB) para 14 países, mas utilizando estatísticas nacionais, não as Tabelas Mundiais Ampliadas da Penn e remontando a 1870 para alguns países. Maito confirmou o meu estudo mais limitado de uma clara tendência descendente na taxa de lucro mundial, embora houvesse períodos de recuperação parcial tanto nos países centrais como periféricos. Maito reviu e actualizou o seu trabalho para um capítulo em World in Crisis: uma análise global da lei da lucratividade de Marx – leitura essencial.

O gráfico abaixo é a minha adaptação do trabalho de Maito.

Gráfico 2

Maito mostrou que o comportamento da taxa de lucro sobre o stock de capital confirma as previsões feitas por Marx acerca da tendência histórica do modo de produção. Há uma tendência secular para a queda da taxa de lucro sob o capitalismo e a lei de Marx actua. Maito também descobriu que houve uma estabilização e mesmo uma ascensão na taxa de lucro mundial desde o princípio ou meados da década de 1980 até o fim da de 1990, o chamado período neoliberal de destruição de sindicatos, de redução do estado de bem-estar social (welfare state) e de impostos corporativos, de privatização, globalização, inovação hi-tech e da queda da União Soviética. Além disso, Maito mostrou que esta recuperação atingiu o pico cerca de 1997.

A medição da taxa mundial de lucro do meu trabalho de 2015 ( Revisiting a world rate of profit, June 2015 ); desta vez utilizei as tabelas mais actualizadas Penn World Tables 8.0 para dados baseados nas principais economias do G20. Estes resultados apresentaram um declínio secular semelhante ao dos dados de Maito. Houve uma queda significativa desde a primeira derrocada económica internacional simultânea em 1974-5 até ao início dos anos 80, depois uma modesta recuperação antes de outra queda coincidir com a recessão económica mundial de 1991-2. Houve uma ligeira recuperação na década de 1990 até ao início da década de 2000. Depois disso, a taxa de lucro do G20 baixou, tanto antes da Grande Recessão de 2008-9 como depois, apenas com uma minúscula recuperação até 2011.

Gráfico 3

Apoiei estes resultados com dados da base de dados AMECO do Eurostat, os quais estão ainda mais actualizados. A questão com os dados do AMECO é que a sua medida do stock líquido de capital é altamente duvidosa, especialmente nos primeiros anos a partir de 1963. Contudo, a partir do início dos anos 80, a taxa de lucro da AMECO segue aquela da medição das Penn Tables.

Agora dei uma terceira vista de olhos à taxa de lucro mundial utilizando os dados mais recentes das Penn World Tables 9.1. Esta última base de dados tem uma inovação importante. Tem uma nova série chamada taxa interna de rentabilidade (TIR) sobre o stock de capital, um excelente proxy para a taxa de lucro Marxiana. Como os dados são compilados sobre as mesmas categorias e conceitos, a série TIR oferece uma valiosa comparação entre as taxas de lucro nacionais e também é ampliada até 2017. Assim, temos agora uma série para as taxas de lucro de quase todos os países do mundo, principiando em muitos casos em 1950 e indo até 2017. ( Internal rate of return )

Em futuras mensagens sobre isto considerarei quaisquer problemas de medição com a TIR e outras categorias; explicarei a minha metodologia; e fornecerei fontes e elaborações. Além disso, analisarei a decomposição da taxa de lucro nos seus factores-chave, nomeadamente a composição orgânica do capital e a taxa de mais-valia. Esta decomposição é importante. Uma coisa é mostrar uma da taxa de lucro cadente ao longo do tempo; outra é mostrar que isto é causado pela lei de Marx da tendência para a queda da taxa de lucro. Poderia haver outras razões.

Se a lei de Marx está correcta, então segue-se que quando a taxa de lucro cai, a composição orgânica do capital (C/v) deve aumentar mais rapidamente do que a taxa de exploração (s/v). De acordo com a lei de Marx, uma composição orgânica ascendente do capital é o factor tendencialmente determinante para a queda da taxa de lucro e a taxa de exploração é o factor (principal) contrabalançador para isso . Se a última subir mais depressa do que a primeira, então a taxa de lucro sobe – e houve períodos em que isso aconteceu. Mas, no longo prazo secular, a taxa de lucro cai e isso acontece porque a composição orgânica do capital sobe mais do que a taxa de exploração.

Não discutirei estas questões nesta mensagem, mas considere-se apenas os resultados principais da mensuração da taxa de lucro mundial utilizando as séries IRR nas Penn World Tables. Ponderei as séries IRR pela dimensão do stock de capital (não pelo PIB como em mensagens anteriores) a fim de obter uma melhor medição para as economias do G20 (19 países excluindo a UE) e também para as principais economias imperialistas do G7; bem como para economias emergentes ou em desenvolvimento seleccionadas.

Os resultados do G7 confirmam os resultados das minhas duas medições anteriores em 2012 e 2015; que a taxa de lucro nas principais economias imperialistas têm estado em declínio a longo prazo. A taxa não tem sido uma linha recta descendente, mas pode ser dividida em quatro períodos: 1) a "era dourada" de alta e mesmo lucratividade crescente de 1950-1966; 2) então a enorme lucratividade entra em colapso de 1966 a 1982; 3) a seguir a relativamente fraca recuperação neoliberal; e 4) desde o pico em 1997, uma depressão geral na taxa de lucro até 2017 (quando terminam os dados).

Gráfico 4

Agora com as séries IRR podemos medir melhor a taxa de lucro do G20, provavelmente o mais próximo que podemos obter para uma "taxa mundial". Esta medida deveria ser melhor do que a de Maito ou qualquer medida anterior porque inclui mais países;
Agora com a série IRR podemos medir melhor a taxa de lucro do G20, provavelmente o mais próximo que podemos chegar de uma "taxa mundial". Esta medida deveria ser melhor do que a de Maito ou qualquer medida anterior porque inclui mais países; embora o trabalho pioneiro de Maito meça as taxas de lucro desde o século XIX e não apenas até 1950.

A taxa de lucro do G20 corresponde àquela da taxa de lucro do G7 na sua trajectória.

Gráfico 5

Mas note-se que o nível da taxa de lucro é geralmente mais elevado do que a taxa G7. Isto deveria ser expectável ao abrigo da lei de Marx porque a composição orgânica do capital será mais elevada nos países imperialistas do que nos países em desenvolvimento que ainda estão a tentar "recuperar" o atraso tecnológico. Voltaremos a este ponto numa futura mensagem.

Na verdade, vamos examinar a taxa de lucro em algumas economias em desenvolvimento seleccionadas, em particular os membros do G20, tais como Argentina, Brasil, México, África do Sul, China, Índia, Indonésia e Turquia. Mais uma vez, verificamos que a taxa de lucro cai a longo prazo, mas com os quatro sub-períodos semelhantes às séries G7 e G20.

Gráfico 6

Mas, mais uma vez, note-se o nível muito mais elevado da taxa de lucro, cerca de 24% na Idade de Ouro em comparação com apenas 10% nas economias do G7 caindo para 10% no último sub-período em comparação com 6,5% no G7. Também, o ponto de viragem dentro do período neoliberal é posterior; em 1989 a comparar com 1982 para o G7. E, para estas economias em desenvolvimento, qualquer recuperação da lucratividade é efémera, entrando em derrocada na crise dos mercados emergentes de 1998. A longa depressão da lucratividade nas economias em desenvolvimento tem prosseguido desde então.

Assim, podemos resumir estes resultados iniciais da série IRR das Penn World Tables 9.1 como a confirmação do declínio a longo prazo da taxa de lucro mundial (ou seja, para a maior parte das grandes e maiores economias), com vários sub-períodos, tal como foi percebido nas duas medições anteriores de 2012 e 2015.

Em futuras mensagens tenciono expandir estes resultados. Analisarei a decomposição da taxa de lucro mundial e os factores que a impulsionam. Considerarei a taxa de lucro em economias-chave específicas (EUA, Alemanha, Japão, China) para ver o que podemos aprender. Tentarei relacionar a variação da taxa de lucro com a regularidade e intensidade das crises no modo de produção capitalista. E considerarei a questão colocada e respondida no trabalho de Maito: se a taxa de lucro mundial estiver destinada a diminuir, irá para zero e como é que isso é possível? E, se assim for, quanto tempo irá demorar? E o que é que isso nos diz acerca do próprio capitalismo?

20/Setembro/2020
[*] Economista, autor de The Long Depression.

O original encontra-se em
thenextrecession.wordpress.com/2020/07/25/a-world-rate-of-profit-a-new-approach/ . Tradução de JF.




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