quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

2016: espoliação brutal é saída do capital para impasse histórico




Gabriel Brito e Valéria Nader




Com cara de velho, começa o novo ano, com notícias pra lá de
similares a janeiro de 2015: ministro ultraliberal na Fazenda
e tarifaços pelo país. Pra não falar do processo de
impeachment e desdobramentos da Operação Lava Jato, que
prometem manter a letargia do país frente à crise geral de seu
modelo de desenvolvimento. Ainda assim, novas janelas sempre
se abrem quando as contradições se agudizam, como demonstra a
juventude. Para tratar do que nos espera em 2016, o Correio da
Cidadania entrevistou Ruy Braga.



“Apesar das ações de mudança na política econômica, com a
nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda, é
mais provável a continuidade da orientação geral do segundo
governo de Dilma: a de garantir a transição de um regime de
acumulação apoiado fundamentalmente na superexploração do
trabalho assalariado para aquilo que podemos chamar de regime
de acumulação apoiado centralmente em estratégias de
espoliação social. Em suma, significa retrocesso nos direitos
trabalhistas e sociais”, apontou o sociólogo do trabalho como
“solução da crise”.



Quanto à instabilidade político-institucional, prejudicial ao
grosso da população independentemente de quem seja o
governante de turno, Ruy Braga prevê uma boa possibilidade de
respiro ao governo, diante de toda a falta de credibilidade do
protagonista do processo de impeachment.



“Mesmo eu que sempre sustentei uma postura de oposição de
esquerda a Dilma e anulei meu voto no segundo turno das
últimas eleições presidenciais devo admitir que não há a menor
comparação entre as duas figuras. Um governo PSDB-PMDB seria
um desastre enorme para os trabalhadores, ainda pior do que o
governo de Dilma. E, como não seria um governo capaz de trazer
de volta o clima de pacificação social da era Lula, não
serviria tampouco para muitos setores burgueses que dependem
dos mercados internos. Ou seja, com Cunha não há solução. Por
isso, parece-me que o processo de impeachment, basicamente,
está fadado ao fracasso. O fato de tal processo fracassar
fortalece o polo vencedor, que é o do governo federal”,
pontuou.



No entanto, Ruy Braga é enfático em afirmar que o modelo que
consagrou as gestões petistas acabou e não poderá ser
reproduzido, o que põe em xeque o próprio lulismo e sua
estratégia de conciliação virtuosa de interesses opostos.



“Nesses momentos de contração cíclica, a política e suas
decisões tendem a alargar os espaços para a espoliação social:
dos direitos sociais, dos salários, do tempo de trabalho das
pessoas, dos recursos naturais, espoliação de tudo aquilo que
é público e que estava até então à margem, ou relativamente
fora, do modelo de exploração anterior. Minha previsão é que
iremos assistir a um aprofundamento da mercantilização do
trabalho, do dinheiro e do meio ambiente em uma escala ainda
maior do que nos últimos 14 anos. Não há dúvida de que
precisamos de uma alternativa radicalmente diferente do que
está aí”, disse o sociólogo, explicando o novo modelo de
desenvolvimento, ou acumulação, posto em marcha já em 2015.



E já que, em sua visão, não se pode esperar mais nada das
“encasteladas” direções dos movimentos, sindicatos e
lideranças de sustentação do consenso recente, resta apostar
naquilo que surge descolado de velhos grupos e aparatos. “Eu
deposito todas as minhas fichas e esperança nos setores
jovens, nos filhos da classe trabalhadora que hoje estão nas
escolas, no ensino no médio, naqueles estudantes que inundaram
o mercado de trabalho no último período, nos jovens que estão
à procura do primeiro emprego e nos setores mais atingidos
pelo subemprego. E tais segmentos coincidem com os setores
jovens, negros e femininos da classe trabalhadora brasileira.
Uma saída politicamente progressista para a crise brasileira
passa necessariamente pela mobilização desse jovem precariado
urbano”, apontou.


A entrevista completa com Ruy Braga pode ser lida a seguir.



Correio da Cidadania: Após um ano que parece não ter existido
na vida útil do país, 2016 começa sob o mesmo clima de
pessimismo de 2015, inclusive no que se refere à depressão
econômica. O que você espera deste ano que recém-começa?



Ruy Braga: Apesar das ações de mudança na política econômica,
com a nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda,
é mais provável a continuidade da orientação geral do segundo
governo de Dilma: a de garantir a transição de um regime de
acumulação apoiado fundamentalmente na superexploração do
trabalho assalariado para aquilo que podemos chamar de regime
de acumulação apoiado centralmente em estratégias de
espoliação social. Em suma, significa retrocesso nos direitos
trabalhistas e sociais. Fala-se em nova rodada de reforma da
Previdência, mudança na idade de aposentadoria, diminuição de
determinados direitos constitucionais, em especial aqueles
vinculados à obrigatoriedade de investimentos públicos em
áreas sociais, aprofundamento da orientação rentista,
estruturada sobretudo no mundo das finanças e suas chantagens
etc.



Do ponto de vista da estrutura social, não vejo até o momento
delinear-se uma alternativa progressista no interior do
governo que privilegie os interesses dos trabalhadores. O mais
provável é o aprofundamento dessa estratégia de espoliação
social a fim de garantir os lucros dos capitalistas.



Por outro lado, a crise política entra num momento de stand
by, mas com evidente distensão, levando-se em conta que a
grande chantagem que marcou o ano 2015, isto é, a ameaça do
impeachment, deixou de existir com o início do processo na
Câmara. Aos meus olhos, isso coloca o governo numa posição um
pouco melhor, pois ele irá se reorganizar em torno de uma
causa politicamente legítima, isto é, a reação a uma tentativa
de golpe parlamentar “paraguaio” implementada por um
presidente da Câmara que é, notoriamente, um político
corrupto.



Significa que haverá, na minha opinião, uma reorganização das
forças governistas em torno do poder da presidência da
República em defesa de seu mandato. Isso tende a atrair
setores que estavam se desgarrando do governo ou em flagrante
crise com o governo. Muitos militantes socialistas serão
novamente atraídos para o polo da legalidade. Assim, a posição
governista sairá fortalecida do processo de impeachment.



Portanto, diria que 2016 será um ano diferente de 2015. O
governo federal deverá retomar alguma capacidade de iniciativa
na cena política. Ou seja, será um governo mais ativo do que
foi ano passado. No entanto, do ponto de vista econômico, a
tendência é que se consolide um regime de acumulação via
espoliação, totalmente deletério do ponto de vista dos
trabalhadores.



Correio da Cidadania: Quanto ao processo de impeachment de
Dilma, vimos que continua o vai e vem, isto é, altas tensões
em revezamento com aparentes apaziguamentos. Além disso, a
possível queda de Eduardo Cunha foi empurrada para fevereiro,
o que talvez sugira uma dinâmica parecida de alianças e
rupturas entre os grupos políticos dominantes. O que espera de
todo esse tabuleiro de peças em movimento? Acredita num grande
acordo nacional em prol da estabilidade, nos moldes propostos
pelo cientista político André Singer, conforme artigo
publicado recentemente?



Ruy Braga: Diria o mesmo que Florestan Fernandes: o pacto
conservador brasileiro é implacável. Numa conjuntura política
marcada especialmente pela polaridade Dilma-Cunha, temos uma
comparação grotesca. Eduardo Cunha não se configura como
alternativa de absolutamente nada. A tendência é vermos a
presidência sair fortalecida.



Mesmo eu que sempre sustentei uma postura de oposição de
esquerda a Dilma e anulei meu voto no segundo turno das
últimas eleições presidenciais devo admitir que não há a menor
comparação entre as duas figuras. Um governo PSDB-PMDB seria
um desastre enorme para os trabalhadores, ainda pior do que o
governo de Dilma. E, como não seria um governo capaz de trazer
de volta o clima de pacificação social da era Lula, não
serviria tampouco para muitos setores burgueses que dependem
dos mercados internos. Ou seja, com Cunha não há solução. Por
isso, parece-me que o processo de impeachment, basicamente,
está fadado ao fracasso. O fato de tal processo fracassar,
fortalece o polo vencedor, que é o do governo federal.



Nesse sentido, 2016, provavelmente, será um ano marcado pela
retomada de uma certa capacidade de ação política do governo.
Esse é meu principal prognóstico. Será um ano marcado pela
tentativa do governo de retomar alguma margem de ação
política. E provavelmente Cunha cairá nos próximos meses, pela
situação absolutamente grotesca de se ter um comprovado
corrupto à frente da Câmara federal.



Correio da Cidadania: O ministro Joaquim Levy, após o
desgastante ajuste fiscal, acaba de deixar o governo, sendo
substituído por Nelson Barbosa. Porém, pelo que você disse no
início, não se pode esperar uma orientação macroeconômica
relevantemente distinta para 2016.



Ruy Braga: Não, porque basicamente não foi construído projeto
alternativo. O que temos hoje é o esgotamento cabal do modelo
de desenvolvimento apoiado em um certo ritmo de acumulação
dos motores tradicionais da economia brasileira, como a
produção de commodities, os investimentos da construção
pesada, a expansão do agronegócio, os investimentos na área de
energia e petróleo, e principalmente, o consumo popular, com
acesso de uma massa crescente da população ao crédito, o que
provocou um aumento exponencial no endividamento das famílias,
agora em índices recordes no país.



Essa fórmula não vai se repetir nos próximos 10 anos. Não há,
adiante, no cenário internacional, uma perspectiva de retomada
na China, na Índia, mesmo em países da Europa. Ao contrário, a
desaceleração chinesa é ainda pior do que se imaginava ano
passado. A retomada norte-americana é importante, mas ainda
muito modesta. Além disso, o desempenho econômico dos Estados
Unidos está muito ligado ao crescimento chinês... Isso tudo
faz com que, muito provavelmente, o mercado mundial no próximo
período cresça a taxas muito moderadas, diferentemente dos
últimos 14 anos.



Naturalmente, a economia brasileira, que se especializou em
exportar commodities, fica numa situação delicada. Por outro
lado, a estrutura social brasileira está marcada por uma
enorme sobre-capacidade produtiva. Os principais setores da
economia têm muito estoque e muita capacidade ociosa. Os
empresários olham para suas empresas e perguntam: “por que vou
investir se dentro da minha própria fábrica tenho uma enorme
capacidade ociosa que não é efetivamente absorvida pela
demanda?” Trata-se de uma questão clássica para o marxismo: o
problema da contração cíclica.



As famílias estão endividadas, precisam se preocupar em
primeiro lugar com a realidade mais incerta do mercado de
trabalho e o aumento do desemprego e do subemprego, que
significa fundamentalmente a compressão de sua renda. As
famílias quando estão muito endividadas adotam outras
estratégias. Não estão consumindo, estão pagando suas dívidas
como podem. Ou seja, elas estão vivendo da mão pra boca. Os
únicos setores que de fato não foram, até o momento, ao menos
atingidos pela queda de consumo são os bens de subsistência
mais elementares. Isso tudo faz com que o modelo lulista – o
regime de acumulação do último período – tenha se esgotado. E
não há nada no lugar, nada esboçado, não há uma alternativa
crível ao colapso do atual modelo.



É importante entender que o capitalismo funciona assim: quando
se tem momentos da economia marcados por expansão, tem-se
alguma margem de manobra em termos de concessões, em especial,
concessões trabalhistas, direitos sociais... Normalmente, tais
períodos de expansão são apoiados – não exclusivamente, mas
principalmente – sobre os setores assalariados da classe
trabalhadora, isto é, sobre a exploração do trabalho
assalariado. No caso de uma estrutura social semiperiférica e
tardia como a brasileira, sobre a exploração do trabalho
assalariado barato, eu acrescentaria.



Momentos de contração cíclica, como o que vivemos hoje, impõem
uma série de desafios que tendem a fazer com que as empresas
dependam cada dia mais daquilo que eu, nas trilhas de Rosa
Luxemburgo, chamaria de “acumulação política de capital”. Ou
seja, dependem da violência política dos governos. Inclusive
dependem de que ele desloque suas estratégias de acumulação
para aquilo que é, exatamente, a espoliação das concessões
feitas no momento anterior, isto é, durante a expansão do
ciclo econômico. Se no período anterior houve aumento da massa
salarial, agora teremos um ataque à massa salarial. Se no
período anterior observou-se algum avanço, mesmo moderado, em
termos de direitos, na sequência eles serão atacados etc.



Nesses momentos de contração cíclica, a política e suas
decisões tendem a alargar os espaços para a espoliação social:
dos direitos sociais, dos salários, do tempo de trabalho das
pessoas, dos recursos naturais, espoliação de tudo aquilo que
é público e que estava até então à margem, ou relativamente
fora, do modelo de exploração anterior.



Minha previsão é que iremos assistir a um aprofundamento da
mercantilização do trabalho, do dinheiro e do meio ambiente em
uma escala ainda maior do que nos últimos 14 anos. Em suma,
teremos pela frente, ainda que sob diferentes roupagens, uma
intensificação dos ataques aos interesses dos trabalhadores.
Do ponto de vista dos direitos, do assalariamento ou do
emprego. A tendência é que se aprofunde a degradação das
condições de trabalho, com a diminuição do emprego, aumento do
subemprego, diminuição dos salários...



Não podemos esquecer que o último período foi marcado, apesar
de todas as dificuldades, por um aumento real da massa
salarial. Ela cresceu, o que significa que há mais renda nas
famílias trabalhadoras. Isso já está sendo atacado. O aumento
do desemprego é o jeito mais típico de disciplinar a classe
trabalhadora e aprofundar as condições de exploração. Não há
dúvida.



E não há plano B. Não existe uma guinada generalizada na
direção de outra alternativa econômica, com investimento
massificado em setores capital-intensivos etc. No máximo,
vamos exportar mais carros por conta do novo patamar do dólar.
Mas, como algo alternativo, não há nada inovador no horizonte.
A única coisa que está no horizonte é atacar os pequenos e
moderados ganhos da classe trabalhadora no período anterior
para se tentar um processo mais acentuado de acumulação.



A esquerda socialista precisa entender que no capitalismo
desenvolvimento significa acumulação, isto é, aprofundamento
da exploração. De novo: desenvolvimento = acumulação. E
acumulação implica bases sociais, implica práticas econômicas
e implica formas de intervenção na vida política. Pra garantir
a acumulação crescente, será preciso atacar os trabalhadores.
Não há alternativa, não há mediação possível na atual
situação. Se os setores governistas esperam por uma reedição
da arbitragem lulista entre as classes, vão ter que esperar
sentados.



Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio concedida em
março de 2015, você dizia que o esfacelamento do modelo
econômico poderia paralelamente levar o chamado “lulismo”
junto. Como enxerga esse processo histórico recente diante do
novo ano?



Ruy Braga: Na minha opinião, acabou o lulismo porque acabou o
consenso. O lulismo foi basicamente uma estratégia de política
de pacificação social, apoiada em dois tipos de consentimento,
distintos, porém, complementares: um mais passivo, das massas,
que aderem ao governo seduzidas pela relativa desconcentração
de renda entre os segmentos do mundo do trabalho, aumento da
formalização no mercado de trabalho, o crédito popular e
políticas públicas importantes que tiraram milhões de
trabalhadores da miséria. Houve uma pequena margem de
concessão aos trabalhadores, e agora ela está sendo atacada.
Por outro lado, houve um consentimento ativo das direções dos
movimentos sociais do país formados desde a redemocratização,
época que marcou o surgimento de dois grandes movimentos, o
sindical, hegemonizado pela CUT, e o MST. As lideranças dos
anos 1980 e 1990 foram seduzidas pelos milhares de cargos no
aparelho de Estado e pela possibilidade de enriquecimento
proporcionadas pelas posições nos conselhos gestores dos
fundos de pensão.



Em suma, ambos, e de resto a maior parte dos movimentos, foram
seduzidos pelo governo federal, o que significa uma
pacificação do polo de resistência a certas políticas,
inclusive algumas antipopulares, ao longo dos últimos 12 anos.
O atual momento significa que o lulismo como estratégia de
pacificação social acabou, porque não há consenso capaz de
garantir a reprodução das bases sociais dessa estratégia de
pacificação. Do ponto de vista das massas populares, há um
progressivo afastamento da orientação geral do governo. Do
ponto de vista das lideranças dos movimentos, existe um
aprofundamento dessa crise, pois as direções sentem-se
desconfortáveis com os ataques do governo aos trabalhadores.



Há uma crise de representação apoiada no aumento das tensões
entre as direções dos movimentos e o governo. Isso foi visível
no último período, com críticas da CUT ao Ministério da
Fazenda e às políticas adotadas pelo Levy. Isso é normal e
confirma as características do poder sindical, que em algum
nível precisa oferecer contrapartidas às suas bases, já que
trabalha sem a estabilidade da forma de dominação apoiada na
propriedade, algo tipicamente capitalista. Assim, o poder
sindical é mais permeável à pressão dos de baixo.



Portanto, como não há consenso, não há lulismo, por assim
dizer. O lulismo, como modo de regulação do conflito Capital x
Trabalho, esfacelou-se. E no seu lugar não apareceu uma
alternativa politicamente estável. Há uma grande confusão, não
se sabe efetivamente qual será o novo modo de regulação e se
de fato existirá um modo de regulação capaz de estabilizar o
conflito Capital x Trabalho no país. Penso que não. Creio que
esse modo de regulação vai se nutrir do esfacelamento do modo
anterior.



Quer dizer, a meu ver, por um lado, as classes populares
continuarão bastante afastadas do governo e, por outro, as
bases governistas, principalmente o movimento sindical,
continuarão gravitando em torno do governo e estabelecendo
algum tipo de pressão. Uma parte dessas bases, sem dúvida,
será atraída por qualquer migalha que o governo oferecer,
qualquer pequena concessão. E uma parte, principalmente os
setores do movimento social e sindical mais próximos de suas
bases, se sentirá progressivamente mais pressionada pelo
ativismo esporádico dos subalternos.



Parece-me que hoje em dia não é possível mais falar em
regulação no país, porque não se tem as bases sociais capazes
de garantir a estabilidade do modelo de desenvolvimento e que,
no fundamental, passa por concessões às massas. Temos uma
enorme confusão e um horizonte que, muito provavelmente,
continuará marcado por ataques aos direitos dos trabalhadores,
que por sua vez tentarão defender seus direitos.



A polarização e o retorno da luta de classes ao país produzem
a instabilidade. A priori, não se sabe para onde vai dar o
barco. E parece ser essa a grande marca do momento presente: a
incerteza, o aumento dos conflitos, a reprodução difícil e
problemática da legitimidade das direções dos movimentos
sociais diante de suas bases.



Correio da Cidadania: O que achou das movimentações à esquerda
do espectro político neste 2015 e o que se poderia, ou
deveria, esperar de grupos, movimentos e partidos que ainda
pretendem pautar outro projeto de país?



Ruy Braga: O ano de 2015, do ponto de vista de tais
mobilizações, foi marcado por dois polos. Por um lado, aumento
da escala e intensidade da mobilização dos setores médios
tradicionais, o que fez os setores populares viverem relativa
defensiva ao longo de todo o ano. E tal defensiva esteve
marcada por uma desorientação das direções tradicionais dos
movimentos populares do Brasil, por conta da inflexão
reacionária e conservadora do governo Dilma, tendo à frente o
ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. E agora, no último quarto
de 2015, nós vivemos uma relativa reorganização das forças de
esquerda em torno da defesa da legalidade, por conta do
processo de impeachment estabelecido pelo presidente da
Câmara, o que garantiu certo fôlego ao governo.



Assim, ao mesmo tempo, tem-se nas ruas a defesa do governo,
dada a ausência de alternativas críveis capazes de solucionar
a crise, e por outro lado os setores populares, movimentos
sociais e sindicais na defensiva, se posicionando criticamente
contra as medidas de austeridade do governo federal e contra o
impeachment. No final do ano, vimos uma reaglutinação dos
setores governistas em defesa da legalidade, que evidentemente
atraiu parte importante do movimento crítico, inclusive da
oposição de esquerda, frente à situação grotesca de se ter um
processo de impeachment estabelecido nesses moldes.



Pensando nos movimentos sociais, foi algo mais pendular. Até
setembro, relativa defensiva com intensificação da crítica ao
governo, e no final do ano aumento da mobilização que desaguou
na manifestação do dia 16 de dezembro, com relativo sucesso,
estruturada em torno da legalidade.



No entanto, destaco que as condições socioeconômicas mais
profundas, isto é, desestruturação dos pilares do último
período e o aumento do desemprego, têm minado a força que a
classe trabalhadora vinha acumulando até 2013. O sistema de
acompanhamento de greves do DIEESE acabou de divulgar os dados
de 2013, que são impressionantes: houve mais de 2 mil greves,
com flagrante retomada da atividade grevista em todo o país,
principalmente nos setores privados e empresariais, também com
participação dos funcionários públicos e forte presença de
setores-chaves da economia brasileira, como metalúrgicos e
petroleiros. Isso fez com que se acumulasse forças em termos
de massa salarial e poder político.



Mas a partir de 2014, com a deterioração do mercado de
trabalho e aumento importante do desemprego em 2015, a
tendência é a erosão de parte dessa força acumulada e
enfraquecimento de tal capacidade de mobilização. Portanto, me
parece que essa guinada mais à esquerda dos movimentos, em
especial sindical, está relativamente dissociada do processo
de erosão da força social da classe trabalhadora quando se
pensa nas condições gerais do poder popular.



O cenário é bastante contraditório. Penso que teremos um
período marcado por certa defensiva das classes trabalhadoras
por conta do aumento do desemprego, mas uma retomada da
capacidade de organização dos setores governistas em torno da
presidência da República. Por outro lado, entendo que, tendo
em vista a deterioração econômica, os setores mais explorados
e mais dominados deverão ter um certo papel protagonista na
luta política futura, superior ao momento anterior. Em suma,
acho que os setores da classe trabalhadora sindicalmente
organizados recuarão, comparativamente falando, e os
movimentos sociais como o MTST avançarão relativamente.



Correio da Cidadania: É possível pautar outro modelo ao lado
de setores governistas ou só o rompimento total com o lulismo
e o petismo pode criar credibilidade suficiente na população
para esta finalidade?



Ruy Braga: Não há dúvida de que precisamos de uma alternativa
radicalmente diferente do que está aí. Isso porque o lulismo
como modo de regulação acabou e como regime de acumulação
colapsou, pois não há espaço no horizonte para se aumentarem
as concessões aos trabalhadores, e sim o contrário, um ataque
cada vez mais profundo aos trabalhadores. As forças
governistas são incapazes de imaginar uma alternativa porque
estão encasteladas no Estado e farão de tudo para garantir
essa posição privilegiada, inclusive contra os interesses dos
trabalhadores.



Parece que os setores de oposição à esquerda do governo, a
despeito de terem assistido um relativo fortalecimento no
último período, ainda são demasiadamente frágeis pra
apresentar uma proposta crível. No entanto, é a única
alternativa possível no médio prazo: apostar nos setores de
esquerda intransigentes ao governo federal e na conformação de
um polo alternativo à dualidade entre PT x PSDB que se
estabeleceu nos últimos 25 anos. É a minha aposta.



Não há alternativa possível dentro do governismo. Terá de ser
construída fora do governismo, naquilo que eu chamaria de
terceiro campo, capaz de organizar a luta de classes no país
de maneira progressista para os trabalhadores. Acredito que o
próximo período será marcado por agudas lutas de classes:
política, econômica, cultural e ideologicamente.



Portanto, não há mais espaço para as mediações construídas
pelo lulismo, com seus campos intermediários e hibridismos
políticos. Não há mais tal espaço. O que existe, na verdade, é
a necessidade de uma atitude mais radical. Nesse sentido, os
setores da chamada “extrema esquerda” têm um amplo campo pra
trabalhar. Resta saber se serão capazes de organizar a
indignação que cresce no interior das classes trabalhadoras e
subalternas no país.



Correio da Cidadania: Lava Jato, crise na Petrobrás, tragédia
da Samarco, desemprego em alta, crises hídricas e energéticas
cada vez mais à espreita, ataques à educação pública, um
cotidiano barbaramente militarizado... Para onde parece rumar
o Brasil?



Ruy Braga: Eu deposito todas as minhas fichas e esperança nos
setores jovens, nos filhos da classe trabalhadora que hoje
estão nas escolas, no ensino no médio, naqueles estudantes que
inundaram o mercado de trabalho no último período, nos jovens
que estão à procura do primeiro emprego e nos setores mais
atingidos pelo subemprego. Aquilo que tem a ver, basicamente,
com setores da classe trabalhadora que vivem entre esses dois
polos: de um lado, o aprofundamento da exploração econômica e
de outro a possibilidade real de exclusão social. E tais
segmentos coincidem com os setores jovens, negros e femininos
da classe trabalhadora brasileira, que têm mostrado uma enorme
capacidade de automobilização. Vimos isso nitidamente em junho
de 2013, estamos vendo hoje com o aumento da mobilização dos
estudantes do ensino médio público e a onda de ocupação de
escolas em São Paulo, em Goiás etc.



O grande desafio para uma saída progressista da crise
brasileira passa necessariamente pela construção de pontes
entre esses setores jovens e automobilizados, que têm muita
vitalidade combativa, e também foram melhor formados, pois têm
mais escolaridade que a geração anterior. E, ao mesmo tempo,
se veem imersos em condições muito ruins de contratação,
renda, trabalho, experimentando na pele as contradições do
modelo de desenvolvimento brasileiro, cuja capacidade
expansiva se esgotou. Uma saída politicamente progressista
para a crise brasileira passa necessariamente pela mobilização
desse jovem precariado urbano.



O desafio é esse: articular os setores combativos que encarnam
a agenda da defesa dos direitos sociais, da saúde, da
educação, do transporte público de qualidade, da renda, do
mercado de trabalho formal, dos direitos previdenciários. Essa
geração é quem encarna tais condições, ao lado de setores mais
desorganizados da classe trabalhadora. O grande desafio é como
politizar a luta toda, que evidentemente é política, como toda
luta social, mas também no sentido de se construírem projetos
alternativos ao que, fundamentalmente, vimos até hoje. Ou
seja, um projeto alternativo ao lulismo.



Nesse sentido, a despeito de 2015 ter sido péssimo em termos
econômicos, de desemprego, de crise hídrica, com essa enorme
tragédia da mineradora (que mostra o significado da acumulação
por espoliação do meio ambiente), e que terminou
simbolicamente com o incêndio no Museu da Língua Portuguesa,
enfim, um ano completamente terrível para as classes populares
brasileiras, também assistimos a emergência política de uma
geração que vai dar o que falar. E aposto minhas fichas
exatamente nessa nova geração.



Valéria Nader é economista e editora do Correio da Cidadania;
Gabriel Brito é jornalista.



In
CORREIO DA CIDADANIA
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11356:manchete090116&catid=72:imagens-rolantes
9/1/2016

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