quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Preço do petróleo: Rússia quebrará o monopólio de Wall Street






F. William Engdahl, New Eastern Outlook



Rússia acaba de dar passos significativos para quebrar o atual monopólio que
Wall Street impõe ao preço do petróleo, pelo menos para parte significativa do
mercado mundial de petróleo. O movimento é parte de estratégia de mais longo
prazo para descolar a economia da Rússia e, especialmente sua muito
significativa exportação de petróleo, do dólar norte-americano - que é hoje o
calcanhar de Aquiles da economia russa.


No final de novembro, o Ministério de Energia da Rússia anunciou que começaria
a testar um novo preço referencial para o petróleo russo. Talvez pareça café
pequeno para muitos, mas é importantíssimo. Se o experimento for bem-sucedido, e
não há razão para que não seja, os contratos futuros negociados para o cru russo
nas bolsas russas, serão denominados em rublos, não mais em dólares
norte-americanos. É parte de um movimento de desdolarização que Rússia, China e
número crescente de outros países já iniciaram sem alarde.

A fixação de um preço referencial [orig. oil benchmark price: preço para o cru
que serve como referência, facilitando para vendedores e comparadores a
determinação dos preços de incontáveis variedades de crus e misturas] é o eixo
de distribuição de todo o sistema que os grandes bancos de Wall Street usam para
controlar os preços mundiais do petróleo.

Hoje, o petróleo é a principal mercadoria negociada em dólares em todo o mundo.
O preço do cru russo está hoje referenciado a um preço chamado "preço Brent". O
problema é que o campo de Brent, como outros grandes campos do Mar do Norte
estão já em declínio, o que implica dizer que Wall Street pode estar usando uma
referencial em vias de esgotamento, para controlar o preço de quantidades
gigantescas de petróleo. O outro problema é que o contrato Brent é controlado
essencialmente por Wall Street e pela manipulação dos derivativos em bancos como
Goldman Sachs, Morgan Stanley, JP MorganChase e Citibank.

O fim do 'petrodólar'

A venda de petróleo denominado em dólares é essencial como apoio ao EUA-dólar.
Por sua vez, manter a demanda por dólares em todos os bancos centrais, como
moeda básica das reservas nacionais para pagar pelo petróleo importado, em
países como China, Japão ou Alemanha, é essencial para que o EUA-dólar continue
a ser a principal moeda de reserva em todo o mundo. O status de principal moeda
de reserva no mundo é um dos dois pilares da hegemonia dos EUA desde o final da
2ª Guerra Mundial. O segundo é a força militar armada.

EUA financia suas guerras com dólares dos outros

Porque todos os países têm de comprar dólares para pagar pelo petróleo e por
praticamente todas as mercadorias que importam, países como Rússia ou China
(para ficar nesses exemplos) investem em papéis do governo dos EUA ou outras
securities semelhantes do governo dos EUA - portanto, em dólares -, o excedente
que suas empresas acumulam. O único segundo candidato suficientemente grande
para esses investimentos, o euro, passou a ser visto como de mais alto risco
desde a crise da Grécia em 2010.

O papel de liderança do EUA-dólar na função de moeda de reserva é o que
permite, desde agosto de 1971, quando o dólar foi desvinculado do lastro ouro,
que o governo dos EUA sobreviva apesar de infindáveis déficits no orçamento, sem
ser forçado a subir a taxa de juros - como alguém que pudesse usar um 'cheque
especial' bancário infinito, sem limite nem prazo.

É também o que permitiu que Washington criasse dívida federal recorde de $18,6
trilhões, sem nenhuma preocupação. Hoje, a relação dívida federal/PIB do governo
dos EUA é 111%.

Em 2001, quando George W. Bush assumiu a Casa Branca, e antes de torrar
trilhões na "Guerra ao Terror" no Afeganistão e Iraque, a mesma relação
EUA-dívida/PIB era a metade do que é hoje: 55%.

Daí que os falastrões em Washington vivam a dizer que "dívida não é problema":
porque têm certeza de que Rússia, China, Japão, Índia, Alemanha estão para
sempre condenados a ter de comprar a dívida dos EUA com os dólares excedentes
que consigam acumular.

Manter esse 'poder' - a condição de principal moeda internacional de reserva -
é prioridade estratégica para Washington e Wall Street, vitalmente ligada ao
processo pelo qual o mundo determina os preços do petróleo.

No período até o final dos anos 1980s os preços mundiais do petróleo eram
determinados, em grande proporção, pela relação real diária entre oferta e
demanda. Ali ainda reinavam os corretores de petróleo, os que compravam e
vendiam. Então, Goldman Sachs decidiu comprar uma pequena corretora de
mercadorias que havia em Wall Street, J. Aron, nos anos 1980. Já haviam posto o
olho na possibilidade de transformar o modo como, dali em diante, o petróleo
seria negociado nos mercados mundiais.

Foi o advento do "petróleo papel", petróleo vendido em contratos futuros -
contratos independentes de entrega do cru físico, que podem ser muito mais
facilmente manipuláveis por grandes bancos, cujos preços são muito sensíveis a
boatos e a operações clandestinas sórdidas 'de mercado', e quanto mais sórdidas
mais lucrativas. Esse 'mercado' era meia dúzia de bancos de Wall Street que
denominavam as vendas futuras de petróleo e sabiam que posições preservar e que
posições vender - função insider muito conveniente, da qual não se fala em
reuniões sociais da boa sociedade.

Foi o começo da conversão do mercado de petróleo em cassino, no qual Goldman
Sachs, Morgan Stanley, JP MorganChase e uns poucos outros bancos gigantes de
Wall Street controlam as mesas de roleta.

Depois do aumento do petróleo da OPEP em 1973, quando o preço chegou a quase
400% em apenas alguns meses depois da Guerra do Yon Kippur em outubro de 1973, o
Tesouro dos EUA enviou emissário de alto nível a Riad, Arábia Saudita.

Em 1975, o secretário-assistente do Tesouro dos EUA Jack F. Bennett foi enviado
à Arábia Saudita para firmar um acordo com a monarquia, pelo qual o petróleo
saudita e de toda a OPEP passaria a ser negociado exclusivamente em EUA-dólares,
não mais em ienes japoneses, ou marcos alemães, ou o que fosse. Imediatamente
depois, Bennett assumiu um alto posto na Exxon.

Os sauditas exigiram altas garantias militares e equipamento de ponta, em troca
do 'acordo' e, daquele ponto em diante, por mais que países importadores de
petróleo tenham protestado, o petróleo é vendido em dólares em todos os mercados
do mundo, a preços determinados por Wall Street mediante o controle dos
derivativos e do mercado de futuros, como se faz na Bolsa Intercontinental
Exchange, ICE em Londres, na Bolsa de Mercadorias NYMEX, em New York, ou na
Bolsa Mercantil de Dubai, que determina o preço de referência para o cru árabe.
Todas essas instituições são propriedade de um fechadíssimo grupo de bancos de
Wall Street (Goldman Sachs, JP MorganChase, Citigroup e outros). Foi quando se
diz que o secretário de Estado Henry Kissinger teria dito que "Se você controla
o petróleo, você controla nações inteiras". O petróleo sempre foi o coração do
Sistema EUA-dólar, desde 1945.

Importância do preço referencial russo

Hoje, os preços do petróleo que a Rússia exporta são fixados conforme o preço
Brent negociado em Londres e New York. Com o lançamento do preço referencial da
Rússia, isso deve mudar, provavelmente muito dramaticamente. O novo tipo de
contrato para o cru russo em rublos será negociado na Bolsa Mercantil
Internacional de São Petersburgo (SPIMEX).

Os contratos referenciados ao preço Brent são usados atualmente para fazer
preço não só do petróleo cru russo. Fazem preço também de mais de 2/3 de todo o
petróleo negociado internacionalmente. O problema é que a produção do Mar do
Norte está caindo, a ponto de que hoje míseros 1 milhão de barris de Brent ali
produzido fazem o preço de 67% de todo o petróleo comercializado no mundo.

Contratos denominados em rublos russos podem dar mordida considerável na
demanda por petrodólares, tão logo comecem a aparecer.

A Rússia é o maior produtor de petróleo do mundo; a criação de um referencial
independente para o preço do petróleo russo, que seja independente do dólar, é
evento muito significativo, para dizer o mínimo. Em 2013 a Rússia produziu 10,5
milhões de barris/dia, pouco mais que a Arábia Saudita. Dado que país usa
predominantemente o gás natural, os russos podem exportar 75% de todo o petróleo
que extraem. A Europa é, de longe, o principal consumidor do petróleo russo,
comprando 3,5 milhões de barris/dia, ou 80% do total das exportações russas.

O petróleo Urals Blend, mistura de vários tipos de petróleo russo, é o item
mais exportado da 'carta' de petróleo russo. Principais consumidores são
Alemanha, Países Baixos e Polônia. Para avaliar com mais clareza o peso do preço
referencial que os russos estão criando, basta considerar que os demais grandes
fornecedores de cru para a Europa - Arábia Saudita (890 mil barris/dia), Nigéria
(810 mil b/d), Cazaquistão (580 mil b/d) e Líbia (560 mil b/d) - ficam muito
abaixo da Rússia, na relação de fornecedores para a Europa.

E, também, a produção doméstica de petróleo na Europa já entrou em declínio
acentuado. O petróleo extraído em toda a Europa caiu abaixo de 3 mi b/d em 2013,
acompanhando o declínio ininterrupto também no Mar do Norte, base do referencial
Brent.

Fim da hegemonia do dólar não prejudica os EUA

O movimento dos russos para negociar petróleo em rublos para os mercados
mundiais, especialmente para a Europa Ocidental, e cada vez mais para China e
Ásia pelo oleoduto SOOP (Sibéria Oriental-Oceano Pacífico) [ing. ESPO, Eastern
Siberia-Pacific Ocean] e por outras vias, precificado pelo novo referencial
russo, na Bolsa Mercantil Internacional de São Petersburgo não é, de modo algum,
o único movimento concebido por países dependentes do dólar, para escapar dessa
dependência na compra de petróleo.

Em algum momento, no início do próximo ano, a China, segundo maior importador
de petróleo do mundo, planeja lançar seu próprio contrato para compra de
petróleo a ser pago, não em dólares, mas em yuan chineses - a ser negociado na
Bolsa Internacional de Energia de Xangai.

Passo a passo, Rússia, China e outras economias emergentes estão tomando medidas
para reduzir o muito que dependem do EUA-dólar, para se "desdolarizar". Petróleo
é a mercadoria mais negociada no mundo e quase inteiramente em EUA-dólares. Se
essa relação desigual for rompida, a capacidade do complexo industrial militar
norte-americano para fazer guerras sofrerá duro baque.

Talvez assim se abram algumas portas para ideias mais pacíficas, menos
belicistas, sobre como gastar os dólares dos contribuintes norte-americanos para
reconstruir a infraestrutura básica da economia dos EUA, hoje reduzida às mais
escandalosas ruínas.

Em 2013, a Sociedade Norte-Americana de Engenheiros Civis estimou em $3,6
trilhões o investimento em infraestrutura básica de que os EUA carecem, se for
feito nos próximos cinco anos (se demorar mais que isso, os números crescem).

Aquele relatório informa que de cada nove pontes nos EUA, mais de 70 mil pontes
em todo o país, estão em estado precaríssimo. Quase 1/3 de todas as grandes
rodovias nos EUA estão em más condições. Só dois, dos 14 grandes portos que há
na costa leste têm condições de receber os super cargueiros que em breve estarão
chegando pelo recém alargado Canal do Panamá. Já há no mundo mais de 224 mil
quilômetros de trilhos para trens de alta velocidade; nem um metro deles em
território dos EUA.

Esse tipo de gasto em infraestrutura básica seria fonte muito mais
economicamente benéfica de empregos reais e de renda real para os EUA, que as
infindáveis guerras de que John McCain fez meio de vida. Investimento em
infraestrutura, como já escrevi incontáveis vezes, tem efeito multiplicador na
criação de novos mercados. Infraestrutura cria eficiências econômicas e
arrecadação da ordem de 11 dólares para cada dólar investido, porque toda a
economia ganha eficiência.

Declínio dramático no papel do dólar como moeda mundial de reserva, se
combinado com foco concentrado, à moda russa, na reconstrução da economia
nacional, em vez de deslocalizar tudo, terceirizar tudo em todos os casos, seria
excelente caminho para reequilibrar um mundo já completamente enlouquecido com
tantas guerras.

Por paradoxal que pareça, a desdolarização - que negue a Washington os meios
para financiar guerras futuras com o que o país recebe de chineses, russos e
outros compradores de papeis da dívida pública dos EUA - pode vir a ser valiosa
contribuição para um mundo de paz genuína. Não seria ótimo, para variar? *****+




Orig. Brent price. "Brent" é uma categoria de petróleo cru, que se subdivide em
Brent Crude, Brent doce leve, Oseberg e Forties. O Brent Crude é originário do
Mar do Norte. O nome 'Brent' foi criado por uma política interna da Shell, que
originalmente denominava seus campos de produção com nomes de aves (neste caso,
o ganso de Brent, ave típica do Mar do Norte) [NTs].


In
port.pravda.ru
http://port.pravda.ru/russa/13-01-2016/40168-petroleo_russia-0/
13/1/2016



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