sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Sem Terra usam a criatividade para desenvolver experiências educacionais no Ceará




De luta em luta, com criatividade e persistência, os Sem Terra do estado do
Ceará desenvolvem diversas experiências sobre a educação do campo no estado.

Por Gustavo Marinho



Da horta didática dos Sem Terrinha ao método cubano de alfabetização de jovens
e adultos “Sim, eu posso!”. Da banda de lata do sertão cearense às escolas de
Ensino Médio. De luta em luta, com criatividade e persistência, os Sem Terra do
estado do Ceará desenvolvem diversas experiências sobre a educação do campo no
estado.


Em reportagem anterior, foi mostrado como os Sem Terra erradicaram o
analfabetismo de jovens e adultos do campo e da cidade por meio do método cubana
“Sim, Eu Posso!”. A deficiência com a educação no campo no estado, no entanto,
não se dava apenas em torno dessa faixa etária.


Em paralelo, surgia também a necessidade de reivindicar a educação média nas
áreas da Reforma Agrária. Foi quando, em 2007, milhares de trabalhadores rurais
realizaram uma Marcha pelo estado para reivindicar do governo estadual a
construção de escolas de Ensino Médio no campo.


“Até então não existia escola de ensino médio. No máximo, o que se tinha era um
anexo das escolas da cidade”, recorda Sandra Maria Alves, diretora da escola
João Santos Oliveira, no Assentamento 25 de Maio, no município de Madalena.





Das 11 estruturas que a gestão estadual comprometeu-se na época, cinco já estão
em funcionamento - sendo quatro em assentamentos do MST -, três estão
finalizando as obras e quatro ainda estão em processo de licitação.


A escola João Santos Oliveira é uma dessas conquistas. “Uma estrutura como essa
num assentamento não estaria aqui se não fosse fruto da luta”, afirma Sandra.
Atualmente, a escola conta com cerca de 170 educandos de assentamentos da região
entre o 1º ao 3º ano, além de uma turma de Jovens e Adultos.


A partir dessas conquistas, iniciou-se o processo da construção do projeto
político pedagógico realizado pela militância do setor de educação do MST junto
aos assentados.


“Nós tínhamos consciência de que a base pedagógica comum não daria conta da
formação diferenciada dos homens e mulheres que queremos formar na Escola do
Campo”, explica Sandra.


Dessa forma, foram criados componentes diferenciados relacionados à realidade
social, política e organizacional da vida no campo.


Um exemplo é a disciplina de Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas, uma
aula com um agrônomo para acumular experiências no convívio com o Semiárido. Na
própria escola existe o chamado Campo Experimental de Agricultura Camponesa e
Reforma Agrária, uma área de 10 hectares com viveiro e hortas, onde os educandos
aprendem e compartilham experiências agroecológicas.


“De modo geral, todas as disciplinas devem contribuir de algum modo no Campo
Experimental, sempre relacionando com o conteúdo que eles estão trabalhando
dentro da sala de sala de aula”, diz a diretora.




Campo Experimental de Agricultura Camponesa e Reforma Agrária.

Nossa formação é muito voltada para o convívio com o meio ambiente. A partir dos
projetos e atividades que fazemos nas disciplinas, temos maior aproximação com a
natureza e entendemos melhor como nos relacionar com ela”, explica Sônia dos
Santos Paiva, de 15 anos e estudante do 1º ano.


A Matriz Curricular ainda conta com as disciplinas de Projeto e Pesquisa, com o
objetivo de familiarizar os educandos com a prática da pesquisa acadêmica ainda
no Ensino Médio, e a disciplina de Práticas Sociais Comunitária, que contribui
na dinâmica organizativa da escola.


“Aqui a gente aprende muita coisa diferente, além de participar de tudo que
envolve a escola”, afirma Daiane dos Santos, de 14 anos e também do 1º ano A.
Como explica Daiane, a comunidade é envolvida nas decisões da Escola, ao ajudar
no fortalecimento da organicidade do espaço escolar e na própria organização do
assentamento.





Matemática, geografia e agroecologia


Na mesma perspectiva pedagógica da escola João Santos de Oliveira, em trabalhar
temáticas a partir da realidade vivida cotidianamente pelos alunos, desde 2010,
diversas escolas do ensino infantil e fundamental também constroem uma
experiência educativa a partir do cultivo de hortas escolares.


O projeto “Crianças Construindo a Soberania Alimentar”, em parceria com a
organização italiana Intervita, traz a proposta do aprendizado a partir do
manejo de hortas. A prática contribui no processo educativo de diversas
disciplinas e ainda garante uma alimentação nutritiva e saudável aos educandos.





“Aprendi que agrotóxico é, na verdade, veneno. E que tem gente que usa esse
veneno nas frutas, mas faz mal à saúde e não pode usar”, conta entusiasmada a
Sem Terrinha Maria Jaciara, de 8 anos e aluna da 4ª série na Escola de Ensino
Infantil e Fundamental Raimundo Facó, no assentamento Antônio Conselheiro, no
município de Aracoiaba.


A horta didática levou para a escola muito mais que o aprendizado
agroecológico. Todas as disciplinas tiveram que dar sua contribuição para manter
a horta bonita, viva e cheia de lições.


A organização da horta entrou com o cultivo em formas geométricas, com as
crianças fazendo contas para saber o local exato de plantar. A geografia
construiu uma mandala em formato de rosa dos ventos para ensinar os pontos
cardeais.


“A proposta de construir a horta nas escolas veio da própria dinâmica das
famílias do assentamento, já que as crianças já tinham a horta como referência.
Utilizamos isso no processo de aprendizado para envolver cada vez mais os
educandos nas disciplinas, trazendo-as mais próximas à realidade de todos”,
comenta Tereza Bráz Lopes, presidente da associação do assentamento.





Nem a brava seca dos últimos dois anos foi o suficiente para que o projeto fosse
abandonado. Ao contrário, foi mais um ensinamento em que as crianças adaptaram
os cultivos com as culturas que resistem à falta d’água. Toda produção é voltada
à merenda escolar, que também cultiva sua própria farmácia viva e seu banco de
sementes.


A existência da horta na escola acabou por mudar o hábito alimentar das
crianças. A rejeição com os legumes, por exemplo, deixou de existir. “No início
havia uma resistência muito grande para comer. Começamos passando os legumes no
liquidificador até conquistar o paladar de cada um. Ninguém queria tomar o suco
verde, e a partir das oficinas de educação alimentar e agroecologia, todo mundo
aprovou o que vinha da horta”, conta Islan Queiroz.


Ao som das Latas


Ir ao Assentamento Recreio, no município de Quixeramobim, Sertão Central do
estado do Ceará e não ouvir uma batida de lata é quase impossível. Por lá, a
música já faz parte da rotina dos assentados, que junto à produção, à
organização e à luta, regem o dia a dia de quem vive por ali.


Tudo começou na escola do assentamento, Criança Feliz. Um dos educadores da
escola, Adriano Leonel, cursava Pedagogia da Terra pelo Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (Pronera), na Universidade Federal do Ceará (UFC), e
uma de suas disciplinas de atividades culturais criou uma banda de lata com os
educandos da turma.





“Como era professor do assentamento, trouxe a experiência para desenvolver com
as crianças aqui da escola. No segundo semestre de 2005 lançamos a proposta de
desenvolver o projeto da banda de lata com as crianças aos sábados, envolvendo a
música e arte dentro do currículo escolar”, conta.


Aos montes, latas e baldes começaram a deixar suas casas para se integrarem nas
produções musicais. “Quadras Populares” foi uma das músicas desse processo, a
partir de uma pesquisa sobre os ditados populares usados no assentamento.
“Começávamos a discutir a escrita dos ditados e até questões mais gerais que
envolviam os ditos populares, como no caso do preconceito que alguns ditos
carregam”.


A partir de elementos das músicas populares e da vida no assentamento, a turma
começou a construir suas próprias letras. “Já tínhamos os instrumentos e as
letras, o próximo passo foi dar ritmo para o que havíamos criado”, lembra
Adriano.




Adriano Leonel, um dos entusiastas da Banda de Lata.

Todo o trabalho de construção das músicas foi feito com a participação dos
próprios educandos, com a utilização de técnicas que Adriano trazia de seu curso
de Pedagogia.


Com a rotina de ensaio na escola, a comunidade começou a ficar de orelha em pé
e pressionavam pela primeira apresentação da turma. A oportunidade surgiu no dia
das crianças, em 2005, numa festa no assentamento.


A história da banda estava apenas começando. Por ironia do destino, o palhaço
que estava fazendo a animação da festa trabalhava numa das rádios da cidade e
falou da banda em seu programa. Uma das pessoas que ouvia a rádio naquele
momento era uma funcionária da Secretaria de Educação do município, que fez o
convite às crianças para que se apresentassem num festival que estavam
promovendo.


Essa apresentação foi a porta para a banda crescer e se espalhar por diversos
municípios do estado, levando a arte e a cultura Sem Terra sob o som das Latas.
“A nossa banda é um grande exemplo dos frutos da educação no campo. Nossos
jovens têm pouca perspectiva de vida no campo frente ao agronegócio, e muitos
acabam migrando para a cidade. A banda foi e é um grande incentivo para a
permanência no assentamento”, destaca Adriano.


Muitas das crianças que iniciaram os primeiros passos da banda, hoje já
adolescentes e jovens, continuam batendo lata e dando continuidade à história.
Além do processo de aprendizagem musical, os integrantes também utilizam seus
espaços de reunião como momentos de debates sobre os mais variados temas,
contribuindo no processo de formação das crianças e adolescentes.


Da sexualidade a grandes nomes da música, tudo é pauta para o bate papo dos
jovens. A banda, que já tem um CD gravado, conta com diversas gerações do
assentamento. Adryany Maciel, de 12 anos, entrou na banda no início de 2014.





“Eu era muito envergonhada, mas com os ensaios acabei me acostumando. Hoje somos
referência não só no assentamento, mas em toda a cidade de Quixeramobim”.


Já Kamila Leonel, de 17 anos, integra a banda desde o começo e topou a
iniciativa logo de primeira. “Foi por ela que eu aprendi muita coisa de arte, de
cultura, e é por tudo que já aprendi que continuo”, disse Kamila, que
atualmente faz graduação em letras.


Desde 2009 a associação do assentamento conseguiu trazer um ponto de cultura.
Com isso, as oficinas e o tele centro ajudam no desenvolvimento e na formação
dos moradores.


“A Banda de Lata cumpre um papel importante no desenvolvimento cultural,
artístico e político dos que ousaram bater na lata e levar o ritmo da Reforma
Agrária pelos quatro cantos”, acredita Adriano.

In
MST
http://www.mst.org.br/2016/01/27/ao-som-das-latas-a-horta-madala-sem-terra-desenvolvem-experiencias-educacionais-no-ce.html
27/1/2016

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