terça-feira, 7 de julho de 2020

Mensagem aos leitores de Hong Kong




    – Como vendemos a União Soviética e a Checoslováquia por sacos de
    plástico

*por Andre Vltchek [*]

Protestos em Hong Kong. Esta foi uma história que, durante meses, quis
partilhar com os jovens leitores de Hong Kong. Parece-me ser agora o
momento realmente apropriado, quando a batalha ideológica entre o
Ocidente e a China está ao rubro, e, em resultado, Hong Kong e o resto
do mundo estão a sofrer.

Quero dizer que nada disto é novo, o Ocidente já desestabilizou muitos
países e territórios através da lavagem ao cérebro de dezenas de milhões
de jovens.

Eu sei, porque no passado fui um deles. Se não tivesse sido, seria
impossível entender o que acontece em Hong Kong.

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Nasci em Leninegrado, uma bela cidade da União Soviética. Agora chama-se
São Petersburgo e o país é a Rússia. Minha mãe é meio russa, meio
chinesa, artista e arquiteta. A minha infância foi dividida entre
Leninegrado e Pilsen, uma cidade industrial conhecida pela sua cerveja,
no extremo ocidental do que costumava ser a Checoslováquia. O meu pai
era cientista nuclear.

As duas cidades eram diferentes. Ambos representavam algo essencial no
planeamento Comunista, um sistema que os propagandistas ocidentais
ensinaram vocês a odiar.

Leninegrado é uma das cidades mais impressionantes do mundo, com alguns
dos maiores museus, teatros de ópera e ballet, espaços públicos. No
passado, foi a capital da Rússia.

Pilsen é pequena, com apenas 180 mil habitantes. Mas quando eu era
criança, contava com várias excelentes bibliotecas, cinemas de arte, um
teatro de ópera, teatros de vanguarda, galerias de arte, um parque
zoológico de pesquisa, e coisas que não se podiam encontrar, como
percebi mais tarde (quando era tarde demais) mesmo em cidades dos EUA
com um milhão de habitantes.

Ambas as cidades, uma grande e uma pequena, tinham excelentes
transportes públicos, vastos parques e florestas que chegavam até aos
arredores, além de cafés elegantes. Pilsen tinha inúmeras instalações
gratuitas de ténis, estádios de futebol e até quadras de badmington.

A vida era boa e significativa. Era rica. Não rica em termos de
dinheiro, mas rica culturalmente, intelectualmente e em termos de saúde.
Ser jovem era divertido, com ensino gratuito e facilmente acessível, com
cultura por todo o lado e desportos para todos. O ritmo era lento: com
tempo de sobra para pensar, aprender, analisar.

Mas, também estávamos no auge da Guerra Fria.

Éramos jovens, rebeldes e fáceis de manipular. Nunca estávamos
satisfeitos com o que nos era dado. Tomávamos tudo como garantido. À
noite, ficávamos colados aos nossos receptores de rádio, ouvindo a BBC,
a Voice of America, a Radio Free Europe e outros programas transmitidos
com o objectivo de desacreditar o socialismo e todos os países que
lutavam contra o imperialismo ocidental.

As grandes empresas industriais socialistas checas construíam, em
solidariedade, fábricas inteiras, de siderurgias a refinarias de açúcar,
na Ásia, Médio Oriente e África. Mas não víamos glória nisso porque os
meios de propaganda ocidentais simplesmente ridicularizavam esses
empreendimentos.

Os nossos cinemas exibiam obras-primas do cinema italiano, francês,
soviético e japonês. Mas diziam-nos para exigirmos o lixo dos EUA.

A oferta musical era óptima, das exibições ao vivo aos discos. Quase
toda a música estava, na verdade, disponível, embora com algum atraso,
em lojas locais ou mesmo nas salas de espectáculo. O que não era vendido
nas nossas lojas era o lixo niilista. Mas era exactamente isso que nos
diziam para desejar. E nós passámos a desejar e a copiar essa música com
reverência religiosa, para os nossos gravadores. Se algo não estivesse
disponível, os meios de comunicação ocidentais gritavam que era uma
grave violação da liberdade de expressão.

Eles sabiam, e sabem, como manipular cérebros jovens.

Em dado momento, fomos convertidos em jovens pessimistas, criticando
tudo nos nossos países, sem comparar, sem o mínimo de objectividade.
Parece-vos habitual?

Diziam-nos e repetíamos: tudo na União Soviética ou na Checoslováquia é
mau. Tudo no Ocidente é óptimo. Sim, era como uma religião
fundamentalista ou loucura em massa. Quase ninguém estava imune. Na
verdade, estávamos infectados, doentes, transformados em idiotas.

Estávamos a usar instalações públicas socialistas, de bibliotecas a
teatros e cafés subsidiados, para glorificar o Ocidente e manchar as
nossas próprias nações. Foi assim que fomos doutrinados pelas estações
de rádio e televisão ocidentais e pelas publicações contrabandeadas para
os nossos países.

Naqueles dias, os sacos de plástico do Ocidente tornaram-se símbolos de
status social! Sim, aquelas sacolas que se obtêm em alguns supermercados
ou lojas baratas.

Quando penso nisso a uma distância de várias décadas, mal consigo
acreditar: jovens educados, andando pelas ruas com orgulho, exibindo
sacos de plástico baratos, pelos quais pagávamos uma elevada quantia.
Porque vinham do Ocidente. Porque simbolizavam consumismo! E porque nos
diziam que o consumismo era bom.

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Disseram-nos que deveríamos desejar a liberdade. Liberdade ao estilo
ocidental. Fomos assim comandados para "lutar pela liberdade".

De várias maneiras, éramos muito mais livres que no Ocidente. Verifiquei
isso quando cheguei a Nova York e vi como os jovens da minha idade eram
tão pouco instruídos e quão pouco conheciam do mundo. Quão pouca cultura
havia, em cidades norte-americanas de média dimensão.

Nós queríamos, nós exigíamos jeans. Estávamos ansiosos por música com
etiquetas ocidentais exibidas nos seus LPs. Não era sobre a essência ou
a mensagem. Era a forma sobre o conteúdo.

A nossa comida era mais saborosa, produzida ecologicamente. Mas
queríamos embalagens ocidentais coloridas. Exigíamos produtos químicos.
Estávamos constantemente furiosos, agitados, provocadores.
Antagonizávamos as nossas famílias. Nós éramos jovens, mas sentíamo-nos
velhos.

Publiquei o meu primeiro livro de poesia, depois saí, bati com a porta
atrás de mim e fui para Nova York. Logo depois, apercebi-me de como
estava enganado!

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Esta é uma versão muito simplificada da minha história. O espaço é
limitado.

Mas estou feliz por poder partilhá-lo com meus leitores de Hong Kong e,
é claro, com meus jovens leitores de toda a China.

Dois países maravilhosos que costumavam ser a minha casa foram traídos,
literalmente vendidos por nada, por pares de jeans e sacos de plástico.

O Ocidente festejou! Meses após o colapso do sistema socialista, ambos
os países foram literalmente roubados de tudo pelas empresas ocidentais.
As pessoas perderam suas casas e empregos e o internacionalismo foi
dissuadido. Magníficas empresas socialistas foram privatizadas e, em
muitos casos, liquidadas. Teatros e cinemas de arte foram convertidos em
lojas de roupa usada barata.

Na Rússia, a expectativa de vida caiu para os níveis da África
subsariana. A Checoslováquia foi dividida em duas partes.

Agora, décadas depois, a Rússia e a República Checa estão novamente
prósperas. A Rússia possui muitos elementos de um sistema socialista com
planeamento central.

Mas sinto falta dos meus dois países, tal como costumavam ser e todas as
sondagens mostram que a maioria das pessoas também sente a sua falta.
Também me sinto culpado, dia e noite, por me permitir ter sido
doutrinado, usado e levado a trair.

Depois de ver o mundo, entendo que o que aconteceu com a União Soviética
e na Checoslováquia também aconteceu em muitas outras partes do mundo. E
agora, o Ocidente está a pretender fazer o mesmo à China, usando Hong Kong.

Quer na China, quer em Hong Kong, continuo sempre a repetir:   por
favor, não sigam o nosso terrível exemplo. Defendam o vosso país! Não o
vendam, em termos metafóricos, por alguns sacos de plástico sujos. Não
façam algo que lamentariam pelo resto das vossas vidas!

21/Junho/2020

*[*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Fez a
cobertura de guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus
últimos livros são /Revolutionary Optimism, Western Nihilism / , a
novela revolucionária /"Aurora" / e a o best-seller político: /"Exposing
Lies Of The Empire" / . Atualmente, Vltchek reside no Leste asiático e
no Médio Oriente e continua a trabalhar em todo o mundo. Pode ser
contactado através do seu site e do Twitter. Escreve especialmente para
a revista online /"New Eastern Outlook / "

O original encontra-se em www.chinadailyhk.com/...
<https://www.chinadailyhk.com/article/134280#How-we-sold-Soviet-Union-and-Czechoslovakia-for-plastic-shopping-bags>
e em orinocotribune.com/...
<https://orinocotribune.com/how-we-sold-soviet-union-and-czechoslovakia-for-plastic-shopping-bags-message-to-honk-kong-readers/>

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/crise/vltchek_hong_kong_21jun20.html#asterisco
7/7/2020

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