sexta-feira, 3 de julho de 2020

Os novos modos de produção e a destruição do emprego



 por Luis Nassif

Valendo-se do impeachment, empurrou-se goela abaixo do país o desmonte
total da proteção trabalhista, sem colocar nada no lugar.



Um jovem empreendedor montou o seguinte negócio, valendo-se das redes
sociais.

Decidiu fabricar roupas. Pelas redes sociais, localizou designer
disposto a desenhar sua coleção.

Também em grupos de Facebook, localizou costureiras e estampadores.
Nesses grupos, a pessoa anuncia o que precisa e recebe os currículos,
alguns morando em localidades bem distantes. Por aplicativo acertou um
sistema com entregadores, que levam os tecidos e trazem o produto
trabalhado.

Seu papel é encontrar mercado. Depois de um período de produção de
varejo, conseguiu uma encomenda grande com uma marca de cosméticos, para
roupas com o logotipo da empresa.

Trata-se de um modelo que se iniciou anos atrás, em escala maior, quando
começou o processo de globalização da economia e o país emergiu da
pesada centralização dos anos 80.

Lembro-me de dois casos interessantes em fins dos anos 90.

Um deles era uma importadora americana de roupas e calçados brasileiros.
Ela prospectou lojas de departamentos de roupas da moda em Nova York e
descobriu uma demanda dos clientes. Na época, o Brasil estava na moda e
havia boa saída de tamancos e sandálias para roupas de praia. Só que as
clientes queriam roupas íntimas colantes, para empinar o bumbum. E, com
as canelas de fora, não havia meia adequadas.

Ela bolou uma coleção, pela qual o colante ia até o meio das coxas.
Procurou um fornecedor brasileiro, as Meias Lupo se não me engano, e
trouxe uma encomenda relevante.

Outro caso foi de um exportador de lã tingida. Ele organizou a cadeia
produtiva,. Identificou plantadores com problemas econômicos e garantiu
capital de giro. Depois, acoplou empresas de fiação, de tingimento, e
armazéns. E saiu pelo mundo buscando mercado.

Na época, sugeri a montagem de um sistema organizando os Arranjos
Produtivos Locais de roupas e tecidos. Se montaria um grande banco de
dados onde esses grupos se cadastrariam. Haveria testes para certificar
o nível de qualidade de cada fabricante. Depois, se estimularia a figura
do trader especializado, que sairia pelo mundo buscando mercado e
planejando coleções. Essa demanda seria colocada na base de dados, e
oferecida para os APLs credenciadas.

Na época, não havia familiaridade com aplicativos e redes virtuais.  Mas
o modelo da produção descentralizada já estava dado.

O caso mais bem sucedido foi o de Nova Serrana, perto de Belo Horizonte,
que montou um polo calçadista respeitável valendo-se do apoio de
organizações nacionais, como o Sebrae e o Sesi, e de algumas lideranças
locais responsáveis que incutiram na cidade o conceito da colaboração.
Montaram redes de produção complementares, com uma empresa em cada etapa
da fabricação.

A legislação trabalhista era incompatível com o modelo. Para atender à
lei, houve a necessidade de gambiarras acionárias, com uma empresa
participando do capital da outra, para não caracterizar terceirização da
atividade principal.

Tudo isso levou à constatação da necessidade da modernização da
legislação trabalhista, inclusive do papel dos sindicatos – ainda
amarrados ao modelo de carteira de trabalho. Só que jogou-se a criança
fora com a água do banho. Valendo-se do impeachment, empurrou-se goela
abaixo do país o desmonte total da proteção trabalhista, sem colocar
nada no lugar.

Ora, em fase de grandes mudanças, com modelos que reduzem a formalidade
do trabalho e tecnologias que destroem o emprego, mais do que nunca era
preciso sindicatos fortes, negociando com associações empresariais
fortes, a fim de se chegar a uma legislação que modernizasse as relações
trabalhistas sem destruir as redes de proteção social.

Sem essa rede, o país entra em uma fase crucial destruindo seu mercado
de trabalho. E, com ele, comprometendo o mercado de consumo.

In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/os-novos-modos-de-producao-e-a-destruicao-do-emprego-por-luis-nassif/
3/7/2020

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